Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/99.4IDAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: REABERTURA AUDIÊNCIA
LEI MAIS FAVORÁVEL
PROVA
Data do Acordão: 05/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO DE VOUGA – AVEIRO - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 371º - A CPP
Sumário: No caso de reabertura da audiência ao abrigo do art. 371.º-A não está em causa a produção de prova que contrarie a matéria de facto enunciada na sentença condenatória, ou seja, que se reaprecie os factos relativos ao crime, à culpa, etc., pois que esses factos são intangíveis por força do caso julgado formado com a primeira decisão.
Decisão Texto Integral: Recurso  e processo n.º 83/99.4IDAVR.C1

Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra  

RELATÓRIO

1- No 3.º juizo do Tribunal Judicial de Águeda-Comarca do Baixo Vouga Fundão, no processo acima referido, foi o arguido A... julgado em processo comum colectivo, tendo sido a final proferida a decisão seguinte :

- condena-se o arguido pela prática de 31 crimes de abuso de confiança fiscal (art. 105/1 do RGIT) nas seguintes penas parcelares: o 1º com 76 dias de multa, o 2º com 8 dias, o 3º com 161 dias, o 4º com 261 dias, o 5º com 271 dias, o 6º com 265 dias, o 7º com 266 dias, o 8º com 360 dias, o 9º com 251 dias, sempre a 15€ diários; 17 outros crimes com 4 meses de prisão cada, e outros 5 (os referentes à não entrega do IVA) com 6 meses de prisão cada.

Em cúmulo, o arguido vai condenado na pena única de 650 dias de multa à taxa diária de 15€, num total de 9.750€, com 433 dias de prisão subsidiária, e 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos, sob condição do arguido pagar ao Estado, no prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, o valor do pedido (incluindo juros) em 60 prestações mensais iguais, vencendo-se a primeira no fim do 1º mês a contar daquele trânsito.

-    Julgado procedente o pedido cível, condenando-se o arguido a pagar ao Estado 171.581,91€ de indemnização, acrescidos dos juros vencidos desde 08/07/2002 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal anual de 7%.

2- Posteriormente, a pedido do arguido foi declarada reaberta a audiência para aplicação de lei nova, nos termos do art. 371.º-A do CodProcPenal, e na sequência da mesma foi proferida a decisão seguinte :

 - Julgam-se descriminalizados os factos correspondentes aos 25 crimes de não entrega do IRS, pelo arguido, de Dezembro de 1996 a Fevereiro de 1999, e por conseguinte dá-se sem efeito a respectiva condenação quer em pena de multa quer em pena de prisão.

E refaz-se o cúmulo jurídico das outras 6 penas pelos outros 6 crimes de abuso de confiança fiscal ( 5 por não entrega do IVA e 1 por não entrega de IRS em Dez1997), condenando-se o arguido na pena única de 15 meses de prisão, suspensa por 5 anos, sob condição do arguido pagar ao Estado, no prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado do acórdão, o valor do pedido (incluindo juros) em 60 prestações mensais iguais, vencendo-se a primeira no fim do 1º mês a contar do trânsito.

