Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1554/08.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: FORÇA PROBATÓRIA
ESCRITURA PÚBLICA
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO - 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 358.º E 371.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Nos termos do artigo 371.º do Código Civil, figurando na escritura pública que os outorgantes declararam que a compra e venda foi mediada por uma empresa de mediação imobiliária, do valor probatório pleno desse documento apenas resulta provado que a declaração foi feita; essa prova plena não abrange a veracidade do conteúdo da afirmação.


II – À luz do disposto no artigo 358.º do Código Civil, a confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita a terceiro, não tem força probatória plena contra o confitente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A..., Mediação Imobiliária, L.da[1] instaurou, na comarca de Castelo Branco, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra B... e mulher C..., residentes na ..., Castelo Branco, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 5 548,23, acrescida de juros de mora vincendos. Pede também, a título subsidiário, que, no caso de ser declarado nulo o contrato de mediação, os réus sejam condenados a restituir-lhe da quantia de € 5 548,23, acrescida de juros de mora vincendos.

Alega, em síntese, que, na sequência de contrato celebrado com os réus, actuou como mediadora na venda que estes fizeram de um imóvel seu, não lhe tendo sido paga a comissão de 3% do valor do preço que foi convencionada para pagamento dos serviços dessa mediação.

Mais alegou que no caso de o contrato ser considerado nulo, por vício de forma, deve ser-lhe restituído o que prestou e não sendo possível a restituição em espécie, terá então que se considerar o valor da sua actividade, que é o da comissão de 3% que foi estipulada.

Os réus contestaram dizendo que, face ao disposto no artigo 19.º n.º 8 do Decreto-Lei 211/2004 de 20 de Agosto, o contrato junto pela autora é nulo. Disseram também não ter celebrado qualquer contrato de mediação mobiliária com a autora

A autora replicou reafirmando que os réus lhe solicitaram os serviços de mediação mobiliária e ela prestou-os.

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada, e o abrigo do que vai nos art.ºs 4.º, 19.º, n.ºs 1, 2, alªs a), b) e d) e 8.º, e 18.º do Decreto-Lei n.º 211/2004,de 20.08, e art.º 289.º, n.º 1 do Código Civil, absolvo os réus dos pedidos formulados".

Inconformada com tal decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.º A recorrente propôs acção declarativa contra os RR., pedindo a sua condenação no pagamento à Autora da quantia de € 5.548,23, a título de comissão devida no âmbito de um contrato de mediação imobiliária celebrada entre ambos.

2.º O douto Tribunal a quo julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido, fundamentando a sua decisão, por um lado, na inexistência de prova acerca da actividade intermediária da A. na venda do imóvel pertencentes aos RR. e, por outro, invocando a nulidade do contrato de mediação.

3.º A recorrente discorda e impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto contida nos quesitos 1º, 2º, 3º 4º, 6º, 7º e 8º da Base Instrutória. Deveriam, ao invés do que sucedeu, ter sido considerados provados, com fundamento na conjugação dos depoimentos das testemunhas D... e E... , nos termos acima expostos (depoimentos gravados na sequência referida acima, em CD).

4.º A resposta “provado” aos quesitos acima enumerados é reveladora da actuação relevante da autora como intermediária do negócio concluído entre os RR, na qualidade de vendedores e a empresa “F..., L.da, na qualidade de compradora.

5.º A recorrente impugna ainda a resposta data aos quesitos nºs 12º, 13º, 14º, 15º e 16º[2] da Base Instrutória, a qual contribuiu para a prova dos factos elencados nos pontos D)1, D)2 P) e Q). Deveriam, ao contrário do decidido, serem considerados não provados, com fundamento na conjugação do documento junto aos autos, referente a escritura de compra e venda referida em C) da matéria provada, e do depoimento da testemunha G... , Notária que exarou a mesma.

6.º Da mencionada escritura de compra e venda resulta que as partes, RR. E a empresa “ F..., L.da” declararam que o “negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário « A... – Mediação Imobiliária, L.da», com a licença nº ...-AMI” (facto assente no ponto C).

