Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
407/07.2JACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
TRÂNSITO EM JULGADO
SENTENÇA
PERSONALIDADE DO ARGUIDO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (2.ª SECÇÃO DA VARA DE COMPETÊNCIA MISTA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 77.º E 78.º DO CP
Sumário: I - O trânsito em julgado da sentença, constituindo uma solene advertência contra o crime, é o limite intransponível a partir do qual os ilícitos penais não podem ser submetidos às regras do concurso, determinando o arguido ao cumprimento sucessivo de penas.

II - À fundamentação de sentença que efectuar o cúmulo de penas em concurso interessam os factos relativos a cada um dos crimes praticados e a personalidade do agente, esta delineada por todos os factos pessoais daquele, conhecidos à data da decisão final cumulatória, os quais podem ser divergentes dos provados em sentenças relativas a cada um dos processos considerados.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

 

I – Relatório

No processo supra referido, procedeu-se ao cúmulo jurídico da pena de 18 meses de prisão aqui aplicada ao arguido, ora recorrente, A..., melhor identificado nos autos, com aquela de 200 dias de multa e 180 dias de multa, em que o mesmo arguido havia sido condenado no processo 361/08.3 do tribunal da Marinha Grande, tendo sido o arguido condenado na pena única de 18 meses de prisão e 290 dias de multa á taxa diária de € 5,00, no total de € 1450,00 (mil quatrocentos e cinquenta euros.

No mesmo processo foi efectuado o cúmulo jurídico de penas, aplicadas ao arguido B..., cunhado daquele, fazendo-se ainda referência aos cúmulos de penas aplicados ao arguido ora recorrente no processo, 62/09.5, desfazendo-se o cumulo aí aplicado ao arguido que compreendeu as penas aplicadas no processo 361/08.3 do Tribunal da Marinha Grande, com aquela aplicada processo 301/07.7GTCBR do Tribunal de Coimbra.

Desagradado com o assim decidido, ou seja com o cúmulo efectuado nestes autos, veio o arguido recorrer, extraindo da sua motivação, com a longas conclusões que a seguir se transcrevem:

1ª A decisão integrante do acórdão recorrido, de não suspensão da pena aplicada no Proc. 407/07.2 JACBR, de 18 meses de prisão, assumiu como fundamentação de facto um circunstancialismo inverídico e contraditório da matéria de facto dada por provada sob o ponto 14 da própria decisão recorrida.

A saber: ter o Arguido praticado crimes num período probatório de liberdade condicional; ser Arguido sem qualquer actividade profissional; recair sucessivamente nos consumos o segmento da decisão em que o acórdão recorrido se pronunciou pela não suspensão da pena de prisão por 18 meses, aplicada no cumulo, constitui nulidade que expressamente se argui nos termos das disposições conjugadas do artº 379º nº1 al. a) e do artº 374, nº2 do CPP, como tal devendo ser declarada, com as legais consequências. Ou quando assim se não entenda, a mesma circunstância constitui erro de julgamento, por erro quanto aos pressupostos de facto da decisão de suspensão ou não suspensão da pena aplicada em cúmulo, de 18 meses de prisão.

3ª A decisão judicial que torna efectivo o cúmulo jurídico das penas deve conter uma descrição, ainda que por súmula, com detalhe suficiente para permitir, por meio da própria decisão – que não pela consulta das decisões que aplicaram penas parcelares – conhecer, na sua essência e diversidade, a pluralidade dos factos que deram origem às condenações parcelares.

4ª O douto acórdão recorrido não cumpriu esse requisito. De forma mais particular não satisfez essa exigência legal em relação aos factos sobre que recaiu julgamento e condenações nos Proc. 361/08.3 PAMGR 743/09.3 PBFIG, 1975/09.0PCCBR, 17/10.7PEFGR, 62/09.5 RECBR, 407/07.2JACBR, 2087/11.1 TACBR. Não se podendo, com recurso a ele, conhecer e controlar os motivos de facto da decisão impugnada.

5ª Incorreu, por tal razão em nulidade; que expressamente se argúi nos termos das disposições conjugadas do art.º 379º nº1 a) e do art.º 374º nº2 do CPP, como tal devendo ser declarada, com as legais consequências.

6ª A decisão de facto que integra o douto acórdão impugnado revela-se insuficiente para a tomada de decisão do cúmulo, no que concerne em particular
à personalidade do agente, às condições da sua vida e à conduta anterior e posterior aos crimes que foram considerados para o cumulo. Insuficiência essa, que se argui nos termos e para os efeitos do disposto no artº 410º nº2 a) do CPP, como fundamento do recurso.

7ª Deve, no provimento deste recurso, ser modificada a decisão de facto integrante do acórdão recorrido, nos termos do disposto no artº 431º do CPP, al. a), e ampliada a matéria de facto constante da decisão recorrida, de modo a, por consequência da ampliação dessa decisão de facto, e com fundamento nas doutas decisões judiciais que proferiram penas parcelares, certificadas nos autos, os seguintes factos das alíneas A) a E) do ponto IV destas alegações passarem a constar do segmento fáctico da decisão recorrida:

A) O arguido trabalha regularmente, embora com períodos de desemprego na construção civil, (factos que haviam sido apurados na sentença proferida no Proc. 361/08.3 PAMGR, no Proc. 743/09.3RBFiG e no Proc. 17/10.7 PEFIG – decisões judiciais certificadas a fls… e a fls. …;

B) O arguido fazia descontos do Arguido para a segurança social sendo de Janeiro de 2009 os últimos descontos para a segurança Social “ – factos que haviam sido separados no Proc. 17/10.7 PEFGR – decisão judicial certificada a fls…

D) “ Os factos por que foi condenado relacionam-se com o desemprego e convívio com pessoas de conduta marginal” (factos que haviam sido apurados no Proc. 1975/09.0 PCCBR – decisão judicial certificada a fls…

E) o arguido consumia ocasionalmente substâncias estupefacientes (factos que havia sido apurados no Proc. 17/10.7PEFGR – decisão judicial certificada a fls…

8ª Ou, quando assim e não entenda, deve, no provimento do recurso, ao abrigo do disposto no artº 426º nº1 do CPP, ser determinado o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente às questões enunciadas nas alíneas A a E do ponto IV destas alegações. Renovando-se igualmente a produção de prova sobre tal matéria, que deve ser ampliada a outros pontos que se revelem necessários para a apreciação da personalidade do arguido e à avaliação da prognose da eficácia de medidas não privativas da liberdade em relação ao agente para a realização dos fins das penas; seguindo os autos os termos subsequentes, até final.

9ª O trânsito em julgado das sentenças condenatórias, incluindo a própria decisão judicial que efectiva o cúmulo não são obstáculos à efectivação de novo cúmulo.

10ª E, havendo novo cúmulo, os julgadores terão de reponderar todas as penas, mesmo aquelas que respeitam a cúmulos anteriormente feitos, em que se não integre o facto novo e a pena nova supervenientemente conhecidos.

11ª Tendo apenas considerado para efeito do cúmulo a que se procedeu os factos julgados e as penas aplicadas no Proc. nº 407/07.2JACBR da Vara Mista de Coimbra e no Proc. n.º 361/08.3PAMGR do 3º Juízo da Comarca da Marinha Grande, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento. Violando o preceito legal com referência ao art.º 77º do Cód. Penal.