3- Inconformado, recorreu o arguido desta última decisão, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
No caso dos autos, os actos típicos reportam-se a Outubro de 1997; Dezembro de 1997; Abril de 98; Maio de 1998 Junho de 1998 – Cinco crimes de abuso de confiança fiscal referentes a não entrega de IVA e um crime de abuso de confiança fiscal por não entrega de IRS.
De acordo com o disposto no artigo 15.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos, correndo desde o dia em que o facto se tiver consumado (nos termos do artigo 119.º, n.º 1 do Código Penal).
Tal prazo interrompeu-se com a “constituição do arguido”, em 28-03-2001 – artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e com a notificação da acusação ao arguido, em 7 de Setembro de 2001 – artigo 121.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
O prazo de prescrição do procedimento criminal ficou suspenso desde aí – artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (Cfr. artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal).
O prazo máximo de prescrição do procedimento criminal é, de acordo com a norma do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, de sete anos e meio, acrescido do prazo de suspensão (suspensão que, nos termos do n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, não pode ultrapassar três anos), ou seja, o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal é 10 anos e meio contado a partir de Outubro de 1997; Dezembro de 1997; Abril de 98; Maio de 1998 Junho de 1998 – cfr. artigo 121.º, n.º 3 e artigo  120º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal.
Deve pois julgar-se verificada a prescrição do procedimento criminal dos crimes de abuso de confiança fiscal pelos quais o arguido foi condenado.
Dispõe o n.º 1 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que “1. Quem não entregar á administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.”
No actual quadro legal, não pode ser considerado o valor global de todas as prestações para o efeito de qualificar o crime de abuso de confiança, mas tão-somente o valor de cada prestação em falta aferida pelo valor de cada montante de IVA liquidado e recebido, em cada factura.
Ao referir-se a prestação tributária, o legislador refere-se àquela que tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
Nas transmissões de bens, o imposto é devido e torna-se exigível no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente e nas prestações de serviços, o imposto é devido e torna-se exigível no momento da sua realização (artigo 7.º n.º 1 alíneas a) e b) do CIVA).
Na redacção actual tanto do n.º 1 quer do n.º 7 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias os valores a considerar são os de cada uma das prestações, valores que devem constar discriminadamente nas declarações a apresentar à administração fiscal, pois que senão, em vez de – como se refere no n.º 7 do citado artigo 105.º - "os valores são os" ter-se-ia dito “os valores são o valor global ou a soma dos valores".
O montante relativo ao IVA é devido ao Estado a partir do momento em que é emitida a factura relativa à operação que a ele está sujeita e liquidado o respectivo quantitativo e é a partir deste momento (da emissão da factura) que se deverá aferir do concreto valor da prestação tributária a entregar ao Estado.
Resulta de todos os documentos juntos aos autos e em particular dos juntos a fls.318 a 592 (facturas e recibos) e fls. 638 (documento elaborado pela funcionária da contabilidade) que tais prestações tributárias, referentes a cada factura, são de valor inferior a €7.500,00.

Resulta, também, do depoimento da funcionária da contabilidade (Senhora D. M...) e do depoimento da Senhora inspectora das Finanças (Senhora Dra. R...) que referiu os valores de cada uma das prestações em falta, de acordo com o relatório de inspecção – de valor inferior a €7.500,00 – Cf. declarações prestadas por ambas na audiência de julgamento (depoimentos que se encontram gravados nas cassetes 5/2003, lado B, n.º 328 até ao n.º 1160 lado B e do n.º 1161 ao n.º 2265 lado B, respectivamente.

Do relatório constante do Auto de Notícia, elaborado e subscrito pela Senhora inspectora das Finanças (Senhora Dra. R...) e junto aos autos, resulta que as importâncias de imposto liquidado se reportavam ao valor de cada factura – todas de valor inferior a €7.500,00.
Impunha-se uma reapreciação da prova produzida em sede de audiência, à luz da nova redacção ao n.º 1 do artigo 105.º citado RGIT, pois o recorrente está em crer que as provas impunham uma decisão diversa da recorrida. Ora tais prestações tributárias, referentes a cada factura, são de valor inferior a €7.500,00 pelo que deveria ter o Tribunal considerado descriminalizadas as condutas alusivas aos crimes de abuso de confiança fiscal, referentes a não entrega de IVA pelas quais o ora recorrente foi condenado.
E se isto é assim quanto ao IVA, igualmente o é quanto ao IRS, ou seja, os valores a considerar são os de cada uma das prestações, valores que devem constar discriminadamente nas declarações a apresentar à administração fiscal (de acordo com a redacção actual tanto do n.º 1 quer do n.º 7 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias).
Pois que senão, em vez de – como se refere no n.º 7 do citado artigo 105.º - "os valores são os" ter-se-ia dito “os valores são o valor global ou a soma dos valores".
A este propósito tenha-se em consideração todos os documentos constantes dos autos  - e em particular  os constantes de folhas 320 a 415 (contabilização das folhas de ordenados e recibos verdes); os constantes de folhas 604 a 637, correspondentes às declarações “modelo 10”, “Declaração de rendimentos – 114.º do CIRS” entregues à Administração Fiscal e de onde se extrai: Em primeiro lugar que as prestações são consideradas e discriminadas individualmente, por trabalhador, e tipo de rendimentos; Em segundo lugar que nenhuma dessas prestações tributárias, assim consideradas, excede o valor o de € 7500.
Pelo que deveria o Tribunal, assim e com tais fundamentos, ter considerado descriminalizada a conduta referente ao crime de abuso de confiança fiscal, referente a não entrega de IRS, pela qual o ora recorrente foi condenado.
Em conformidade, determina o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sentença deve conter a “fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” A falta de indicação de alguma destas menções comina-se, no subsequente artigo 379.º, n.º 1, alínea a), com o vício de “nulidade” da sentença.

