Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1046/10.6TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO PRÉVIO
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - 2º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 8º, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: No domínio do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, a admissão do pedido de indemnização civil não dependia do pagamento prévio de taxa de justiça, por parte do demandante.
Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. Nos autos de processo comum nº 1046/10.6tacbr, que correm termos pelo 2º Juízo Criminal de Coimbra e que originaram os presentes autos de recurso em separado, remetidos aos autos para a fase de julgamento, no despacho a que se reporta o artigo 311º do CPP, foi o demandante Instituto da Segurança Social – IP convidado a efectuar a auto – liquidação da taxa de justiça devida pela interposição do pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 6º, nº 1 do R.C.P. (Tabela I – A, anexa ao regulamento) – [cf. fls. 20/21 dos presentes autos de recurso em separado].

2. Na sequência do que o ISS – IP dirigiu ao processo o requerimento de fls. 231 a 240, defendendo, em síntese, que “em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente da qualidade do demandante e do respectivo valor) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça, sendo a matéria das custas – as quais compreendem a taxa de justiça – apenas decidida a final, no momento em que é proferida a sentença ou acórdão … o que significa que o seu pagamento apenas pode ser exigido depois do trânsito em julgado da decisão penal condenatória – art. 467º do CPP – observado que seja o disposto nos arts. 29º e ss. do RCP na parte aplicável em processo penal).”

3. Sobre o assim requerido recaíu o despacho judicial de fls. 32 a 33, o qual culminou com o indeferimento da reclamação.

