Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/21.0T8PNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES
VALORAÇÃO DAS DECISÕES DE FAMILIARES DE PARTE
SIMULAÇÃO RELATIVA
COMPRA E VENDA
TERRENO INFERIOR À UNIDADE DE CULTURA
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 205.º, N.º 1, DA CRP
ARTIGOS 154.º; 193.º, 1 E 2, A); 574.º, 3; 615.º, 1, B); 607.º, 5; 640.º, 1 E 2 E 662.º, 2, D), DO CPC
ARTIGOS 240.º, 1; 342.º; 1287.º; 1293:º, 1380.º, 1 E 1410.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Pretendendo-se, com o dever de fundamentação das decisões, evitar que elas sejam arbitrárias e insindicáveis quanto aos seus fundamentos, jurídicos ou fatuais, tal vício apenas emerge quando inexista totalmente ou por modo que não permita tal sindicância, e não já quando a fundamentação se apresenta escassa ou deficiente.

II - Se o réu se limita a impugnar os factos alegados pelo autor apenas com invocação do seu desconhecimento – artº 574º nº 3 do CPC -  não pode depois, apenas em sede de recurso,  e por violação da substanciação, do dispositivo e do direito ao contraditório, vir discriminar novos factos  tendentes à não prova daqueles.

III - As declarações de familiares da parte, mesmo podendo estas ter interesse na causa, não devem ser apriorísticamente desvalorizadas, antes podendo/devendo  relevar, atento, vg., a razão de ciência invocada, e modo como são prestadas, requisitos estes que melhor são apreciados pelo Juiz a quo, atenta a imediação e oralidade que falham ao tribunal ad quem.

IV - Declarada nula, por simulação relativa, uma doação de terreno inferior à unidade de cultura, pois que o que se quis  outorgar realmente foi  a sua compra e venda, deve este negócio dissimulado ser considerado válido e eficaz para o efeito de concessão do direito de preferência; assim, e porque não foi cumprido pelo alienante o dever legal de comunicação dos elementos essenciais da compra e venda ao preferente, a este assiste jus à concessão desta, com as legais consequências.

Decisão Texto Integral:

Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2.º Adjunto: Fonte Ramos



ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA e BB, intentaram contra CC e esposa DD e EE, todos com os sinais dos autos, a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

 

Peticionaram que seja:

a) Declarado nulo, por simulação, o negócio relativo à doação do Prédio Rústico composto de terreno de cultura com uma oliveira, sito no ..., na freguesia ..., e concelho ..., com área total de 5440m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ..., escritura DPA de 7-5-2021, ordenando o cancelamento do respetivo registo;

b) Declarando válido o negócio de compra e venda realizado entre os 1.ºs RR, titulado pela mesma escritura DPA de 7-5-2021, relativo ao mesmo prédio, pelo preço de 7.000.00 EUR;

c) Declarando que os AA têm o direito de preferir na compra do identificado prédio, assim substituindo o Réu EE comprador pelos AA, no contrato de compra e venda celebrado, mediante o pagamento do preço pelos AA de 7.000.00 EUR e das correspondentes despesas de escritura e registo, que fixam em 500,00 EUR., devendo pois, ser reconhecido aos AA o direito de haver para si o prédio rústico vendido pelos primeiros Réus ao Réu EE, através do documento epigrafado de “Contrato de Doação”, efetuado no dia 7-5-2021, em ..., atribuindo aos AA. como preferentes, o direito de propriedade sobre o mesmo.

Alegaram para o efeito e em síntese:

Os RR celebraram entre si, por documento particular autenticado, negócio jurídico que intitularam de "doação" de bem imóvel que identificam, quando o que realmente quiseram foi celebrar entre si um negócio "jurídico de compra e venda", tendo agido com o intuito de frustrarem a exercitação de um direito de preferência por parte dos AA.

São donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado em ..., com a área total de 2,561 hectares, composto de terreno de cultura com vinha e pastagem, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...75, e inscrito na matriz predial rústica dos mesmos freguesia e concelho sob o artigo ...87 porquanto desde há mais de quarenta anos que os AA e seus antecessores em tal direito, agricultam o referido prédio dele retirando todas as suas utilidades, por si ou interposta pessoa, designadamente lavrando, adubando, plantando semeando e aí colhendo géneros agrícolas, nomeadamente fruta maçã, pagando os respetivos impostos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, continuadamente até aos dias de hoje, e na convicção de que tal prédio lhes pertencia, como pertence pelo que, se outro título os AA não tivessem, sempre teriam os AA adquirido o seu invocado direito de propriedade sobre o dito prédio rústico matriz por usucapião.

Os 1.ºs RR eram donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado em ..., com a área total de 0,544 hectares, composto de terreno de cultura com uma oliveira, inscrito na matriz predial rústica dos ditos freguesia e concelho sob o artigo ...39.

Do mesmo prisma invocam que em consequência de aquisição, tendo por causa Doação, como resulta do documento autenticado epigrafado de “Contrato de Doação” efetuado no dia cinco de julho de dois mil e vinte e um, em ..., na Rua ..., ... ... no Escritório da Solicitadora Licenciada FF, por meio do qual os aqui primeiros Réus CC e DD, doaram ao Réu EE, livre de ónus ou encargos, a título gratuito, encontrando-se agora registado a favor do ora Réu EE pela Ap. ...01 de 2021/09/02.

