Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
69/17.9GCSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: TENTATIVA IMPOSSÍVEL
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C GENÉRICA DE SÁTÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: : RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 23.º, N.º 3, DO CP
Sumário:
I – O critério da manifesta (ina)adequação da acção ao resultado típico não é um juízo de representação, subjectivo, do arguido – que tem que estar convencido da idoneidade do meio, sob pena de não ser possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime. Mas é antes um juízo objectivo, do ponto de vista do cidadão comum suposto pela ordem jurídica, de causalidade adequada da ação para, naquelas circunstâncias, alcançar ou colocar em perigo o resultado previsto no tipo de crime.
II – Resultando provado da matéria de facto que o arguido, quando abriu o sacrário, com a chave de fendas, pretendia apropriar-se, não só, das arcádias em ouro da imagem de Nossa Senhora E… (que, num juízo objetivo de normalidade, não se encontrariam no sacrário, destinado à custódia do Santíssimo Sacramento, na expressão do Rev. Pároco da localidade, referenciada na motivação da sentença), mas servia-lhe qualquer bem com relevo económico que ali pudesse estar guardado e “que lhe interessasse”.
III - Apelando ao juízo ex ante, de prognose póstuma, do ponto de vista de um observador normal, colocado naquelas circunstâncias, não só a acção não se apresenta manifestamente inadequada para por em perigo o resultado típico, como se afigura evidente que, almejando o arguido apropriar-se de qualquer bem com valor económico que ali pudesse estar guardado, pôs efectivamente em perigo o bem jurídico tutelado pelo tipo de crime.
IV - Só não o tendo conseguido por fator imponderável – o sacrário não conter, no momento, nada do que era suposto conter ou que ali pudesse estar guardado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO
Nos autos de processo comum, tribunal singular, em referência, após realização da audiência de discussão e julgamento com exercício amplo do contraditório, foi proferida a sentença com o seguinte DISPOSITIVO:
1) Decide-se julgar totalmente procedente a acusação pública deduzida e, consequentemente, condenar o arguido A… pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º1 e 204º, n.º1, al.c), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; e
2) Totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido contra o arguido, condenando-o a pagar à B... a quantia de € 500,00.
*
Inconformado com tal sentença, dela recorre o arguido.
Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
1. O ora Recorrente vem interpor recurso, em virtude da violação e errada aplicação pelo Tribunal a quo dos arts. 23º, nº 3 e 50º do Código Penal.
2. O recorrente admitiu ter-se dirigido à B…, munido de uma chave de fendas, com a intenção de, do interior do sacrário sito na ala lateral esquerda, por baixo da imagem de Nossa Senhora E..., retirar e fazer seu aquilo que julgava ali se encontrar guardado.
3. Contudo, o recorrente nada retirou do interior do referido sacrário em virtude do mesmo se encontrar vazio.
4. Resultou do depoimento prestado pela testemunha F..., pároco da C... há cerca de 12 anos, que aquele sacrário está sempre vazio, nada ali sendo guardado, e que tal facto é do conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente da população da C....
5. Verifica-se, assim, que o recorrente nunca teria logrado alcançar o seu objectivo, uma vez que o sacrário em causa está sempre vazio.
6. A inexistência do objecto essencial à consumação do crime era, segundo as circunstâncias particulares do presente caso e segundo o critério da generalidade adaptado à realidade da comunidade onde o agente actuou e atendendo às regras da experiência comum dessa comunidade, manifesta, pública e evidente.
7. Assim, contrariamente ao entendimento defendido pelo Tribunal a quo, o caso dos presentes autos configura uma tentativa manifestamente impossível, em virtude da inexistência de objecto, a qual, nos termos do disposto no nº 3, do art. 23º da C. Penal, não é punível.
8. Pelo que, devia o Tribunal a quo ter absolvido o arguido recorrente do crime de furto qualificado, na forma tentada, de que vinha acusado.
