Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
962/14.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ALIMENTOS
MAIORIDADE
BENEFICIÁRIO
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FGADM
CESSAÇÃO
PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – INST. CENTRAL – 2ª SEC. F. MENORES – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1905º E 1880º C. CIVIL; LEI Nº 122/2015, DE 1/09.
Sumário: I – O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade (18 anos de idade), já que a obrigação se mantém, com vista a completar a formação profissional, nas condições do art.1880º do CC, reportando-se aos chamados “alimentos educacionais”.

II - A Lei nº 122/2015, de 1/9, que alterou o Código Civil (art.1905º) e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados (com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015), é lei interpretativa do art.1880º, como parece resultar do próprio texto (“para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática.

III - A obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores ( FGADM) não se prolonga pela maioridade de forma a abranger os “alimentos educacionais”.

IV - O direito fundamental ao “mínimo de existência condigna”, enquanto imperativo de tutela, reclama do Estado um dever positivo de prestação, mas o legislador democrático goza de ampla margem de conformação para a concretização deste imperativo.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

            1.1.- A Autora – C... – instaurou acção de alimentos, com forma de processo especial, contra os Réus

M...

Fundo de Garantia de Alimentos a Menores

            Estado Português, representado pelo Ministério Público

            Alegou, em síntese:

            A Autora, nascida a 3 de Março de 1995, recebia a pensão de alimentos, no valor de €150,00 por mês, prestada pelo Fundo, visto que o seu pai, M... não possuía quaisquer bens ou rendimentos, situação que não se alterou.

            Entretanto atingiu a maioridade, mas continuou a sua formação escolar, estando matriculada no ano lectivo de 2012/2013 no 11º ano de escolaridade.

Uma vez que o Fundo cessou a pensão, e por não ter rendimento próprio, tem sido a mãe da Autora a suportar as suas despesas, a qual vive do do subsídio de desemprego.

Como não completou a sua formação, cabe aos pais contribuírem para as despesas (arts.1879 e 1880 CC), mas como a mãe já contribui e o pai não possui qualquer rendimento, deve o Fundo assegurar o pagamento das despesas, bem como o Estado Português.

Não regulando a lei os casos em que o credor (menor)atinge a maioridade e continua em formação, deve aplicar-se analogicamente o art.1º da Lei nº75/98 de 19/11.

Por outro lado, a formação profissional constitui uma forma de valorização da dignidade que o Estado tem de assegurar nos termos dos arts.1, 9, 36, 70, 73 e 74 CRP.

Pediu:

            A citação do Réu M... “para efeitos do art.7º do DL nº 272/2001 de 13/10, e subsidiariamente o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a menores e o próprio Estado Português, em substituição do devedor M...“.

            1.2.- O processo inicialmente proposto na Conservatória do Registo Civil, foi remetido (5/3/2014) ao Tribunal.

            1.3.- O Réu M... foi citado editalmente e não contestou.

Contestou o Estado Português defendendo-se por excepção, ao arguir a ilegitimidade passiva e por impugnação.

            Contestou o IGFSS em representação do FGADM dizendo que a obrigação do Fundo cessou com a maioridade.

            1.4.- Realizada audiência, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente a absolver os Réus do pedido.

            1.5.- Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões

...

Contra-alegaram o Ministério Público e o IGFSS IP no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas conclusões, são as seguintes:

            A impugnação de facto;

A maioridade, os alimentos educacionais – a responsabilização do Réu M..., do FGADM e do Estado.

            2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

1. C... nasceu em 3.3.1995 e é filha de M... e de P...

2. Nos autos de Regulação que a que os presentes estão apensos, onde foram partes seus pais, foi regulado o exercício das respectivas responsabilidades parentais por sentença datada de 22.6.2005, transitada em julgado.

3. Para além do mais, ali foi decidido confiá-la à progenitora com quem residiria, fixando a quantia de 125€ como prestação alimentar a pagar pelo progenitor em seu benefício, quantia essa a entregar à sua mãe através de cheque ou transferência bancária até ao dia 8 do mês a que respeitasse.

4. Foi proposto incidente de incumprimento de tal decisão na parte referente á prestação alimentar fixada, tendo em 11.5.2006 sido proferida decisão que determinou que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores lhe pagasse a  quantia mensal de 150€.

5. Tal decisão foi sendo sucessiva e anualmente renovada até que C... perfez 18 anos, tendo sido declarada cessada por despacho datado de 9.2.2015.

6. Não obstante a data da cessação, o FGADM efectuou pagamentos no âmbito de tal decisão entre Junho de 2006 e Março de 2013.