O acórdão aqui sob recurso não cumpre o disposto artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – no caso concreto, pelas razões já expostas, impunha-se uma reapreciação da prova produzida à luz da actual redacção do artigo 105.º do Regime Geral das infracções tributárias.

Não permitindo aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador.

O julgador, nesta oportunidade que agora é dada ao arguido, a oportunidade da reabertura de audiência para aplicação de lei penal mais favorável, deverá ponderar as circunstâncias ou pressupostos de ordem material tendentes à sustentação da decisão que se lhe impõe proferir, tendo em conta o pretendido fim, devendo mesmo, se disso for o caso, ordenar a produção dos meios de prova necessários à prolação da referida decisão, como bem resulta do artigo 340.º do Código de Processo Penal.

A “reabertura da audiência” – nos termos do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal - pressupõe a apresentação e discussão, em julgamento, de todos os meios de prova. Se assim não fosse, não tinha qualquer sentido a referência feita a “audiência” no citado artigo 371.º-A, com todos os actos na mesma compreendidos, e tudo haveria de ser decidido numa simples “deliberação”.

Por conseguinte, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal a douta decisão recorrida, é nesta parte nula, por não conter todas as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º do mesmo diploma.

No acórdão recorrido não foi apreciada, nem foi emitida pronúncia quanto à inconstitucionalidade das normas dos artigos 105.º e 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - por violação do disposto no artigo 27.º n.º 1 da Constituição – uma vez que o actual ilícito-típico criminaliza matéria puramente civil, sem qualquer ressonância ética para se localizar no domínio criminal. Omissão de pronúncia que configura a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Cód ProcPenal, nulidade que expressamente se argui.

O acórdão proferido em sede de reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável evidencia ainda a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão na medida em que se refere à não entrega do IRS referente ao mês de Dezembro de 2007.

Os factos a que se reportam os autos se situam entre Outubro de 1997 e Junho de 98 e não no período de Dezembro de 2007, existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão do acórdão recorrido.
O acórdão não refere que penas parcelares aplicadas a cada um dos seis crimes de abuso de confiança fiscal contudo, as penas aplicadas ao arguido, quer pelo acórdão proferido em 10 de Março de 2003, quer pelo douto Acórdão aqui sob recurso, mostram-se de todo o modo excessivas.
Desde logo, porque os Meritíssimos Juízes não tomaram em consideração quaisquer das circunstâncias que depunham a favor do agora recorrente – maxime, as suas condições pessoais e a sua conduta anterior aos factos. O que configura uma nulidade por falta de fundamentação.
Depois, porque em concreto nenhuma razão é adiantada no acórdão que releve em justificação de tão graves sanções: a conduta do recorrente não assumiu, dentro do próprio tipo concreto (do abuso de confiança fiscal), grau de ilicitude tão elevado que fizesse parecer as condenações em causa como adequadas.
Ou seja, do ponto de vista do tipo legal de abuso de confiança fiscal, não parece possível deixar de considerar a ilicitude concretamente atribuível à conduta do recorrente como de grau diminuto.
E, por outro lado, que a intensidade do dolo que porventura se lhe atribua parece não poder deixar de considerar-se também diminuída.
Por tudo isso, e ainda porque se não vê em que medida as necessidades de prevenção geral, ou especial, reclamariam pena superior, ou mais grave, entende o Recorrente que a pena parcelar adequada aos crimes de abuso de confiança fiscal não poderia ser outra que não a pena de multa.

A decisão sob recurso começa por violar, a este respeito, o dever de fundamentação das decisões judiciais, com efeito, nada é dito quanto à razão da pena única por que se optou – muito concretamente, nada se diz acerca da consideração que ao tribunal a quo mereceram, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente»; aliás, nem tal é referido, salvo erro, em parte alguma do douto Acórdão em crise.
Mostram-se, assim, violados, do mesmo passo, o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 77º n.º 1 do Código Penal.

