Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/09.8PAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE VEÍCULO COM MOTOR
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 69º,71º E 292º DO CP
Sumário: 1.Não satisfaz as exigências mínimas de prevenção geral nem se mostra adequada à culpa concreta, a pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada a agente que, pese embora ter confessado e estar inserido familiar e profissionalmente, conduz na via pública veículo automóvel com uma taxa de álcool 3,84g/l, não obstante saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais,
2.A confissão tem muito reduzido valor atenuativo quando o condenado é detido flagrante delito.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

            Em processo sumário do 2ª Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, o arguido F, foi submetido a julgamento, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,50.

            Foi ainda o arguido condenado na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, nos termos do artº 69º nº 1 a) CP.

            Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:

            “ A- A sanção de inibição de conduzir deve, in casu, ser fixada em período não inferior a 11 meses;

            B- Foram violadas as normas do artº 69º e 71º, ambos do Código Penal;

            C- Com efeito a aplicação do artº 69º do CP tem de se articular com o disposto no artº 71º do CP;

            D- E em obediência ao disposto no artº 71º do CP a medida da sanção acessória tem de se fundamentar devidamente na culpa, nas exigências de prevenção e no grau de ilicitude e na intensidade do dolo.”.

            Respondeu o arguido, pugnando pela manutenção da douta sentença.

            Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer é do entendimento que o recurso deve merecer provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

            É a seguinte a matéria de facto dada como provada:

            “ 1. No dia 4 de … de 2009, pelas 01 h20m, na Rua de Olivença, em Alcobaça, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro mistos, com a matrícula NC-… fazendo-o com uma TAS de 3,84 g/l.

            2. Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, o que sabia, e, não obstante, quis conduzir, como conduziu, o referido veículo.

            3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, no exercício da condução automóvel de veículo na via pública, não obstante saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais.

            4. O arguido sabia ainda que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.

            5. No exercício da actividade profissional o arguido aufere, em média, cerca de 500,00 € mensais.

            6. Sua esposa é doméstica

            7. Como encargos mensais fixos suporta a renda de casa no valor de 125,00 € mensais.

            8. O arguido, como habilitações literárias, tem o 4.° ano de escolaridade.

            9. O arguido confessou os factos constantes da acusação de forma livre, integral e sem reservas.

            10. Revelou atitude contrita.

            11. Do seu certificado de registo criminal nada consta.”


*

            As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.

            Assim a divergência do Ministério Público assenta apenas na medida da pena acessória de inibição de conduzir.

            Passemos pois à sua análise.

            Entende o recorrente que tal pena deve ser elevada para não menos de 11 meses, face à elevada TAS com que o condutor conduzia.

            Vejamos.

            Estabelece o artº 69º nº 1 a) do Código Penal que é    condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto no artº 292º .

            Ora o arguido ao conduzir veículo automóvel com uma taxa de 3,84 g/l, incorreu  na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pois que o artº 292º CP criminaliza como tal a  condução de veículo com  taxa igual ou superior a 1,2 g/l.

            Daí que ao arguido, para além da pena prevista no artº 292º CP, se aplique ainda a pena acessória prevista no citado artº 69º nº 1 a) do mesmo diploma.

            O Tribunal entendeu fixá-la em quatro meses.

            Como é sabido para  graduar quer a pena principal quer a pena acessória deve atender-se à  culpa, às exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (artº 71º do CP).

            A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar  que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool.

            Como se refere no Manual de Alcoologia para o Clínico Geral[1] “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobreestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos,... são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais.

            Portanto o álcool desempenha um papel não somente como factor de risco de acidente, mas também na gravidade do mesmo.

            De acordo com o fenómeno da multiplicação de RISCO, de Freudenberg, verifica-se que este não cresce proporcionalmente com os valores da alcoolémia.

            Assim, em relação a um condutor abstinente, um outro com uma alcoolémia de 0,5 gramas/litro está sujeito ao dobro do risco, um segundo com a de 0,8 gramas/litro, ao quádruplo do risco do primeiro, e um terceiro com a de 1,5 gramas/litro passa a estar sujeito a um risco dezasseis vezes maior.”

            É que a taxa a que o arguido conduzia é exactamente aquela em que se considera estar sob o estado de embriaguez profunda, topor alcoólico de dupla visão e condução impossível.

            Como referem aqueles autores[2], a alcoolémia superior a 2 gramas por litro, caracteriza-se “ por alterações muito marcadas – a nível de pensamento, da atenção, da esfera sensorial, da sensibilidade, da coordenação motora e do equilíbrio”.

            Ora quem, como o arguido, se coloca voluntariamente numa situação destas, pondo em perigo não só a sua vida mas também a daqueles que com ele se cruzam na estrada, não só o desabona em termos de personalidade como torna ainda mais censurável a sua conduta, pois revela o desrespeito que lhe merecem todos aqueles que circulam ou andam na via pública.

            Por outro lado há que ter igualmente em conta que o legislador, consciente do contributo que a condução sob o efeito do álcool constitui para a alta sinistralidade rodoviária, classificou a condução sob esse efeito, e acima de taxa de 1,2 g/l, como conduta que viola de forma muito grave e perigosa as regras de trânsito rodoviário ( Cfr. artº 146º j) do Código da Estrada).

            Assim sendo e tendo em consideração as fortíssimas exigências de prevenção geral – frequência com que as infracções relacionadas com a condução sob o efeito do álcool são praticadas e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária com milhares de vítimas e elevados danos patrimoniais - , o grau de ilicitude do facto, que assume muita gravidade ( o arguido apresentava uma taxa, 3,84 g/l, que excedia o mínimo previsto no artº 292º CP – 1,2 g/l, em 2,64  g/l!);

            Que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir tal veículo na via pública sob a influência de álcool, e de que tal conduta lhe estava vedada por lei;

            Que em seu favor temos fundamentalmente, a circunstância de estar inserido familiar e profissionalmente, já que a confissão prestada é de reduzidíssimo valor, pois que foi detido em flagrante delito (Como refere o Prof. Eduardo Correia[3] “ não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e duma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios”).

            Assim tendo em consideração tais circunstâncias e a taxa de alcoolémia de que era portador, entende-se mais justo e equilibrado aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de dez meses

            Por essa razão conclui-se pela procedência do recurso.

DECISÃO
Face ao exposto acordam os Juízes desta Relação em alterar a decisão recorrida, fixando agora a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, em dez meses.
Honorários legais à ilustre defensora oficiosa.
Sem tributação.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
            Coimbra, 18 de Maio de 2010.


[1] De Maria Lucília Mercês de Mello, Augusto Pinheiro Pinto, Maria Henriqueta Frazão e José P Pereira da Rocha, pág. 70 e ss.
[2] Obra citada, pág. 48
[3] Lições de Direito Criminal, Vol. 2, pág. 387.