Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | RECURSO ALEGAÇÕES CONCLUSÕES ÓNUS | ||
Data do Acordão: | 05/31/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | MARINHA GRANDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.684 Nº3 E 685-A CPC | ||
Sumário: | 1. Nas alegações de recurso, o recorrente tem o ónus de concluir, sendo as conclusões a síntese dos fundamentos aduzidos no corpo das alegações, as quais definem o objecto do recurso. 2. Se determinada matéria não foi impugnada e tratada no corpo das alegações, não pode ser contemplada nas conclusões, nem estas podem alargar-se a fundamentos não aduzidos. 3. Por isso, quando nem no corpo das alegações nem nas conclusões o recorrente invoca um único fundamento para pôr em causa a decisão recorrida, limitando-se a dizer que a excepção apreciada não procede, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, não existem questões que tenham que ser conhecidas no tribunal de recurso. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
A Herança aberta por óbito de A (…) e de E (…) representada pelo cabeça-de-casal (…), intentou a presente acção contra D (…) e H (…), pedindo que i) se ordene a nulidade do contrato de compra e venda celebrado por escritura de compra e venda realizada a favor dos réus, por simulação nos termos dos artigos 240º e 286º do Código Civil e, ii), em consequência, os réus sejam condenados no pagamento da indemnização no valor de 70.687,84€ ao cabeça-de-casal. Alega para tanto que (faz-se um resumo, mas as frases e as formas verbais são da autora) o cabeça de casal é filho de A (…) e de E (…), falecidos em 1988 e 2008, respectivamente, que casaram um com o outro em Julho de 1973, sob o regime da separação de bens. Em Setembro de 1973, os pais compraram, por escritura pública, um prédio rústico (artigo 2369) e começaram a construir uma moradia numa parcela desse mesmo prédio a que corresponde actualmente o artigo urbano 8867, destinada à casa de morada da família (de pais e filhos). Por virtude disso, o prédio rústico modificou-se quanto à composição, passando a coexistir dois prédios: o rústico 2369 e o urbano 8867. Depois diz que a mãe do cabeça-de-casal contribuiu para custear a compra do prédio rústico; pagou o sinal e princípio de pagamento no valor de 500$ à vendedora; também pagou 350.000$ para a construção do prédio urbano; a mãe sempre viveu no prédio, na convicção de que este lhe pertencia e sendo assim conhecida no lugar. Mais tarde, a mãe reconstruiu num barracão um anexo composto de cozinha, despensa e um quarto, destinado à habitação do cabeça-de-casal; e era ela que amanhava o quintal, utilizava a água do poço e também recolhia os frutos e tratava de animais domésticos destinados à subsistência da família; e foi ela que pagou a construção do barracão, anexos, pátios e garagem; e uma casa para guardar alfaias agrícolas, uma casa do forno, uma casa de banho, os currais, as capoeiras e o poço; o valor das obras sobrevalorizou o prédio em benfeitorias que se avaliam em 35.000€. Mais à frente, referindo-se aos pais, irmão e cabeça-de-casal, diz que eram reconhecidos pelos vizinhos como donos e possuidores do prédio. Em Dezembro de 1999 o cabeça de casal não pôde entrar em casa, porque o seu pai mudou as fechaduras das portas e portões do prédio, o que lhe causou danos. Actualmente, diz, o prédio apresenta-se como prédio misto, composto do rústico e do urbano, descrito sob o n.º 12942 na Conservatória e aí inscrito a favor dos réus, por o terem comprado, em 06/10/2000, por escritura pública, ao pai do cabeça-de-casal, pai que lá continuou a viver. Este, na ausência do cabeça-de-casal, terá vendido aos réus o prédio pelo preço declarado de 10.000 contos, conforme se encontra na escritura, mas os réus apenas terão pago o preço de 8.000 contos; acrescenta que desconhece se o vendedor terá recebido o preço, embora logo a seguir diga que o preço declarado na escritura é superior ao recebido; por outro lado, o prédio foi subavaliado: o seu valor de mercado seria de 250.000€; conclui: trata-se assim de uma venda simulada, sendo nula (arts 240º/1 e 286º do CC); diz também que a descrição do prédio misto constante da escritura não corresponde à realidade e que na composição do prédio foram ignoradas as benfeitorias realizadas (falando na sequência num barracão para arrumos e numa alpendrada destinada a arrecadação de alfaias agrícolas e num anexo composto de cozinha, despensa e um quarto, destinado à habitação). Diz que os réus, de má-fé, com o propósito de privar o cabeça-de-casal do direito de propriedade adquirido (mais à frente diz: a advir) por via sucessória e do uso e habitação do mesmo, declararam comprar o prédio em conluio com o pai; acrescenta que as benfeitorias realizadas no urbano 8867 pertencem ao património do casal; e que o contrato de compra e venda é nulo, porque ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que possui. Por fim, diz que o contrato causou elevados prejuízos patrimoniais e morais ao cabeça-de-casal: ficou privado da sua casa de morada da família e sofreu danos relacionados do modo como passou a viver e com o facto de ter ficado privado da sua