A suspensão condicionada ao pagamento da indemnização total traduz-se numa medida que viola todos os princípios e garantias constitucionais, na medida em que permite, apesar da descriminalização, manter o relevo penal de uma situação que com a lei descriminalizadora se quis deixar apenas com relevância cível.

O artigo 14.º do RGIT, interpretado no sentido de que a suspensão da execução da pena deve sempre e obrigatoriamente ficar condicionada ao pagamento da totalidade do imposto em dívida e acréscimos legais, sem deixar tal hipótese na mão do julgador, é inconstitucional, uma vez que viola, além do mais, o princípio da proporcionalidade, o princípio da necessidade, o princípio da culpa e o preceituado no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Por tudo isto, o acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 105.º, n.º 1 do RGIT, os artigos, 13.º, 14.º, 34.º, 35.º e 50.º do Código Penal, o princípio da proporcionalidade, o princípio da necessidade, o princípio da culpa e o preceituado no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Deve ser revogado o acórdão e absolvido o arguido ou ser declarado nulo o julgamento e o acórdão recorrido

4- Nesta Relação, o Exmo. PGA emitiu douto parecer no qual conclui pela sem razão do arguido e pela improcedência do recurso

5- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

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 6- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :

1. A AP... & Filhos, Lda, exercia a actividade de Preparação e Fiação de Fibras, CAE 17130, e encontrava-se colectada na Repartição de Finanças de Águeda, enquadrada para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (= IVA), no regime normal mensal, possuindo contabilidade.

2. A AP... & Filhos, Lda, não obstante ter liquidado o IVA nas facturas e documentos equivalentes, recebendo tal imposto dos seus clientes, não procedeu à sua entrega à Fazenda Pública após apuramento, preenchimento e envio à Direcção de serviços de cobrança do IVA das declarações periódicas relativas aos períodos de imposto a seguir discriminados, num montante global de 15.564.355$, conforme o seguinte quadro:

Out974.665.266$
Dez971.921.859$
Abril982.274.947$
Maio983.993.344$
Junho982.708.939$

3. Por outro lado, a AP... & Filhos, Lda, procedeu no período compreendido entre Dezembro de 1996 e Fevereiro de 1999, a retenção de IRS sobre os rendimentos pagos das categorias A (trabalho dependente), B (trabalho independente) e E (Capitais), não o entregando ao Estado nem até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidos, nem até hoje, ao que estava obrigada, no montante global de 18.834.730$, conforme o seguinte quadro:

Categoria ACategoria BCategoria E
Dez96 226.500$
Fevereiro97 23.490$
Março97 465.668$17.000$
Abril97 752.200$28.006$
Maio97799.580$13.000$
Junho97 777.500$17.796$
Julho97775.340$23.222$
Agosto971.695.390$4.000$
Setembro97734.090$17.000$
Outubro971.058.120$4.088$
Novembro97655.820$13.000$
Dezembro971.264.560$34.000$241.600$
Janeiro98 677.930$8.000$
Fevereiro98 500.100$17.000$
Março98 675.260$17.000$
Abril98 578.430$113.000$
Maio98595.980$14.400$
Junho98 591.090$21.000$
Julho98574.030$58.000$
Agosto98981.570$13.000$
Setembro98497.880$
Outubro98531.880$13.000$
Novembro98435.460$13.000$
Dezembro981.139.230$13.000$241.600$
Janeiro99 367.120$21.000$
Fevereiro99 471.800$13.000$
4. A AP... e Filhos, Lda, não efectuou os pagamentos acima descriminados ficando com tais meios líquidos recebidos dos clientes e retidos dos rendimentos que pagava, utilizando-os em seu próprio proveito, obtendo desse modo vantagens patrimoniais indevidas.

5. O arguido A... era sócio e o gerente de facto e de direito da sociedade, pelo menos desde o triénio de 1992/94, incumbindo-lhe a administração da empresa e a gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente o pagamento de impostos devidos ao Estado.

6. Actuou o arguido A..., no interesse da sua representada AP... & Filhos, Lda, de forma deliberada, livre e consciente da ilicitude da sua conduta, procurando, e conseguindo, obter para esta um enriquecimento indevido à custa do Estado, através da não entrega dos montantes de IVA e IRS liquidados, recebidos e retidos, tendo conhecimento da obrigação legal da sua entrega ao Estado.