4. Inconformada com a decisão, recorre o demandante ISS – IP, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Uma vez que, a decisão recorrida não condenou a recorrente nas custas é prematuro apreciar a eventual isenção da mesma, nesta medida a “vexata quaestio” ora submetida à aprovação de V. Exas. É a seguinte: o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal está ou não sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça?
2. Obviamente, não estando sujeito ao pagamento prévio, tem sempre de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença, altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas.
3. Um dos propósitos da reforma que dominou o RCP (como se diz no seu preâmbulo) foi a “repartição mais justa e adequada dos custos da justiça”,
4. pelo que não faz sentido passar a exigir a prévia autoliquidação de taxa de justiça em relação a acto que no âmbito do processo penal não tem autonomia, é tramitado de forma simplificada, estando dependente do processo penal, não assumindo a complexidade que pode assumir no processo civil.
5. No mesmo preâmbulo acrescenta-se que: “as normas centrais relativas à responsabilidade pelo pagamento das custas podem encontrar-se no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal, os quais serão aplicáveis, a título subsidiário, aos processos administrativos e fiscais e aos processos contra – ordenacionais respectivamente.”
6. Essa explicação contraria assim qualquer interpretação que se pretenda extrair do art. 13º, nº 1, do RCP o entendimento de que nele se pode encontrar justificação para exigir a auto liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal.
7. A aplicação subsidiária de uma norma só ocorre quando que existe uma lacuna, uma omissão de regulamentação, pelo que nunca pode ser uma deliberada opção do sistema normativo existente.
8. Nesse aspecto, no processo penal é clara a intenção do legislador de não exigir auto – liquidação de taxa de justiça fora dos casos excepcionais previstos na lei,
9. caso contrário, teria de existir norma própria que fizesse depender o pedido cível e a sua contestação do pagamento prévio de taxa de justiça, com igual exigência teria de ser feita em relação, por exemplo, à acusação particular, à contestação – crime, nas quais, contudo, por força do artigo 8º, nº 5, do RCP, a respectiva taxa de justiça apenas é contabilizada a final.
10. Mesmo tendo em atenção a explicação do conceito de taxa de justiça constante do preâmbulo do RCP, fácil é de perceber que, o processo penal existe independentemente da dedução de pedido cível pelo lesado (ao contrário do que sucede na acção cível, a qual apenas passa a existir por impulso da parte – Autor).
11. Por isso se conclui que, no pedido cível que é deduzido obrigatoriamente (salvas as excepções previstas no CPP) no processo penal (obrigatorieddade essa que significa mais um ónus para o lesado, que tem prazos para deduzir o pedido cível, sob pena de não ser ressarcido e não poder ir propor acção cível em separado),
12. não se pode exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela sua dedução, por essa exigência, importada do CPC, não se harmonizar com as pertinentes regras do processo penal, nem com os princípios que lhe estão subjacentes.
13. Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 13º do RCP quando se refere ao “sujeito processual” tem precisamente em vista as situações em que está prevista a auto liquidação de taxa de justiça (como sucede nos casos previstos no artigo 8º, nº 1 e nº 2, do RCP e om a interposição de recurso, ressalvadas as excepções previstas no artigo 15º do RCP).
14. O art. 8º do RCP contém regras especiais aplicáveis em processo penal e contra-ordenacional, indicando os casos em que há lugar à auto – liquidação de taxa de justiça em processo penal.
15. A propósito do nº 2 do artigo 8º do RCP, recorda Salvador da Costa que, essa norma “não se reporta à taxa de justiça devida pelo arguido por virtude do requerimento de abertura da instrução, pelo que a conclusão é no sentido de não dever ser por ele objecto de prévio pagamento.”
16. O que reforça a ideia de que existem outros actos praticados em processo penal que, mesmo não estando incluídos na tabela III (e não estando mencionados no art. 8º, nº 5, do CPP), não devem ser objecto de prévio pagamento de taxa de justiça.
17. Assim, percebe-se que os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça para a prática de actos deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas que se referem, por exemplo, à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça.
18. Por sua vez, o nº 5 do mesmo art. 8º do RCP, prevê os restantes casos em que a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
19. É claro que também existem actos praticados em processo penal que, não obstante não estarem mencionados no artigo 8º do RCP, dependem do prévio pagamento de taxa de justiça (como sucede com o recurso, salvo as excepções previstas no artigo 15º do RCP).
20. Quando é interposto o recurso, por regra é também devido o pagamento de taxa de justiça (artigo 6º, nº 6 e Tabela III do RCP) pois, para efeitos do Regulamento, o recurso considera-se como processo autónomo, além do mais, o acto de interposição de recurso – ver artigos 1º, nº 2, do RCP – só existe por impulso processual do recorrente, dando origem a tributação própria).
21. No entanto, tais normas (arts. 8º nº 1 e nº 2 e 6º, nº 6 do RCP) só são aplicadas quando não se verifiquem situações e excepção previstas na lei, como sucede quando esta expressamente estabelece a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça (artigo 15º do RCP).
22. Conjugando os artigos 6º, nº 1, 13º, nº 1, 14º, nº 1 e 8º, do RCP, verifica-se que o acto processual que consiste na dedução de pedido cível em processo penal não está sujeito ao prévio pagamento de taxa de justiça (razão pela qual a taxa de justiça, que se integra no conceito de custas, só é paga a final).
23. Por isso, o facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)
24. Trata-se de mais um caso em que é patente a simplicidade do formalismo para dedução do pedido cível em processo penal (em nada comparável ao que se passa no processo civil e, como tal, merecendo um tratamento diverso).
25. Há outros actos processuais que não constam da tabela III (para além dos já cima indicados, citados por Salvador da Costa) e que também não estão sujeitos a prévia liquidação de taxa de justiça (ao contrário do que sucede no CPC, apesar de hoje em dia no processo civil apenas existir o pagamento de uma única taxa de justiça).
26. É o que sucede, por exemplo, no caso do adicionamento do rol de testemunhas efectuado ao abrigo do art. 316º do CPP ou do requerimento de perícia sobre o estado psíquico do arguido formulado ao abrigo do art. 351º, nº 1, do CPP ou até outro tipo de prova pericial.
27. Tais actos, que podem tornar o processo mais complexo mesmo no âmbito do pedido cível “enxertado” no processo penal, até poderiam ter levado o legislador a sujeitá-los ao pagamento prévio de uma taxa de justiça adicional (como contrapartida da prestação de um serviço acrescido), o que, porém, assim não sucedeu.
28. Pelo que se o legislador pretendese que no processo penal fosse auto-liquidada taxa de justiça pela apresentação do pedido cível ou pela apresentação da contestação, assim o teria dito expressamente no CPP, uma vez que o mesmo tem normas próprias que regulamentam a prática de tais actos processuais (normas essas que são distintas das previstas no CPC, que é um processo claramente de “partes”),
29. ou então teria consagrado norma expressa, clara nesse sentido no próprio RCP, tal como o fez, por exemplo, com a norma especial que previu no citado artigo 8º.
30. O estabelecido no art. 13º, nº 1, do RCP, supra comentado, não significa que a prática do pedido cível e sua contestação em processo penal, tenha que ser acompanhada de auto – liquidação de taxa de justiça.
31. Pelo que o disposto no art. 8º do mesmo Regulamento é uma norma especial para o processo penal que, nesse aspecto, prevalece sobre o referido artigo 13º, não existindo no RCP norma específica que preveja a auto-liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal!
32. Para além de que, o facto de haver remissão para o processo cível a nível da responsabilidade por custas (artigo 523º do CPP) não significa que tivesse de haver remissão para as normas do processo civil que exigem o comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça quando o autor apresenta petição inicial ou o réu apresenta contestação (esta última remissão não foi feita no CPP, nem tão pouco se pode deduzir do disposto no art. 13º, nº 1, do RCP, tendo igualmente presente que o pedido cível em processo penal não pode ser equiparado, para esses efeitos, à petição inicial).
33. Face a todo o exposto se depreeende que em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente da qualidade do demandante e do respectivo valor) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça, sendo a matéria de custas – as quais compreendem a taxa de justiça – apenas decidida a final, no momento em que é proferida a sentença ou acórdão,
34. o que significa que o seu pagamento apenas pode ser exigido depois do trânsito em julgado da decisão penal condenatória – art. 467º do CPP – observado que seja o disposto nos arts. 29º e ss. do RCP na parte aplicável em processo penal).
35. A todo este respeito já se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1838/09.9TAVLG – A.P1 de 06/04/2011, in www.dgsi.pt: “O pedido de indemnização civil enxertado no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.”
(…) “O facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas).