Sem prescindir,
9. Discorda-se do entendimento do Tribunal a quo ao não ter suspendido a pena de prisão aplicada ao recorrente, atendendo às necessidades de prevenção e reprovação criminal.
10. A douta Sentença não relevou, como deveria, a conduta do recorrente posterior ao crime, com ausência de cometimento de outros crimes, assumindo o significado e consequências do seu comportamento.
11. O recorrente confessou desde o primeiro momento, em fase de inquérito, os factos, demonstrando que reconheceu o desvalor da sua conduta e a pretensão de assumir, como efectivamente assumiu, em pleno as responsabilidades e as consequências da mesma.
12. O recorrente demonstrou, ainda, estar arrependido e ter vontade e capacidade de mudar e de viver segundo os valores ético-sociais juridicamente protegidos.
13. O recorrente está inserido num meio familiar estável e encontra-se a procurar integração profissional.
14. O Tribunal a quo não aplicou a norma constante do artigo 50º, do Código Penal.
15. Ao caso concreto, é suficiente a ameaça da prisão, para a realização das finalidades de prevenção geral e especial.
16. Daí que, se entenda poder aplicar-se o instituto da suspensão da execução de pena de prisão.
17. A douta Sentença recorrida deve, assim, suspender a execução da pena de prisão de um ano e seis meses, por se verificarem preenchidos os pressupostos constantes do artigo 50º do Código Penal.
TERMOS EM QUE,
E pelo que mais doutamente por V/Exas. será suprido, Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de que vem acusado.
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Notificado da fundamentação do recurso, respondeu-lhe o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando, em síntese conclusiva:
1. Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, a tentativa impossível não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime.
2. A inexistência é manifesta quando a mesma é evidente, num juízo ex ante, de prognose póstuma, do ponto de vista do observador normal, colocado nas concretas circunstâncias do agente.
3. No caso concreto destes autos, qualquer homem mediano, colocado nas concretas circunstâncias do arguido/recorrente, acreditaria que, no interior de um sacrário de uma Igreja, se encontrariam objetos relacionados com o culto religioso, de valor superior a 102,00€ (cento e dois euros).
4. E isto ainda que a generalidade das pessoas da localidade que frequentam aquele espaço religioso soubessem que, aquele local, por norma, apenas é utilizado numa determinada altura do ano que não aquela em que o agente atuou.
5. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo em conta que a inexistência de objeto não era óbvia, patente, evidente para qualquer indivíduo colocado naquelas circunstâncias, a tentativa é, pois, punível nos termos do mencionado preceito legal.
6. Não é possível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão quando o arguido pratica um crime de furto qualificado tentado depois de ter sido já condenado, por cinco vezes, pela prática de outros crimes de furto qualificado, sendo os factos praticados no decurso do prazo de suspensão de três dessas pena de prisão.
7. Assim, pese embora a bondade dos argumentos aduzidos pela recorrente, cremos que a douta sentença em crise não violou qualquer das normas legais apontadas.
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No Parecer a que se reporta o art. 117º do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta secunda, aprofundando-a, a argumentação apresentada na resposta. Sustentando, em síntese, que “a acção do arguido é objectivamente idónea para colocar em perigo os bens jurídicos protegidos (objectos de culto) e é esse perigo, que, mesmo na ausência desses bens no local, naquele momento, fundamenta a punibilidade da conduta do arguido”
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, não tendo o recorrente apresentado reposta.
Corridos vistos, nada impedindo a apreciação de mérito, cumpre conhecer dos fundamentos do recurso.


II. FUNDAMENTAÇÃO
1-Vistas as conclusões, que delimitam o objeto do recurso, são duas as questões, de direito, a apreciar: - verificação no caso, da previsão do art. 23º, nº3 do CP, ou seja, se a atuação do arguido definida na matéria provada configura uma tentativa impossível, não punível; e - suspensão da pena de prisão.