7. No triénio de 1992/1994, também foram gerentes B... e X…, sendo directores P... e F....

8. Em 16/06/94 foi registada a renúncia de B... à gerência da sociedade.

9. No triénio de 1995/1997, também foram gerentes, para além do arguido, X… e P..., nomeados em 12/07/95.

10. No triénio de 1998/2000, o arguido continuou a ser gerente, conjuntamente apenas com X…, que renunciou à gerência em 28/12/98, renúncia que foi registada em 18/05/99.

11. Em 18/05/99 foi também registada a designação, como gerente único para o triénio de 1999/2001, do arguido. Nessa data, o arguido cedeu duas quotas da sociedade a S.... E também nessa data foi registada a renúncia à gerência do arguido em 16/4/99 e a nomeação como gerentes para o triénio de 1999/2001 dos sócios S... e C…, nomeação que ocorreu em 6/5/99.

12. O arguido não tem antecedentes criminais.

13. Ao longo do tempo, o arguido fez cerca de 300.000.000$ de suprimentos à sociedade.

14. Em 30/09/1988, a AP... & Filhos, Lda, representada pelos seus dois gerentes - arguido e X... - efectuou uma dação em pagamento para dívidas à Fazenda Nacional e à Segurança Social cujo prazo legal de cobrança tenha terminado em 31/07/96, dívidas à segurança social posteriores a 31/07/96 e anteriores à data do despacho de 17/03/98, e dívidas por coimas e por custas relacionadas com os factos ocorridos até à presente data, no valor global de 476.236.699$.

15. Em 16/04/1999, o arguido e sua mulher venderam duas quotas que tinham, uma de 56.210.000$ e outra de 10.769.000$ (sobre esta incidia um usufruto), por 100.000.000$, preço que em parte já lhes tinha sido pago e que na parte restante seria pago em 59 prestações, 5 delas com vencimentos mensais até 10/09/99 e as restantes com vencimentos em igual dia dos meses posteriores.

E deram-se como não provados os seguintes factos :

A) As únicas funções que o arguido exercia na AP... e Filhos, Lda, eram a de gerente comercial, responsável pelas compras de matéria prima e equipamento industrial e pelas vendas, e a de financiador da empresa.

B) O arguido tenha pago pela empresa - já após ter cessado as suas funções de gerente e de ter cedido as suas quotas sociais aos Srs. C… e S… - cerca de 50 mil contos, de dívidas a trabalhadores e fornecedores.

C) “Empréstimos”  [13 e B)] que fez “a fundo perdido", nunca tendo sido reembolsado de quaisquer quantias.

D) Tenha feito tais “empréstimos com o único objectivo de manter a empresa em funcionamento, de assegurar a subsistência de mais de 100 postos de trabalho (aproximadamente também 100 famílias, cuja sobrevivência económica disso dependia em larga medida).

E) E confiando em absoluto - cegamente mesmo - na gerência económica, financeira, contabilista e fiscal da empresa.

F) Responsabilidade ininterruptamente a cargo do Sr. Dr. P… - que apesar de ter renunciado à gerência em 28/05/97, continuou a exercer na prática as mesmíssimas funções -, e do Sr. X… .

G) Tendo sido eles quem, porventura, isoladamente ou em conjunto, decidiram que a sociedade praticasse os actos descritos na acusação.

H) O arguido fosse apenas quem, do seu “próprio bolso”, financiava a empresa, limitando-se a passar ou assinar os cheques que o Sr. Dr. P... e o Sr. X… preparavam ou mandavam preparar, quando o faziam.

I) O arguido tenha tomado conhecimento da existência de dívidas da sociedade perante a Fazenda Pública e a Segurança Social em 1998.

J) Depois disso, o arguido tenha feito tudo quanto estava ao seu alcance para solucionar os problemas assim criados e que tais putativos ilícitos representaram para a empresa.

L) Nomeadamente, tenha efectuado a dação em cumprimento referida em 14 com a qual julgou extintas as dívidas.

M) O arguido apenas tomou conhecimento dos factos que lhe são imputados já depois de passados todos os prazos legais para as entregas.

N) O arguido não tinha qualquer consciência - sequer conhecimento - dos actos que estavam a ser praticados, e pelos vistos continuaram a ser praticados, pelo menos até 1999.