Nestes termos e nos mais de direito que doutamente serão supridos, deverá revogar-se o Despacho recorrido.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. As regras resultantes do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais aplicam-se apenas ao processo penal stricto sensu.
2. Por força do preceituado no art. 523º do CPP são de aplicar ao enxerto civil em processo penal as normas de custas do Código de Processo Civil e as do Regulamento das Custas Processuais que com elas estejam directa ou indirectamente conexionadas.
3. Assim sendo, a parte que deduza pedido de indemnização civil, enxertado no processo penal, deve proceder à autoliquidação da taxa de justiça, nos termos do previsto no art. 6º nº 1, 14º nº 1 do RCP e 150 – A, nº 1 do Código de Processo Civil (caso não goze das isenções a que alude o art. 4º do RCP).
4. O Tribunal a quo fez adequada apreciação dos preceitos legais, designadamente das normas decorrentes dos arts. 523º do Código de Processo Penal, art. 150º - A n.º 1 do CPC, art. 4º, 6º, 8º, 13º, 14º e 15º do Regulamento das Custas Processuais.

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos [de recurso em separado] remetidos a este Tribunal.

7. Na Relação, o Exmo Senhor Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

8. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, respondeu o recorrente da forma constante de fls. 58 a 61, reiterando, no essencial, a respectiva motivação.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso, o que cumpre decidir é se, à luz do RCP, o demandante que enxerta em processo de natureza penal pedido de indemnização civil de montante igual ou superior a 20 UC se mostra, ou não, dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça.