Os identificados prédios rústicos inscritos na matriz 139 e matriz 1987 confinavam e confinam entre si, a poente do segundo, numa extensão de pelo menos 200 metros lineares e ambos têm áreas inferiores à unidade de cultura fixada para a zona.

Acontece que os aqui primeiros Réus CC e DD não informaram os AA que projetavam vender este prédio que vem de identificar-se, do qual eram donos, não lhes dando a conhecer as condições da venda, ou sequer que a concretizaram, sendo certo que o aqui Réu EE, entretanto adquirente, não era à data da compra, 5-7-2021, proprietário de qualquer prédio rústico confinante com o prédio inscrito matriz sob o artigo ...39, pelo que deviam os primeiros Réus CC e DD ter comunicado aos AA o projecto de venda, o comprador e os termos e preço, para que, assim, pudessem os AA (eventualmente) exercer o direito de preferência.

Na verdade o negocio jurídico que os RR celebraram entre si e que intitularam de doação na verdade corresponde a uma compra e venda do prédio objeto da preferência o que sucedeu apenas com o intuito de impedir os autores de exercerem o seu direito, que lhes assiste, sendo certo que os RR pretenderam realizar através da outorga da de

documento particular autenticado, datado de 5-7-2021 foi uma venda ao Réu EE, visando tal combinação entre ambos, o intuito de impedir os AA de exercerem o seu direito de preferência.

O preço e as condições de pagamento referentes a esta venda foram: pagamento pelo Réu EE aos RR CC e DD em 7-5-2021 de 7000,00 EUR.

Os Réus contestaram.

Sustentaram que o imóvel objeto da preferência foi efetivamente doado ao 3.º Réu como forma de agradecimento por toda a amizade e ajuda que ao longo da vida este dispensou aos primeiros réus e bem assim na doença da sua única filha.

Mais invocam, que em tempos, o Réu CC falou como o GG, filho dos ora Autores, por ser este, quem os representa, por ser ele, quem trata o prédio dos seus pais, o qual é confinante com o prédio que foi propriedade dos primeiros Réus, tal como falaram com HH, também ele proprietário confinante do seu prédio, e tanto os AA., representados pelo seu filho GG, como o HH, declaram não estarem interessados na aquisição do referido prédio rústico.

Posteriormente os 1.ºs RR decidiram que ao invés de vender o prédio, doar o mesmo ao 3.º Réu pelos motivos supra elencados, invocando que se tratou de uma doação remuneratória a qual teve subjacente o propósito de compensar e agradecer os serviços prestados pelo 3.º Réu e sua falecida mulher.

Concluem pugnando pela improcedência da ação, com a consequente absolvição do pedido.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se totalmente procedente a presente acção e, em consequência:

1) Declara-se nulo, o negócio celebrado, no dia 05 de Julho de 2021, entre os primeiros réus CC e mulher DD e o terceiro réu EE e que titulou a transmissão da propriedade do prédio rústico composto de terreno de cultura com uma oliveira, sito no ..., na freguesia ..., e concelho ..., com área total de 5440m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... concelho ..., declarando-se o mesmo negócio válido como efectiva "compra e venda" em relação aos autores aqui preferentes, declarando que os autores AA e BB, têm direito de haver para si o identificado prédio vendido, por 11.000,00€ pelos 1ºs réus ao 3.º Réu, por documento particular autenticado outorgado no dia 05.07.2021, no escritório da Solicitadora Licenciada FF, mediante o pagamento ao 3.º Réu (adquirente) da quantia de € 11.000,00 (onze mil euros), correspondente ao preço por este pago aos 1ºs. Réus.

2) Declaro transferida para os Autores a propriedade do referido prédio e determino o pagamento ao 3º. Réu, da quantia de € 11.000,00 (onze mil euros determinando-se consequentemente o cancelamento do registo de aquisição do referido prédio por parte do 3.º Réu comprador e em seu lugar serem inscritos como titulares do direito de propriedade, de forma exclusiva, os ora AA.)»

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I – Salvo o devido respeito, que é muito - mal andou o Tribunal a quo.

II – Conforme decorre do disposto nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, as decisões judiciais proferidas carecem, sempre, de condigna fundamentação, bastante para permitir aos intervenientes processuais alcançar o processo lógico-dedutivo que conduziu à decisão final proferida pelo julgador, sob pena de nulidade, designadamente, da sentença proferida.

III – A mera menção telegráfica, junto dos factos provados, dos meios de prova que conduziram a tal decisão, quando não acompanhada de uma resenha que permita alcançar o raciocínio do julgador que determinou tal conclusão, cominando a necessidade das partes e do Tribunal ad quem ouvirem as gravações dos depoimentos elencados para, subsequentemente, tentar alcançar o raciocínio do julgador, não configura um preenchimento do dever de fundamentação que sobre ele impende, tendo como consequência a nulidade da sentença em crise.

IV – Salvo o devido respeito, que é muito, entendem os Réus que, atenta a prova produzida nos presentes autos, foram incorretamente julgados os seguintes pontos de facto dos “FACTOS PROVADOS” que se impugnam: 1, 2, 3, e 4.