7.º A força probatória deste documento – documento autêntico – só pode ser ilidida com base na sua falsidade, ou seja, por virtude de nele se referirem, como tendo sido objecto da percepção do notário ou de oficial público algum facto que não ocorreu, ou praticado por eles acto que não foi. (art. 372º, nºs 1 e 2 do C.C.). Não tendo sido impugnada a falsidade do documento, nem os RR. invocado erro, dolo ou coacção aquando da emissão desta declaração de vontade, o facto resultante da mesma, i.e., que a A. teve intervenção na mediação do negócio jurídico então celebrado, fica plenamente provado.

8.º Mesmo defendendo-se que a força probatória material de uma escritura pública, enquanto documento autêntico não abrange a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes, a averiguação desta verdade admite prova testemunhal.

9.º O depoimento da testemunha G..., Notária, atesta e prova que a declaração em causa foi proferida pelas partes de forma consciente e livre, porquanto a própria Notária se assegurou de explicar às partes o conteúdo da cláusula sobre a intervenção de mediador imobiliário, de as haver confrontado com o facto de a A. ter intermediado a venda em concreto e de ter lido e dado a assinar a referida escritura antes de se terem realizado as demais.

10.º O contrato de mediação imobiliária pressupõe, essencialmente, a incumbência, a uma pessoa, de angariar interessado para certo negócio, feita pelo mediador, entre terceiro e o comitente, bem como a conclusão do negócio entre eles, como consequência adequada da actividade do mediador.

11.º Resulta da factualidade que ora se pretende ver provada que foi a autora, a pedido dos RR., que angariou a empresa “ F..., L.da”, que a apresentou aos RR.; que intermediou as partes na negociação da venda desse imóvel; que assistiu a reuniões entre as partes onde foram discutidos os termos de ambos os negócios e que o contrato de venda foi efectivamente celebrado.

12.º Todos estes actos traduzem a actividade causalmente adequada por parte da autora, pelo que cumpriu a sua obrigação resultante do contrato de mediação imobiliária que celebrou com os RR., tendo, em consequência, direito à respectiva remuneração, nos termos acordados.

13º. Não obstante a arguição e a declaração da nulidade do contrato de mediação imobiliária por falta de forma, como resulta dos autos, há que observar o plasmado no art.º 289º, nº 1 do CC, ou seja a restituição de tudo o que tiver sido prestado pelas partes, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor equivalente.

14.º Uma vez que a A. cumpriu a sua prestação de mediação na venda do imóvel pertencente aos RR., promovendo o negócio que veio a ser concluído, os RR. (comitentes) são obrigados a restituir o valor acordado para a remuneração, em face da impossibilidade de restituírem o serviço prestado pela A.

15.º Ao não decidir nestes termos, violou a sentença recorrida as disposições dos art.ºs 272.º, n.ºs 1 e 2, 289.º, n.º 1 ambos do CC, bem como a disposição do art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Terminam pedindo que a sentença recorrida seja "revogada e determinada a condenação dos RR. no pagamento da comissão peticionada à Autora".

Os réus contra-alegaram sustentando que a decisão recorrida deve ser mantida.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[3], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) há erro no julgamento da matéria de facto dos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º;

b) provando-se que a autora prestou serviços de mediação aos réus, estes devem pagar-lhe ou restituir-lhe algum valor.


II

1.º


A autora sustenta que, no que se refere ao julgamento da matéria de facto dos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º, a prova dos autos conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo.

Estes quesitos têm o seguinte teor:

1) No exercício da sua actividade comercial, a A. celebrou com os RR. o acordo de fls. 13, identificado com o n.º 881/06, datado de 27 de Junho de 2006?

2) No âmbito do referido acordo foi a A. incumbida pelos RR. da promoção e mediação de negócios que tivessem por objecto a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, correspondente ao Rés-do-Chão – habitação e uma despensa na cave, com o registo de aquisição a favor dos RR., pela inscrição G - Ap. 23, de 13 de Setembro de 2005, descrita na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º .../Freguesia de Castelo Branco e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo ...?