2. A decisão recorrida

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

“Da reclamação apresentada pelo ISS-P

Antes da entrada em vigor do DL n.º 324/2003, de 27/12 era pacífico que o Instituto da Segurança Social gozava de isenção subjectiva de custas, mesmo em processo criminal.
Porém, uma das principais características inovadoras do mencionado DL nº 324/2003, de 27/12, foi o de ter acabado precisamente com as insenções subjectivas de custas do Estado e seus organismos autónomos, das autarquias locais, associações e federações de municípios.
Tal como se refere no respectivo preâmbulo, através da indicada alteração legislativa, estendeu-se “aos processos de natureza cível – e por destes ao processo penal – o princípio geral da sujeição de Estado e demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, consagrado por unanimidade dos partidos com assento na Assembleia da República no Novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…). Com efeito, e por maioria de razão, não faria sentido que, sendo essa a regra na jurisdição administrativa, a mesma não fosse também aplicável na jurisdição comum.”
Aliás, esta alteração acompanhou, em muitos casos, em várias instituições do Estado uma alteração de estruturas e competências.
Sendo seguro que o Instituto de Segurança Social I.P. é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia admnistrativa e financeira e património próprio (cfr. DL nº 214/2007, de 29 de Maio) já não logra, agora, qualquer justificação para a invocada isenção, o preceituado no art. 118.º, nº 1, da Lei nº 32/02, de 20/12 «As instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas reconhecidas por lei ao Estado», ou no art. 29º, nº 2, ou mesmo no art. 4º nº 1 al. a) do R.C.J. pois o Estado, em rigor, já não goza de isenção de custas cíveis ou administrativas e era precisamente com base num raciocínio extraído do art. 2º nº 1 al. a), do Cód. das Custas Judiciais, que normalmente se fundamentava a sua aplicação ao processo penal.
Cremos também ser improcedente a pretendida equivalência da situação do ISS IP ao Ministério Público à luz do art. 4º do RCJ que prevê situações específicas que não se subsumem às ora defendidas pelo ISS – IP. Ademais, Estado e Ministério Público são duas entidades diferentes, e, delas, quem tem intervenção em sede de processo penal é a última (nos termos do disposto no art. 48º do C. de Processo Penal, «O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal …»).
Finalmente, e na esteira do exposto, entendo que o citado diploma é aplicável ao presente processo e, concretamente ao pedido de indemnização formulado nos autos, atenta a data da sua apresentação em juízo.
Acresce que, temos entendido que ao pedido de indemnização civil enxertado na acção penal, é devida taxa de justiça decorrente da Tabela I – A e que ao mesmo se deve aplicar a regra da autoliquidação da taxa de justiça nos termos e “timing” definidos no artigo 6º nº 1 do R.C.J. e assim “(…) o interessado deve pagar a taxa de justiça devida no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual” – a este respeito, seguimos o entendimento expresso pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Salvador da Costa in Reg. Das C.P. Anot., 2ª ed. página 188.
Como assim, indefiro a reclamação.

Sem custas atenta a simplicidade do incidente.

Notifique.”

3. Apreciando

A questão que vem colocada não é nova e tem sido objecto de soluções divergentes, designadamente por parte das Relações.
Na situação concreta não se mostra controvertida a aplicação, ao caso, do Regulamento das Custas Processuais, tendo nós por adquirido que o valor do pedido de indemnização civil deduzido no processo penal pelo demandante, ora recorrente, é de montante igual ou superior a 20 UC, pois que se assim não fosse, em face da al. m) do n.º 1 do artigo 4º, a discussão não faria qualquer sentido uma vez que o demandante estaria isento de custas, conceito que abrange a taxa de justiça – [cf. artigo 3º do RCP].

Isto dito, o que importa saber é se à luz do RCP o demandante que enxerta em processo de natureza penal pedido de indemnização civil de montante igual ou superior a 20 UC se mostra, ou não, dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, não tendo, como tal de proceder à sua autoliquidação, nos termos do artigo 6º do RCP.

