Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139/18.T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO
DIVÓRCIO RUPTURA
DIVÓRCIO-PEDIDO
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 342 Nº1, 1781 D) CC
Sumário: 1.- O divórcio-pedido não está comtemplado no regime legal nacional, designadamente na alínea d) do art. 1781º do CC.

2.- Configura um divórcio-pedido o processo em que apenas se apura que o A. passou procuração ao seu mandatário, em 14.7.2017, para instaurar processo de divórcio contra a R. e que o processo de divórcio deu entrada no tribunal no dia 2.2.2018 e, desde essa data, nunca o A. veio declarar pretender continuar casado.

Decisão Texto Integral:










I - Relatório

1. J (…), residente em (...), Portugal e em (...), na Suíça, propôs acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra M (…) residente em (...), na Suíça, pedindo que se decrete o divórcio entre ambos.

Alegou, a ruptura do casamento ocorrida, pelo menos desde Abril de 2015, bem como a separação de facto há mais de 1 ano, não querendo continuar casado. 

A ré contestou, dizendo que não existe ruptura entre o casal, nem qualquer separação de facto.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, decretou o divórcio entre A. e R., ao abrigo do art. 1781º, al. d), do Código Civil.

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2. A R. recorreu e formulou as seguintes conclusões:

1. O autor não logrou provar nem a separação de facto por um ano consecutivo, prevista como fundamento de divórcio pelo artigo 1781.º, al. a) do Código Civil), nem qualquer outro dos factos que invoca como sendo demonstrativos da ruptura definitiva do casamento nos termos da al. d) da mesma norma legal, sendo que era sobre si e não sobre a ré que recaía o ónus da prova.

2. Dos factos provados nenhum deles é susceptível de conduzir à verificação de qualquer dos fundamentos de divórcio previstos no artigo 1781.º supra citado e todos os factos que invoca como susceptíveis de demonstrar os fundamentos de divórcio figuram no campo dos factos não provados.

3. A experiencia comum não constitui em si mesmo meio de prova.

4. A afirmação segundo a qual a versão do autor é mais verosímil que a versão da ré, sem sustentação em qualquer prova produzido, provém unicamente da subjectiva convicção do julgador não objectivável em nenhum processo de escrutínio racional e lógico da prova.

5. A estrita convicção do julgador é insuficiente para a positividade dos factos.

6. O d. Tribunal recorrido no seu processos decisório violou a parte final do disposto no artigo 607.º, n.ºs 4do Código de Processo Civil dado eu

7. Considerar que se verifica a ruptura definitiva do casamento entre A. e R. pelo facto de autor ter interposto acção de divórcio em 02.02.2018, nunca tendo demonstrado dúvidas quanto ao seu pedido viola flagrantemente o disposto no artigo 1781.º, al. d) do Código Civil pois o simples instaurar da acção divórcio não constitui nem facto demonstrativo da ruptura do casamento, nem facto demonstrativo de que a ruptura é definitiva.

8. Não foi assim que o nosso legislador pretendeu que acontecesse pois se o fosse tê-lo-ia dito expressamente e poderia remover as restantes alíneas do artigo 1781.º do Código Civil já que as mesmas ficariam completamente carecidas de sentido, aliás, nem sequer seria necessária a distinção entre o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem consentimento, bastando a manifestação de vontade, ainda que imotivada, de qualquer um dos cônjuges.

9. Pese embora actualmente não haja necessidade de apurar a culpa no processo de divórcio há todavia necessidade de apurar os motivos do divórcio e sopesá-los por forma a perceber se os mesmos comprometem definitivamente, (e não temporariamente, note-se), a subsistência do casamento.

10. O legislador procurou preservar o casamento enquanto instituição familiar e por conseguinte no nosso ordenamento jurídico, concorde-se ou não, a resolução do contrato de casamento pressupõe ainda a existência comprovada de causas que a fundamentem e a tornem justificável.

11. Apesar de vigorar o divórcio sem culpa, não vigora ainda o divórcio sem motivo.

12. Não se desfaz o casamento enquanto contrato constitutivo das relações familiares como se desfaz um qualquer contrato de fornecimento de bens, muito menos se desfaz o contrato de casamento com menor rigor e exigência do que aquelas que se impõem para desfazer qualquer contrato bilateral regulado no código civil.