3) Ao negócio visado foi estipulado o valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)?

4) Como remuneração da actividade de mediação imobiliária fixou-se uma comissão de 3% sobre o valor do negócio promovido e efectivamente concluído, acrescida de I.V.A. à taxa legal vigente, a liquidar aquando da celebração da escritura?

6) A A. encetou diligências dirigidas à venda do imóvel supra identificado, mediante a respectiva publicitação na montra do local de atendimento?

7) … E através de contactos com potenciais clientes?

8) Em resultado do trabalho desenvolvido pela A., a sociedade comercial por quotas “ F..., L.da”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Castelo Branco e pessoa colectiva com o n.º único ..., com sede na ..., n.º 9-C, freguesia e concelho de Castelo Branco, mostrou interesse na aquisição do sobredito imóvel?

12) Pelo que nada estranharam quanto ao facto inscrito em K)?[4]

13) Os RR. não se aperceberam que a referência à intervenção de mediador imobiliário constava da escritura de compra e venda do prédio de que eram proprietários?

14) Ao assinarem ambas as escrituras, os RR. fizeram-no no convencimento de que a referência à mediação imobiliária constava da escritura de compra e venda do imóvel que haviam adquirido à sociedade F..., L.da?

15) Se os RR. se tivessem apercebido de que constava da escritura de compra e venda do imóvel de que eram donos a menção de que tal contrato havia sido objecto de mediação imobiliária, não teriam assinado tal documento?

A estes quesitos o Meritíssimo Juiz respondeu:

"Ao número 1: não provado.

Ao número 2: provado que a autora mediou a fracção autónoma referida quando esta era já propriedade da " F..., L.da.

Ao número 3: prejudicado.

Ao número 4: prejudicado.

Ao número 5: prejudicado.

Ao número 6: provado, por referência ao artigo 2.º da Base Instrutória.

Ao número 7: provado, por referência ao artigo 2.º da Base Instrutória.

Ao número 8: provado que a " F..., L.da" adquiriu o imóvel aos réus.

Ao número 9: provado que a autora procedeu à emissão da factura n.º 121, no montante de 5.445,00 €, com data de vencimento em 28 de Março de 2008, que entregou aos réus, alegando que havia intervindo na escritura referida na ala C) da Matéria de Facto Assente.

Ao número 10: provado.

Ao número 11: provado.

Ao número 12: provado.

Ao número 13: provado.

Ao número 14: provado, sendo certo que a " F..., L.da" fez intervir, como mediadora, a autora e omitiu tal declaração na escritura.

Ao número 15: provado".

Segundo a autora, devia-se ter respondido provado aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º 4.º, 6.º, 7.º e 8.º e não provado aos quesitos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º.

Ouvidos os depoimentos prestados e examinados os documentos juntos aos autos regista-se, antes do mais, que o documento que se encontra na folha 13 constitui uma minuta de um contrato de mediação imobiliária. No respectivo impresso já figura a identificação da autora, como mediadora, e nos espaços em branco, relativos à pessoa que contrata os serviços do mediador, foi inserido o nome do réu e alguns dos seus elementos de identificação. Mas, importa realçar que, para além de se encontrar por preencher a parte destinada à identificação do imóvel que seria objecto de mediação, e não desvalorizando a relevância dessa omissão, não só por causa dos efeitos resultantes do disposto no artigo 19.º n.º 1 e 2.º a) Decreto-Lei 211/2004 de 20-8, como também porque, assim, só pelo seu conteúdo não se poder saber qual é o bem a que se refere o negócio, esse documento não se encontra assinado nem pelo réu, nem pela ré, cujo nome aliás não figura lá.

Neste contexto, a primeira conclusão a extrair é a de que o documento da folha 13 não constitui um contrato, nomeadamente de mediação imobiliária entre a autora e os réus, pois, sabendo-se que "a manifestação da vontade é um momento imprescindível de qualquer acto jurídico"[5], nele não se encontra expressa, por qualquer forma, a vontade destes.