Sobre uma e outra tese têm sido expendidos argumentos valiosos, os quais, por comodidade, passamos a reproduzir.
Assim, do acórdão do TRG de 02.11.2011 [proferido no processo n.º 1173/10.0GBGMR.G1, relator Fernando Monterroso], que seguiu a linha de orientação do acórdão da mesma Relação de 22.02.2011 [proferido no proc. nº 104/10.1GAEPS – A.G1, relator Paulo Fernandes Silva], respigam-se as seguintes passagens:
“(…), o artigo 4º, nº 1, alínea m), do RCP dispõe que «estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC».
Por outro lado, o artigo 15.º, alínea c), do RCP estipula que «ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais».
Ou seja, da conjugação daquelas duas disposições legais decorre que:
- Sempre que o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal for igual ou superior a 20 UC haverá lugar ao pagamento de custas por parte de qualquer demandante ou demandado;
- Quando o pedido indemnizatório seja inferior a 20 UC, haverá lugar ao pagamento de custas por parte do demandado que não seja arguido;
- Havendo lugar ao pagamento de custas, apenas o arguido está dispensado de taxa de justiça.
Na falta de disposição especial quanto àquele pagamento da taxa de justiça, é aplicável o respectivo regime geral, pelo que a taxa de justiça é determinada em função do valor do pedido indemnizatório em causa e do indicado na Tabela I – A anexa ao RCP, é paga, em regra, integralmente e de uma só vez, até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito – cf. artigos 6º, n.º 1 segundo o qual, «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se na falta de disposição especial, os valores constantes da da tabela I- A, que faz parte integrante do presente Regulamento». --- 11.º O qual dispõe que «a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo». --- 13.º, nº 2 Preceitua-se aí que «a taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário»., e 14.º, nº 1 De acordo com o qual «o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento». ---, todos do RCP.”
Conclui, ainda, o citado aresto não ser o artigo 8.º do RCP aplicável na matéria em causa, não contendo o mesmo qualquer referência ao pedido de indemnização cível deduzido em processo penal, sendo a Tabela III, no que a tal concerne, omissa.
Assim, nos «restantes casos», aludidos no nº 5 da dita disposição legal, não se incluiria o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.
A entender-se de outra forma, prossegue “a um tempo era chamada à colação a Tabela I – A, para determinar o valor da taxa de justiça, e a outro tempo a Tabela III, para dispensar o pagamento de tal taxa, o que seria destituído de razoabilidade.”

Em sentido contrário, decidiu o acórdão desta Relação de 12.10.2011 [proferido no processo nº 410/11.8TBGRD – A.C1, relator Jorge Jacob], no qual, considerando estar o regime de pagamento de taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional previsto no artigo 8º do RCP, ficou consignado:
“Da interpretação conjunta dos preceitos incluídos neste artigo 8º resulta com linear clareza terem sido taxativamente enumerados todos os casos de autoliquidação todos os casos de autoliquidação de taxa de justiça e de prévio pagamento. Todas as situações que impliquem pagamento de taxa de justiça e que não estejam expressamente contempladas, caem sob a alçada do nº 5, implicando o pagamento de montante variável, a fixar pelo juiz, a final, em função da complexidade da causa e dentro dos limites fixados na Tabela III anexa ao Regulamento”, concluindo no sentido de que, não beneficiando o demandante da isenção prevista na al. m) do art. 4º do RCP e tratando-se de pedido de valor superior a 20UC, “a taxa de justiça correspondente será fixada a final, dentro dos limites legais, sendo a correspondente responsabilidade determinada segundo as regras do processo civil, por expressa imposição o art. 523º do CPP, apenas podendo ser exigido o respectivo pagamento após o trânsito em julgado da decisão que a impuser”, acrescentando, ainda, “De resto, acompanhamos a posição que vem expressa no Ac. da Relação do Porto de 06/04/2011 …, de que os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça como condição de validade da prática de actos processuais deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas, como as que se referem à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça”.

Para além dos citados arestos, outros existem que vêm decidindo num e noutro sentido, adoptando, no essencial, a mesma linha de argumentação.