V – Os aludidos pontos de facto deveriam ser julgados nos seguintes moldes, em virtude dos meios probatórios especificamente indicados em sede das alegações supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos:

VI- Os AA não são donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado em ..., com a área total de 2,561 hectares, composto de terreno de cultura com vinha e pastagem inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...87... verdade, se atentemos, no teor dos depoimentos das duas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, não resulta provado o ponto 1.

VII-Não pode o Tribunal a quo concluir das declarações prestadas pelas duas testemunhas, filhos dos AA., que “os AA., são donos e legítimos proprietários do prédio rústico situado em ..., com a área total de 2,561 hectares, composto de terreno de cultura com vinha e pastagem inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...87”, tão só por a testemunha GG ter referido que “os pais compraram e pagaram o prédio identificado que confina a poente com o prédio dos Réus” e a testemunha II que “os pais ainda casados compraram o terreno por volta de 1984/1985 (do documento que titulou a promessa de compra e venda junto aos autos a flss, 7 verso e ss infere-se a data de 26.08.1983). Porém tais declarações conjugadas com os documentos juntos aos autos pelos AA, não podem levar à conclusão, a qual chegou o tribunal ad quo.

VIII- Da análise crítica e conjugada das declarações prestadas e dos documentos supra referidos e junto aos autos, resulta que o prédio objeto de contrato-promessa de compra e venda não é aquele que os AA., identificam como seu na petição inicial e constante dos fatos provados em 1.

IX- Na verdade, a identificação dos promitentes-vendedores no documento particular de contrato promessa de compra e venda, não corresponde aos titulares inscritos na Conservatória do Registo Predial, e aos Réus identidades no Termo de Transação.

X- A composição do prédio identificada nos diversos documentos também é distinta, podendo concluir-se não tratar-se do mesmo prédio.

XI- Sem prescindir, que o a localização do prédio e os confinantes são divergente em todos os documentos.

XII- Não se pode fazer “tábua rasa” dos depoimentos prestados e da leitura destes documentos. Pelo que terá, impreterivelmente, de ser alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo a este ponto de facto tido, erroneamente, por provado.

XIII- O identificado prédio não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...75.

XIV- Desde logo, por tal não resultar da certidão da Conservatória do Registo Predial ..., junta aos autos pelos AA., a descrição que alegam ser a do seu prédio.

XV- Na verdade a descrição apresentada tem o n.º 479/150196 (sublinhado nosso) e reporta-se a um prédio rústico com AP. ...96 – Aquisição em Comum e sem determinação de parte ou de direito a favor de vários herdeiros por dissolução da comunhão conjugal e dissolução por óbito de JJ, casado que foi com KK na comunhão geral.

XVI- Não é há mais de trinta anos que os AA., e antes deles os seus antecessores em tal direito, agricultavam o prédio identificado em 1, dele retirando todas as sus utilidades por si ou interposta pessoa, designadamente lavrando, adubando, plantando, semeando e aí colhendo género agrícolas, nomeadamente fruta maçã, pagando os respetivos impostos.

XVII- Desde logo, por resultar inequivocamente do documento junto como – Termo de Transação no processo n.º 226/03...., que até ao dai 22 de março de 2006 o prédio era propriedade de KK e outros, como resulta da certidão predial da Conservatória do Registo Predial ....

XVIII- Não sendo credível que, se os AA, agricultassem o prédio à vista de toda a gente, dele retirando todas as sus utilidades por si ou interposta pessoa, designadamente lavrando, adubando, plantando, semeando e aí colhendo género agrícolas, nomeadamente fruta maçã, pagando os respetivos imposto, se assim, fosse, o prédio não seria certamente registado em 15 de janeiro de 1996, como sucedeu em nome de KK e outros…todos residentes em ... como consta da AP. ...96 da descrição ...79., localidade onde residiam e residem os Autores, fatos esses, que inviabilizam e contradizem a matéria dada como provada no ponto 4 dos Fatos Provados.

XIX- Estas utilizações e aproveitamento não foram sempre feitos à vista de todos, nem sem oposição de ninguém, nem continuadamente até aos dias de hoje, sem oposição de ninguém e nem continuadamente, na convicção de exercerem tais atos materiais sobre coisa própria e no exercício de um direito próprio.

XX- O Tribunal a quo entendeu, salvo o devido respeito, erroneamente que os Autores provaram a posse por usucapião, em virtude da prova efetuada em audiência de discussão e julgamento em conjugação com a avaliação dos documentos juntos aos autos

XXI- Os Autores alegam ter a posse e a propriedade um prédio que reconheceram no âmbito de uma transação celebrada em tribunal no processo n.º 226/03...., não lhes pertencer mas é com base na posse e propriedade desse prédio, que não têm…, que vêm exercer o direito de preferência, que erroneamente lhes foi reconhecido.

XXII- Da análise crítica e conjugada, à luz das regras de experiência, fundadas em critérios de normalidade, e atendendo às regras do ónus da prova aplicáveis, não pode de todo concluir-se como conclui o Tribunal ad quo quanto ao quesito 4 dos Fatos Provados.

XXIII- Não resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial ..., junta aos autos pelos AA., a descrição que os Autores, alegam ser a do seu prédio.

XXIV- Na verdade a descrição apresentada tem o n.º 479/150196 (sublinhado nosso) e reporta-se a um prédio rústico com o artigo 141, AP. ...96 – Aquisição em Comum e sem determinação de parte ou de direito a favor de vários herdeiros por dissolução da comunhão conjugal e dissolução por óbito de JJ, casado que foi com KK na comunhão geral.