Não havendo, portanto, um contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito, mesmo assim terá que se averiguar se ele não foi celebrado verbalmente.

Para melhor se compreender os factos dos autos é oportuno começar por lembra-se que, no dia 28 de Março de 2008, os réus e a sociedade F... L.da celebraram duas escrituras públicas e que isso aconteceu em "acto contínuo"[6]. Numa delas os réus venderam a esta empresa um imóvel constituído por uma fracção autónoma e na outra compram-lhe um prédio urbano composto por uma casa.

A testemunha D...[7] afirmou que foi ela quem preencheu o que figura escrito à mão no documento da folha 13 e diz que a autora celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária; que ele "foi falado". Não se lembra por que não figura naquele documento a identificação do imóvel, admitindo que isso se deva a, aquando do seu preenchimento, não ter na sua posse todos os elementos de identificação do mesmo. Não apresentou uma explicação válida para o facto do documento não estar assinado pelos réus e também não conseguiu explicar por que é que na factura da folha 19, constando como data da sua emissão o dia 28 de Março de 2008, nela se diz que "os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente em 06-05-2008".

Refere que tinha a chave do imóvel, que aí foi mais do que uma vez em 2006, que ninguém lá vivia, que ele não estava mobilado e que levou clientes para o visitarem. Confrontada com a possibilidade de os réus só terem deixado de aí viver em 2008, reafirmou que foi a esse apartamento várias vezes, mas que não pode "concretizar datas", pois isso "é muito complicado", acrescentando que pode "estar a fazer uma confusão". Ficou assim a dúvida quando a saber quando é que a testemunha lá foi e viu o apartamento desabitado, até por que, segundo disse, a autora mediou a venda desse imóvel depois dele ter sido adquirido pela F... L.da, pelo que as deslocações a que a testemunha fez alusão podem ter ocorrido só nesta altura.

D... disse ainda que a autora vendeu vários imóveis da F... L.da e que a venda da moradia, que veio a ser comprada pelos réus, tinha-lhe sido confiada.

A testemunha E...[8] deu conta da vontade da F... L.da vender uma moradia que tinha e que para o efeito contactou a autora para promover essa venda e que foi através desta que chegaram ao contacto com os réus. Na procura de realizar a venda dessa moradia aos réus surgiu a hipótese de ela ser permutada por dois outros imóveis, um deles do pai do réu e outro dos próprios réus. Foi por isso que foram ver esses dois imóveis, sendo que depois se desinteressaram por aquele que era do pai do réu. Nessas visitas esteve sempre presente alguém da autora. O que se veio a concretizar foi a venda do imóvel dos réus à F... L.da por € 150 000,00 e a compra por aqueles da moradia desta pelo preço € 244 000,00.

Por outro lado, apesar de algumas inconsistências no depoimento desta testemunha[9], E... disse que não sabia se havia algum contrato de mediação entre a autora e os réus e que explicitamente aquela não fez qualquer comentário no sentido de que também estava a mediar a venda do bem destes.

Resulta daqui a ideia de que a intervenção da autora surge no âmbito da actividade de mediação na venda da moradia da F... L.da e que é por causa desse negócio que aquela chega ao contacto com os réus e que é então que surge a hipótese destes, para adquirirem a moradia, "entregarem" o imóvel de que eram proprietários. Este imóvel aparece como "meio de pagamento da moradia" e não por que antes estivesse já à venda, nomeadamente através dos serviços de mediação da autora.

Este iter do negócio é confirmado, em algumas das suas partes, pelos depoimentos de H...[10] e B...[11].

