Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
698/09.4TBLSA-Z.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÕES
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 120º, 121º, 122º E 123º DO CIRE.
Sumário: I – O prazo fixado no artigo 123º, nº 1 do CIRE foi estabelecido para as situações de resolução e não para acções indemnizatórias ou outras situações que, não traduzindo uma resolução em benefício da massa, pudessem em alguma incidência particular seguir esse caminho.

II - As resoluções de actos em benefício da massa (as situações previstas nos artigos 120º e 121º do CIRE) traduzem um acréscimo de tutela, acrescentam um meio de defesa do património do insolvente, no quadro da execução universal em benefício de todos os credores (tendencialmente colocados em situação de igualdade). Não se pretende, ao estabelecer essas possibilidades de resolução, diminuir ou condicionar a tutela do património do insolvente, quando essa tutela careça, efectivamente, da propositura de acções.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Por apenso à acção identificada em epígrafe (um processo de insolvência instaurado em 2009), veio em 04/06/2012[1] a Massa Insolvente de J…, Lda., representada pelo seu Administrador (A. e Apelante no contexto deste recurso[2]), demandar A…, E… e M… (1º, 2ª e 3º RR. e aqui Apelados), pedindo a condenação solidária destes a reintegrarem o património da A. (agora a massa insolvente da sociedade) com a quantia de €200.000,00 acrescida de juros, respeitante ao valor inscrito num cheque datado de 23/03/2009, emitido à ordem da A. (consubstanciador de parte do pagamento do valor de diversos prédios vendidos pela sociedade “J…, Lda.” a um terceiro), título esse que foi desviado da sua função de realizar um pagamento à sociedade: foi endossado pelo 3º R., em nome da sociedade, e entregue aos 1º e 2ª RR. que indevidamente o depositaram, consumando um acto de apropriação ilícita, numa conta própria (destes últimos RR.; note-se que foram eles titulares das quotas da sociedade até que as transmitiram ao 3º R. em Fevereiro de 2009)[3].

            1.1. Contestaram conjuntamente os três RR., invocando – no que interessa ao tema do presente recurso, em função do sentido da decisão apelada – o que qualificaram como “caducidade do direito de acção” plasmado na presente demanda, por referência ao esgotamento do prazo constante do artigo 123º, nº 1 do CIRE[4].

            A A. respondeu à excepção, reafirmando a natureza de imputação delitual aos RR. [artigo 483º do Código Civil (CC)] relativamente à estrutura da acção proposta, circunstância que afastaria a aplicação do artigo 123º do CIRE.

            1.2. Foi a acção logo decidida, findos os articulados, através do Saneador-Sentença de fls. 74/82este corresponde à decisão objecto do presente recurso –, julgando-se “[…] procedente a excepção peremptória de caducidade deduzida pelos RR., absolvendo-se os mesmos do pedido formulado […]” (transcrição do pronunciamento decisório constante de fls. 82)[5].

            1.3. Inconformada, interpôs a A. o presente recurso, rematando a motivação adrede apresentada com as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado sucintamente o iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre agora apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no antecedente item 1.3. – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[6]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            Trata-se aqui de reapreciar a ratio decidendi da primeira instância quanto à aplicação, enquanto obstáculo ao accionamento dos RR. nos termos aqui considerados, do prazo previsto no artigo 123º, nº 1 do CIRE (“[…] dois anos sobre a data da declaração de insolvência”), no sentido em que este prazo se encontraria já esgotado ao tempo da propositura da acção pela massa insolvente. Constitui especificidade desta questão, no contexto em que ela aqui se coloca, a circunstância da acção efectivamente proposta pela A. não corresponder, na sua estrutura argumentativa e objectivos, a uma resolução de actos em benefício da massa (“não corresponder” significa aqui não ter na base, já que a resolução em benefício da massa actua extra-judicialmente, como resulta do artigo 123º, nº 1 do CIRE), expressando a decisão do Tribunal a quo o entendimento segundo o qual, não obstante essa outra natureza, a aptidão abstracta de o mesmo efeito poder ser alcançado através da resolução prevista no CIRE tornaria esta última opção obrigatória, no sentido em que sempre projectaria o prazo previsto no artigo 123º, nº 1 do CIRE em todas as situações que abstractamente pudessem ser configuráveis no quadro de uma resolução em benefício da massa, mesmo que não se tratassem disso.