XXV- No Título Particular de Contrato Promessa de Compra e Venda- resulta que em ..., no dia 26 de agosto de 1983, foi celebrado um Contrato Promessa de Compra e venda sendo os promitentes vendedores, LL e mulher MM, ... e mulher NN, e OO e promitentes-compradores AA e mulher PP.

XXVI-- O prédio prometido vender foi uma terra de vinha, fruteiras e armazém no sítio do ... (sublinhado nosso), limite da povoação de ..., a confrontar do Nascente com estrada, Poente com QQ, Norte com caminho Público e sul com RR…que a escritura seria outorgada no Cartório Notarial ... até final do ano de mil novecentos e oitenta e quatro.

XXVII- Não resulta qualquer semelhança com os intervenientes e prédio objeto do contrato promessa de compra e venda, qua aliás se refere a um prédio sito no lugar ... e não em ..., como o referem os AA.

XXVIII- No âmbito dessa transação dos Réus reconheceram os AA., como donos e legítimos proprietários de um prédio rústico composto de vinha e terra de pastagem, sito no lugar do “...”, limite da freguesia ..., a confrontar de Norte com Caminho Público e SS, Sul com TT e KK, Nascente com Estrada e Poente com UU, com a área de 25.610 m2 e omisso na matriz rustica da freguesia ....

XXIX--Do documento identificado como 4 e junto aos autos a fls, resulta a seguinte descrição – Rústico “...”, terreno de cultura, vinha, feno, e pastagem -21129M2, Norte caminho, Sul VV, Nascente com estrada, Poente com UU com AP ...96 Aquisição em Comum e sem determinação de parte ou direito a favor KK e outros….

XXX- Do documento relacionado como 5 e junto aos autos a fls… – Caderneta predial, resulta prédio sito em “...” inscrito na matriz predial sob o artigo ...87, confronta de Norte com Caminho Público e SS, Sul com TT e outros, Nascente com Estrada municipal e poente com UU, composto de terra de cultura, com vinha e pastagem inscrito na matriz no ano de 2007.

XXXI- Da análise crítica e conjugada das declarações prestadas e dos documentos supra referidos e junto aos autos, resulta que o prédio objeto de contrato-promessa de compra e venda não é aquele que os AA., identificam como seu na petição inicial e constante dos fatos provados em 1 a 4.

XXXII- Na verdade, a identificação dos promitentes-vendedores no documento particular de contrato promessa de compra e venda, não corresponde aos titulares inscritos na Conservatória do Registo Predial, e aos Réus identidades no Termo de Transação.

XXXIII- A composição do prédio identificada nos diversos documentos também é distinta, podendo concluir-se não tratar-se do mesmo prédio.

XXIV- Sem prescindir, que o a localização do prédio e os confinantes são divergente em todos os documentos.

XXXV- Não se pode fazer “tábua rasa” do teor dos documentos juntos aos autos.

XXXVI-Resulta da leitura atenta e pormenorizada dos documentos juntos aos autos que os quesitos 1,2,3 e 4 dos Fatos Provados devem ser alterados e dados como Não Provados.

XXXVII-Existe clara contradição entre o teor dos documentos juntos aos autos pelos Autores e as respostas dadas pelo Tribunal ad quo, aos quesitos 1 a 4 dos Fatos Provados.

XXXVIII-Dados os quesitos 1,2,3 e 4 dos Fatos Provados como Não Provados, cai por terra o direito de preferência que os Autores reclamam e lhes foi erroneamente reconhecido

XXIX-A decisão do Tribunal ad quo, está em manifesta contradição com a prova documental.

XXX- Pelo que terão, impreterivelmente, de ser alteradas as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos factos tidos, erroneamente, por provados.

XXXI- A douta sentença ora em crise violou, de entre outras, as seguintes disposições legais: artigos: 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil; e artigos: 342.º, 1380.º, 1409.º e 1410.º todos do Código Civil.

Contra alegaram o sautores pugnado pala manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

A. Smo, razão alguma assiste à Recorrente porquanto a Sentença não merece qualquer reparo, uma vez que se mostra adequada e conforme ao Direito, quer no que respeita à fundamentação quer no que respeita à Decisão.

B. Os Argumentos da Recorrente não podem merecer acolhimento, razão pela qual se deve manter e confirmar a sentença recorrida:

C. Por um lado, no que à propriedade do prédio dos AA diz respeito a Sentença é lapidar: «2.Motivação * A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto acima descrita teve em consideração a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados (….)»;«No que se refere ao propósito dos réus com a celebração da escritura intitulando-a de “Doação” visou unicamente impedir que os autores exercessem o seu direito de preferência uma vez que não foi sequer controvertido entre as partes que estes são proprietários de prédio confinante, que os prédios em questão têm área inferior à unidade de cultura e que não lhes foram comunicados os elementos essenciais da venda.»(nosso sublinhado).