H... deu conta de que a autora era uma das imobiliárias que trabalhava habitualmente para a F... L.da e que foi ver dois apartamentos, um do réu e outro do pai deste, para os avaliar, tendo em vista a possibilidade deles poderem entrar no negócio da venda da moradia. Ao ser-lhe perguntado se a venda do apartamento dos réus foi feita com a mediação da autora respondeu uma primeira vez "penso que sim" e depois "penso que talvez tenha sido", acrescentando que tinha visto fotografias desse imóvel nas instalações desta e que ouviu uma conversa em que se mencionou uma comissão de 3%.

B... referiu que os réus queriam comprar uma casa maior e que foi por isso que, por sugestão da autora, se interessaram pela compra da moradia da F... L.da. Tendo em vista a aquisição desta moradia a F... L.da deslocou-se a um apartamento seu e a um dos réus, tendo em vista uma eventual permuta. Depois desinteressou-se do seu apartamento, mantendo o interesse apenas no dos réus. Mais afirmou que não tem conhecimento de ter havido um contrato entre os réus e a autora e que o réu lhe disse que não celebrou contrato algum com a autora.

A testemunha G...[12] declarou que dias depois da celebração das escrituras a ré contactou o seu Cartório dizendo que havia um lapso na escritura em que figurava como vendedora, na parte em que aí se mencionava ter havido a intervenção da autora como mediadora do negócio. Nessa altura contactou E..., por este ter participado na escritura em representação da F... L.da, no sentido de apurar se ele confirmava a existência do mencionado lapso, caso em que então se poderia corrigir a escritura. Mas E... não compareceu no Cartório para prestar esclarecimentos e quando a testemunha o conseguiu contactar directamente ele "nunca se pronunciou claramente sobre" se a autora mediou a venda a que se refere essa escritura, "nunca disse sim nem não", apesar de ter reconhecido que ela mediou a venda da moradia feita pela F... L.da aos réus, que foi objecto da outra escritura. A ré, segundo G..., mostrou-se muito "queixosa" com esta questão e, por causa dela, foi várias vezes ao seu Cartório.

Verifica-se, assim, que a única testemunha que diz expressamente que houve um contrato de mediação imobiliária entre a autora e os réus é D.... O seu depoimento, no entanto, fica, em matéria de credibilidade, seriamente afectado com "confusão" que a testemunha reconheceu poder estar a fazer e também por, da restante prova, não emergir a ideia de que os réus contactaram inicialmente a autora com a finalidade desta vender o seu apartamento.

Na verdade, dos depoimentos das testemunhas E..., H... e B... resulta que o contacto da autora com os réus se estabeleceu por causa da venda da moradia da F... L.da e que terá sido a propósito desse negócio que se chegou ao apartamento dos réus, por se ter colocado a hipótese de ele ser abrangido e utilizado como "moeda de troca". A ser assim, e esta prova testemunhal aponta claramente nesse sentido, por que razão é que os réus iam pedir à autora que lhes encontrasse um comprador para o seu apartamento?

Por outro lado, os factos ocorridos dias depois da escritura de compra e venda relativa ao apartamento dos réus estar realizada, relatados pela testemunha G..., também indiciam seriamente que a autora não celebrou com os réus o alegado contrato de mediação.

Portanto, deve concluir-se que da prova testemunhal não resulta que foi celebrado esse contrato, apontando ela, justamente, no sentido de que não existiu tal contrato.

Mas, tem ainda que se ter presente que na escritura pública em que os réus venderam o seu apartamento à F... L.da consta que foi declarado pelos outorgantes que "este negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário « A... – Mediação Imobiliária, L.da»".

A esse propósito a autora afirma que "a força probatória deste documento – documento autêntico – só pode ser ilidida com base na sua falsidade, ou seja, por virtude de nele se referirem, como tendo sido objecto da percepção do notário ou de oficial público algum facto que não ocorreu, ou praticado por eles acto que não foi. (art. 372º, nºs 1 e 2 do C.C.). Não tendo sido impugnada a falsidade do documento, nem os RR. invocado erro, dolo ou coacção aquando da emissão desta declaração de vontade, o facto resultante da mesma, i.e., que a A. teve intervenção na mediação do negócio jurídico então celebrado, fica plenamente provado"[13].