13. Nenhuma das hipóteses previstas no artigo 1781.º se basta apenas com a vontade de um dos cônjuges.

14. E ao contrário daquilo que refere o d. Tribunal recorrido o artigo 1782.º, n.º 1 do Código Civil quer dizer é que a separação de facto apenas assume relevo como motivo de divórcio quando acompanhada do propósito de não a restabelecer pelo menos por um dos cônjuges (tudo isso de forma cumulativa) e não que baste o propósito de não restabelecer a vida em comum por parte de um dos conjugues para que se decrete o divórcio.

15. Verifica-se portanto que o d. Tribunal recorrido interpretou igualmente de forma errada o artigo 1782.º, n.º 1 do Código Civil.

16. À luz do nosso ordenamento jurídico a simples vontade de um não é suficiente para impor o divórcio aos dois, sendo necessário que aquele que se pretende divorciar sem consentimento do outro demonstre, na falta de motivos subsumível às als. a), b) e c) do artigo 1781.º. do Código Civil, factos concretos que evidenciem de forma séria, real e sustentada a ruptura do casamento, de tal modo que se possa concluir quer a ruptura, quer a definitividade da mesma.

17. A sentença recorrida deverá ser revogada e a acção julgada improcedente por não provada.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento que a V/Exas. merecerá, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a acção de divórcio instaurada pelo recorrido julgada improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

3. O A. contra-alegou, concluindo que:

1. A inexistência de dúvidas por parte do autor sobre a dissolução do matrimónio aquando da propositura da ação de divórcio e durante todo o seu processo reflete desde logo uma rutura do matrimónio, irreversível e irreparável que constitui fundamento mais do que suficiente para a procedência de tal ação.

2. Pelo que a tese da Recorrente relativa à insuficiência de matéria de facto não pode ser acolhida pois que bastava, única e exclusivamente, que se tivesse dado como provado que “processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge deu entrada neste tribunal no dia 2 de fevereiro de 2018 e, desde essa data, nunca o Autor veio declarar pretender continuar casado.”. O que se verificou (facto IV da fundamentação de facto da douta sentença).

3. O Tribunal “a quo” valorou bem as provas dos autos, sendo que da simples leitura da fundamentação da matéria de facto lavrada pela Juíza “a quo”, ressalta coerência e lógica de raciocínio;

4. O tribunal apreciou a prova com base no princípio de geral de livre apreciação da mesma;

5. Além disso fundamentou tal decisão de modo crítico e coerente recorrendo à experiência comum, não podendo retirar outras conclusões que não aquelas apresentadas; 

6. E assim carece de razão a tese da Recorrente segundo a qual o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, viola o art.º 607 n.º4 do CPC;

7. Da exposição de motivos do projeto de lei nº 509/X, consta como fundamentos do casamento, a liberdade de escolha pelo casamento, a igualdade de direitos e de deveres entre cônjuges, a afectividades no centro da relação e a plena comunhão de vida, cooperação e apoio mútuo na educação dos filhos, quando os houver;

8. Deste princípio da liberdade decorre que ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade.

9. Pelo que basta a vontade unilateral de um dos cônjuges em se divorciar para o decretamento do divórcio;

10. Sendo o entendimento que está aqui subjacente o divórcio a-pedido;

11. A grande inovação da Lei n.º 61/2008 foi a introdução de uma cláusula geral objetiva na alínea d) do artigo 1781.º do CC;

12. Que confere ao tribunal uma margem de apreciação que as anteriores alíneas não lhe conferem;

13. O Tribunal fica com a liberdade indispensável para reconhecer quando é que certos factos (não previstos na lei), mostram a rutura definitiva do casamento;

14. O Juiz não tem um elenco de factos relevantes, nem um prazo mínimo de duração, que o possa guiar no seu juízo; 

15. Pelo que andou bem o Tribunal ao decidir que a reiterada afirmação do autor em não querer manter o matrimónio, expressa na decisão de propor a respetiva ação de divórcio e não desistindo dela, constitui um facto demonstrante da definitiva rutura do matrimonio;

16. Consequentemente, não deve a sentença proferida ser revogada nem se deve decidir pela improcedência da ação julgada;

17. E assim conclui-se que não assiste razão à recorrente na pretensão que formula nesta sede, devendo manter-se intacta na ordem jurídica a douta sentença recorrida, improcedendo o recurso. E, assim, FAR-SE-Á JUSTIÇA.     