D. Por outro e na verdade, o que verdadeiramente era controvertido – de acordo com os articulados – era o facto de no caso dos Autos estarmos perante doação ou compra e venda: salientando a Sentença neste aspeto «(…) informação bancária da qual se inferem os levantamentos no montante global de 11.000,00€ (5.000,00 a 25.06.2021 e no dia da celebração da escritura de doação 6.000,00 o que conjugado com o depoimento do Réu EE permitiu ter por seguro que o preço da alienação do imóvel se cifrou em 11.000,00€ (…)» (nosso sublinhado).

E. A Sentença em crise não incorre na violação de qualquer preceito legal.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC – da qual o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- Nulidade da decisão sobre a matéria de facto por infundamentada.

2ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª- Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Clamam os réus que a decisão sobre a matéria de facto é nula, por infundamentada, já que  «A mera menção telegráfica, junto dos factos provados, dos meios de prova que conduziram a tal decisão, quando não acompanhada de uma resenha que permita alcançar o raciocínio do julgador que determinou tal conclusão, cominando a necessidade das partes e do Tribunal ad quem ouvirem as gravações dos depoimentos elencados para, subsequentemente, tentar alcançar o raciocínio do julgador, não configura um preenchimento do dever de fundamentação...».

Dilucidemos:

Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição:

«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

E estatui o artº 154º do CPC que:

1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.

Porque a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.

É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, .pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

Poder-se-á fazer aqui, mutatis mutandis, uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de causa petendi, a qual origina a nulidade de todo o processado -  artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC.

É que como ensina o Mestre Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372: «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga».

No caso vertente.

A julgadora fundamentou a matéria de facto nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto acima descrita teve em consideração a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e resultou da análise crítica e conjugada, à luz das regras de experiência, fundadas em critérios de normalidade, e atendendo às regras do ónus da prova aplicáveis, …dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamento, GG (filho dos autores que habitualmente cuida do prédio após o divórcio dos pais e de forma clara e concisa descreveu que os pais compraram e pagaram o prédio identificado que confina a poente com o prédio dos Réus, tendo o réu CC falado consigo e dito que ia vender o prédio por 15.000,00€, que achou caro, e que depois disse ao HH, o outro proprietário confinante a nascente que o EE estava interessado, ele próprio falou com o EE que lhe disse “se estás interessado eu não me meto no negócio”, sendo que depois de descoberto o negócio o confrontou e este lhe disse “o dinheiro não vale nada no banco” desconhecendo qual foi o preço real do negócio), HH, proprietário do prédio que confina a nascente (revelou de forma lapidar, absolutamente credível atenta a clareza e assertividade do seu depoimento que entre Maio ou Junho de 2021 o réu CC lhe disse que ia vender o prédio tendo a testemunha dito que até 10.000,00€ estava disposto a comprar mas que se ele tivesse alguém que desse mais perdia o interesse, tendo o réu volvidos alguns dias dito “o prédio é teu”. Depois, voltou a falar com ele comunicando-lhe que já não lhe podia vender o prédio por a ré mulher ter recebido sinal do prédio pago pelo réu EE), WW (pastor que afirma dar-se bem com todas as partes, e que apenas tem conhecimento directo do facto de o réu CC lhe ter dito no café que tinha doado o terreno ao Réu EE “para não lho tirarem”), II, com 52 anos, contabilista, filha dos autores, (revelou que os pais ainda casados, compraram o terreno por volta de 1984/1985 – do documento que titulou a promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 7 verso e ss infere-se a data de 26.08.1983 – desconhece que em algum momento alguém tenha proposto aos pais a venda do prédio aqui em questão que pertencia aos 1.ºs Réus), XX (filha do réu EE que descreve a amizade que sempre uniu os seus pais aos 1.ºs réus, apenas sabendo quanto à doação o que o pai lhe contou, afirmando que os pais ajudaram muito os réus fornecendo alimentos e pagando medicamentos e que “eles sempre disseram que iam doar o terreno”) em conformidade com o que resulta das respectivas actas.

As respostas dadas pelo Tribunal fundamentaram-se, igualmente, na análise, global e pormenorizada, do teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o titulo particular de contrato promessa compra e venda a favor dos autores, certidão matricial de ambos os prédios, certidões da CRP, documento particular autenticado do qual se infere o teor do contrato de doação, a informação bancária da qual se inferem os levantamentos no montante global de 11.000,00€ (5.000,00 a 25.06.2021 e no dia da celebração da escritura de doação 6.000,00 o que conjugado com o depoimento do Réu EE permitiu ter por seguro que o preço da alienação do imóvel se cifrou em 11.000,00€), certidão do termo de transacção e sentença homologatória proferida no âmbito do processo 226/03.... que contudo por não estarem no processo todos os herdeiros impediu os autores de registarem na CRP o bem a seu favor só tendo logrado obter a sua inscrição na matriz, escritura de compra e venda da aquisição pelos 1.ºs réus do prédio aqui objecto do direito de preferência, e documentos atinentes aos problemas de saúde que assolaram a única filha dos 1.ºs Réus.

Dessa forma, tendo presentes os meios de prova já referidos, isoladamente ou conjugados entre si, cumpre concretizar como se formou a convicção do Tribunal.