            Com efeito, embora a decisão apelada não diga exactamente tudo o que acabámos de enunciar, por mais voltas que se dê à situação, não deixa de corresponder o entendimento aqui caracterizado ao sentido prático – às implicações lógicas – da asserção decisória presente no Despacho impugnado. Tudo o que acima dissemos está implícito no pronunciamento do Tribunal, embora este se limite a aplicar o prazo do artigo 123º, nº 1 do CIRE a uma situação em que não está em causa qualquer resolução de acto ou negócio em benefício da massa insolvente, dizendo que outro entendimento “contornaria” esse prazo, esquecendo que esse prazo foi estabelecido para as situações de resolução e não para acções indemnizatórias ou outras situações que, não traduzindo uma resolução em benefício da massa, pudessem em alguma incidência particular seguir esse caminho. Interessa aqui determinar, pois, se algo afastaria à partida a opção aqui tomada pela A., ou, dito de outra forma, se algo obrigava a A. neste caso a seguir o caminho da resolução do acto de endosso em benefício da massa, em vez de optar pela propositura de uma acção de indemnização em benefício da massa.  

            2.1. O elenco dos factos que foram considerados na Decisão apelada, e em função dos quais se afirmou a asserção decisória aqui contestada, é o seguinte (aqui transcrito do texto da decisão):
“[…]

            2.2. A decisão recorrida reconduziu, como vimos, a situação configurada através da acção proposta pela Massa Insolvente contra os RR. a uma resolução de actos em benefício da massa, intuindo ser esse o caminho que devia ter sido seguido pela A., e que o acto a resolver sempre seria o endosso do cheque pelo 3º R. aos 1º e 2ª RR., isto nos termos em que essa resolução é tratada no Capítulo V do Título IV do CIRE (nos artigos 120º a 127º)[7].

            Note-se, todavia, que esta caracterização da acção proposta – tratar-se da resolução de um acto em benefício da massa insolvente – é da inteira lavra da decisão apelada, não tendo qualquer respaldo nos termos em que a A. configurou a acção. Assim, a requalificação pelo Tribunal quanto à forma de tutela adequada acabou por fazer um total descaso da natureza da acção efectivamente proposta pela Massa Insolvente da sociedade, no sentido em que a verdadeira natureza da acção proposta teria de ser alcançada através dos seus elementos identitários, expressos no pedido e na causa de pedir, nos termos apresentados pela A. Esta como que perdeu o domínio qualificativo da sua acção. Daí que a caducidade aqui assinalada pelo Tribunal[8], só exista – só possa existir – através de uma operação de reconfiguração arbitrária da forma da tutela judiciária configurada pela A.

Ora, a este respeito importará ponderar que uma tal reconfiguração da natureza de uma acção pelo Tribunal – da natureza da forma de tutela de um direito –, contra a natureza identitária da acção efectivamente proposta, só teria sentido – e tratar-se-ia de uma situação aparentada com o erro na forma do processo ou com a falta de interesse em agir[9] – se se concluísse que essa estrutura da acção construída pela A. se apresentava como absolutamente inadequada – adjectivamente inadequada – por algum tipo de impossibilidade de conduzir ao resultado expresso no pedido, pois esse resultado só poderia decorrer da outra forma de tutela reconfigurada pelo Tribunal. Neste caso, equivale este entendimento à afirmação, que está implícita no pronunciamento do Tribunal, de que a supressão do dano decorrente do desvio do cheque pelos RR. só poderia ser alcançado através do mecanismo da resolução do endosso, nunca através da acção indemnizatória configurada pela A.