12ª Preceitos esses que obrigam à realização de novo cúmulo sempre que haja conhecimento superveniente de crimes em relação de concurso, em homenagem ao dever de apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do agente que deve sempre – mas sempre – ser reapreciada. Bastando, para tanto, que haja evidência de um novo crime;

13ª Mesmo em relação aos crimes e penas em que foram já anteriormente judicialmente declaradas situações de concurso, e aplicadas as penas concursais, por decisão cumulatória transitada em julgado.

14ª Não o tendo feito, a douta decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia. Sendo nula, nos termos das disposições conjugadas dos artº 379º nº1 a) e 374º nº2 do mesmo diploma. Como tal devendo ser declarada, com as legais consequências. Quando assim se não entenda: a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos preceitos dos artºs 78º, com referência ao art.º 77º do Cód. Penal.

15ª O cúmulo das penas aplicadas no Proc. 361/08.3PAMGR e no Proc. 407/02JACBR devia ter-se materializado, na tomada de decisão constante do acórdão aqui recorrido, na condenação do arguido em 290 dias de multa, substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos já decretados pelo juízo que conheceu dos factos, com desconto das 27 horas de trabalho já prestadas; e ainda na pena de prisão por dezoito meses, suspensa na sua execução por igual período; sendo a suspensão sujeita a regime de prova.

16ª O acórdão recorrido ponderou a possibilidade de aplicação ao Arguido da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no Proc. 407/02 JACBR, integrante da primeira situação de concurso verificada no caso vertente. Fê-lo, porem, com base pressupostos erróneos, e contraditórios com o segmento da decisão impugnada em que fixou a matéria de facto. Que terá as consequências já enunciados nas conclusões 1ª e 2ª.

17ª Considerando, porém, a idade do arguido, as desventuras da sua vida – abandonado à nascença, recolhido na “Casa do Gaiato” – as razoáveis competências profissionais e habilitações literárias adquiridas; a inequívoca inserção no mundo do trabalho; a vontade de trabalhar; o ter alcançado a abstenção do consumo de estupefacientes; a integração na família; a capacidade de reflexão e crítica; a tipologia dos crimes; a sua relação com o desemprego; a localização temporal da maior parte deles nos anos de 2009 e 2010, tendo o agente caído no desemprego em 2009; deve a pena de prisão fixada em 18 meses ser suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova;

16ª O cúmulo das penas aplicadas no Processo sumário nº 66/10.5GTCBR, no Processo Comum Singular nº 743/09.3 PBFGR e no Proc. Comum Singular nº 1975/09 .0 TCCBR deveria ter-se materializado na tomada de decisão constante do acórdão aqui recorrido, na condenação do arguido na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e sujeita a regime de prova, e na pena de 70 dias de multa. Determinando-se, quanto à pena de multa, a notificação do arguido para querendo, requerer a sua substituição por dias de trabalho.

17ª O cúmulo das penas aplicadas no Processo comum Colectivo nº 17/10.7 PEFGR, do 2º juízo da comarca da Figueira da Foz e no Processo comum Colectivo nº 62/09.5 PECBR da Vara Mista de Coimbra, devia ter-se materializado, na tomada de decisão constante do acórdão recorrido, na pena de seis anos e dois meses de prisão. Determinando-se, outrossim, o desconto da pena assim fixada do período de detenção, e do período de prisão preventiva a que o arguido ficou sujeito a partir de 22 de Julho de 2010 e até ao dia 14 de Março de 2011, à ordem do Proc. 17/10.7 PEFGR.

18º Deveria o douto acórdão recorrido ter declarado que a pena de 10 (dez) meses de prisão, que foi aplicada ao Arguido no Processo Comum singular nº 2087/11.1 TACBR, não concorre com qualquer dos cúmulos parciais verificados.

19ª A douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições dos art.º 77º, 78º, 48º, 50º, 53º, 70º e 71 d Cód. Penal, bem como as dos art.º 374º, nº2 e 379º nº2 a) do Cód. Proc. Penal.

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O recurso foi recebido.

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo que a sentença não padece de qualquer vício e que deve ser mantida.

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Já nesta Relação para onde os autos de recurso foram entretanto enviados, o Exmo Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer em idêntico sentido.

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A sentença recorrida – (cópia integral, sendo nosso apenas o destaque feito a “bold” que se refere ao recorrente) :

III – FACTOS PROVADOS

1- Neste PCC 407/07.2JACBR

Data dos factos: 13/02/2009

Data da decisão: 21/12/2012

Transitada em julgado em 11/02/2013

B... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº 25°/1 do DL 15/93, de 22-1 na pena de 18 meses de prisão

A... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº 25°/1 do DL 15/93, de 22-1 na pena de 18 meses de prisão

Nestes autos foi dado como provado em síntese:

No dia 13 de Fevereiro de 2009 cerca das 11 horas e 05 minutos, na localidade da Cidreira, freguesia de Antuzede, área da comarca de Coimbra, no decurso de uma missão de policiamento e fiscalização, elementos da GNR de Ançã abordaram uma viatura, de matrícula IX ..., a qual circulava em direcção à Rua da Capela e se deteve à frente do n°3. (cfr. auto de notícia de fls. 395)

No seu interior encontravam-se os arguidos B... e A..., cunhados entre si, estando o primeiro deles ao volante, os quais, ao aperceberem-se da aproximação da patrulha da GNR deitaram para fora do veiculo um saco de plástico que continha 25 panfletos de uma substância que ao teste rápido acusou ser cocaína.

Realizada de imediato busca ao veículo veio a ser ainda encontrado na porta da frente do lado direito e apreendido um panfleto idêntico ao anterior, que continha também cocaína, (cfr. auto de apreensão de fls. 397 e auto de pesagem de fls. 403)

Tudo com o peso aproximado de 4,8 gramas.

Submetido a exame no LPC da PJ concluiu tratar-se de cocaína, com o peso bruto de 3,857g, conforme relatório junto a fls. 749.

Ao actuarem como descrito anteriormente os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente com o propósito de obterem proveitos económicos resultantes da venda de droga, conhecendo as características e natureza estupefaciente dos produtos que adquiriam, vendiam e detinham para venda, ou simplesmente detinham na sua posse, e sabendo que tal conduta constituía crime.

Agiram voluntária e conscientemente, com conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2- No PCC 1810/07.3PBCBR [certidão a fls. 135 e ss]

Data dos factos: 11/12/2007

Data da decisão: 4/5/2010

Transitada em julgado em 29/12/2010

B... foi condenado pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210°, n.º l, e n.º 2, al. b), ex vi 204.º, n.º 2, ali. f), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, na situação referida em – I-, e pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º n.1 e 2 al. b) ex vi 204º n.2 al. f) e 22º todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão na situação referida em –II-.

Operado o cúmulo jurídico vai condenado na pena única de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão.

Nestes autos foi dado como provado em síntese:

-I-

3- No dia 11 de Dezembro de 2007, cerca das 6 horas, os arguidos C... e B... dirigiram-se ao posto de abastecimento da GALP, sito na Avª ..., em Coimbra, onde se encontrava D..., empregado dessa estação de serviço.