7. Após ter completado 18 anos, a requerente continuou a sua escolaridade, tendo estado no ano lectivo de 2012 e 2013 matriculada na Escola Secundária F..., sem aproveitamento.

8. No ano lectivo seguinte (2013/2014) frequentou o mesmo ano, no mesmo estabelecimento de ensino, tendo obtido aproveitamento.

9. No ano lectivo de 2015/2016 frequenta o 12º ano no dito estabelecimento, encontrando-se a completar o referido ano apenas com a disciplina de Português.

10. Até Setembro de 2015 a requerente viveu com a mãe e o companheiro da mesma (este integrando o agregado desde 2008), tendo a partir dessa altura passado a viver em união de facto, em comunhão de cama, mesa e habitação com um companheiro que tem a profissão de operário fabril e desenvolve ainda actividade de música que aufere, em média, 1.200€ mensais.

11. Vivem em casa arrendada pela qual pagam 125€ de renda.

12. Suportam a quantia mensal de 120€ de prestação de empréstimo bancário contraído pelo companheiro.

13. Entre 2013 e a presente data a requerente tem mantido actividades profissionais embora não ininterruptamente em regime de part-time que lhe rendiam em média entre 200€ e 250€ mensais.

14. À data da realização do julgamento encontrava-se inactiva profissionalmente há escassos dias mas à procura de nova ocupação.

15. Sempre beneficiou de subsídios escolares de escalão A., excepção feita a um ano lectivo em que tal benefício lhe foi cortado em consequência de retenção.

16. Á data da propositura da acção a mãe da requerente tinha situação profissional que não foi possível apurar, embora haja passado pelo menos na sua pendência por períodos exactos não apurados de inactividade profissional, com contornos e duração que não foi possível apurar.

17. A mãe tem contribuído de forma e em termos exactos não apurados para o sustento da requerente entre 2013 e a presente data para o que contava com o auxílio do companheiro.

18. O progenitor, por seu turno, está ausente em parte incerta, tem condições pessoais, profissionais e económicas que se desconhecem e nada paga a título de alimentos à filha.

19. É vontade da requerente vir a ingressar no ensino superior.

2.3.- A impugnação de facto

Inserido no âmbito do movimento de “desjudicialização”, o DL nº 272/2001 de 13/10 transferiu para as Conservatórias do Registo Civil a competência de matérias respeitantes a processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, até então atribuídas aos tribunais judicias.

            Entre eles está o processo de alimentos devidos a maiores ou emancipados (cf. art. 5º nº1 a) ), a não ser que os alimentos sejam cumulados com outros pedidos na mesma acção judicial ou constituam incidente ou dependência de acção pendente (cf. nº2 ).

            Na situação dos autos o processo começou na fase administrativa na Conservatória e posteriormente remetido ao Tribunal por impossibilidade de acordo, dada a revelia do Réu M..., passando, assim, a assumir a natureza de processo de jurisdição voluntária.

A impugnação de facto deve reportar-se aos factos julgados e o recorrente tem o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os pontos concretos, como resulta do art.640 nº1 a) CPC.

A Apelante diz que o tribunal deu como não provado que a Autora estivesse a completar a sua formação e pretendia ingressar no ensino superior, mas tal alegação não é exacta. Como se constata pela leitura da sentença, nunca o tribunal deu como não provado tal facto, sendo até que no ponto 19 se exarou ser vontade da requerente ingressar no ensino superior.

De igual modo, contrariamente ao alegado, o tribunal não deu como provado que a Autora tenha um rendimento que lhe permita sobreviver. É certo que a sentença concluiu, perante a factualidade apurada, não assistir o direito aos alimentos, mas nem sequer foi com base nesse tópico.

2.4.- A maioridade, os alimentos educacionais – a responsabilização do Réu M...

O direito de alimentos dos filhos menores decorre do vínculo jurídico da filiação (arts.1878, 1879 CC ), e em caso de ruptura do casamento a obrigação de alimentos devidos a menores autonomiza-se do dever conjugal de assistência (art.1795-A CC).

O dever de alimentos impende por igual sobre ambos os progenitores (art.36 nº1 da CRP e 1878 nº1 do CC), mas o princípio da igualdade não significa que cada cônjuge seja obrigado a contribuir com metade dos alimentos.