            Com efeito, só dizendo que a estrutura da acção proposta (o tipo de acção proposta), caracterizada por aquela causa de pedir e por aquele pedido, não se mostrava materialmente adequada ao tipo de tutela substantiva efectivamente pretendida e adequada à situação, se poderia operar uma requalificação dessa forma de tutela aos termos julgados adequados, passassem estes por um outro tipo de acção (o que poderia configurar um erro na forma do processo) ou por um outro tipo de actuação extra-judicial (o que traduziria falta de interesse em agir). Interessa a este respeito, quanto à margem de apreciação concedida ao Tribunal a respeito desse tipo de requalificação (o que vale, como vimos, para acções diferentes e para o confronto entre tipos de acções e outras formas de tutela), a respeito de tal requalificação, dizíamos, interessa o que é referido pelo Supremo Tribunal de Justiça num Acórdão de 30/01/2013 (Lopes do Rego)[10]:
“[…]
Note-se que o que está fundamentalmente em causa é a possibilidade de o Tribunal proceder a uma requalificação da pretensão processual formulada pelo A., convolando daquela que, em termos formais e literais, foi requerida, para a que retrataria a verdadeira fisionomia da tutela jurídica realmente pretendida, em termos substanciais, pelo A. (questão que é, de algum modo, paralela à que se tem colocado em sede de alteração da qualificação jurídica da pretensão material deduzida), convolando da erroneamente peticionada para a materialmente adequada à satisfação do interesse que o demandante visava realmente tutelar; ou à questão da admissibilidade da requalificação jurídica do meio impugnatório erradamente desencadeado pelo requerente ou impugnante, corrigindo o Tribunal a deficiente configuração jurídica delineada pela parte e convolando para o legalmente adequado à situação processual existente – cfr., por exemplo, o decidido no. Ac. de 5/11/09, proferido pelo STJ no P. 308/1999.C1.S1 ou no Ac. Uniformizador nº 2/2010.
À semelhança do que temos entendido a propósito desses lugares paralelos, não vemos, à partida, qualquer obstáculo intransponível a que o Tribunal possa, também aqui, operar uma requalificação da forma de tutela judiciária pretendida, convolando da erroneamente requerida, em termos formais, pelo A. para a que se configura como materialmente adequada à peculiar fisionomia do litígio, desde que se mostrem respeitadas duas condições essenciais:
- em primeiro lugar, que a pretensão processual formulada se mostre, face ao desenho legal, materialmente inadequada e imprestável para a obtenção da forma de tutela judiciária que, em termos substanciais, o demandante visava alcançar – mostrando-se tal operação de reconfiguração ou requalificação jurídica do tipo de providência requerida ainda compatível com a vontade conjectural do A., a quem cabe, por força do princípio dispositivo, delinear a pretensão processual que formula, definindo o tipo de providência jurisdicional pretendida, sem que o Tribunal se deva, em princípio, imiscuir nessa definição e na estratégia processual que lhe subjaz;
- em segundo lugar, que tal operação de reconfiguração ou requalificação jurídica do tipo de providência requerida […] se mostre compatível com o princípio da confiança processual, ínsito na regra constitucional do processo equitativo – de modo a não provocar uma intempestiva e surpreendente alteração tardia das regras que a parte teve como fundadamente aplicáveis à tramitação da causa, tal como a mesma tinha sido formalmente delineada pelo A.
[…]”.    [ênfase aqui acrescentado].

            Vale isto por dizer – e cremos ser este precedente inteiramente apropriado ao entendimento que aqui pretendemos expressar e, nesse sentido, fortemente persuasivo –, que a recondução pelo Tribunal da acção efectivamente proposta pelo demandante a uma outra forma de tutela à “forma que deveria ter sido usada” – digamo-lo assim, como parece querer dizer a primeira instância – não pode servir para julgar improcedente a acção proposta, com base num desvalor decorrente da forma que o Tribunal entendeu deveria ter sido usada, quando aquela – a acção efectivamente proposta – era possível (processual e substantivamente possível) e adequada ao fim visado pelo demandante, não existindo uma desnecessidade de recurso à tutela judiciária (como sucede na falta de interesse em agir). É que, face à existência de diferentes possibilidades de actuação (aqui tratar-se-ia, por um lado, da resolução em benefício da massa insolvente e, por outro lado, da propositura de uma acção de indemnização fundada em responsabilidade civil), não existindo fundamento legal que exclua alguma dessas possibilidades de actuação (como aqui não existe[11]), tudo actua no domínio das opções processuais, chamemos-lhes estratégicas ou tácticas, que ao interessado na tutela judiciária se oferecem, não tendo sentido reconduzir a situação, algo ad hoc e num indisfarçado propósito de arrumar de vez o assunto, à forma de tutela que não foi empregue, para depois afirmar – e assim se arrumaria o assunto sem o julgar –, numa espécie de raciocínio circular, o esgotamento do prazo desta forma de tutela não empregue.