II- Factos Provados

 

I Autor e Ré contraíram casamento católico em 03 de Maio de 1997, sem convenção antenupcial, na Igreja da freguesia de (...).

II Do casamento nasceram dois filhos menores, de nome L (…) nascido a 27.12.2001 na Suíça; e R (…), nascido a 20.07.2005 na Suíça.

III O Autor passou procuração ao seu Ilustre mandatário, em 14.07.2017, com poderes especiais para instaurar processo de divórcio contra a Ré.

IV O presente processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge deu entrada neste tribunal no dia 2 de fevereiro de 2018 e, desde essa data, nunca o Autor veio declarar pretender continuar casado.

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Factos não provados:

- Desde dezembro de 2015 o A. e a R. deixaram de fazer vida em comum, gerindo cada um o seu dia a dia de forma completamente independente.

- Desde aquela data, apesar de habitarem o mesmo espaço físico, não mais partilharam a mesa, nem a cama.

- A. e Ré partilham a mesma habitação na Suíça, fazendo-o em completa e pela comunhão, inexistindo qualquer separação de facto entre os cônjuges.

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III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Existência do fundamento legal previsto no art. 1781º, d), do CC, para divórcio.

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode fundar-se numa das quatro situações previstas no art. 1781.º do C.C., de entre as quais, as mais habituais são as previstas nas als. a) e d), ou seja, a separação de facto por um ano consecutivo; e quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento.

Nos presentes autos, o pedido do Autor baseia-se em ambas as situações, já que, alega que deixou de fazer vida em comum com a Ré desde 2015, apesar de terem continuado a partilhar a mesma casa na Suíça; e que houve violação dos deveres de respeito e de cooperação, que representam a rutura da vida em comum.

(…)

Não obstante a versão apresentada pela Ré, que também não resultou provada ….. certo é que, tendo em conta a vontade afirmada pelo Autor de pretender pôr fim ao casamento com a Ré e de obter o divórcio, o que comprovadamente acontece, pelo menos, desde 14 de julho de 2017 (data da procuração que se encontra junta aos autos), a versão do Autor, atenta a experiência comum, apresenta-se mais verosímil do que a versão da Ré.

Mas, ainda que assim não se considere, o simples facto de o Autor vir requerer o divórcio sem consentimento da Ré, já em 02 de fevereiro de 2018 (data da entrada da petição inicial), nunca tendo vindo demonstrar dúvidas quanto ao seu pedido (desistindo dele ou pedindo a suspensão dos autos), é suficientemente demonstrativo da rutura da vida em comum, pois ninguém interpõe um processo com tal pedido, mantendo-o pelo prazo já decorrido neste processo, se a vida em comum estiver a decorrer dentro da normalidade, conforme é alegado pela Ré na sua contestação, sem que tivesse feito prova de tal facto.

O art. 1781.º, al. d) do Código Civil estatui que é fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges “quaisquer factos para além dos previstos nas als. a), b) e c) que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento”.

(…)

Deste modo conclui-se que estão reunidos os pressupostos para o Tribunal decretar o divórcio requerido com fundamento na rutura definitiva do casamento.”.

Inexiste impugnação da matéria de facto. Concentremo-nos, pois, na análise do direito.

Afastada a verificação de fundamento do divórcio da a) do citado art. 1781º, constata-se, pois, do discurso jurídico apresentado, que se entende que a simples proposição de uma acção de divórcio, sem nunca o A. vir declarar pretender continuar casado é suficiente, na perspectiva do tribunal a quo, para preencher o conceito de ruptura definitiva do casamento, prevista no referido art. 1781º, d), do CC, e consequentemente decretar o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

É uma posição jurídica controvertida, como as alegações e contra-alegações de recurso evidenciam (citando o recorrido diversa doutrina a seu favor). Pergunta-se então, se a figura do divórcio-pedido terá acolhimento no ordenamento jurídico português, nomeadamente, na cláusula geral da d) ?

Lida a Exposição de Motivos do Projecto de Lei nº 509/X, que introduziu a referida alínea através da Lei nº 61/2008, aí se refere “ (…) Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – a clássica forma de divórcio-sanção – que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos; o divórcio não deve ser uma sanção. O cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por “causas objectivas”, designadamente a separação de facto. E nesta modalidade de divórcio, ao contrário do que hoje acontece, o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa, para aplicar sanções patrimoniais; afastam-se agora também estas sanções patrimoniais acessórias. As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por actos ilícitos, ficam alheias ao processo de divórcio. Encurtam-se para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. Se o sistema do “divórcio ruptura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento” (apud Ac. do STJ, de 9-1-2018, Proc.8992/14.6T8LSB, em www.dgsi.pt).

Não resulta desta motivação que tivesse ficado consagrado no nosso país um sistema de divórcio-pedido de um dos cônjuges, mas sim de divórcio-ruptura (além do divórcio-remédio, previsto nas b) e c) do mesmo normativo, como explicita J. Duarte Pinheiro, em o Direito da Família Contemporâneo, 5ª Ed., 2016, pág. 528).

Qualquer um dos cônjuges pode pedir o divórcio com base na mencionada d), sendo, para tal, necessário alegar e provar factos objectivos de onde resulte demonstrada, de forma clara e inequívoca, a ruptura irremediável do vínculo conjugal. Ou seja, têm de ser alegados e provados factos objectivos de onde resulte espelhada inequivocamente a ruptura definitiva do casamento. Já no caso de divórcio-pedido bastaria apenas que um dos cônjuges, não assente em qualquer causa, manifestasse a sua vontade para que o divórcio fosse decretado. Seria um divórcio subjectivo, baseado somente no pedido do cônjuge, que seria visto, por si só, como revelador de ruptura do casamento. Na doutrina, sobre a questão em apreço, defende-se que:

- por um lado, temos autores, como é o caso de Guilherme de Oliveira - numa importante contribuição, dada a sua intervenção na delineação da lei que introduziu as alterações -, que defende que a concepção de divórcio acolhida no direito português é a do divórcio-ruptura, e não a do divórcio-pedido, quando proclama que se adoptou claramente a ideia do “divórcio-ruptura, ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na ruptura definitiva do matrimónio, e de que esta ruptura pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos - d). Dito de outro modo, a ruptura do casamento não é relevante apenas quando se provam as “causas determinadas” pela lei - das a), b) e c) -, mas também noutras situações que não são especificadamente previstas. E que o conhecimento da experiência dos sistemas estrangeiros que têm praticado esta via de dissolução mais amplamente de que o nosso país sugere que a utilização da d) não deve permitir a relevância de factos banais e esporádicos. Os factos a que os sistemas jurídicos dão relevo devem ser factos capazes de convencer o tribunal de que os laços matrimoniais se romperam, e se romperam definitivamente. A importância dos factos mencionados pela jurisprudência estrangeira pode chegar ao atentado contra direitos fundamentais de um cônjuge, ou atingir um patamar de gravidade ostensiva capaz de revelar claramente o fim do matrimónio” (em A Nova Lei do Divórcio, págs.13/14) – apud mesmo aresto acima citado do STJ. Sendo acompanhado nesta linha de pensamento por Amadeu Colaço, Novo Regime do Divórcio, 2ª Ed., 2009, págs. 67/70 e Rute Teixeira Pedro, em CC Anotado, de Ana Prata, Vol. II, 2ª Ed., págs. 691/692.  

- por outro lado, outra corrente doutrinária, pensamos que minoritária, defende que está consagrado na d) o sistema do divórcio pedido (vide Carlos Pamplona Corte-Real, D. da Família, 2ª Ed., AAFDL, 2011).

O recorrido ainda convoca a seu favor, na defesa da sua posição de que o actual direito nacional prevê a figura do divórcio-pedido, na referida alínea d), a seguinte argumentação doutrinária que vamos transcrever:

“Refere Maria Clara Sottomayor que “o âmbito exato da cláusula geral consagrada na al. d) do art.º 1781.º será difícil de definir, na prática, podendo os tribunais incluir aqui apenas as antigas violações culposas dos deveres conjugais, sem exigir a prova da culpa, ou alargar o alcance da norma de forma a abrangera perda de afeto de um dos cônjuges pelo outro”.

Também Tomé d’Almeida Ramião reconhece o mesmo problema da difícil delimitação do conteúdo da alínea d): o legislador “(…) não concretizou ou preencheu esse conceito vago e indeterminado de “rutura definitiva do casamento”, nomeadamente com a utilização de critérios objetivos, deixando à jurisprudência e à doutrina a sua definição e concretização. E fê-lo utilizando uma cláusula geral do divórcio, contrariamente às restantes situações elencados no art.º 1781.º, em que individualiza e concretiza com precisão as causas do divórcio.”