Assim, no que respeita à matéria de facto dada como provada e, nomeadamente, à celebração das aquisições, registo matricial e descrição dos prédios identificados em 1,2, 5 e 6 (pontos -dos factos provados), e bem assim da factualidade vertida nos pontos 3,4, 7 e 8, o Tribunal teve em consideração, essencialmente, o teor dos documentos supra identificados os quais retratam a factualidade em apreço que não foi por qualquer meio controvertida entre as partes ninguém ponde em causa que os prédios identificados em 1 e 5 dos factos provados pertenciam na qualidade de proprietários aos autores e aos 1.ºs réus. Ademais a mesma prova documental é, por si só, reveladora da transferência da propriedade daquele imóvel primeiro para o património dos 1.º e 2.º réus (ponto 6) e depois para o 3.º réu (ponto 9).

Com efeito a transferência da propriedade do prédio dos 1.ºs Reús para o 3.º Réu infere-se da escritura junta aos autos a fls. 14 verso e ss e infere da respetiva certidão da CRP ..., documentos que titulam a transmissão da propriedade (ponto 9 e 10).»

(sublinhado nosso).

Por aqui se vê, que, vg. no que tange aos pontos impugnados pelos réus – factos dos pontos 1 a 4 – que a decisão se encontra fundamentada, pois que, relativamente a eles, é aduzida  concreta prova, pessoal e documental, e, bem assim, se opera um juízo crítico sobre a razão de ciência, a validade e a relevância probatória da prova testemunhal.

Por conseguinte, se conclui que a fundamentação, podendo não ser exaustiva e minuciosa - pois que, em tese, sempre se pode admitir que algo mais poderia ser explicitado no reporte dos meios probatórios aos factos probandos -  ela claramente se assume como bastante ou suficiente para obviar a que os aludidos vícios de arbitrariedade e insindicância, que se pretendem evitar com o dever legal de fundamentação, estejam presentes in casu.

Antes pelo contrário, pois que os réus, na própria impugnação da decisão da matéria de facto, demonstram ter intuído e compreendido a fundamentação nela expendida, pois que com ela não concordam e contra ela se insurgem, esgrimindo os seus argumentos probatórios para conseguir a sua alteração.

Ademais, nesta sede de impugnação da matéria de facto o vício da decisão infundamentada não acarretava a nulidade da sentença, nos termos do artº 615º nº1 al. b) do CPC, mas antes o reenvio do processo à 1ª instância para adequada fundamentação, nos termos do artº 662º nº2 al. d) do CPC.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Por outro lado, nesta senda e com este fito, estatui o artº 640º do CPC:

«1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

Nesta vertente urge ter presente que não basta a indicação do inicio e fim do depoimento no respetivo suporte magnético.

Certo é que o cumprimento destes requisitos formais  deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ -  que o não cumprimento,  nas conclusões, do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório.

Porém, já  é comummente  defendido que os outros requisitos do nº1 – porque as alegações definem o objeto do recurso e por razões de cooperação para a celeridade -  devem nestas constar.

Assim:

«Para efeitos do disposto nos artigos  640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir,  previstas nas alíneas a), b)  e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por  função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da  indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada  na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um  ónus secundário, tendente a possibilitar  um acesso mais ou menos  facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida.

Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso…» - Ac. do STJ de  21.03.2019, p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2.

A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.

(sublinhado nosso)

De notar que a falta da indicação  destes requisitos formais nas conclusões não admite convite ao seu aperfeiçoamento- cfr. vg., Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1 e Henrique Antunes, ob. e loc. cits.

De tudo o referido decorre que  o recorrente não pode limitar-se a invocar, mais ou menos abstrata, genérica e indiferenciadamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

Antes ele devendo efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

Se assim não for, e:

«Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC.

 Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.» - Ac. do STJ de   14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1.(sic).

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz e não a parte, e atento o supra aludido em 5.1.1, a  lei  apenas permite a censura da convicção do julgador  se os meios probatórios invocados impuserem (não basta  apenas que sugiram) decisão diversa da recorrida.

5.2.3.

Pretendem os autores a não prova dos seguintes factos dados como provados:

1. Os AA são donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado em ..., com a área total de 2,561 hectares, composto de terreno de cultura com vinha e pastagem inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...87.

2. O identificado prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...75

3. Desde há mais de trinta anos que os AA e antes deles os seus antecessores em tal direito, agricultam o prédio identificado em 1., dele retirando todas as suas utilidades, por si ou interposta pessoa, designadamente lavrando, adubando, plantando semeando e aí colhendo géneros agrícolas, nomeadamente fruta maçã, pagando os respetivos impostos

4. Estas utilização e aproveitamento foram sempre feitos à vista de todos, sem oposição de ninguém, continuadamente até aos dias de hoje, sem oposição de ninguém e continuadamente, na convicção de exercerem tais atos materiais sobre coisa própria e no exercício de um direito próprio.

Desde logo há que referir que os réus não cumprem, com rigor, os aludidos requisitos formais do artº 640º pois que, em sede de conclusões, não indicam as passagens das gravações dos depoimentos, nem operam um reporte claro e  inequívoco dos concretos meios probatórios invocados aos concretos pontos de facto impugnados.

Depois, vista a sua contestação verifica-se que eles apenas dizem que desconhecem se os factos 2º a 9º, onde se insere o factualismo dos factos impugnados, são ou não verdadeiros.

E ainda que tal desconhecimento, porque relativo a factos não pessoais corresponda a impugnação – artº 574º nº3 do CPC – certo é que em sede de contestação eles não operaram uma  impugnação motivada com a discriminação  que agora estão a fazer apenas em sede de recurso.