Esqueceu-se, porém – estamos em crer ter esquecido o Tribunal a quo – que se a forma de tutela adequada à reposição do desvio do valor do cheque seria a resolução em benefício da massa, referida ao acto-meio do endosso desse cheque, forma esta que actua por definição fora de ambiente judicial (pelo menos por parte de quem a acciona, v. artigo 123º, nº 1 do CIRE), o (suposto) desvalor da actuação da A. ao propor uma acção indemnizatória consistiria na falta de interesse em agir[12], no sentido em que o desencadear extra-judicial da resolução em benefício da massa precludiria, por desnecessidade, o recurso à acção indemnizatória. Só que o esgotamento do prazo dessa resolução extra-judicial, não interferindo sobre o direito geral de acção que alguma ligação apresentasse à eventual resolução, restauraria esse direito de recorrer à tutela judiciária, que passaria a ser necessário por estar esgotada a possibilidade de utilização do mecanismo da resolução previsto no CIRE. Não nos parece que uma interpretação amigável e potenciadora do direito à tutela judicial efectiva possa seguir caminho distinto do aqui (neste Acórdão) preconizado.

            É neste quadro de referência que importará ter presente que a acção aqui efectivamente proposta pela Massa Insolvente não pretendeu resolver em benefício dessa Massa um acto prejudicial à mesma[13], nos termos configurados nos artigos 120º e 121º do CIRE. Pretendeu antes esta acção realizar contra os RR. (dois ex sócios da sociedade insolvente e o sucessor destes e gerente nessa sociedade que lhes possibilitou alcançar a quantia da qual se apropriaram) o dever de indemnizar que lhes foi referenciado na petição inicial, imputando a estes uma situação geradora de responsabilidade civil[14], através de uma determinada actuação consistente na apropriação indevida de um valor pecuniário pertencente à sociedade, apropriação esta cujo meio de concretização se traduziu, por parte do 3º R., em endossar um cheque destinado à sociedade (titulando um valor devido à sociedade, não aos RR.), entregando-o depois a esses RR., assim permitindo a estes o apossamento da quantia inscrita no tal cheque.

            Tenha-se presente que tal endosso transmitiu o cheque enquanto título de crédito (rectius transmitiu o direito nele incorporado: o direito a “levantar” a quantia nele inscrita), nos termos do artigo 14º da LUCh[15], tendo esse endosso pelo 3º R. (como gerente da sociedade, actuando em nome desta) propiciado aos outros dois RR. o alcance de uma quantia pertencente à sociedade e não a eles. É este o sentido da acção aqui proposta: obter tutela indemnizatória por prejuízos que a actuação dos três RR. causou à sociedade.

Assim sendo, estando em causa, proposta pela A. contra os RR., uma acção visando obter uma indemnização por danos em favor do património social (da sociedade aqui prefigurada na sua massa insolvente), com base no desencadear de uma situação de responsabilidade civil subjectivamente referida a estes RR., dizer que isso – aliás, a consequência equivalente – só seria possível através do mecanismo da resolução do endosso em benefício da massa, nos termos dos artigos 120º a 123º do CIRE, afirmar isto, dizíamos, só poderia assentar na demonstração de que a acção referida à responsabilidade civil (a providência judiciária aqui configurada) não seria possível, que sempre estaria afastada – processual e substantivamente afastada – pela existência do mecanismo da resolução em benefício da massa, nos termos configurados nos artigos 120º a 123º do CIRE. Porque esta asserção é assumida como evidência pela decisão ora recorrida, mas sempre careceria de demonstração quanto à sua correcção, e não observando este Tribunal da Relação essa suposta evidência[16], entendemos que a base argumentativa do Tribunal a quo no percurso para a respectiva ratio decidendi carece de sentido, já que não vislumbramos obstáculo legal à opção de demandar os RR. com base na imputação a estes de uma situação de responsabilidade civil (cujos pressupostos terão, obviamente, de ser demonstrados; mas não é isso o que aqui está em causa neste momento). Com efeito, quer-nos parecer que as resoluções de actos em benefício da massa (as situações previstas nos artigos 120º e 121º do CIRE) traduzem um acréscimo de tutela, acrescentam um meio de defesa do património do insolvente, no quadro da execução universal em benefício de todos os credores (tendencialmente colocados em situação de igualdade[17]). Não se pretende, ao estabelecer essas possibilidades de resolução, diminuir ou condicionar a tutela do património do insolvente, quando essa tutela careça, efectivamente, da propositura de acções.