quota-parte da propriedade sobre o prédio, que poderia adquirir por via da sucessão hereditária, assim como o direito de crédito sobre as benfeitorias realizadas no prédio. Desde a data em que saiu do Estabelecimento Prisional (2006) até 2010 pagou 687,84€ de renda. Decorreram 10 anos de privação do uso e habitação em que o cabeça-de-casal sofreu muito; estimando-se danos morais de 70.000€. Os réus contestaram, impugnando os factos – o prédio rústico foi comprado só pelo pai do cabeça-de-casal (como decorre da própria escritura de compra e venda invocada pela autora, o que demonstraria a litigância de má fé do cabeça-de-casal), a moradia foi custeada apenas pelo pai e a mãe não fez quaisquer benfeitorias; a moradia não foi construída para ser a habitação do cabeça-de-casal que nunca lá viveu depois de abandonar os pais: era na rua que vivia; os réus compraram (pelo preço declarado) a casa (que não valia mais do que o valor declarado) para ajudar o pai do cabeça-de-casal que estava a ser ameaçado por este para que lhe desse dinheiro e entregaram 1/5 do preço ao agora cabeça-de-casal (o qual até assinou uma declaração a dizer que a assinava na condição de um dia, por morte do pai, lhe ser dado o direito de poder comprar pelo mesmo preço da actual venda, acrescido das legais actualizações e interesses, os prédios por ele vendidos) e o resto ao pai e ao irmão – e invocando a excepção dilatória de caso julgado (porque no inventário o agora cabeça-de-casal se ter conformado com a não inclusão do prédio na relação de bens da mãe) e pediram a condenação do cabeça-de-casal como litigante de má fé. A autora respondeu à excepção, defendendo a sua improcedência. Depois disso foi proferido saneador sentença decidindo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 193º/1 e 2c), 202º, 288º/1, alíneas b) d) e e), 493º/2, 494º, alíneas b) e) e i), 495º, 497º e 498º, todos do Código de Processo Civil, declarar inepta a petição inicial e consequentemente anular todo o processado, bem como declarar verificada a existência da excepção dilatória de ilegitimidade processual activa e de caso julgado material e em consequência absolver os réus instância, condenando a autora nas custas, sem prejuízo do concedido apoio judiciário. A autora interpôs recurso do saneador sentença, para que seja revogado e ordenado o prosseguimento dos autos. Nas alegações do recurso, a autora dedica 139 números à transcrição integral da petição inicial – inclusive cabeçalho - e da contestação e depois dedica 4 nºs à “crítica” da decisão recorrida [sob epígrafe: do Direito], com o seguinte teor (que se transcrevem ipsis verbis): E depois apresenta outros 25 nºs com supostas conclusões em que põe em causa a decisão das excepções da ilegitimidade, ineptidão da petição inicial e caso julgado. Os réus contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso e levantando a questão da litigância de má fé do cabeça-de-casal, nos seguintes termos: * Questões que importa apreciar: O art. 660/1 do CPC impõe uma certa ordem – lógica - no conhecimento das excepções dilatórias, sendo a primeira [arts. 288/1b) do CPC] que, no caso, importa considerar, a da ineptidão da petição inicial. No caso, o saneador sentença considerou verificada a ineptidão da petição inicial prevista na al. c) do nº. 2 do art. 193 do CPC, ou seja, por cumulação de causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis e bem assim ilegais. Contra a decisão, nesta parte da ineptidão, vê-se, da transcrição feita acima, que a autora não tem um único parágrafo do corpo das suas alegações a dizer porque é que ela estaria errada. Não havendo fundamentos quanto à questão da ineptidão da petição inicial, não pode haver conclusões, já que estas são uma síntese de fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão (art. 685º-A/1 do CPC). Como se diz no ac. do STJ de 05/07/2001 (01A1864 da base de dados do ITIJ como os subsequentes excepto quando for dito o contrário) citado por João Aveiro Pereira, no seu estudo sobre O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, publicado sob www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf: Ou, como diz o autor acabado de citar: Este autor ainda remete para o ac. do STJ de 21/11/2006 (06A2770), acórdão que lembra: Como diz Alberto dos Reis, obra citada, pág. 357, embora a outro propósito: Não havendo conclusões em sentido próprio (como resumo de fundamentos… que não foram aduzidos), não há objecto do recurso quanto à decisão da ineptidão da petição inicial, já que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (art. 684º/3 do CPC). * Apesar de não ter apresentado nenhum corpo de alegações contra a decisão de ineptidão, isto é, fundamentos, a recorrente apresentou um conjunto de parágrafos numerados que intitulou de conclusões. Ora, para além de, pelas razões vistas acima, estas “conclusões” não poderem ser tidas em conta, a verdade é que elas próprias não contém nada de útil: não contém sequer um começo de fundamentos contra a decisão da ineptidão da petição inicial. Limitam-se a dizer que a excepção devia improceder, sem dizerem porquê. Veja-se: Nas suas “conclusões”, a autora trata do assunto assim (relevam-se todas as “conclusões” que, por algum modo, se poderiam considerar terem algo a ver com a questão da excepção da ineptidão): Ora, como diz João Aveiro Pereira, estudo citado: No mesmo sentido, vejam-se os autores citados neste estudo: “As conclusões são «proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e con-siderou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, obra citada, p. 359); as conclusões con-sistem “na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso” (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. 