Não há dúvidas de que a escritura pública é um documento autêntico[14], que ela contém a citada afirmação e que não foi suscitada a sua falsidade.

O n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil dispõe que "os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pelo autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador".

Significa isso que "o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex.: procedi a este ou aquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (…)"[15].

Então, no caso dos autos, na questão que agora se aprecia, a escritura púbica só faz prova plena de que foi feita aquela afirmação; não faz prova plena da sua veracidade, isto é, de que efectivamente esse "negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário « A... – Mediação Imobiliária, L.da»".

Por outro lado, esta declaração dos réus, vista à luz do artigo 358.º do Código Civil, traduz-se numa confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita a terceiro, pois não sendo a autora interveniente na escritura ela não lhe foi dirigida.

Ora, "a confissão só tem força probatória plena contra o confitente quando (…) sendo extra-judicial, conste de documento autêntico ou particular dirigido à parte contrária ou a quem a represente; quando não reúna esses requisitos, fica sujeita às regras da livre apreciação do julgador".[16]

Portanto, contrariamente ao alegado pela autora, com a afirmação em análise não "fica plenamente provado" que nessa compra e venda a autora "teve intervenção na mediação do negócio jurídico então celebrado".

Aqui chegados, apontando a prova produzida pela inexistência de um contrato de mediação mobiliária entre a autora e os réus, naturalmente que não se pode considerar provado que o mesmo foi celebrado.

E, tendo presente a resposta dada pelo Meritíssimo Juiz ao quesito 2.º, onde se refere a uma mediação não abrangida no que se encontrava quesitado, é oportuno lembrar que ao responder à matéria de facto não se pode ir além daquilo que está no quesito, pois, se não se respeitar esse limite, aplicando-se por analogia o disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, deve-se "considerar não escritas as respostas que excedam o âmbito das questões de facto formuladas"[17].

Nestes termos, aos quesitos 1.º a 8.º responde-se não provado.

Relativamente à matéria quesitada nos quesitos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º dá-se especial importância ao depoimento da testemunha G.... Esta testemunha, como acima se referiu, é a Sr.ª Notária que celebrou as escrituras públicas referidas nos autos e prestou um depoimento com grande isenção, clareza e convicção.

G... disse que das duas escrituras mencionadas neste processo, a que foi celebrada em primeiro lugar foi aquela em que os réus figuram como vendedores e F... L.da como compradora. Concluída essa escritura nela não figurava qualquer menção à intervenção da autora como mediadora nesse negócio e assim foi lida. Entretanto, como não se encontrava ainda presente um representante de um dos bancos que ia tomar parte na escritura em que os réus compravam a F... L.da a moradia desta, não se podendo começar essa escritura, teve que ser feita uma pausa. Foi nesse intervalo que surgiu no Cartório Notarial um representante da autora (Sr.I...) que lhe disse que a empresa dele tinha mediado a compra e venda a que se reportava a escritura que acabava de ser feita. Quando a voltou para a sala mandou entrar esse senhor e deu conhecimento aos réus e ao representante da F... L.da ( E...) do que lhe tinha acaba do de ser dito e perguntou aos réus e a E... se assim era, tendo estes confirmado a declaração de que a autora tinha mediado esta compra e venda. Não vendo qualquer hesitação nessa confirmação, perguntou se podia alterar a escritura e foi isso que fez incluir a menção de que "este negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário « A... – Mediação Imobiliária, L.da»". Leu então a parte alterada e só depois é que a escritura foi assinada. Entende que nessa ocasião os réus não podiam pensar que aquela referência se reportava à outra compra e venda, na medida em que, nesse momento, ainda não se tinha iniciado a segunda escritura.

É assim que, para se responder aos quesitos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º, se considerará que as coisas se passaram.