            2.2.1. Note-se que aqui, a acção visando a responsabilidade civil a cuja apreciação não vemos obstáculo prévio, não é inteiramente coincidente na sua natureza quanto aos três RR., mas converge, quanto a todos eles, no desencadear de um dever de indemnizar, num dever de suprimir danos (demonstrados que sejam os respectivos pressupostos), provocados à Sociedade (aqui à Massa Insolvente desta).

Com efeito, no caso do 3º R., gerente da sociedade que endossou o cheque aos outros RR., permitindo-lhes o alcance do valor inscrito nesse cheque, estamos no domínio da responsabilidade obrigacional do gerente para com a sociedade, prevista no artigo 72º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)[18]. E, no caso dos 1º e 2ª RR., terceiros relativamente à sociedade que se apropriaram – ter-se-ão apropriado, a ser verdade o que a A. afirma – de um valor pertencente ao património social, estará em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, por violação do direito de crédito corporizado naquele título[19].

Existe, pois – e é o que aqui interessa sublinhar –, espaço suficiente de actuação de uma tutela indemnizatória, totalmente adequada à acção aqui construída pela demandante Massa Insolvente, sendo indevido reconduzir compulsivamente a situação ao mecanismo da resolução em benefício da massa, previsto no CIRE. Tanto mais quando essa opção do Tribunal recorrido, construindo uma tutela-outra distinta da configurada pela A., levaria ao inviabilizar, por via dessa construção, do direito de acção aqui pretendido exercer.

2.2.2. Afastado, como aqui afastamos, o entendimento do Tribunal a quo, deve o processo retornar à fase em que, excluída a possibilidade da improcedência com fundamento no esgotamento do prazo do artigo 123º, nº1 do CIRE, a primeira instância deverá decidir o ulterior rumo da acção, depois de ter saneado o processo, como aqui sucedeu, quanto aos pressupostos formais da instância (a apreciação destes fica a valer, na ulterior tramitação da acção, nos termos do artigo 510º, nº 3, primeira parte do CPC).


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida, no elemento em que a mesma julgou extinto por caducidade o direito da A. demandar os RR., por referência ao artigo 123º, nº 1 do CIRE, declarando-se aqui improcedente a excepção a tal respeito invocada pelos RR., devendo o processo prosseguir dentro dos condicionantes apontados no item 2.2.2. supra.

            Custas em ambas as instâncias a cargo dos RR./Apelados


(J. A. Teles Pereira -Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Ambas as datas determinam a sujeição desta instância de recurso ao regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).
[2] Utilizaremos a referência a A. mesmo quando se trate de identificar a sociedade J…, Lda., num contexto anterior ao da declaração de insolvência.
[3] Refere a A. no articulado inicial:
“[…]

10

Por escritura pública lavrada em 19 de Dezembro de 2008 no Cartório Notarial com sede …, o 1º e 2ª RR., na qualidade de primeiros outorgantes e de únicos sócios da sociedade insolvente, “J…, Lda.”, declararam vender pelo preço global de €476.257,95 à I…, representada por …, na qualidade de 2º outorgante e sócio gerente, que declarou aceitar a venda, os seguintes prédios sitos na freguesia e concelho da Lousã, descritos na respectiva Conservatória do Registo Predial sob os nºs: …

11

O pagamento do preço, foi integralmente pago pelo seu sócio maioritário e gerente da referenciada I…, no interesse e por conta desta, da seguinte forma:

a) €52.500,00 já haviam sido pagos à sociedade insolvente, a título de sinal e princípio de pagamento, aquando da assinatura do contrato-promessa referido em L) no já mencionado apenso ‘E’ e alegado em 9 do presente.

b) €180.542,00 foram pagos por meio de cheque visado, datado de 19.12.2008, emitido pelo Banco … sobre a conta pessoal do sócio maioritário da I…, à ordem do Banco…, por instruções e a pedido da sociedade insolvente, para que fosse emitido pelo mesmo Banco a declaração de distrate e cancelamento das hipotecas registadas sobre os prédios com os artigos matriciais respectivos …, como declarado na escritura impugnada.