3, Lisboa, 1972, p. 299); “Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação re-sumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão” (Fernando Amâncio Ferreira, op. cit., p. 167).” Ainda recorrendo ao estudo de João Aveiro Pereira, “de harmonia com o acórdão do STJ de 19/02/2008 (08A194 da base de dados do ITIJ) as conclusões não podem limitar-se a uma singela: O Prof. Alberto dos Reis (obra citada, pág. 360) lembra o caso do ac. do STJ de 10/12/1943 que decidiu: E comenta: Ora, no caso dos autos pouco mais temos do que aquilo e o que existe a mais não tem nada a ver com fundamentos (já que se trata apenas de descrições do que se fez). Assim, por falta de conclusões em sentido próprio – falta que não pode ser suprida porque das alegações (do corpo das alegações) também não constam fundamentos de discordância contra o decidido (pelo que qualquer convite não levaria ao aperfeiçoamento do recurso, mas à introdução, fora do prazo, de fundamentos que não constavam do recurso – como se diz no ac. do STJ de 09/12/1999, 99A771 da base de dados do ITIJ; A coberto do aperfeiçoamento não é lícito ao recorrente apresentar novas alegações ou o aditamento de novas razões de fundo”) não há qualquer questão a conhecer quanto à decisão de ineptidão da petição inicial. Dito tudo isto de outro modo: neste recurso a autora limita-se a dizer que a decisão está errada sem dizer porquê, como se entendesse que bastava requerer ao tribunal de recurso a reapreciação da questão que se punha ao tribunal da 1ª instância. O tribunal de recurso reanalisaria as questões que estão em causa no despacho saneador (art. 510 do CPC) e se chegasse a conclusão diferente da 1ª instância, substituiria a decisão deste, pela sua decisão. Mas as coisas não são assim. Um recurso não se destina, sem mais, a levar os juízes da relação a proferir uma nova decisão quanto às questões com a solução das quais o recorrente não concorda. O recurso tem, antes de mais nada, que demonstrar que a decisão recorrida está errada. Como diz um antigo ac. do TRC, de 02/12/1992, sumariado no BMJ 422-441, citado por João Aveiro Pereira: Tudo isto porque, como diz Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81: Ou, como dizia Castro Mendes, Recursos, AAFDL, Lisboa, 1980, pp. 24-25: Ou seja, parafraseando Castro Mendes, se a sentença considerou A credor e B devedor, no recurso não se vai decidir de novo “(em condições de maior segurança em virtude do órgão agora judicante)” se A é credor e B devedor, vai-se, sim, decidir se a decisão anterior é justa ou injusta. Apenas depois de se considerar, eventualmente, que a decisão da 1ª instância está errada, é que o tribunal de recurso se substitui ao tribunal recorrido e vai decidir de novo a questão sobre que incidiu a decisão recorrida. Assim, só depois da demonstração do erro da decisão é que se vai proferir outra decisão sobre a questão inicial. Como a recorrente não aduz um único fundamento de ataque da decisão recorrida, porque não diz, minimamente que seja, por que é que a decisão recorrida está errada e deve ser revogada, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos, não há objecto do recurso, nem questões a resolver e por isso o recurso deve ser julgado improcedente. Como os outros fundamentos da absolvição da instância são logicamente posteriores ao da ineptidão, não tem interesse saber se há ilegitimidade activa ou caso julgado (pois que se tem de manter a decisão de ineptidão da petição inicial, o que implica a anulação de todo o processado e a absolvição da instância). * Quanto à questão da litigância de má-fé: Os réus põem a decisão do incidente na dependência de uma dada condição – “se o que se pretende é obrigar os recorridos a fazer despesas é pouco e deve ter consequências, considerando-se litigância de má fé, conforme o art. 456º do CPC, fazendo funcionar o art. 459º do mesmo código.”… Como não há prova de que seja isso o que a autora pretende, considera-se que nem sequer há que apreciar a questão da má fé da autora. * Sumário: quando nem no corpo das alegações nem nas conclusões o recorrente invoca um único fundamento para pôr em causa a decisão recorrida, limitando-se a dizer que a excepção apreciada não procede, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, não existem questões que tenham que ser conhecidas no tribunal de recurso. * Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, por falta de fundamentos pelos quais a decisão devesse ser alterada. Custas do recurso pela recorrente, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.
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