Os alimentos devidos aos filhos menores compreendem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação ( art.1879 CC ). O conceito de “sustento” é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, visto abarcar todas as necessidades vitais, designadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução (art. 2003 CC), sendo maior que a exigida nos restantes casos previstos na lei (art.2009 CC). Com efeito, a obrigação de sustento não se afere aqui pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas ao indispensável ao desenvolvimento físico, intelectual, moral do menor. A criança tem direito a um nível de vida suficiente e incumbe aos pais assegurar a condição de vida necessária ao seu desenvolvimento ( art.27 nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança ).

Como não há, nem seria concebível, um sistema tarifado, a lei estabelece ao juiz apenas critérios gerais de orientação, como os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, dentro dos quais terá de ser fixada a prestação ajustada às circunstâncias peculiares de cada caso.

Impõe-se a ponderação cumulativa do binómio - possibilidade do requerido / necessidade do requerente (art.2004 do CC), embora com as especificidades próprias relativas aos filhos menores.

A este propósito, no caso de separação ou divórcio a lei postula o critério da identidade de condições que vigoravam na constância do matrimónio (art.1906 nº1 do CC), ou seja, a manutenção da mesma qualidade de vida, critério este que terá, no entanto, de ser conjugado com o princípio da proporcionalidade, pois deve ser assim desde que a separação ou divórcio não impliquem uma diminuição real das capacidades contributivas dos pais.

O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade ( 18 anos de idade ), já que a obrigação mantém-se com vista a completar a formação profissional, nas condições previstas no art.1880 do CC (“ Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que a aquela formação se complete”).

Trata-se dos chamados alimentos educacionais” e a justificação para este regime entronca na “realização integral do dever de educação e instrução” que cabe aos pais (art.1878 nº1 CC), cuja obrigação não pode extinguir-se abruptamente com a maioridade, e, por isso, mesmo, à semelhança de outras legislações estrangeiras, implica a manutenção da prestação, dada a indispensável continuidade ( cf. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, pág. 292).

Por isso, segundo determinado entendimento, o art.1880 do CC não prevê um direito novo, mas a extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos, que se projecta na maioridade, rejeitando-se a tese da extinção automática ( cf., por ex. Maria Inês Pereira da Costa, A Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, UCP, 2013 ).

E esta interpretação funda-se tanto no argumento literal (“ manter-se-á a obrigação”) , pois se a obrigação se mantém não se exige uma nova fixação, como pelo argumento teleológico, sendo que o art.2013 CC não enuncia a maioridade como causa de cessação da obrigação de alimentos.

No dia 1 de Outubro de 2015 entrou em vigor a Lei nº 122/2015 de 1/9 que alterou o Código Civil e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados.

Estatui agora o nº2 do art.1905 do CC – “ Para efeitos do disposto no artigo 1880, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência”

O legislador, para evitar o ónus da propositura de acção por parte do filho maior em formação, com os inconvenientes naturalmente reconhecidos, estabeleceu a manutenção da pensão fixada (durante a menoridade) por um período temporal (até completar 25 anos de idade), cabendo ao progenitor obrigado aos alimentos o ónus de cessar tal obrigação, com a demonstração de uma das três condições previstas.

No plano processual alterou, em conformidade, o art.989 do nCPC, atribuindo ao progenitor que assume o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição.
A Lei nº 122/2015 não criou uma nova obrigação, e por isso não se trata de uma lei sobre o modo de constituição do direito, mas antes de uma lei sobre o modo de exercício desse direito, tendo aqui plena aplicação. Noutra perspectiva, quanto ao regime substantivo sempre teria aplicação imediata, visto estar-se perante uma relação jurídica duradoura.
A Lei nº122/2015 acrescentou o nº2 ao art.1905 do CC, com a seguinte redacção – “Para efeitos do disposto no art. 1880, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
E neste segmento a lei é interpretativa do art.1880, como parece evidenciar-se do próprio texto (“para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática (cf., por ex., Ac RP de 16/6/2016 ( proc. nº 422/03), em www dgsi.pt).