c) €5.215,95 foram pagos à sociedade insolvente por meio de cheque, datado de 19.12.2008, emitido sobre o Banco… e à ordem da desta.

d) €38.000,00 foram pagos à sociedade insolvente por meio de cheque, datado de 27.02.2009, emitido sobre o Banco … e à ordem da sociedade insolvente.

e) Os restantes €200.000,00 foram pagos à sociedade insolvente por meio de cheque, datado de 23.03.2009, emitido sobre o Banco… e à ordem da sociedade insolvente – docs. 14 e 15 no já mencionado apenso ‘E’ [cfr. alínea F) dos factos provados nos preditos autos 698/09.4TBLSA-E].


12

Sucede que o cheque retro mencionado na alínea e) nunca entrou no caixa da sociedade insolvente.

Com efeito,


13

o cheque em crise tinha o número 2… e foi sacado sobre o Banco ….

14

Ora, como se alcança de uma consulta do título em apreço o mesmo foi endossado e veio a ser depositado numa conta terceira que não titulada pela sociedade insolvente.

15

Em sede de audiência de discussão e julgamento dos autos 698/09.4TBLSA-E, por informação prestada em 28.02.2011 pelo Banco … (cfr. fls. 264 daqueles autos), demonstrou-se que o cheque em causa foi depositado numa conta titulado pelos 1º e 2ª RR.

16

Cumpre referir que a decisão proferida nos autos 698/09.4TBLSA-E transitou em julgado em 15.06.2011.

17

Assim, o que resulta demonstrado é que, ilicitamente, os RR., em decisão conjunta e em comunhão de esforços, subtraíram do caixa social a quantia de €200.000,00 que utilizaram em proveito próprio.

18

Tal quantia pertencia inequivocamente à sociedade pois representava parte do preço a pagar por um terceiro – in casu a I… – como contrapartida da venda de uma série de prédios propriedade da sociedade insolvente.

22

Assim, são os RR. solidariamente responsáveis por reembolsar a sociedade no montante ilegitimamente subtraído do caixa social

23

pois deflui manifestamente dos autos a conduta ilícita de todos os RR. que pretenderam – e conseguiram – prejudicar o património da então insolvente na quantia representada no cheque abusivamente endossado e depositado.

[4] Referiram os RR. a este propósito o seguinte na sua contestação:
“[…]

1.º Ao pretender o Administrador da Massa Insolvente ora Autora, através da presente acção, obter a reintegração no património daquela da quantia de €200.000,00 (duzentos mil euros), titulada pelo cheque identificado nos autos, endossado pelo 3.º R. aos dois 1.ºs RR., e por estes depositado, teria o referido Administrador de efectuar a resolução de tais actos de endosso e depósito, justificando a sua prejudicialidade em relação à massa, e no prazo devido, isto é, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência, nos termos do art.º 123.º, n.º 1 do CIRE.

2.ºNo caso dos autos, a sociedade ‘J…, Lda.’ foi declarada insolvente, por sentença proferida em 08.02.2010, sendo que a presente acção apenas foi instaurada em 04.06.2012.

3.º Uma vez que o Administrador de Insolvência não efectuou a resolução dos identificados actos através de carta registada com aviso de recepção, tal como prescreve o art.º 123.º, n.º 1 do C.I.R.E., apenas através da instauração da presente acção se poderia considerar como exercido o direito à resolução por parte da Massa Insolvente.

4.º Sucede, contudo, que a presente acção não foi instaurada tempestivamente, uma vez que entre a data da sentença de declaração de insolvência (08.02.2010) e data da instauração dos presentes autos

(04.06.2012) decorreram mais de dois anos.

5.º Nestes termos, verifica-se a caducidade do direito de acção, a qual é uma excepção peremptória de conhecimento oficioso, devendo conduzir à absolvição dos Réus do pedido (cf. artigos 123.º, n.º 1 do CIRE, 298.º, n.º 2, 333.º do CC., 493.º, n.º 3 e 496.º, ambos do C.P.C.).