Posto isto, reconhecendo, embora a valia das duas posições em confronto, e com plena consciência das dificuldades de cada uma delas, propendemos para o entendimento que defende não ser exigível ao demanadante no pedido cível deduzido no processo penal, de montante igual ou superior a 20 UC, o pagamento prévio da taxa de justiça.
De facto, como vem referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.04.2011 [proferido no processo n.º 4515/09.7TAMTS – B.P, relatora Maria do Carmo Silva Dias], com referência à tabela III a que alude o n.º 5 do artigo 8º do RCP – disposição residual que abrange uma pluralidade de actos processuais não contemplados nos nºs 1 a 4, a qual, contudo, não faz referência ao pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, sendo, antes, a respectiva taxa determinada nos termos da tabela I – A anexa ao RCP - “nem todos os actos a tributar estão previstos nesta tabela III: a propósito, recorda Salvador da Costa que a “lei não prevê especificamente, na referida tabela, além do mais, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso de o arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição, ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, a que se reportam as alíneas a), b) e d) do art. 515º do Código de Processo Penal …Por isso, o facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)”.
Por outro lado, tal como ficou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2011 [proferido no processo n.º 176/10.9TAGMR – A.G1, relatora Maria Luísa Arantes], também se nos afigura que “Se o legislador pretendesse que no processo penal fosse autoliquidada a taxa de justiça pela dedução do pedido de indemnização civil, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez para os casos de constituição de assistente e abertura da instrução requerida pelo assistente (art. 8º n.º 1 e 2 do RCP).
(…)
O pedido cível enxertado no processo penal tem especificidades próprias que justificam a opção do legislador em não exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela dedução do pedido cível ou pela apresentação da contestação a esse pedido cível.
Por outro lado, a Lei nº 26/2007, de 23-7, que autoriza o Governo a aprovar um Regulamento das Custas Processuais, no art. 2.º n.º 1 dispõe que “O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são os seguintes:
(…)
f) – Reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, nos casos previstos na lei que aprova o regime de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos tribunais admnistrativos e fiscais”.
Ora, no domínio do anterior Código das Custas Judiciais a dedução de pedido de indemnização civil em processo penal não estava dependente do prévio pagamento de taxa de justiça e a autorização legislativa para a aprovação de um Regulamento das Custas Judiciais foi dada no sentido de, no processo penal, se manter o âmbito da dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça.”

E pese embora, a recente alteração ao Regulamento das Custas Processuais, levada a efeito pela Lei nº 7/2012, de 13.02, presentemente em vigor, não colher aplicação no caso – cf. artigo 8º -, foi esta a solução que veio, agora, a ficar expressamente em letra de lei, concretamente no artigo 15º, nº 1, al. d) do RCP.
É claro que, também, deste facto se podem retirar argumentos a favor e contra cada uma das posições, não nos sendo difícil admitir que, com recurso às normas sobre a aplicação no tempo, designadamente o nº 10, do artigo 8º, haja quem veja em tal alteração a confirmação de que até ao momento numa situação como a que nos ocupa havia lugar ao prévio pagamento de taxa de justiça.
Não obstante, somos de parecer que nenhum argumento decisivo se pode dali retirar num ou noutro sentido, sobretudo se atentarmos nos aspectos acima enunciados, a propósito da evolução legislativa neste domínio, do propósito que lhe presidiu, da simplicidade do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, da circunstância de, quer se queira, quer não, o processo penal não o deixar de ser – de revestir tal natureza - pelo facto de lhe ter sido enxertado o pedido cível e, bem assim, de não raramente se concluir que a concreta “questão” a resolver não foi expressamente equacionada pelo legislador.

Em suma: no domínio do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13.02 [quadro legal aplicável no caso dos autos] defendemos – reconhecendo, embora, a pertinência dos argumentos que vem sendo expendidos em sentido oposto - a solução contrária à que subjaz ao despacho recorrido, e nessa medida se procede à respectiva revogação, para que seja substituído por outro que não faça depender a admissão do pedido cível do pagamento prévio, por parte da demandante, ora recorrente, de taxa de justiça.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não faça depender a admissão do pedido cível do pagamento prévio, por parte da demandante, de taxa de justiça.

Sem custas



Maria José Nogueira (Relatora)


Isabel Valongo