3 - Os arguidos aproximaram-se daquele e exigiram-lhe a entrega do dinheiro que tinha consigo.

4 - Enquanto isso, com vista a perturbar o seu sentimento de segurança por forma a que não reagisse e lhes obedecesse, o arguido B... exibiu uma navalha de 16 cm de comprimento composta por um cabo de 10 cm e uma lâmina cortante de 6 cm de comprimento.

5 - Dessa forma, os arguidos conseguiram que o D..., temendo seriamente que o agredissem, ficasse quieto e calado e, com ele assim sem reacção, tiraram-lhe do bolso uma quantia não concretamente apurada, entre os 160,00€ e os 200,00€.

6 - Logo de seguida, conduziram-no para um compartimento dessas bombas e disseram -lhe para se manter nesse local.

7 - Após, de uma das prateleiras aí existente retiraram várias moedas, no montante de, pelo menos, 150,00€ e um telemóvel, marca Sharp, no valor de cento e trinta euros (€ 130,00).

8 - E com todos esses bens, no valor indicado, o dinheiro pertencente a «I..., Ldª» e o telemóvel do mencionado D..., os arguidos abandonaram o local.

9 - Deste modo, os arguidos C... e B... fizeram seus os valores supra descritos cientes de que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem o consentimento dos respectivos donos dos mesmos.

10 - Ao agirem da forma descrita fizeram-no voluntária, livre e conscientemente em conjugação de esforços e vontades, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

11- Actuaram com intenção de provocar medo e inquietação ao ofendido, afectar a sua liberdade e impossibilita-lo de resistir para se apropriarem dos valores supra indicados.

-II-

12 - Na madrugada de 13 de Dezembro de 2007, cerca da l hora e 45 minutos, os arguidos C..., B... e F... deslocaram-se ao posto de abastecimento da GALP, sito na Avª da Lousa, em Coimbra, no veículo automóvel, marca Alfa Romeu, matrícula ...BR.

13 - O arguido B... saiu da viatura e dirigiu-se junto da cabine do Posto de Abastecimento, tendo solicitado do exterior a H... que se encontrava no interior da mesma e com o intuito de o distrair, trocos para tabaco.

15- De seguida, o arguido B... empurrou a porta da cabine das bombas onde aquele funcionário se encontrava, e exibiu-lhe a navalha acima descrita, exigindo-lhe a entrega do dinheiro que tivesse consigo.

16 - Nessa altura o H... conseguiu correr para a estrada para pedir auxílio, onde entretanto surgiu um taxista que se apercebeu do sucedido.

17 - E, acto contínuo, o arguido entrou na referida viatura e com receio de ser retido, identificado e entregue à entidade policial, fugiu do local na referida viatura de matrícula ...BR, tendo sido interceptado juntamente com os demais arguidos pela PSP, nesse mesmo dia, cerca das 4 horas, no posto de abastecimento da BP da Pedrulha, em Coimbra.

18 - O arguido B... agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

19 - Ao actuar da forma descrita o arguido B... pretendeu intimidar o H..., provocando-lhe receio pela sua integridade física e até a vida, o que conseguiu, com o propósito de o obrigar a entregar-lhe o dinheiro que guardava consigo.

20 - E, só por razões alheias à sua vontade, não conseguiu apropriar –se de qualquer quantia em dinheiro ou outro bem, de valor que se desconhece mas superior a noventa e seis euros (€ 96,00), que aquele guardava consigo.

3- No PCS 819/09.7PCCBR [certidão de fls. 167 e ss]

Data dos factos: 27/3/2009

Data da decisão: 10/2/2011

Transitada em julgado em 7/9/2012

B... foi condenado pela prática de um crime de injúria agravado, p. e p. pelo artº 184º, com referência ao artº 132/2-l CP na pena de 130 dias de multa a 6€ diários e por um crime de ameaça agravado p. e p. pelo artºs 153/1 e 155/1-a CP na pena de 180 dias de multa a 6 € diários e em cúmulo das duas penas na pena única de 260 dias de multa a 6 € diários depois convertida por despacho de 2/7/2013 em 172 dias de prisão subsidiária que cumpriu integralmente [o que é do meu conhecimento funcional e resulta do PCC 1810/07.3PBCBR, fazendo agora juntar cópia de fls. 975 e 981 do referido processo]

Nestes autos foi dado como provado em síntese:

Em 27/3/2009, no Terreiro da Erva em Coimbra, após lhe terem sido solicitados os documentos da viatura que conduzia dirigiu-se ao agente da PSP e proferiu a seguinte alocução: “a viatura está estacionada, vou-me embora, não te mostro documentos nenhuns, andas a perseguir-me, és um preto de merda, um dia corro-te a tiro”.

Visou ofender a honra e consideração do referido agente que se encontrava em exercício de funções e pretendeu ainda infundir-lhe um fundado receio de um mal futuro, nomeadamente à sua vida, o que logrou, tendo agido de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4- No PCC 62/09.5PECBR da 1ª seção desta Vara Mista [fls. 104 e ss]:

Por decisão de 22.06.2011, transitada em julgado a 12.07.2011, foi o arguido A... condenado pela prática, em 10.05.2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1 do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Em síntese os factos que ficaram provados são os seguintes:

Nos meses de Março, Abril e Maio, o arguido dedicou-se há venda, no Terreiro da Erva, nesta cidade de Coimbra, de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína a toxicodependentes que ali o procuraram, e a quem entregaram dinheiro e outros bens em troca do dito produto.

5 – No Processo Sumário n.º 301/07.7 GTCBR, do T.J. de Condeixa-a-Nova [fls. 242 e ss.]:

Por decisão de 27.04.2011, transitada em julgado a 23.05.2011, foi o arguido A... condenado, pela prática, em 09.10.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 220 dias de multa à razão de 05,00 Euros por dia, num total de 1.100,00 Euros;

Em síntese, foram os seguintes os factos provados:

No dia em referência o arguido conduzia um veículo automóvel na via publica sem para tal estar habilitado.

6 – No Processo Comum Singular n.º 361/08.3PAMGR, do 3º Jz. T.J. da Marinha Grande [certidão de fls. 198 e ss.]:

Por decisão de 28.05.2009, transitada em julgado em 17.06.2009, foi o arguido A... condenado, pela prática em 05.06.2008, de um crime de furto qualificado e de um crime de condução sem habilitação legal, respetivamente, nas penas de 200 dias e de multa e 180 dias de multa e, em cúmulo dessas duas penas, na pena única de na pena de 290 dias de multa à razão diária de € 5,00 no montante global de € 1450,00;

Em síntese, são os seguintes os factos provados:

No dia em referência o arguido conduzia um veículo automóvel na via publica sem para tal estar habilitado e dirigiu-se a um armazém onde se apropriou de diversos objetos no valor de € 5000 que vieram a ser recuperados pelo ofendido.

7 – No Processo Sumário n.º 66/10.5 GTCBR, do 1.º Juízo Criminal de Coimbra [fls. 235 e ss.]:

Por decisão de 04.05.2010, transitada em julgado a 04.06.2010, foi o arguido A... condenado, pela prática em 19.04.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade.

São os seguintes, em síntese, os factos provados:

No dia em referência o arguido conduzia um veículo automóvel na via publica sem para tal estar habilitado.