[5] Interessa a este resultado o seguinte trecho expositivo da decisão da primeira instância:
“[…]

[A A.] com a presente acção visa a condenação dos RR. a restituírem à massa insolvente a quantia de €200.000,00, acrescida de juros de mora, correspondente a parte do preço a que a sociedade J... teria direito como contrapartida da venda (negociada antes de ter sido declarada insolvente) dos imóveis identificados no ponto 5 dos factos provados, a pagar mediante o cheque com o número 2…, datado de 23.03.2009, emitido sobre o Banco … à ordem daquela sociedade, alegando que a referida quantia foi subtraída ilicitamente do património da J…, Lda. pelos réus, que a utilizaram em proveito próprio.

Encontra-se assente (por acordo) que o 3.º R., numa altura em que era sócio gerente da J…, Lda., endossou o mencionado cheque, que veio, dessa forma, a ser depositado numa conta titulada pelos dois primeiros réus, ou seja, praticou um acto que diminuiu o património daquela sociedade e, como tal, prejudicial em relação à massa insolvente, porque lesivo dos interesses dos credores. A peticionada reintegração no património da massa insolvente da quantia titulada por esse cheque pressupõe que sejam dados sem efeito os aludidos actos de endosso e depósito. Daqui se extrai que, pese embora a A. fundamente a sua pretensão naquilo que apelida de “comportamento ilícito gerador de responsabilidade civil por parte dos réus”, o que está verdadeiramente em causa nesta acção é a neutralização dos efeitos de um acto prejudicial para a massa insolvente (o dito endosso, que viabilizou o posterior depósito), a fim de se reintegrar no seu património a quantia de €200.000,00 (e respectivos juros de mora). Questão diversa é a da resolução (impugnação) do negócio de compra e venda mencionado em 5, objecto da acção de impugnação pauliana a que corresponde o apenso E, não se podendo afirmar que o facto de se adoptar o entendimento acima expendido determina a verificação da excepção de caso julgado, porquanto, como é fácil de ver, não existe identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir entre a referida acção de impugnação pauliana e a presente. Sublinhe-se que a resolução do negócio de compra e venda a que a A. alude teria precisamente o efeito contrário ao pretendido nesta acção, dado que implicaria a perda do direito ao recebimento do respectivo preço.

Para se obter o resultado visado pela autora, entendido nos moldes supra descritos, prevê a lei, como se viu, um procedimento específico, qual seja a resolução em benefício da massa insolvente, que está sujeita, como se deu conta, a determinados requisitos, formalidades e limites temporais.

Ora, uma vez que entre a data da declaração de insolvência da sociedade J…, Lda. (08.02.2010) e a da instauração da presente acção (04.06.2012) já decorreram mais de dois anos, verifica-se a invocada caducidade. Admitir, neste momento, o exercício do direito que a autora pretende fazer valer equivaleria a contornar os prazos previstos no citado artigo 123.º, n.º 1, do CIRE.
[…]”.
[6] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[7] Aqui se transcrevem as disposições susceptíveis de apresentar interesse, destacando-se o nº 1 do artigo 123º no qual a decisão apelada se fundou:


CAPÍTULO V

Resolução em benefício da massa insolvente

Artigo 120º

Princípios gerais


1 – Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

2 – Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

3 – Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

4 – Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

5 – Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência.

6 – São insusceptíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização regulado no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adopção de medidas de resolução previstas no título viii do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei no 298/92, de 31 de Dezembro, ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.


Artigo 121º

Resolução incondicional


1 – São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:

a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;

b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;

c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;

d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;

e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;


Artigo 123º

Forma de resolução e prescrição do direito


1 – A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

2 – Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção.
[8] A qualificação como caducidade e não como prescrição, não obstante a epígrafe do artigo 123º falar em prescrição, corresponde a um entendimento doutrinário (v. Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, 2009, p. 438, cfr. a anotação 3 ao artigo 123º; em sentido contrário – o de que a qualificação como prescrição teria todo o sentido – v. Fernando de Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Coimbra, 2008, pp. 161/163).
[9] Se se diz que tudo se resolveria com uma declaração ao endossante e aos endossatários (artigo 123º, nº 1 do CIRE) está-se a pressupor a desnecessidade, à partida, da Massa Insolvente recorrer à tutela judiciária, envolvendo isto um argumento que actua paredes-meias com a falta de interesse em agir, se é que não corresponde mesmo a uma afirmação prática de falta de interesse em agir (v. a nota 13, infra).
[10] Proferido no processo 113/09.3TBSBG.C2.S1, disponível na base do ITIJ, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ca9923d334002b1880257b050051be77.