Para proceder à apreciação importa ter presente a decisão da matéria de facto.

2. A decisão da matéria DE FACTO, não impugnada, com a motivação probatória que a suporta (que se reproduz por permitir uma melhor compreensão dos factos), é a seguinte:
2.1. Factos Provados:
(…)
- Factos Não Provados
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.
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- Motivação da decisão da matéria de facto / apreciação da prova
O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento em conjugação com os documentos juntos aos autos, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum, como determina o artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Ancorou-a, além do mais, nas declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pelo próprio arguido, que confessou de modo espontâneo, integralmente e sem reservas os factos vertidos na acusação pública contra si deduzida – confissão que, atenta a sua sinceridade, não suscitou qualquer reserva.
Não pondo em causa as circunstâncias de tempo, admitiu ter-se dirigido à B…, munido de uma chave de fendas, com a intenção, de, do sacrário sito por baixo da imagem de Nossa Senhora E..., retirar e fazer suas as arcádias em ouro daquela imagem, que julgava encontrarem-se ali guardadas. Especificamente questionado, respondeu ter a noção de que as arcádias em ouro tinham valor superior a € 102,00. Explicou a forma como acedeu ao interior do sacrário, partindo a fechadura do mesmo com recurso à chave de fendas que levava consigo. Rematou, declarando que, contrariamente ao que achava, as ditas arcádias não se encontravam ali.
A confissão do arguido não foi posta em causa pela demais prova produzida, designadamente pelo depoimento prestado pela testemunha F..., pároco da C... desde há cerca de 12 anos. Efectivamente, ainda que tal testemunha tenha dito que naquele sacrário apenas guardam o Santíssimo Sacramento na altura da Páscoa e que nunca ali guardaram as ditas arcádias, a verdade é que tal não afasta o convencimento por parte do arguido de coisa diferente, até porque aquele local, fechado, seria adequado para guardar objectos de valor, além de que, tratando-se do sacrário da Nossa Senhora E..., seria normal que ali guardassem os objectos relacionados com a imagem desta Santa ou outros afectos ao culto religioso. A testemunha F... ainda afirmou ter sido necessário reparar a porta do sacrário – que precisou ser, não o principal, mas o de Nossa Senhora E..., sito na ala lateral esquerda -, o que importou um custo de € 500,00, comprovado pela factura junta aos autos a fls. 145.
No que toca aos antecedentes criminais do arguido, resultam do teor do certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 116 a 127.
Em relação às condições pessoais e de vida do arguido, o Tribunal teve em conta o teor do relatório social junto aos autos a fls. 142 e ss., em conjugação com as declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento.


3 Apreciação
Está em causa no recurso, exclusivamente, a qualificação jurídica da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido - não impugnada - na perspetiva da verificação da tentativa impossível, não punível e da eventual suspensão da execução da prisão.
Relativamente ao conceito de tentativa impossível, dispõe o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal: A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime.
Na lição de Figueiredo Dias (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, a pp. 715 e 716) «o ponto de partida será assim o de que, no caso concreto, a tentativa apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento (…) que por esta via se alcançará uma justificação da exigência legal, para a impunibilidade da tentativa, de que a inaptidão do meio ou a carência do objecto, se revelem como manifestas».