8 – No Processo Comum Singular n.º 743/09.PBFIG do T.J. da Figueira da Foz [certidão de fls. 212 e ss]:

Por decisão de 17.06.2010, transitado em julgado em 03.09.2010, foi o arguido A... condenado, pela prática em 16.08.2009, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º do C. Penal, na pena de 70 dias de multa à razão de 05,00 Euros por dia;

São os seguintes, em síntese, os factos provados:

No dia 16.08.2009, na cidade da Figueira da Foz, o arguido foi abordado por um individuo, cuja identidade não se logrou apurar, que lhe propôs a venda de um bicicleta por um valor de 15,00 Euros, que o arguido aceitou comprar sem se precaver sobre a licitude da sua origem.

O veículo provinha de um furto.

9 – No Processo Comum Singular n.º 1975/09.0 PCCBR, do 2.º Juízo Criminal de Coimbra [certidão de fls. 226 e ss]:

Por decisão de 14.12.2010, transitada em julgado no dia 27.01.2011, foi o arguido A... condenado pela prática, em 22.07.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 8 meses de prisão; e pena pela prática de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º1, al. b) do Cód. Penal, na pena de 10 meses de prisão; tendo-lhe sido aplicada em cúmulo a pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses;

São em síntese os factos provados:

No dia em referência o arguido conduzia um veículo automóvel por várias ruas da cidade de Coimbra e punha-se em fuga sempre que avistava a viatura policial, até que se despistou.

10 – No Processo Comum Coletivo n.º 17/10. 7PEFIG do T.J. da Figueira da Foz [certidão de fls. 251 e ss]:

Por decisão de 14.03.2011, transitada em julgado em 13.04.2011, foi o arguido A... condenado, pela prática, em 22.07.2010, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses, com regime de prova.

11 – No Processo Comum Singular n.º 2087/11.1TACBR do 4º Jz. Criminal de Coimbra [certidão de fls. e ss]:

Por decisão de 27.09.2012, transitada em julgado em 01.03.2013, foi o arguido A... condenado, pela prática, em 06.10.2011, de um crime de ameaça agravado p. e p. pelo artigo 153/1 e 155/1-c CP na pena de 6 meses de prisão, de um crime de dano qualificado p. p. pelo artº 213/1-c) na pena de 4 meses de prisão e de um crime de difamação agravado p.p pelo artº 180 e 184 com referência ao artº 132-m) do CP na pena de 3 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 10 meses de prisão.

Na data referida escreveu nas paredes do corredor junto às celas na zona prisional do edifício da Diretoria de Coimbra da PJ escritos e figuras em que colocou os nomes de inspetores daquela PJ.

12- No âmbito do PCC 62/09.5PECBR foi efetuado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido A... e decidido [certidão de fls. 123 e ss]:

1.º- Julgar verificados os pressupostos legais que permitem efetuar o cúmulo jurídico entre si das penas aplicadas nos seguintes processos:

a) Um com as penas aplicadas nos processos n.º 301/07.7 GTCBR e 361/08.3 PAMGR;

b) O outro com as pena aplicadas nos processos n.ºs 66/10.5 GTCBR, 743/09.PBFIG e 1975/09.0 PCCBR;

c) Outro com as penas aplicada no processo n.º 17/10. 7PEFIG e nesse processo.

2.º- Aplicar ao arguido as seguintes penas, respetivamente, por cada um dos cúmulos:

1.º- a) a pena de 360 dias de multa à razão de 05,00 Euros por dia;

1.º- b) a pena de 1 ano e 4 meses de prisão, e 70 dias de multa á razão de 05,00 Euros por dia;

1.º- c) a pena de 7 anos de prisão.

MAIS SE PROVOU:

13- B... é natural de ..., Alcobaça. É de etnia cigana e é o quarto filho dos cinco que os seus pais tiveram.

Os pais do arguido emigraram para Espanha e posteriormente para as Canárias, tendo voltado a Portugal, logo após o nascimento deste, emigrando de seguida para o Brasil.

B... descreve este período da sua vida, como uma época em que a família viveu sem dificuldades económicas. Este estudou até ao equivalente ao 4º ano de escolaridade e posteriormente começou a trabalhar na venda ambulante com os seus pais.

Em 1995 regressaram a Portugal, em virtude de o seu pai estar já muito doente e querer morrer na terra natal.

Inicialmente foram viver para Coimbra, para a (...), numa casa com fracas condições de habitabilidade, mas em virtude de terem que gastar muito dinheiro com a doença do pai, tiveram que abandonar esta casa e construir uma barraca de madeira, sem quaisquer condições.

Entretanto o arguido casou com G..., tendo começado na venda ambulante com um primo, que o terá iniciado no consumo de estupefacientes.

Deste casamento nasceram 3 filhos, duas das quais se encontram institucionalizadas no Lar ..., sendo que a mais velha foi entregue aos cuidados da madrinha, em virtude de a mãe ter abandonado a família e o arguido se entregar à toxicodependência.

À data da reclusão vivia coma sua companheira, E..., de 21 anos de idade, em casa dos pais desta, no bairro da Rosa.

Profissionalmente colaborou ocasionalmente com os sogros na venda ambulante.

Toda a família era apoiada pela equipa de rua do ..., onde ele e a sua companheira estavam integrados no programa de metadona, acabando este por ser expulso do programa, por se comportar de forma incorreta para com os técnicos, contudo passou a tomar metadona através da mãe da companheira a quem era facultado o medicamento.

Os rendimentos desta família de cinco elementos são os provenientes do RSI de que todos são beneficiários, não desempenhando à altura da reclusão do arguido qualquer atividade profissional.

Vivem todos numa habitação, apartamento de tipologia 3, de renda económica, no já referido Bairro ....

Esta família é contudo muito solidária com B..., visitando-o com regularidade e estando dispostos a apoiá-lo incondicionalmente.

As suas duas filhas que se encontram institucionalizadas também o visitam quinzenalmente no EP de Coimbra.

O arguido tem vindo a evoluir positivamente no seu percurso prisional, tendo começado a revelar um sentido crítico em relação aos comportamentos que deram origem à sua reclusão.

No EP de Coimbra mantém um comportamento institucional adequado, não tendo registos de qualquer castigo.

Frequenta um curso profissional de pintura da construção civil que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade.

Atualmente, e desde o dia 11 de Outubro último, encontra-se na Prisão Hospital de S. João de Deus em Caxias para ser sujeito a uma intervenção cirúrgica a uma fístula. Para além disso é portador de hepatite C, encontrando-se estabilizado e medicado.

Encontra-se abstinente desde a sua reclusão.

14- A... nasceu em Alcobaça, tendo sido abandonado à nascença pelos pais, que nunca conheceu. Foi confiado a uma família de acolhimento da Segurança Social onde se manteve até ao seu primeiro ano de vida, altura em que foi colocado na “Casa do Gaiato”.

Embora tivesse mantido contactos com esta família de acolhimento, nunca existiram laços significativos de afetividade, antes só com “irmãos” ou seja crianças que foram criadas por esta família.

Manteve-se na “Casa do Gaiato” até aos 15 anos de idade, altura em que fugiu, não mais tendo regressado. Durante este período frequentou a escolaridade obrigatória, tendo concluído o 9º ano.