[11] A asserção contrária implicitamente afirmada pelo Tribunal a quo não é acompanhada da indicação de um argumento jurídico relevante, de um fundamento legal, quanto a essa “obrigatoriedade” de utilizar a “resolução” quando se pode – quando ainda se pode – utilizar a tutela indemnizatória. A construção da primeira instância só teria sentido assente esse pressuposto. Com efeito, não basta dizer (e não serve dizer) que “[a]dmitir, neste momento, o exercício do direito que a autora pretende fazer valer equivaleria a contornar os prazos previstos no citado artigo 123.º, n.º 1, do CIRE” (decisão recorrida a fls. 82), quando não se demonstra que a situação para a qual se estabeleceu esse prazo (a resolução em benefício da massa insolvente), exclua a tutela indemnizatória geral, mesmo quando algum meio de concretização do dano em causa nessa tutela pudesse desencadear, paralelamente, o mecanismo de resolução em benefício da massa.
[12] No sentido da admissão do interesse em agir como pressuposto processual, v. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 79/83; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pp. 179/189; Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, pp. 97/117; José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra, 1996, p. 27, nota17; José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, Coimbra, 2001, pp. 310/311. A rejeição do interesse em agir como pressuposto processual, corresponde à posição de João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol., ed. policopiada, Lisboa, 1978/79.
[13] Embora tenha existido um acto prejudicial à Massa, no sentido em que toda a apropriação indevida (ilícita) de dinheiro da sociedade por terceiros configura um acto prejudicial a essa Massa (à sociedade e, por via da diminuição do património desta, à massa insolvente desta).
[14] Que, como adiante concretizaremos, traduz uma situação de concurso subjectivamente distinto entre duas responsabilidades: é de natureza contratual no caso do 3º RR. e é de natureza extra-contratual no caso dos dois primeiros RR.
[15] “O endosso é a forma típica de transmissão dos títulos de crédito à ordem (cfr. artigo 483º do Código Comercial), constituindo o meio adequado de circulação do cheque […].
O endosso é uma declaração unilateral feita, normalmente, no verso ou nas costas do título, embora não tenha de o ser necessariamente […].
O endosso típico, que se designa por endosso translativo, é o modo pelo qual o endossante (titular do direito incorporado no título) transmite ao endossatário […] o cheque, proporcionando o ingresso na esfera jurídica deste de todas as situações activas que caracterizam a sua posição. E nesta medida, ele constitui uma ordem de pagamento da totalidade da quantia inscrita no título; portanto, tal como o saque, o endosso constitui também uma ordem de pagamento; ordem de pagamento essa que é dada para que a quantia inscrita seja paga ao endossatário ou à sua ordem. E, naturalmente, o endosso constitui ainda uma outra garantia, que é a promessa de que se o sacado não proceder ao pagamento do cheque no momento do vencimento, e se nenhum dos demais co-obrigados o fizer em vias de regresso, o endossante vai naturalmente responder perante aquele destinatário da sua declaração de transmissão, portanto perante o endossatário. Ou seja, em via de regresso o endossante irá assumir a responsabilidade pelo pagamento da quantia titulada pelo cheque.
[…] (Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, Coimbra, 2009, pp. 122/123).
[16] Mesmo que entendêssemos que a “resolução” do endosso constituía um meio de obter a reintegração do valor desviado da sociedade por via desse endosso, seria necessário demonstrar que esse meio era o único possível, estando excluído o recurso à acção visando a responsabilidade civil e que o decurso do prazo da resolução em benefício da massa precludia a acção de indemnização.
[17] Uma das dimensões desta colocação em plano de igualdade dos credores traduz-se numa projecção retroactiva limitada da protecção ao património do insolvente, através dos mecanismos da resolução previstos nos artigos 120º e 121º do CIRE.
[18] V. quanto à caracterização desta específica responsabilização dos gerentes, “pelos danos [à sociedade] causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais […]” (artigo 72º, nº 1 do CSC), como responsabilidade obrigacional, António Menezes Cordeiro (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, 2009, pp. 266/267.
[19] Quanto à possibilidade de tutela aquiliana de direitos de crédito violados por terceiros (por agentes exteriores ao círculo protectivo básico representado pelo devedor e pelo credor), v. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo I, Coimbra, 2009, pp. 403/404.