Designada e relevantemente, não alegaram eles, como alegam agora, que, afinal:

«…o prédio objeto de contrato-promessa de compra e venda não é aquele que os AA., identificam como seu na petição inicial e constante dos fatos provados em 1. »

Pode assim concluir-se que eles  violaram os princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade das partes.

E, ademais, coartaram aos autores o seu direito ao contraditório, pois que eles ficaram atempadamente sem saber os concretos e discriminados motivos pelos quais os réus impugnavam – e apenas, como se disse, por mero desconhecimento – o teor dos pontos 2º a 9º da pi.

Assim sendo, e por extemporânea, esta pretensão não pode ser atendida.

Finalmente, e mesmo que assim não fosse ou não se entenda, urge considerar que do factualismo impugnado assume relevância determinante o constante nos pontos 3 e 4.

Efetivamente estes pontos reportam-se à aquisição do prédio via usucapião.

E é consabido que este  se assume como o modo de aquisição originária da propriedade com maior relevância e que se impõe a todos os demais.

 Quanto a esta matéria, e como alegam os réus, o tribunal alicerçou-se nuclearmente nos depoimentos dos filhos dos autores.

Certo é que estes podem ter interesse no desfecho da causa.

Mas apenas por este motivo, os seus depoimentos não podem ser aprioristicamente desvalorizados.

Basta pensar nos casos de factos pessoais que apenas se passam entre as partes e nos quais as declarações destas se podem revelar determinantes.

Efetivamente:

«É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório»-  Ac. RL de 26.04.2017, p. 18591/15.0T8SNT.L1-7 in dgsi.pt.

E neste sentido se inclinando a hodierna doutrina  para a qual, a postergação, liminar e/ou em abstrato,  a limitação do valor probatório ou a classificação deste meio de prova como meramente subsidiário, pode até constituir, em certas situações,  uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – cfr.  Catarina Gomes Pedra, in A Prova Por Declarações das Partes no Novo Código do Processo Civil…Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, e Mariana Fidalgo, in A Prova Por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p.80.

Destarte, urge apenas que o juiz justifique a sua relevância,  vg., quer por reporte à sua razão de ciência, quer pelo modo, mais ou menos esclarecido e assertivo, como as declarações são prestadas.

No caso vertente a julgadora pronunciou-se criticamente sobre os depoimentos dos filhos dos autores, referindo, vg. no que tange ao filho, que ele depôs « de forma clara e concisa…».

Esta testemunha verbalizou que, «esse terreno já é nosso desde …desde que me é da minha lembrança.»; e sendo certo que é ele que amanha o terreno.

Como supra se mencionou, a imediação e a oralidade são instrumentos de apreciação que escapam ao tribunal ad quem, mas que são essenciais para aferir da verdade e eticidade do  verbalizado.

Por conseguinte, e inexistindo prova nos autos que inequivocamente infirme ou contrarie estes depoimentos, tendo-os a julgadora relevado e valorizado, a sua convicção não pode ser censurada.

Ou, dito de outro modo, a prova invocada pelos recorrentes e a exegese por eles efetivada, não são suficientes para «impor», como exige a lei, a censura de tal convicção.

Decorrentemente, os factos dados como provados nossa pontos 3 e 4 devem manter-se.

Pelo que, adquirido pelos autores, com base neles, a propriedade do prédio identificado via usucapião –  cfr. artºs  1287º e 1293º e sgs. do CC - , ela deve ser-lhes concedida independentemente das vicissitudes  ou desconformidades formais, registrais ou matriciais, aliás, e como se disse, apenas agora extemporaneamente invocadas.

5.3.

Terceira questão.

A Julgadora decidiu, de jure, nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«…segundo o n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.

Por força do n.º 4 deste dispositivo, é aplicável a este direito de preferência legal o disposto, além do mais, no artigo 1410.º do Código Civil, o qual, versando sobre a acção de preferência, estatui no seu n.º 1 que “o comproprietário [leia-se, o proprietário de prédio confinante de área inferior à unidade de cultura] a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada [leia-se, o prédio alienado], contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.” O preço mostra-se depositado na totalidade uma vez que os autores depois de se apurar os montantes levantados pelo 3.º Réu, inclusivamente no próprio dia da celebração do negócio procederam de imediato ao depósito do remanescente.

…quem pretender o reconhecimento judicial de um direito real de preferência, invocando a qualidade de proprietário confinante, deverá alegar e provar, tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova do artigo 342.º do Código Civil, os pressupostos ou factos constitutivos do seu direito, a saber:

- O prédio alienado tem que ser objecto de venda, dação em cumprimento ou aforamento;

- O preferente tem que ser proprietário de prédio confinante com o prédio alienado;

- O adquirente do prédio não pode ser proprietário confinante;

- O prédio confinante de quem se apresenta a preferir tem que ter área inferior à unidade de cultura.

…a unidade de cultura (que traduz o limite mínimo de superfície dos prédios rústicos para efeitos de fraccionamento) se encontra actualmente definida cf. art. 3º e Anexo II, da Portaria nº 19/2019 de 15 de Janeiro, sendo que, no caso, onde se integra o concelho ..., a unidade de cultura encontra-se fixada em 4 hectares, caso estejamos perante um terreno de regadio e em 8 hectares, caso estejamos perante um terreno de sequeiro.