Quando fugiu da Instituição, foi viver para Coimbra para casa de uma das filhas do casal de acolhimento, já autonomizada, mas passado algum tempo começaram a surgir problemas relacionais, provocados essencialmente pelo início do consumo de bebidas alcoólicas em excesso.

Passou então a viver numa casa abandonada, sem o mínimo de condições, passando frio e fome.

Aos 22 anos de idade conheceu a sua atual mulher, J..., viúva, de etnia cigana, na altura com 36 anos de idade e mãe de dois filhos, com 6 e 7 anos de idade. Foram estas duas crianças que o ajudaram a ser aceite pela comunidade cigana, acabando por casar com J... e ser aceite como um dos da comunidade.

Ao nível laboral trabalhou na construção civil, como armador de ferro, servente e pintor, embora sempre de forma irregular e instável. Acabou por tirar a carta profissional e atualmente é pedreiro de segunda.

À data da reclusão, o arguido vivia com a sua mulher, J... e com o filho mais novo desta, uma vez que a filha já se casou e constituiu agregado próprio.

Viviam nos arredores da cidade de Coimbra, em Eiras, sem problemas de marginalidade social. A habitação é propriedade de familiares. É uma habitação de construção antiga, em profundo estado de degradação, com compartimentos exíguos.

A nível laboral ele era contratado para fazer pequenos trabalhos na construção civil e na agricultura (embora com irregularidade) e ela na venda ambulante, tendo uma situação precária a nível económico, sendo assim utentes do RSI. O arguido encontrava-se inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

A... era consumidor de estupefacientes, o que dificultava a sua inserção laboral.

No Estabelecimento Prisional de Coimbra, A..., mantém um comportamento adequado às normas institucionais, pelo que não teve nenhum castigo.

Pediu colocação laboral, mas ainda não conseguiu, referindo que era importante pois a família passa por dificuldades económicas.

Refere encontrar-se abstinente há quatro anos.

Ainda não tem a sua situação jurídica clarificada, pelo que não beneficia de medidas de flexibilização da pena.

15- O arguido B... na data dos factos tinha já sofrido anteriores condenações no PCC 83/99.4PECBR, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, em 1 ano e três meses de prisão suspensa por um período de três anos: e no PCC 549/01.8JACBR pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, recetação, detenção de armas proibidas, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão (vindo-lhe a ser efetuado um cúmulo jurídico e condenado o arguido na pena única de 6 anos e 9 meses), que veio a cumprir, tendo saído em liberdade condicional em 14.07.2007 por um período até 28/08/2008.

16- O arguido A... tem antecedentes criminais pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de condução de veículo sem habilitação legal, pelos quais foi condenado em penas de multa extintas pelo cumprimento.

Após a data dos factos em apreciação nos autos, veio novamente a ser condenado por duas vezes em crime de condução de veículo sem habilitação legal, em pena de multa e de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como por crime de recetação, em pena de multa e bem assim, no PCS nº 1975/09.0PCCBR, em crime de condução sem habilitação legal e crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, por decisão de 14.12.2010, transitada em julgado em 27.01.2011 e no PCC 17/10.7 PEFIG, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º al. a) do D.L. nº 15/93 na pena de 3 anos e 6 meses suspensa na sua execução pelo mesmo período com regime de prova, por decisão de 14.3.2011, transitada em julgado em 13.04.2011.

Motivação da decisão de facto

Ao dar como provados os factos que antecedem, a convicção do tribunal resultou das certidões juntas aos autos (já mencionadas), conjugadas com o teor dos certificados do registo criminal.

A situação pessoal dos arguidos está documentada nas decisões já proferidas nos autos e consta das informações sociais que foram solicitadas.

IV- Dispõe o n.º 1 do art.º 77.º do Cód. Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente ”.

Estabelece, por sua vez, o n.º 1 do art.º 78.º, sob a epígrafe, conhecimento superveniente do concurso, que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo que a pena que já tiver sido cumprida descontada na pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Os factos e crimes por que o arguido B... foi julgado e condenado nestes autos e nos processos supra referidos em III. 2. e 3. encontram-se em relação de concurso havendo, assim, que proceder ao cúmulo das penas aplicadas ao mesmo em tais processos, sendo competente para tal este processo por ser o da última condenação (art.º 471.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal).

Já no que respeita ao arguido A... apenas se encontram em relação de concurso com os factos e crimes por que foi julgado e condenado nestes autos os do processo supra referido em III. 6.

Os factos a que se reportam as restantes condenações foram todos praticados em data posterior a 17/6/2009, data do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo 361/08, razão pela qual os factos e crimes desses outros processos não se encontram em relação de concurso com os factos e crimes por que o arguido foi julgado e condenado nestes autos.

Da mesma forma que não se verifica a referida relação entre os factos e crimes pelos quais o arguido foi condenado neste processo e no processo 361/08, por um lado, e os do processo 301/07 por outro lado, simplesmente porque os factos daquele primeiro bloco de crimes (que integra este processo e o processo 361/08) foram praticados depois de 5/11/2007, data do trânsito em julgado da sentença do processo 301/07, razão pela qual importará desfazer nessa parte o cúmulo jurídico antes efetuado no âmbito do PCC 62/09.5PECBR.

Com efeito, o disposto no artº 78º do CP não estabelece que deva ser permitido, sem restrições, que as penas de toda e qualquer condenação possam ser cumuladas, o que resultaria desde logo na exclusão da possibilidade de condenação por reincidência e permitiria a quem fosse condenado na pena máxima legalmente permitida praticar impunemente qualquer crime durante o cumprimento dessa pena.

Neste sentido, Paulo Dá Mesquita (Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, pp. 57/72), afastando a prática dos cúmulos por arrastamento, conclui que “é inadmissível, em qualquer circunstância, o cúmulo jurídico com penas aplicadas a crimes cometidos depois do trânsito em julgado da primeira condenação relativa a uma das penas em concurso, porque falta o pressuposto constante do art.º 78.º, n.º 1 do CP 82 ( art.77.º, n.º 1 da Red. 95): um concurso de penas. Nesses casos, o arguido tem de cumprir primeiro a pena conjunta decorrente do cúmulo das penas em concurso e depois a pena imposta em virtude do crime cometido posteriormente ao momento determinante constituído pelo trânsito da primeira condenação em que foi imposta uma das penas em concurso.

Pode ver-se a propósito do chamado cúmulo por arrastamento, o acórdão do STJ, de 15/3/2007, processo 06P4796, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:

“1 - O momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a uma pena única, segundo as regras fixadas pelo art. 77.º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis também ao conhecimento posterior de um crime que deva ser incluído nesse concurso, por força do art. 78.º, n.º 1, é o trânsito em julgado da primeira condenação.

2 - Os crimes cometidos posteriormente a essa decisão transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas.

3 - Orientação diversa, consagrando o chamado cúmulo por arrastamento, como já foi advogado por jurisprudência também deste STJ, sobretudo em período anterior a 1997 não se coaduna com a teleologia e a coerência internas do ordenamento jurídico-penal, criando a confusão entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência”.

As penas de prisão cuja execução foi suspensa devem ser incluídas em cúmulo jurídico, no caso de conhecimento superveniente do concurso (vide RC, 15/6/2011, processo 6/08.1GGCBR.C3, disponível em www.dgsi.pt).