O) O arguido julga que a maioria das dívidas estão pagas.

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6- FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes, extraídas das motivações apresentadas, cabe agora conhecer das questões ali sucitadas

Quanto à 1.ª questão invocada pelo recorrente, a da prescrição do procedimento criminal, dir-se-á, acompanhando o parecer do ilustre PGA nesta Relação, que o recorrente , com a reabertura da audiência, não está a ser julgado e condenado “ex novo”, trata-se apenas de rectificar a condenação anterior em função da entrada em vigor de uma lei nova mais favorável. Ou seja, não estão em causa a existência dos factos, da culpa e dos pressupostos do crime.

A ser como pretende o recorrente, estaria encontrada uma boa maneira de se violar o caso julgado e desresponsabilizar as pessoas: bastava , face a uma lei nova, requerer a reabertura da audiência e, caso já tivesse decorrido o prazo prescricional nesta data, ficcionar que nada se passara antes, que o arguido não fora julgado e condenado.

Logo, improcede esta excepção.


Em nosso entender tem razão o requerente quando alega que não deve ser considerado o valor global de todas as prestações para o efeito de qualificar o crime de abuso de confiança, mas tão-somente o valor de cada prestação em falta aferida pelo valor de cada singularmente, pelo que se deveria ter considerado descriminalizada a conduta referente ao crime de abuso de confiança fiscal, referente a não entrega de IRS, pela qual o ora recorrente foi condenado.

Simplesmente o recorrente pretende, também aqui, contrariar o caso julgado formado com a 1.ª decisão. E pretende também que se faça prova sobre o valor de cada prestação, ou pelo menos uma reapreciação da prova já produzida.

Preceitua o art. 371°- A do Código de Processo Penal ( introduzido pela Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto ) : « Se após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime ».

Por seu turno, o CodPenal vigente, aprovado pela Lei 59/2007, de 4 /09, que entrou em vigor em 15-9-2007, estipula no n.º 4 do art 2.º que « Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior ».

E finalmente o n.º 1 do art. 50.º do mesmo diploma estatui : « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ».

Se interpretar uma norma não é mais do que fixar o sentido com que há-de valer, determinando o alcance decisivo da respectiva estatuição, então é manifesto que a letra ou texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja a de eliminar tudo quanto não tenha apoio ou correspondência no texto da norma.

Mas para se fixar o sentido e o alcance de uma norma a letra da lei não pode deixar de ser complementada com outras considerações de interpretação, designadamente pela, digamos, “arqueologia” da norma : o fundamento da existência da norma ou da alteração que ela exprime em relação ao regime anteriormente vigente, em suma, ao “fundamento” mesmo da lei. O elemento racional ou teleológico concerne à finalidade ou razão de ser da lei ; perspectiva-se, assim e agora, a norma pelo seu lado funcional ou instrumental, ou seja, pelo lado da finalidade que o legislador prosseguiu .

Na redacção da norma anterior à Lei n.º 59/2007, de 4.09, o caso julgado representava um limite inultrapassável à aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, o que alguns entendiam ser uma violação  do art 29.º-4 da Constituição e do princípio da igualdade ( art. 13.º-3 deste mesmo diploma ). Derrogando essa tradicional intangibilidade do caso julgado, o n.º 4 do art. 2.º determina, na sua nova redacção, a aplicação retroactiva da lei nova mais favorável, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que só não sucederá se já tiver cessado a pena e os seus efeitos.

 E foi para dar aplicação prática ao preceito do n.º 4 do art. 2.º do CodPenal, na redacção agora vigente, que o legislador introduziu no CodProcPenal aquela norma do art. 371.º-A

De modo que no actual regime substantivo e adjectivo (1) se  antes de proferida uma decisão condenatória sobrevier uma lei penal mais favorável, a sentença a proferir não poderá deixar de considerar a aplicação dessa nova lei, em obediência ao disposto no art. 2.º do CodPenal  ; (2) se a sentença já tiver transitado em julgado, permite-se ao arguido que, se entender ser do seu interesse a aplicação do novo regime, requeira ao tribunal da condenação a reabertura da audiência a fim de eventualmente se apurar se está em condições de lhe ser aplicada uma medida penal mais benévola ou mais favorável.