Concluindo o mesmo autor que «sobre a perigosidade decidirá um juízo ex ante, um juízo de prognose póstuma, isto é (...) um juízo levado a cabo por um observador colocado no momento da execução e sabedor de todas as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis do agente (…) podendo por isso aproveitar-se aqui uma formulação (...) segundo a qual a vontade delituosa do agente não conduziria à punibilidade quando a inaptidão do meio ou a carência do objecto fossem visíveis ou manifestas para a generalidade das pessoas de são entendimento. Assim, pois, a tentativa impossível será punível se, razoavelmente, segundo as circunstâncias do caso e de acordo com um juízo ex-ante, ela era ainda aparentemente possível ou (como prefere exprimir-se o art. 23º-3) não era manifestamente impossível»
Sobre a mesma questão Faria Costa (in Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p.165) afirma que «o verdadeiro cerne da punibilidade da tentativa impossível reside (...) na avaliação da perigosidade referida ao bem jurídico, sendo certo que nesta hipótese, em boas contas, o bem jurídico não existe, o que há é uma aparência de bem jurídico e neste sentido pareceria que a tentativa impossível, quando não fosse manifesta a inexistência do objecto, também não deveria ser punível, pois que falta o bem jurídico. Todavia tem se fazer apelo, neste ponto, a uma ideia de normalidade - segundo as aparências - que se baseia num juízo ex ante de prognose póstuma. É que, entende-se, dado o circunstancialismo em que o agente actuou o desvalor da acção merece ser punido não obstante não existir bem jurídico. E merece-o porque denotou perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que esta assuma a forma de mera aparência. Mas mesmo que assim se não entenda é correcto dizer-se que o direito penal ao visar primacial mente a protecção de bens jurídicos precipitados no tipo legal não pode esquecer, do mesmo passo, que a norma incriminadora – na sua dimensão de determinação – também proíbe as condutas que levam à violação ou perigo de violação daqueles bens jurídicos».
Na lição de Germano Marques da Silva (In Direito Penal Português, Teoria do Crime, Universidade Católica Editora, p. 327) «Trata-se (…) de um ilícito sui generis, um ilícito básico, um crime de perigo abstrato-concreto, pois apenas se exige que os atos de execução sejam em si mesmo capazes de ofender o bem jurídico e só não o ofendendo por circunstâncias anómalas. Só se forem manifestas, patentes, estas circunstâncias anómalas já no momento da execução, não para o autor mas para o homem comum colocado na mesma situação do autor, ou seja, se for manifesto que os atos de execução perpetrados não podem, atentas as circunstâncias do caso, ofender o bem jurídico tutelado pelo crime consumado e por isso consumá-lo é que a tentativa não é punível».
Na mesma perspectiva sobre o conceito de manifesta inidoneidade da ação, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/03/20093, p. n.º 07P1769, disponível em www.dgsi.pt.:
«Este conceito de “manifesto” é, então, sinónimo de claro, ostensivo, público ou evidente, não para o agente, mas para a generalidade das pessoas, posto que o primeiro tem que estar convencido da idoneidade do meio, sem o que não é possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime; sendo assim, este juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio é um juízo objetivo».
E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/01/2017, processo n.º 214/14.6GAPMS.C1: «A manifesta inaptidão do meio empregado pelo agente e a manifesta inexistência do objeto essencial à consumação do crime – fatores de não punibilidade – são objetivamente aferidas, à luz das circunstâncias do caso, de acordo com as regras da experiência comum, segundo um juízo de prognose póstuma de um observador colocado, no momento da execução, na mesma situação do autor».
O critério da manifesta (ina)adequação da acção ao resultado típico não é, pois, um juízo de representação, subjectivo, do arguido – que tem que estar convencido da idoneidade do meio, sob pena de não ser possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime. Mas antes um juízo objectivo, do ponto de vista do cidadão comum suposto pela ordem jurídica, de causalidade adequada da ação para, naquelas circunstâncias, alcançar ou colocar em perigo o resultado previsto no tipo de crime.
Sendo certo que no referido juízo não está em causa, apenas, a conexão entre ação e resultado, mas também uma valoração jurídica daquela conexão. Apenas se excluindo os processos causais atípicos que só produzem o resultado típico em virtude de um encadeamento extraordinário e improvável de circunstâncias.
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Aplicando os ensinamentos referenciados ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada, com relevo, designadamente que: -
“1. (…) o arguido dirigiu-se à B… (…) munido de uma chave de fendas, com intenção de, do interior do sacrário sito na ala lateral esquerda, retirar e fazer seu o que lhe interessasse, contra a vontade do seu dono. (…)
6. O arguido agiu com a intenção de subtrair e fazer suas pelo menos as arcádias em ouro da imagem de Nossa Senhora E... (…)”.