Neste cenário, não se pode dizer que a prova produzida nos conduziu a um patamar de certeza de que:

- em virtude do referido no quesito 11.º os réus nada estranharam quanto à menção na escritura de que a autora tinha actuado como mediadora;

- os réus não se aperceberam que a referência à intervenção de mediador imobiliário constava da escritura de compra e venda do prédio de que eram proprietários;

- ao assinarem ambas as escrituras, os réus fizeram-no no convencimento de que a referência à mediação imobiliária constava da escritura de compra e venda do imóvel que haviam adquirido à sociedade F..., L.da;

- se os réus se tivessem apercebido de que constava da escritura de compra e venda do imóvel de que eram donos a menção de que tal contrato havia sido objecto de mediação imobiliária, não teriam assinado tal documento.

Fica por perceber por que, não existindo qualquer contrato entre a autora e os réus, estes não deram nota disso quando a questão foi suscitada pela Sr.ª Notária. Terá havido algum temor reverencial? Não perceberam o que lhes foi dito e agiram como se tivessem compreendido? O que aconteceu não encontra resposta na prova produzida. Se houve alguma confusão por parte dos réus, então estes, não só não a exteriorizaram na escritura, como também dela não fizeram prova nestes autos.

Por fim, diga-se que a resposta dada pelo Meritíssimo Juiz ao quesito 14.º, à semelhança do que aconteceu com a relativa ao quesito, 2.º, ultrapassa o que está quesitado.

Face ao exposto, aos quesitos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º responde-se não provado. E, não é demais lembrar, que a resposta negativa a estes quesitos, não significa que se provou o facto contrário.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

A) A autora é uma sociedade por quotas, cujo objecto comercial consiste no exercício da actividade de mediação imobiliária, para tanto detendo a licença de mediação imobiliária n.º ..., emitida pela IMOPPI, válida até 28.07.2010.

B) Os réus foram donos da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, lote setenta e quatro, na ..., freguesia e concelho de Castelo Branco, correspondente ao rés-do-chão, destinado a habitação e uma despensa na cave, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número ... da freguesia de Castelo Branco.

C) Por escritura pública outorgada no dia 28 de Março de 2008, no Cartório Notarial de Castelo Branco, sito na Rua ..., a fls. 53 verso do “Livro de Notas para Escrituras Diversas” n.º 95-G, entre os réus e a sociedade “ F..., L.da”, no acto representada pelo seu sócio-gerente E..., foi formalizada a transmissão do domínio total da fracção identificada em B).

C1) A sociedade comercial por quotas “ F..., L.da” matriculada na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco e pessoa colectiva com o número único ..., com sede na ..., adquiriu o imóvel fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, correspondente ao rés-do-chão – habitação, e uma despensa na cave, com o registo de aquisição a favor dos réus, pela inscrição G-Ap. 23, de 13 de Setembro de 2005 descrita na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo ... aos réus.

D) No acto foi declarado pelos outorgantes que o "negócio foi objecto de intervenção de mediador imobiliário « A... – Mediação Imobiliária, L.da»", com a licença n.º ...-AMI”.

E) A autora procedeu à emissão da factura n.º 121, no montante de € 5.445,00, com data de vencimento em 28 de Março de 2008, que entregou aos réus, alegando que havia intervindo na escritura referida na alª C) da Matéria de Facto Assente.

F) A autora, por carta registada com A/R, datada de 5 de Abril de 2008, remetida para a residência dos réus, e por estes recebida a 9 de Abril de 2008 interpelou os réus para procederem ao pagamento da quantia de 5.445,00 € (4.500,00 € acrescido de IVA à taxa legal), no prazo máximo de 5 dias.

G) Do documento n.º 1, de fls. 13, junto com a PI, não consta a identificação das características do bem imóvel que constitui objecto do contrato, a identificação do negócio visado pelo exercício da mediação e não existe referência à identificação do seguro de responsabilidade civil, nomeadamente, indicação da apólice, capital contratado e entidade seguradora através da qual foi celebrado.

H) Até à presente data, a autora não recebeu dos réus a quantia de 5.445,00 €.