Mas é evidente que no caso de reabertura da audiência ao abrigo do art. 371.º-A não está em causa a produção de prova que contrarie a matéria de facto enunciada na sentença condenatória, ou seja, que se reaprecie os factos relativos ao crime, à culpa, etc., pois que esses factos são intangíveis por força do caso julgado formado com a primeira decisão. Apenas se poderá fazer a prova estritamente necessária à eventual aplicação de uma medida penal mais favorável, e assim, por exemplo, será admissível prova relativa à personalidade do requerente, ao seu comportamento anterior e posterior aos factos - que a sentença condenatória não tenha considerado - , às actuais condições de vida do requerente e  às condições possíveis no futuro .

Por outro lado, quanto a factos complementares trazidos  pelo arguido com vista à reabertura da audiência é possível, é até necessário, fazer prova. Pois, como diz o Ac RelPorto, de 23-1-2008, proc. n.º 0747167 ( www.dgsi.pt ),  « Se o art. 371º-A do C.P.P. estabelece que, em caso de sucessão de leis e havendo trânsito em julgado da decisão, o condenado pode requerer a reabertura da audiência (para que lhe seja aplicado o novo regime) é porque entende que pelo menos o condenado pode produzir prova tendente à demonstração de factos favoráveis aos seus objectivos. E se pode produzir prova então os factos daí resultantes terão que ser considerados na decisão a proferir: esta terá que atender aos novos factos resultantes da audiência reaberta e, consequentemente, não se pode confinar aos factos descritos e apurados na decisão transitada (neste sentido vide acórdão do TRL de 16-10-2007, processo 5585/07-5). Se os factos a atender com vista à aplicação do novo regime fossem, apenas e tão só, os fixados na decisão anterior à entrada em vigor da nova lei, para quê realizar diligências, reabrir a audiência, se tudo o que dela resultasse fosse irrelevante? Qual a razoabilidade de reabertura da audiência se os factos desta resultantes não pudessem ser considerados? ». Ou o AcRelPorto, de 28-5-2008, proc. 0842155 ( www.dgsi.pt ) : « Afirma-se, a dado passo, que « (…) factos novos e posteriores ao julgamento não podem ser considerados, nem sequer objecto de produção de prova. Trata-se, apenas, de verificar e decidir se, tendo em conta os factos primitivamente fixados, a Lei Nova, caso esta já existisse na altura, aplicada aos mesmos, se repercutiria favoravelmente na situação do condenado” . Se fosse assim, que razão, então, teria a reabertura da audiência para aplicação da lei penal mais favorável? Apenas permitir a discussão dos factos já fixados, na perspectiva da aplicação da lei penal nova e mais favorável ? (...) Até porque não é possível antever todas hipóteses de alteração das disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível por leis posteriores nem conjecturar, de forma esgotante, na multiplicidade de variantes admissíveis, que, para a ponderação de regimes penais em confronto, não interessem outros factos para além dos que já se mostram fixados. Se se devem ter por definitivamente fixados e, portanto, insusceptíveis de alteração, os factos dados por provados na primitiva decisão, como é imposto pelo caso julgado, tal não significa que eles não sejam complementados por factos novos que interessem à decisão sobre a questão da aplicação retroactiva de lei penal mais favorável. (...) Bem pelo contrário, a produção de meios suplementares de prova será, até, uma exigência – a impor que o tribunal, oficiosamente, a determine -, quando, na primitiva decisão, não constem todos os factos necessários à decisão sobre a aplicação da pena de substituição ». ( No mesmo sentido se pronunciaram, por exemplo, o STJ, processo n.º 08P1770, de 25-6-2008 ( www.dgsi.pt ) e o Ac RelCoimbra, de 27-2-2008, CJ, ano XXXIII, t. I, p. 55 ).

 Alega depois o recorrente que o acórdão que decidiu o pedido de reabertura da audiência é nulo por ter omitido o disposto artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal quanto à fundamentação da decisão e que  no caso concreto impunha-se uma reapreciação da prova produzida à luz da nova lei.

Já dissemos o bastante sobre isto : não se trata de reapreciar a existência do crime ou da prova que sobre o mesmo se fez, mas tão somente de saber se , face aos factos fixados na anterior decisão, com a força de caso julgado que ela tem nessa parte, se verificam os pressupostos de aplicação da lei nova e eventualmente a produção de prova relativa à actual situação sócio-económica-comportamental  do arguido com vista à aplicação de um regime penal mais favorável.