Pese embora a Autora tenha completado os 18 anos de idade em 2013 e deduzido a pretensão antes da vigência da lei nova, esta já é aqui aplicável ( art.13 CC ).
A sentença recorrida em relação ao pedido deduzido contra o pai, M..., rejeitou a pretensão com base nos seguintes tópicos:
A Autora não alegou, como lhe incumbia (art.342 nº1 CC) “um único facto passível de justificar a fixação da prestação alimentar que peticiona em 150€” e que “Tal escassez de alegação era passível, por si só, de fazer perigar, diga-se seriamente a sua pretensão, pois nãos e mostravam desde logo alegados factos para quantificar a prestação alimentar, fosse no montante pretendido ou qualquer outro ou até mesmo, na sua necessidade de todo”;
A Autora em 2013 passou a ser trabalhadora/estudante, auferindo rendimento mensal de 20/250 € e como é superior à prestação anteriormente fixada de € 150,00, não provou a carência de alimentos.
A Autora, a partir de Setembro transacto passou a viver em união de facto com um companheiro que aufere um salário mensal de €1.200,00, pelo que “deixa de ser razoável pedir que contribuam para o seu sustento”.
Está provado que o Réu M... foi condenado a pagar à Autora (sua filha) a pensão de alimentos, no valor mensal de €125,00.
Após completar 18 anos de idade a Autora continuou a escolaridade, e no ano lectivo de 2015/2016 frequentou o 12º ano (a completar apenas com a disciplina de português) sendo sua vontade ingressar no ensino superior.
Uma vez que tem actualmente 21 anos de idade e não estando concluída sua formação, em princípio deverá manter-se a prestação anteriormente fixada, pois, como já se sublinhou, a Lei nº 122/2015 ao introduzir o nº2 do art.1905 CC é meramente interpretativa.
Cabia-lhe provar apenas os pressupostos do art.1880 e nº2 do art1905 do CC, logo sem a necessidade de demonstrar a quantificação dos alimentos educacionais.
Importa, porém, analisar das implicações das demais circunstâncias e aferi-las pelo critério da razoabilidade e da normalidade, pois que a obrigação apenas se mantém “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
A cláusula do razoável, densificada por factores objectivos (atinentes às condições económicas do jovem maior e dos progenitores) e factores subjectivos (condições pessoais ligas ao credor , como, por exemplo, aproveitamento escolar ou capacidade para trabalhar durante o período escolar) é aferida pelo abuso de direito.
Na situação dos autos sabe-se que a Autora vive em união de facto desde Setembro de 2015 com um companheiro, que aufere, em média, € 1.200,00 por mês, embora com despesas, e que tem mantido actividades profissionais em regime de part-time, estando inactiva ( à data do julgamento), mas à procura de nova ocupação.
A simples circunstância de estar a viver em união de facto não é de molde a justificar a irrazoabilidade porque não há o dever legal de assistência ou o dever legal de alimentos por parte do companheiro, que nasce apenas da solidariedade de facto, enquanto obrigação natural ( cf. Remédio Marques, loc. cit., pág. 304 ).
Comprovando-se que a Autora está inactiva, apesar de procurar ocupação, e recaindo sobre o demandado o ónus da prova quanto à verificação das condições excepcionais do art.1905 nº2 ) parte final ) CC ), como factos extintivos, que não logrou de demonstrar ( art.342 nº2 CC ), deve, por isso, manter-se a pensão inicialmente atribuída de € 125,00 por mês.
2.5.- A responsabilização do FGADM por aplicação analógica
A Lei nº 75/98 de 19/11 estabelece no art.1º “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor  residente no território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artº 189 do D.L. 314/78 de 27/10, e o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
O art.3 nº4 prescreve que “o montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado”.
O art.9 nº1 do Dl nº 164/99 de 13/05, (diploma que instituiu o FGADM e veio regular a garantia de alimentos devidos a menores prevista naquela Lei) que “o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado

A obrigação da prestação de alimentos pelo Fundo de Garantia é independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário, cuja finalidade é o de assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades, com prévia actividade probatória, como decorre da conjugação dos arts. 2 nº2 da Lei 75/78 de 19/11e art. 3º do DL nº 164/99, de 13/5).
A questão de saber se a obrigação do FGADM se estende aos “alimentos educacionais” e se prolonga pela maioridade, nas condições previstas no art.1880 do CC, tem sido objecto de indagação jurisprudencial, no sentido de que tal obrigação cessa com a maioridade, tendo em conta a natureza e finalidade do Fundo, como ressalta da Lei nº 75/98 de 19/11 e do DL nº 164/99 de 13/5 ( cf., por ex. , Ac RP de 15/11/2011 ( proc. nº 21/1995), Ac RE de 8/5/2014 ( proc. nº 87-A/1995), Ac RC de 13/9/2016 ( proc. nº 106/03) disponíveis em www dgsi.pt).

Também Remédio Marques ( loc. cit., pág. 250 ) refere que o Fundo só garante os alimentos a menores e não os alimentos educacionais previstos no art.1880 CC.