Por outro lado, reconhecendo embora que se trata de questão controvertida, afigura-se que deve ser efetuado cúmulo jurídico entre a pena de prisão e a pena de multa convertida em prisão (a propósito e perfilhando este entendimento com a fundamentação que se seguirá, vid. Ac. STJ, 06/03/2002, Relator Lourenço Martins, base de dados da DGSI, n.º do documento SJ200203060042173, também na CSTJ, I, 220 e RE, 10/5/2005, CJ, III, 260 e ainda RC, 09/12/2009, processo 126/05.4GTCBR.C1).

Em primeiro lugar, ao contrário da versão originária do Cód. Penal que consagrava o sistema da acumulação material da pena de prisão e da pena de multa, com a revisão e de acordo com a atual redacção do art.º 77.º, n.º 3 daquele diploma, veio a reafirmar-se o sistema da pena única. Na verdade, sendo bastante clara a este respeito a proposta da Comissão Revisora (“se as penas aplicadas ao concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços”), afigura-se que a essência da atual redação da citada disposição legal permite concluir que o legislador pretendeu apenas utilizar uma forma mais sintética. Ou seja, afirmando-se a pena única com manutenção da diferente natureza de ambas.

Em segundo lugar, e em termos práticos, uma vez que a pena de multa convertida em prisão mantém a sua autonomia como pena parcelar, não há qualquer obstáculo a que o condenado possa ainda vir a efetuar o pagamento em qualquer momento, uma vez que aquela pena foi concretamente determinada antes da elaboração do cúmulo.

A este argumento apenas poderia obstar uma razão prática que é a de o cúmulo ter necessariamente de ser reformulado caso o condenado venha a efetuar o pagamento da multa. No entanto, este motivo não pode constituir um obstáculo à solução que mais favorece o arguido com o pretexto de um eventual benefício futuro e pouco provável já que, estando preso, está em princípio impossibilitado de angariar os meios para efectuar o pagamento da multa. No entanto, face à posição perfilhada, esse obstáculo deixa de existir uma vez que, caso a multa venha a ser paga, o cúmulo deverá ser reformado.

A moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos tratando-se de pena de prisão e de 900 dias tratando-se de pena de multa e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77.º, n.º 2 do Cód. Penal).

No que respeita ao arguido B..., atento o que dispõe a citada norma legal a moldura penal abstrata do cúmulo situa-se entre o limite mínimo de 3 anos e 4 meses e o limite máximo de 6 anos e 173 dias de prisão.

Quanto ao arguido A..., as penas aplicadas deverão manter a sua diferente natureza, havendo apenas que repristinar o cúmulo das penas de multa já efetuado na sentença que aplicou tais penas parcelares.

O percurso de vida de B... foi marcado pela morte precoce do pai e posteriormente pelo consumo excessivo, durante anos, de drogas que o fragilizaram quer a nível pessoal e familiar, quer a nível social.

O arguido tem contudo vindo a evoluir positivamente no seu percurso prisional, tendo começado a revelar maior sentido crítico em relação aos comportamentos que deram origem à sua reclusão e vontade de se preparar para uma vida de acordo com os valores socialmente aceites.

No EP de Coimbra mantém um comportamento institucional adequado, não tendo registos de qualquer castigo.

Usufrui de adequada retaguarda familiar, que se mostra disponível para o auxiliar num eventual processo de reintegração sócio-profissional.

A..., no seu processo de socialização não teve figuras parentais, tendo a sua infância sido marcada pela ausência de afeto e supervisão. Viveu a sua infância e adolescência na “Casa Do Gaiato”, onde lhe foi proporcionado o acesso à escolaridade e formação profissional. Fez o 9º ano e formação na área da serralharia e construção civil.

O arguido sempre trabalhou, embora com irregularidades e sem vínculo laboral.

Constituiu família e conseguiu integrar-se na comunidade cigana e no meio social de residência.

Quando ficou desempregado procurou o IEFP e inscreveu-se, ao mesmo tempo que fazia “biscates” na agricultura e construção civil, sempre tendo em conta a débil situação económica do seu agregado familiar.

Encontra-se abstinente há quatro anos.

Manifesta consciência crítica face aos comportamentos que vinha a adotar, bem como na necessidade de inverter o seu estilo de vida.

Escalpelizados os certificados de registo criminal dos arguidos constata-se a existência de várias condenações pela prática de diversos tipos de ilícito, as quais não constituíram suficiente advertência para os inibirem da prática dos ilícitos criminais em apreço. Cumpre salientar, que o arguido B... praticou os factos em apreciação nos autos que determinaram a aplicação da primeira pena que integra o cúmulo jurídico, após o cumprimento de uma pena efetiva de prisão pela prática de ilícitos criminais de diversa natureza e no decurso da liberdade condicional que lhe havia sido concedida. Por outro lado, o arguido A... tem um vasto passado criminal com inúmeras condenações por diversos crimes, alguns dos quais contra o património, sendo certo que sofreu já várias penas de prisão efetivas, que se encontra a cumprir neste momento. Tais situações evidenciam personalidades desconformes ao direito e valores em sociedade, reveladoras da insensibilidade dos arguidos ao efeito dissuasor das penas que lhes foram anteriormente impostas (necessidades acrescidas de prevenção especial), evidenciando ademais, um desrespeito notório pela ordem jurídica instituída, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral).

Desta forma, ponderando na sua globalidade os factos constantes das sentenças que aplicaram as penas parcelares bem como a personalidade dos arguidos, julgam-se adequadas as penas únicas de 5 anos de prisão para o arguido B... e 18 meses de prisão e 290 dias de multa a € 5,00 diários para o arguido A....

Atenta a gravidade dos factos praticados, o que revela necessidades acrescidas em termos quer de prevenção geral (com a necessidade de reprovação deste tipo de crime, que perturba fortemente a tranquilidade pública), quer de prevenção especial; personalidade dos arguidos e seus antecedentes criminais, mormente o vasto percurso criminal do arguido A... e as condenações anteriormente sofridas pelo arguido B... e bem assim, a circunstância de ter praticados crimes num período probatório de liberdade condicional, demonstrando que as respostas, penas não privativas de liberdade ou prisão sem execução, se mostram para estes arguidos desprovidas de qualquer eficácia (prevenção especial), e ainda o facto de que analisado o percurso e vivência dos arguidos, sem qualquer atividade profissional ou manifestação de interesse de participação e envolvência social no sentido da sua recuperação, antes recaindo sucessivamente nos consumos apesar dos vários tratamentos a que se sujeitaram ao longo dos anos, teremos de concluir nada resultar dos autos que nos permita formular um juízo de prognose favorável no sentido a que alude o disposto no artigo 50º do Código Penal, porquanto a personalidade evidenciada pelos arguidos, seus antecedentes criminais e modus de vida não nos permitem concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual se impõe a aplicação aos arguidos de uma pena de prisão efetiva.

V - Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, os juízes que compõem o Tribunal Coletivo decidem:

A) Condenar o arguido B..., em cúmulo das penas parcelares aplicadas ao arguido neste processo e nos processos 1810/07.3PBCBR da 1ª seção desta Vara de Competência Mista e PCS 819/09.7PCCBR do 3º Jz Criminal de Coimbra, na pena única de cinco anos de prisão.

B) Condenar o arguido A..., desfazendo o cúmulo jurídico operado em III.12 1º a), em cúmulo das penas parcelares aplicadas ao arguido neste processo e no processo 361/08.3PAMGR do 3º Jz do TJ da Marinha Grande na pena única de dezoito meses de prisão e 290 dias de multa à razão diária de € 5,00, no montante global de € 1450,00, para cumprimento sucessivo com as penas únicas referidas em III. 12 1º-b) e c) aplicadas no PCC 62/09.5PECBR da 1ª Seção desta Vara de Competência Mista e com a pena única aplicada no PCS 2087/11.1TACBR do 4º Jz Criminal de Coimbra.”

*

Questões a decidir:

É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das nulidades e vícios a que se reporta o artº 410º do CPP.

Pois bem, das prolixas conclusões supra descritas resulta que o recorrente recorreu de facto e de direito.

No que tange à matéria de facto assacou à decisão recorrida o vício da falta de fundamentação desta decisão, incorrendo na nulidade a que se reporta os art 379º nº1 e 374º nº2 do CPP, e na insuficiência da decisão de facto para a solução de direito, artº 410º nº2 al. a) do CPP.

Para o caso de não proceder a invocação das nulidades e vícios, a ampliação da matéria de facto, com base nas certidões das sentenças juntas aos autos.

No que tange à matéria de direito, e se bem se interpreta a pretensão do recorrente defende que se deve integrar num só cúmulo todas as penas aplicadas ao arguido;

E, mesmo que assim se não entenda, a pena de multa que integra o cúmulo, aqui efectuado, deve ser substituída por trabalho a favor da comunidade e a pena de prisão suspensa na sua execução.

*

Decisão do recurso

Matéria de facto

Vício da falta de fundamentação da decisão de facto - art.º 379º bº1 al. a) e 374 nº2 do CPP.

De harmonia com os preceitos citados, a sentença é nula entre outras situações, se “não contiver as menções referidas no nº2 do artº 374º”

Por sua vez o nº 2 do artº 374º tem a seguinte redacção:

“ Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

O recorrente assaca este vício à sentença sob recurso em duas situações:

1ª Quando usou para fundamentar a sentença na parte em que não suspendeu a pena de prisão, factos contraditórios com os que resultam do ponto 14, a saber:

Ter o arguido praticado crimes no período de liberdade condicional;

Não ter o arguido qualquer actividade profissional;

 Recair sucessivamente nos consumos. (conclusões 1ª e 2ª)

Dir-se-á que a ser verdade o referido pelo recorrente, o vício não se pode conduzir à nulidade que preconiza, mas à contradição entre os fundamentos da sentença, que é coisa distinta, que pode ser suprido pelo tribunal de recurso, modificando ou não a decisão da sentença recorrida, visto que da mesma sentença contem todos os elementos de facto necessários para o efeito.

No entanto, sempre se dirá que:

A referência á liberdade condicional, ao que se entende, não se reporta ao arguido A..., mas ao seu co-arguido.

A referência aos consumos e à actividade profissional, feitos nesta parte da sentença, não reflectem com rigor, a matéria de facto provada no ponto 14 da mesma decisão, mas daqui não resulta, necessariamente, que a decisão de não suspender a execução seja incorrecta, mas apenas que nesta parte foram usados fundamentos incorrectos, que podem ou não alterar a solução de suspender a execução da pena, que se analisarão quando se analisar esta parte da decisão, em sede de direito.

Mesmo que se entenda que este vício integra contradição da matéria de facto, vício a que se reporta a alínea b) do nº2 do art.º 410º do CPP, ele pode ser sanado por este tribunal de recurso por conter a decisão todos os elementos para tal, art.º 431º a) do mesmo código.

Entendemos que esta incorrecção da sentença não integra qualquer vício da matéria de facto, mas um erro de subsunção dos factos ao direito.

O que se passou foi que o tribunal recorrido, em vez de ponderar a possibilidade de suspensão de execução da pena para cada um dos arguidos individualizando para cada um deles a aplicação do instituto da suspensão, lançou-se no afã de o aplicar aos dois arguidos em conjunto de onde resultou a incorrecção das premissas relativamente ao recorrente, incorrecção que pode ser colmatada por este tribunal de recurso, uma vez que as premissas da aplicação do instituto suspensão da pena, hão-de resultar de toda a matéria provada, que consta da mesma sentença.  

Seja como for, nesta parte não foi cometida a nulidade de falta de fundamentação arguida.

*

2ª Quando não usou os factos que compõem cada uma das sentenças em que o arguido foi condenado (conclusão 3ª a 7ª).

Também aqui sem qualquer razão.

Com efeito, a personalidade do agente a que se reporta o art.º 77º nº1 do CP e que se tem de ter em conta nos casos de concurso superveniente, art.º 78º, tem de ser, como nos parece evidente e óbvio, a personalidade do agente conhecida no momento da sentença do cúmulo, sob pena de se lhe aplicar uma pena desadequada à sua personalidade.

Resulta daqui que à fundamentação da sentença que efectuar o cúmulo interessam os factos que integram cada um dos crimes que estão em concurso, e a personalidade do agente, delineada por todos os factos pessoais do agente conhecidos à data da sentença cumulatória, que podem ser divergentes daqueles que foram provados nas sentenças que julgaram os factos em cada um dos processos.

Resulta daqui que não interessam os factos pessoais que foram julgados provados em cada uma das sentenças, mas apenas os factos coevos da sentença que aplicar a pena resultante do concurso, pois só aqueles integram a personalidade do agente a quem está a ser aplicada uma pena única, mas compósita, porque formada por todas as que integram o concurso.

Foi o que foi feito na sentença recorrida que enunciou todos os factos praticados pelo arguido, e depois, baseado no relatório social, que mandou efectuar previamente à sentença que efectuou o cúmulo, última avaliação feita à sua personalidade, enunciou aqueles que dizem respeito às condições pessoais do arguido.

Como é da experiência normal das coisas, as pessoas evoluem ao longo da vida, o que interessa ao direito, é a pessoa que está a ser julgada no momento da aplicação de uma pena única, e não aquela que se apresentou à justiça no momento em que foi julgada por cada um dos crimes que compõem o concurso.

Improcedem assim as conclusões 4ª a 7ª.

*

Pela mesma razão, os factos relativos à personalidade do arguido constantes das várias sentenças que o condenaram, não têm interesse para a decisão do cúmulo, e por isso, a sua falta não pode integrar qualquer vício, designadamente o da insuficiência, a que se reporta o art.º 410º nº2 al. a) do CPP, não havendo por esta razão qualquer fundamento que permita decretar o reenvio.

Improcedem as conclusões 8ª e 9ª

    *

Matéria de direito

O facto de o arguido ter cumprido ininterruptamente pena à ordem de dois ou mais processos não releva para a integração do cúmulo, o que releva são as regras dos artºs 77º e 78º do C. Penal, que determinam se uma sucessão de crimes deve integrar um cúmulo jurídico de penas ou se deve configurar uma sucessão de penas, certo sendo que no caso de haver concurso de crimes, no cúmulo a efectuar se deve descontar o tempo de privação da liberdade à ordem de todos os processos que compõem o cúmulo, bem assim como o cumprimento parcial da multa.

A tese defendida pelo recorrente que ficou conhecida no meio jurídico como cúmulo por arrastamento, bastava haver um concurso de crimes cometidos antes de transitar em julgado a sentença de qualquer um deles para haver cúmulo de penas, deixou de ter defensores depois da reforma do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007 de 23 de Setembro.

Melhor do que nós o Ac. STJ de 18.01.212, relatado pelo Sr. Cons. Raul Borges proferido no processo 34/05.0PAVNG.S1, que nos permitimos reproduzir nesta parte é paradigmático da corrente hoje defendida maioritariamente pelo STJ:

“I - Como o STJ tem vindo a entender, de alguns anos a esta parte, não são de admitir os cúmulos por arrastamento.

III - O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas. O trânsito em julgado de uma condenação em pena de prisão, consubstanciando a advertência solene de que há que tomar novo rumo, obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem outras infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, o qual funcionará assim como dique, barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

IV - A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência. Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.

V - O trânsito em julgado constitui barreira inultrapassável para efeitos de consideração de concurso, pois a partir daqui passa a haver sucessão. Face ao trânsito, haverá que proceder a dois cúmulos jurídicos, com fixação de duas penas únicas, autónomas, de execução sucessiva.”

Nas palavras do Ac. STJ de 17/03/2004 (col. Ac. STJ, t.1º, 2004, p. 229) “o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente; no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão, que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto”.

Ou seja, a regra fundamental a ter em conta é a de que o momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sancionar com uma pena única é o trânsito em julgado da primeira condenação. O trânsito em julgado constitui, assim, uma solene advertência contra o crime, é o limite intransponível a partir do qual os crimes não podem ser submetidos às regras do concurso, porque o arguido ao comete-lo (s) não respeitou essa advertência que lhe foi feita e, por isso, não pode beneficiar das regras do concurso, sujeitando-se ao cumprimento sucessivo de penas que podem se esse for o caso, fazer parte de outro concurso, onde se incluam as penas que punem todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a primeira condenação por qualquer deles, só esta interpretação está em consonância com o elemento literal lógico e teleológico dos artº 77º nº1 e 78º nº1do Código Penal, pois que a outra, que ficou conhecida por cumulo por arrastamento, dissolve a diferença entre as figuras do concurso de crime e da reincidência, e aniquila a função educativa e preventiva que uma condenação sempre deve encerrar (sublinhado nosso).

Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao proceder a cúmulos sucessivos, não integrando em cada um deles as penas aplicadas até ao trânsito em julgado por qualquer uma das que integram o concurso, procedendo apenas ao cúmulo da pena aplicada ao arguido nestes autos, com aquela que lhe havia sido aplicada no processo 361/08.3PAMGR, pois os factos praticados que são objecto destes autos foram praticados, em 13 de Fevereiro de 2009, portanto antes de transitar em julgado a sentença, que o condenou no processo 361/08.3PAMGR, trânsito que  ocorreu em 17 de Junho de 2009, sendo os factos das demais sentenças condenatórias posteriores a este trânsito.

Improcedem as conclusões 10ª a 14ª, 16ª a 18ª.

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E, finalmente, detenhamo-nos no cúmulo aplicado ao arguido nos presentes autos: (conclusões 15ª e 16ª).

Recorde-se que o que está em causa é o cúmulo das penas aplicadas ao arguido nos processos 361/08.3PAMGR, onde foi condenado nas penas de 200 dias de multa e 180 dias de multa á taxa de € 5,00, e em cúmulo condenado em 290 dias de multa á mesma taxa; e nos presentes autos, onde foi condenado na pena de 18 meses de prisão, pontos 1 e 6 da sentença recorrida.

Na efectivação do cúmulo destas duas penas, que são de espécies diferentes, a decisão não podia ser outra, face ao disposto no artº 77º nº3 do CP, que não a condenação numa pena composta por prisão e multa, não se descortinando razões para não respeitar, como foi feito, o cúmulo já anteriormente efectuado com as penas de multa.

A pena resultante do cúmulo, 18 meses de prisão e 290 dias de multa à razão diária de €5,00, não sofreu contestação por parte do arguido, mas entende que a pena de prisão deve ser suspensa na sua execução, e a pena de multa substituída por dias de trabalho a favor da comunidade.

Substituição da multa por trabalho a favor da comunidade - conclusão 15ª:

Ao contrário do que afirma o recorrente, na sentença condenatória do processo nº 361/08.3PAMGR, a multa não foi substituída por trabalho a favor da comunidade, conforme melhor consta da certidão desta sentença junta a fls. 125.

Certo sendo que este tribunal que realizou o cúmulo, não estava obrigado a fazer a conversão da multa em trabalho a favor da comunidade, desde logo, porque esta conversão, só pode ser operada a requerimento do condenado, art.º 48º nº1 do C. Penal.

De qualquer modo, o desconto que o arguido visa na conclusão 15ª, pode e deve ser feito, aquando da liquidação da pena a que nos estamos a referir, que é uma fase posterior à que estamos agora a efectuar (desconto de 1 dia de multa por uma hora de trabalho Conf. AUJ 13/2013 in DR de 17.X.2013). 

Suspensão da pena de 18 meses de prisão:

Efectivamente, e ao contrário do que se refere na sentença recorrida no que ao recorrente respeita, não devia ter sido considerado que não tem qualquer actividade profissional, pois que os factos revelam que, embora de forma irregular e instável, antes de preso, efectuava pequenos trabalhos na construção civil e na agricultura, e que no EP pediu colocação laboral, que ainda não conseguiu.

Constando ainda que era consumidor de estupefaciente e que estará abstinente há 4 anos.

Mas serão estas duas circunstâncias suficientes para permitirem fazer o juízo de prognose a que se reporta o artº 50º do Cód. Penal?

Afigura-se-nos que não.

Com efeito, a prática de crimes posteriores aos agora ajuizados, e que constam da mesma sentença, inviabilizam qualquer juízo de prognose favorável ao arguido, certo sendo que antes de o arguido ser detido foram tentadas as penas de substituição da liberdade no sentido de prevenir a prática de futuros crimes, sem qualquer efeito.

Assim sendo, o bom comportamento prisional, só pode ter efeito na execução da pena, mas não pode, pensamos nós, fundamentar aquele juízo de prognose favorável, pois não se nos afigura insuficiente para antecipar o comportamento que o recorrente irá adoptar quando se encontrar em liberdade.

O que até agora se verificou foi que enquanto esteve em liberdade sempre voltou a delinquir, como demonstra o seu vasto cadastro criminal, o que impõe uma resposta negativa ao juízo de prognose referido no art.º 50º do C. Penal, ou seja, a pena de prisão é necessária para a reprovação do crime e integração do agente na sociedade, e só depois da execução desta pena, o arguido poderá demonstrar que a vontade de integração, que começou a delinear no meio prisional, se traduz numa vontade efectiva de integração na sociedade, que incluí a sua integração no mercado de trabalho.

Embora, com fundamentos diferentes, nenhuma censura se pode fazer ao tribunal recorrido, na parte em que decidiu não suspender a pena de prisão.

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Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelo arguido, com a taxa de justiça que se fixa em 4 UC.

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Coimbra, 17 de Dezembro de 2014

(Cacilda Sena)

(Elisa Sales)