Ora, os fundamentos relativos à existência do crime e aos pressupostos da imputação penal e da pena estão expressos no 1.º acórdão. O segundo acórdão, na medida em que se limitou a apreciar os pressupostos que determinaram a reabertura da audiência, apenas tinha que fundamentar a decisão no restrito âmbito dessa apreciação, e foi o que fez.

Quando à alegada inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre esta situação de alegada inconstitucionalidade do art. 14º do RGIT e decidiu sempre no sentido da sua não verificação. Fê-lo, designadamente, nos acórdãos nº 256/03, de 21-05-2003 (proc. nº 647/02), nº 335/03, de 7-07-2003, (proc. nº 282/03), e nº 376/03, de 15-07-2003, (proc. nº 3/03), todos publicados em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
Salientando que se deve considerar como princípio consagrado na Constituição a proibição da chamada “prisão por dívidas”, o TC concluiu, em todos esses acórdãos, que “não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela ― suspensão da execução ― se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.(...)”.
Apreciando o problema na perspectiva de que tal condição, não viola os princípios da adequação, da proporcionalidade e da razoabilidade a que a obrigação imposta deve obedecer, o TC justifica que “(...) podendo a realização dos fins do Estado ― dependente do cumprimento do dever de pagar impostos ― justificar a adopção do critério da vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena, pois as razões que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º, nº 2, do Código Penal, não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida. Dito de outro modo, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente”. Por isso, concluiu-se nos acórdãos citados que, tanto a norma do art. 11º, nºs 6, 7 e 8, do RJIFNA, como a norma do art. 14º do RGIT, “não se afiguram desproporcionadas, quando apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, assume o interesse em arrecadar impostos”. Acrescentando que “ao submeter a suspensão da execução da pena a esta condição, não se está, em rigor, a criar um novo dever que passa a onerar o condenado: o dever de pagamento ou de reposição já existia anteriormente e continuará a existir independentemente da sua imposição como condição para a suspensão da pena”.
O terceiro dos acórdãos citados, citando a jurisprudência antecedente do Tribunal Constitucional sobre esta questão, extrai ainda a seguinte ideia: “(...) não faz sentido analisá-la à luz da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se considere ― e é isso que importa determinar ― desproporcionada a imposição da totalidade da quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, o certo é que o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na falta de pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível”.
Não tem, pois, razão o recorrente.

Manifestamente não tem razão o recorrente quando diz que o acordão recorrido incorre em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão na medida em que se refere à não entrega do IRS referente ao mês de Dezembro de 2007.

É patente que quando no dito acórdão se fala do IRS do ano de 2007 se quer dizer 1997, trata-se de um mero erro de escrita pois é evidente que as quantias em divida são apenas as que constam dos quadros construídos no acórdão, referentes a 1997 e 1998.


O tribunal recorrido não tinha que se pronunciar sobre as circunstâncias que depunham a favor do agora recorrente e designadamente sobre as suas condições pessoais e a sua conduta anterior aos factos. Porque fez a consideração da tais factores de escolha e de fixação da pena no anterior acórdão, inclusive para as penas parcelares e para a pena única. Nesse mesmo acórdão são considerados esses factores pessoais,  da ilicitude e da gravidade dos actos praticados. A nova pena encontrada com a reabertura da audiência tem em conta os factos descriminalizados, e fixa a pena em função da nova ilicitude, mas mantendo os fundamentos expostos no anterior acórdão, uma vez que não havia factos novos a alterar os ditos fundamentos
Depois, para a reabertura da audiência o próprio recorrente não ofereceu qualquer prova complementar relativa à pena .

Por fim, é claro que o tribunal não tinha que se pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade das normas dos artigos 105.º e 107.º do RGIT - por violação do disposto no artigo 27.º n.º 1 da Constituição – , por aí se criminalizar matéria puramente civil.

Nem a questão foi suscitada nem, face à jurisprudência do TC acima referida, e mesma tem qualquer viabilidade no sentido que o recorrente pretende

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DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I- Nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida

II-  O recorrente pagará 3 Ucs de taxa de justiça

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                                      Tribunal da Relação de Coimbra,        -         -


                        

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                                                            ( PauloValério )

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                                                                ( Frederico Cebola )