A preferência continua a ser um direito recíproco, que se aplica não só à alienação de minifúndios como também à venda de prédios de área igual ou superior à unidade de cultura, e que aproveita ao mesmo tempo, quer aos donos de minifúndios, quer aos proprietários de prédios com área superior à unidade de cultura, desde que o prédio de um deles (seja o do titular da preferência seja o do obrigado à preferência) seja inferior à unidade de cultura. O direito recíproco de preferir, estabelecido por este normativo, a favor dos donos dos prédios confinantes, existe, pois, desde que um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura.” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, proc. 07B2739…

A lei não exige o uso de uma formalidade especial para a comunicação ao titular do direito de preferência do projecto de venda e das cláusulas do contrato, a qual, por isso, pode ser feita por qualquer meio, inclusive verbalmente (cfr. Ac. STJ, de 18.11.93, CJ STJ, 1993, III, 140 e Ac. RP, de 27.06.91, CJ, 1991, III, 267)

Ora, não obstante os 2ºs. Réus terem alegado que os autores tiveram oportunidade através do seu filho de ter conhecimento que ponderavam vender o prédio, a verdade é que o preço avançado foi de 15.000,00€ pelo que claramente nunca nenhum projecto de venda e as respectivas cláusulas ainda antes da celebração do negócio, lhes foram comunicadas, pelo nunca os autores puderam exercer o seu direito de preferência, como supra se concluiu, ou réus não lograram fazer a prova desse facto.

Os elementos essenciais …susceptíveis de determinar a formação da vontade do titular do direito de preferência, no sentido de este decidir se irá ou não exercer tal direito… são os que respeitam não só à identificação do prédio e à indicação do preço a praticar, mas também modalidade de pagamento e identificação dos interessados na aquisição. Não sendo feita tal comunicação nestes termos e de forma eficaz, não há renúncia ao direito de preferência.

O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no nº. 1 do art.º 240º, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.

Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) - caso mais frequente -, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi).

A simulação pode ser absoluta - hipótese em que o negócio por tal viciado colorem habet, substantiam vero nullam -, ou relativa, caso em que o negócio celebrado colorem habet, substantiam vero alteram, como acontece no caso da alegada transmissão disfarçada de venda, uma vez que o pagamento do preço é um elemento essencial do contrato de compra e venda e como elemento específico da compra e venda, o preço consta, naturalmente, da escritura.

Nesse caso, subjaz ao negócio ostensivo ou aparente, fictício, um outro, latente, oculto, encoberto, dissimulado, disfarçado ou camuflado, que é o verdadeiramente querido pelas partes, a compra e venda.

E nessa senda é nulo por simulação o contrato de doação de imóvel …

Cumpre salientar os ensinamentos vertidos no acórdão do STJ datado de 09.10.2003 proc. 03B2536 disponível em ww.dgsi.pt, no sentido de apurar se a doação feita que é nula, por simulada, pode valer como venda, não obstante a ausência da menção do preço, enquanto um dos elementos essenciais da compra e venda.

A questão debatia-se no domínio do Código anterior, e a ela respondeu o assento deste Tribunal de 23 de Julho de 1952, publicado no B.M. J. n.º32, páginas 258/260, dizendo-se que "anulados os contratos de compra e venda de bens imóveis... que dissimulavam doações, não podem estas considerar-se válidas"  Claro que o assento não tem aplicação no domínio da nova lei, mas marca um elemento histórico do debate que passou à actualidade sem que o legislador, conhecendo a questão, a tivesse resolvido, particularmente com a formulação normativa do artigo 241º do actual Código Civil.

Em consequência…e nos termos do disposto nos arts. 1380.º, n.º1 e 1410.º do Código Civil, os autores têm o direito de haver para si o identificado prédio rústico, porquanto tendo os contraentes celebrado entre si, por documento particular autenticado, negócio jurídico que intitularam de "doação" de bem imóvel, quando o que realmente quiseram foi celebrar entre si um negócio "jurídico de compra e venda", assim tendo agido com o intuito de frustrarem a exercitação de um direito de preferência por parte dos autores proprietários de prédio confinante desse imóvel, com áreas inferiores à unidade de cultura deve considerar-se um tal negócio como nulo entre os mesmos contraentes como doação (art. 289, n. 1 do C.Civil), mas, todavia, válido como efectiva "compra e venda" em relação aos preferentes, impondo-se assim a total procedência da acção.»

Este discurso apresenta-se, desde logo em tese, curial, na sua essencialidade relevante; e, para o caso concreto e atentos os seus elementos fáctico circunstanciais apurados, vislumbra-se adequado.

Efetivamente, a doação, porque simulada, deve ter-se por nula, valendo pois o negócio dissimulado da compra e venda.

E como os 1ºs réus não cumpriram o seu dever legal de comunicar os elementos da venda aos autores, para estes poderem decidir  e comunicar-lhes sobre se  exerciam, ou não exerciam, o seu direito de preferência, como proprietários confinantes, obviamente que este direito lhes tem a gora de ser judicialmente concedido. – cfr. para maiores desenvolvimentos, o Ac. RC de 15.12.2020, p. 281/13.0TBPCV.C2 e  Ac. STJ de 28.02.2002, p. 02A062, ambos in dgsi.pt.

Improcede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2023.02.28.