Hörster é um dos autores que afirma expressamente entender que a conceção que ficou consagrada no regime português foi a do divórcio-repúdio, isto é, o divórcio fica dependente da vontade unilateral e subjetiva de apenas um dos cônjuges que não quer continuar casado, não sendo necessário alegar qualquer fundamento para o pedido de divórcio.

O autor justifica o seu entendimento com base nas afirmações constantes da exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, que aponta nesse sentido.

Eva Dias Costa parece defender ter a Lei pretendido consagrar na alínea d) o divórcio a-pedido. Assim, afirma a autora “na última e genérica alínea não há qualquer menção a prazo ou gravidade”; “exige-se apenas que os factos alegados sejam suscetíveis de demonstrar a rutura definitiva do casamento, sendo certo que da exposição de motivos do projeto resulta para nós [autora] claro que o simples facto de um dos cônjuges querer o divórcio implicará necessariamente a rutura definitiva da vida em comum. Pelo que não se entende sequer que espécie de factos deve o autor da ação deixar alegados”. Ou seja, segundo a autora, bastaria a vontade unilateral de um dos cônjuges em se divorciar para o decretamento do divórcio, entendendo que a conceção subjacente à alínea d) deveria ser o divórcio a-pedido.”.

Para além de o recorrido não indicar as obras de onde tirou tais passagens de texto, também não se retira das mesmas que a 1ª e o 2º autor apontados defendam tal divórcio-pedido.    

Por fim, na jurisprudência podemos encontrar o acórdão da Rel. de Lisboa, de 23.11.2011, Proc.88/10.6TMFUN (disponível em www.dgsi.pt.) que defende ex professo a inadmissibilidade do divórcio-pedido.

Concluímos, pois do exposto, que o regime português do divórcio, consagrado na dita d) do art. 1781º do CC, não acolhe um sistema de divórcio-pedido, isto é a d) é uma cláusula geral objectiva, consagrando-se aí a concepção do divórcio-ruptura, pelo que o cônjuge que pretende o divórcio terá de alegar factos objectivos, passíveis de comprovação, e que demonstrem a ruptura definitiva do casamento.

 Do que acabámos de explicitar, surge-nos, para o caso que nos ocupa, a necessidade de nos autos, através da matéria de facto provada, dever resultar espelhada uma determinada situação objectiva em que os factos, não banais ou esporádicos, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando para o efeito que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio-pedido por razões subjectivas, não haver sido acolhido.

Ora, provou-se, tão-só, que o A. passou procuração ao seu mandatário, em 14.7.2017, para instaurar processo de divórcio contra a R. e que o processo de divórcio deu entrada no tribunal no dia 2.2.2018 e, desde essa data, nunca o A. veio declarar pretender continuar casado (factos 3. e 4.). Nada mais, nomeadamente os dois primeiros factos não provados, alegados pelo A., como lhe competia provar (art. 342º, nº 1, do CC), estes sim relevantes objectivamente para o pretendido divórcio.

Tal mostra-nos, apenas, qual a vontade, qual a intenção actual do A., não se reconduzindo a um índice objectivo suficiente para a demonstração da falência irreversível do casamento. Isto é, não foram demonstrados factos objectivos que revelem aquela falência, mas apenas um dado subjectivo – o propósito do A. em divorciar-se. Um divórcio a seu simples pedido, o que não é legalmente admissível.

Procede, por isso, o recurso. 

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) O divórcio-pedido não está comtemplado no regime legal nacional, designadamente na d) do art. 1781º do CC;

ii) Configura um divórcio-pedido o processo em que apenas se apura que o A. passou procuração ao seu mandatário, em 14.7.2017, para instaurar processo de divórcio contra a R. e que o processo de divórcio deu entrada no tribunal no dia 2.2.2018 e, desde essa data, nunca o A. veio declarar pretender continuar casado.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, indo a A. absolvida do peticionado.   

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Custas pelo A.

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                                                                            Coimbra, 21.1.2020

                                                                            Moreira Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                            Fonte Fonte Ramos

                                                                            Alberto Alberto Ruço