I) Em 30 de Agosto de 2006 os réus celebraram com a sociedade “ F..., L.da” um contrato-promessa de compra e venda em que aqueles se propunham comprar a esta um prédio urbano composto de um edifício de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, destinado a habitação, lote setenta e três, sito na Urbanização ... em Castelo Branco.

J) Em 28 de Março de 2008, no Cartório Notarial de Castelo Branco, entre (entre outros) “ F..., L.da”, e B... e mulher, C..., realizou-se relativamente a tal prédio a escritura de fls. 66 e seguintes, denominada de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança.

L) As escrituras supra referidas foram celebradas acto contínuo, tendo sido ambas assinadas no mesmo momento.

M) Após a leitura de ambas as escrituras, porque se verificou a falta do meio de pagamento, enquanto os réus se encontravam nas instalações do Cartório Notarial supra identificado aguardando pelo cheque visado, apareceu I..., representante da autora, que chamou a atenção para o facto do contrato de compra e venda ter sido objecto de intervenção de mediador imobiliário e como tal deveria constar da escritura.

N) Os réus tinham conhecimento do relacionamento entre a sociedade autora e a sociedade “ F..., L.da”.

O) Os réus admitiram que a sociedade “ F..., L.da” tivesse contratado com a autora a mediação no negócio da venda do prédio edifício de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, destinado a habitação, lote setenta e três, sito na urbanização ..., em Castelo Branco.


3.º

Nestes autos a autora reclama o pagamento dos serviços de mediação imobiliária que alegou ter prestado aos réus, no âmbito de um contrato com eles celebrado e que visava a venda de um imóvel destes. E a autora defende ainda que, mesmo que o contrato seja nulo por inobservância do disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei 211/2004, sempre os réus devem ser condenados a restituir-lhe o valor dos serviços que ela lhes prestou.

Ora, como facilmente se percebe, as pretensões da autora radicam no pressuposto de que celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária.

Não se tendo provado a existência de tal contrato, é evidente que qualquer pedido que nele assente tem que naufragar.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela autora.

António Beça Pereira (Relator)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida


[1] Na petição inicial a autora diz também ser conhecida no giro comercial por Graduz, Sociedade de Mediação Imobiliária, L.da.
[2] A autora menciona o quesito 16.º certamente por lapso, pois o último dos quesitos é o 15.º.
[3] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[4] No quesito anterior (11.º) perguntava-se se "os RR. admitiram que a sociedade F..., Lda. Tivesse contratado com a A. a mediação no negócio da venda do prédio edifício de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, destinado a habitação, lote setenta e três, sito na Urbanização ..., em Castelo Branco".
[5] Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2.ª Edição, pág. 106.
[6] Cfr. factos C, C1, I e J dos factos provados, os quais, aliás, aquando do momento processual do artigo 511.º, foram logo levados às alíneas C, I e J dos factos assentes.
[7] Trabalhou para a autora.
[8] No seu depoimento disse ser sócio da F... L.da e das escrituras das folhas 15 a 18 e 67 a 74 resulta que, pelo menos nessa data, também era gerente dessa sociedade.
[9] Nesta parte salienta-se que a testemunha disse por várias vezes que a F... L.da tinha confiado a venda da moradia à autora e, a dada altura, afirmou que a venda da mesma não foi feita por mediação desta, para depois voltar a dizer que tinha havido essa mediação.
[10] Exerceu funções de chefia na F... L.da entre 2000/2201 e Julho de 2008.
[11] É pai do réu e acompanhou algum dos acontecimentos que conduziram à celebração das duas compras e vendas.
[12] É a Sr.ª Notária que celebrou as escrituras identificadas nos autos. Depôs com absoluta isenção e com grande clareza e convicção. O seu depoimento merece inteiro crédito.
[13] Cfr. conclusão 7.ª.
[14] Cfr. artigo 369.º do Código Civil.
[15] Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 327 e 328.
[16] Ac. STJ de 30-9-2009 no Proc. 09S0623, www.gde.mj.pt.
[17] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 639.