Resulta assim, de tal matéria, que o arguido, quando abriu o sacário, com a chave de fendas, ao contrário do que parece supor toda a fundamentação do recurso não pretendia – apenas e exclusivamente - apropriar-se das “arcádias em ouro da imagem de Nossa Senhora E... (que, num juízo objetivo de normalidade, não se encontraria
m no sacrário, destinado à custódia do Santíssimo Sacramento, na expressão do Rev. Pároco da localidade, referenciada na motivação da sentença).
O arguido pretendia mais do que isso – servia-lhe qualquer bem com relevo económico que ali pudesse estar guardado e “que lhe interessasse”.
Não pequena diferença que deita por terra toda a construção sobre a inidoneidade manifesta da ação e do correspondente perigo de lesão do bem jurídico protegido pelo tipo de crime.
Com efeito, embora constituindo o sacrário o local de custódia do símbolo supremo da religião cristã, ainda que não fosse previsível que ali pudessem estar guardadas “as arcádias de ouro” da imagem de nossa senhora (e tratava-se não do sacrário principal, mas de um secundário, no altar lateral junto à falada imagem, conforme depoimento do pároco referido na motivação probatória da sentença), não era pelo menos de afastar, muito menos manifestamente, em termos da falada impossibilidade, a existência de bens valiosos do ponto de vista económico, almejados pelo arguido, designadamente a custódia, valiosa, onde é comum ser guardado Santíssimo Sacramento. Tanto mais tratando-se de um sacrário secundário, colocado num altar lateral.
Assim, apelando ao referido juízo ex ante, de prognose póstuma, do ponto de vista de um observador normal, colocado naquelas circunstâncias, não só a acção não se apresenta manifestamente inadequada para por em perigo o resultado típico, como se afigura evidente que, almejando o arguido apropriar-se de qualquer bem com valor económico que ali pudesse estar guardado, pôs efectivamente em perigo o bem jurídico tutelado pelo tipo de crime. Só não o tendo conseguido por fator imponderável – o sacrário não conter, no momento, nada do que era suposto conter ou que ali pudesse estar guardado.
Fundamentos pelos quais se impõe a improcedência do recurso neste ponto.
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Questiona o recorrente em segunda linha, a pena aplicada, sustentando a suspensão da prisão.
Nos termos do art. 50º, n.º1 do C. Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão (redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Obrigando assim à formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no futuro, e sobre se a suspensão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, tendo em vista a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias do crime.
Na base da decisão de suspensão da execução da prisão está um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente, baseado num risco prudencial. “O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo” – cfr. Jeschek, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 2º vol., p. 1152, ed. espanhola.
Sendo certo que o juízo de prognose não deve assentar necessariamente numa «certeza», bastando uma «expectativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido – cfr. Ac. STJ de 08.07.1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.
Como salientou o AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, “Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.
Ora, no caso, o recorrente apenas invoca (cfr. conclusão 13) como fundamento que “está inserido num meio familiar e encontra-se a procurar integração profissional”.
O que, além de atípico para o juízo de prognose favorável referenciado, é manifestamente insuficiente para aquele efeito. Pelo contrário, as três suspensões da execução da prisão (cfr. ponto 9. da matéria provada) relativas a crimes da mesma natureza, que se revelaram inadequadas para afastar o arguido da prática do crime, a ausência de um projecto de vida, apontam inexoravelmente em sentido contrário.
Pelo que se impõe, também neste ponto, a improcedência do recurso.
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III DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça (recurso apenas da matéria de direito) em 2 (duas) UC.

Coimbra, 10 de julho de 2018

Belmiro Andrade (relator)

Abílio Ramalho (adjunto)