Na verdade, a criação do Fundo é justificada, desde logo, como garantia constitucional, no âmbito da protecção das crianças, em face ao direito fundamental da criança ao livre desenvolvimento da personalidade, tendo como destinatário a criança, ou seja, o menor, como ressalta também da Recomendação do Conselho da Europa R (82) 2, de 4 de Fevereiro de 1982, e a R (89) 1, de 18 de Janeiro de 1989.

A este propósito revela-se elucidativo o preâmbulo do DL nº 164/99 de 13/5, quando nele se afirma, a dado passo:

“ A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. A protecção à criança, em particular no que toca ao direito a alimentos, tem merecido também especial atenção no âmbito das organizações internacionais especializadas nesta matéria e de normas vinculativas de direito internacional elaboradas no seio daquelas. Destacam-se, nomeadamente, as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, bem como o estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade”.

2.6.- A responsabilização do Estado

O direito fundamental ao “mínimo de existência condigna” ou ao “mínimo de sobrevivência” radica no princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art.1º CRP, decorre da ideia de Estado de Direito Democrático ( art.2º), e do art.63 CRP, tem sido reconhecido na jurisprudência do Tribunal Constitucional ( cf. por ex., Ac nº 62/2002, nº 509/2002).

Perante os direitos fundamentais, o Estado tem de assumir constitucionalmente dois tipos de deveres: um dever de conteúdo negativo ( dever de omissão), que se traduz nas “proibições de intervenção” e um dever de conteúdo positivo ( dever de acção ), em que os direitos fundamentais se afirmam como “imperativos de intervenção” ou “ imperativos de tutela”.

Concebidos como imperativos de tutela, os direitos fundamentais exigem do Estado que a intervenção não fique abaixo do minimamente indispensável ou necessário (“proibição de insuficiência”) e, por outro lado, que não seja excessiva (“princípio da proibição do excesso”)  ( cf. Claus Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, pág. 57 e segs.).

Significa, então, que o direito ao mínimo de existência condigna, enquanto imperativo de tutela, reclama do Estado um dever positivo de prestação, mas o legislador democrático goza de ampla margem de conformação para a concretização deste imperativo (cf. Vieira de Andrade, “ O direito ao mínimo de existência condigna como direito fundamental a prestações estaduais positivas – uma decisão singular do Tribunal Constitucional”, em Jurisprudência Constitucional, nº1, pág.23 ).

E o conteúdo deste direito fundamental não se consubstancia na mera garantia de sobrevivência física ( “mínimo vital”), abrangendo também uma garantia mínima de acesso a uma inserção na vida social (“ mínimo sociocultural”).

A primeira nota é no sentido de que não há um direito fundamental de prestação positiva quanto aos “alimentos educacionais” para os jovens até aos 25 anos, nomeadamente através da extensão ou manutenção (automática) da prestação fixada a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Aliás, se assim fosse, ter-se-ia que admitir igual tratamento para os jovens para além da maioridade, mesmo que não estivessem em formação profissional .

Depois, para os jovens de maioridade em formação profissional e que se encontrem em situação de carência económica, o Estado tem outros instrumentos para a assegurar o direito de acesso ao ensino e à cultura, como, por exemplo, os subsídios escolares de auxílio económico, transportes, alimentação, saúde, bolsas de estudo, etc., como medidas de apoio social escolar ( cf. DL nº 55/2009 de 2/3).

2.7.- Síntese conclusiva

a)O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade ( 18 anos de idade ), já que a obrigação se mantém, com vista a completar a formação profissional, nas condições do art.1880 do CC, reportando-se aos chamados “alimentos educacionais”.

b)A Lei nº 122/2015 de 1/9, que alterou o Código Civil ( art.1905 ) e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados ( com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015), é lei interpretativa do art.1880, como parece resultar do próprio texto ( “para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática.

c)A obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores ( FGADM) não se prolonga pela maioridade de forma a abranger os “alimentos educacionais”.

d)O direito fundamental ao “mínimo de existência condigna”, enquanto imperativo de tutela, reclama do Estado um dever positivo de prestação, mas o legislador democrático goza de ampla margem de conformação para a concretização deste imperativo


III - DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar parcialmente procedente a apelação e revogando-se, em parte, a sentença:

a)Condenar o Réu M... a pagar à Autora a pensão de alimentos no valor de € 125,00 por mês, já fixada, e que se mantém até a Autora completar 25 anos de idade, a título de alimentos educacionais.

b)Confirmar o demais decidido quanto à absolvição do Estado Português e do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores


2)

Condenar a Autora Apelante nas custas, em ambas as instâncias, na proporção de 60% .

            Coimbra, 15 de Novembro de 2016.


( Jorge Arcanjo)

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães)