Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2072/08.0PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO
REVOGAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 55.º E 56.º CP E 495.º, N.ºS 1 E 2 CPP
Sumário: 1.- Antes da revogação da suspensão da pena por incumprimento das condições impostas ao arguido, deve este ser ouvido na presença do técnico de serviço social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, como é imposto pelo art.495.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, com referência aos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.

2.- A inobservância de tal princípio de audiência do arguido sobre o incumprimento do Plano de Reinserção Social, constitui nulidade insanável, nos termos do art.119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

Por despacho de 23 de Janeiro de 2013, proferido pela Ex.ma Juíza da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo de Média Instância Criminal - Juiz 1, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena de 26 meses de prisão em que o arguido A... fora condenado por sentença de 19/07/2010 e determinar o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis.

           Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.º O arguido, ora recorrente, ao faltar ao acompanhamento da DGRS não agiu com culpa e só a culpa conduz à revogação da suspensão.

2.º O arguido, ora recorrente, é um doente de foro psiquiátrico. Não carece de ser preso. Carece de tratamento médico.

3.º O arguido, ora recorrente, não pode ser preso, deve ser sujeito a internamento/tratamento compulsivo.

4.º O tempo de internamento deve ser medicamente fixado e não corresponder, sem mais, ao tempo de pena imposto.

5.º A douta decisão de que recorre violou a letra e o espírito dos artigos 56.º e 104.º do Código Penal e o artigo 12.º da Lei da Saúde Mental.

6.º Deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine o tratamento compulsivo do arguido, ora recorrente, se necessário mediante internamento nos termos do artigo 12.º da Lei da Saúde Mental, assim se fazendo Justiça.

O Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o despacho recorrido é nulo por falta de audição prévia do arguido ou, se assim se não entender, deverá ser revogado, por ilegal, e, em consequência, deverá o Tribunal a quo apreciar se, no caso, se verificam, ou não, os pressupostos da extinção da pena, nos termos do art.57.º, n.º 1, do Código Penal.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« O arguido A... foi condenado, por sentença de 19/07/2010, transitada em julgado a 26 meses de prisão suspensa com a condição de o arguido se sujeitar ao plano de reinserção social a elaborar pelo IRS.

Elaborado o plano de reinserção social, o arguido cumpriu-o durante dois ou três meses, deixando depois de comparecer às convocatórias da DGRS.

Não lhe é conhecida a prática de outros factos ilícitos para além dos apreciados nestes autos – informação da DGRS de fls. 285

Conforme resulta dos diversos relatórios juntos aos autos e dos testemunhos de vizinhos e agentes policiais o arguido “aparentemente padece de uma doença do foro mental, que identificam como esquizofrenia. Não estabelece qualquer contacto com outras pessoas para além da progenitora, com quem reside, sendo que nunca sai de casa.

Os vizinhos contactados manifestam receios face ao arguido, considerando-o perigoso e imprevisível ao nível dos seus comportamentos.

(…).

O agente da PSP contactado confirma as informações fornecidas pelos vizinhos do arguido, no que diz respeito ao seu comportamento, considerando existir perigo eminente quer para o próprio quer para terceiros” – cf. fls, 243 e 244 dos autos.

“ A... mantêm-se a residir com a progenitora (…), em situação de total ausência de condições sanitárias para habitabilidade, no seio de um ambiente familiar marcadamente disfuncional e desestruturado (…) numa situação qualificada pela vizinhança como de manifesta falta de salubridade e higiene”, embora residiam num condomínio organizado inserido no centro da cidade e não conotado com qualquer problemática do foro social. – cf. fls. 271 dos autos “ A... mantém inalteradas as suas condições habitacionais, modos de vida e forma de relacionamento social, mantendo uma forma de vida e existência, caracterizável como de total isolacionismo e afastamento do mundo e espaço social.

O agregado familiar do condenado, mantém-se a residir numa situação qualificável como de emergência social, habitando sem quaisquer condições de salubridade, higiene e limpeza (…).

No meio sócio-residencial, A... não é praticamente visto pela vizinhança, mantendo no meio uma imagem desfavorável da sua pessoa, onde é percepcionado como um indivíduo instável e destabilizado do ponto de vista psicológico, a quem são atribuídos comportamentos imprevisíveis, que terão origem eventualmente e segundo o meio, em doença do foro psiquiátrico.

Mantém um estilo e modo de vida totalmente isolado do ponto de vista social, só saindo de casa para se fazer apresentar mensalmente nestes Serviços e para perfazer à satisfação de necessidades pontuais, segundo o que refere” – fls. 284 dos autos.

“Durante o mês de Maio do corrente ano A... deixou de comparecer às entrevistas de acompanhamento. (…). Desde o início do seu acompanhamento (…) foram perceptíveis na sua pessoa influência de possíveis factores de instabilidade e fragilidade pessoal, consubstanciados essencialmente num comportamento de alguma imprevisibilidade decorrente de uma situação de saúde do foro possivelmente psiquiátrico (…).

Sondado o meio, resultou a indicação de que tanto a progenitora, como em especial o condenado, têm como sempre, estado encerrados dentro do domicílio, onde residem praticamente isolados do mundo e da comunidade em geral, evidenciando segundo a impressão colhida, um comportamento enquadrável em problemática, possivelmente do foro psicológico/psiquiátrico.

Nesta conformidade, a situação ora em avaliação possivelmente poderá extravasar a esfera do domínio e a capacidade de intervenção do presente acompanhamento, vislumbrando-se neste âmbito a possibilidade da existência de algumas dificuldades do condenado em entender a amplitude e as implicações da sua situação jurídico-penal, ainda que estas possam ocorrer em fases momentâneas ou transitórias, evidenciando-se nesta linha também, como possível, a eventual ocorrência de uma recente alteração do referido quadro, com possíveis modificações no seu padrão de comportamento (fls. 291 e 292).

Do teor de todos estes relatórios resulta que o arguido tem incumprido de forma reiterada e sistemática o plano de reinserção social que lhe foi imposto pela DGRS.

Havendo indícios que esse incumprimento poderia estar relacionado com doença do foro psiquiátrico foi determinada a realização de exame psiquiátrico ao arguido.

Junto esse exame resulta que o arguido sofre de esquizofrenia paranóide, o que surge como “explicação para a agressividade dirigida à mãe e a forma inconsequente como refere esses comportamentos. A tónica paranóide encontra-se, igualmente, expressa em outros momentos, em particular na justificação para o abandono escolar e, mais recentemente, no abandono do seguimento pela DGRS.

O examinado não aparenta possuir qualquer crítica relativamente à sua conduta nos acontecimentos e factos descritos.

Conclui-se no relatório:

“o examinando, mercê do quadro clínico correspondente ao diagonóstico referido, encontra-se incapaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação, pelo que se conclui pela inimputabilidade do agente em relação aos factos descritos nos autos, nomeadamente a falta de comparência às entrevistas previstas no âmbito da DGRS e a conduta prévia à instauração do processo judicial.

A avaliação da perigosidade de examinando, em particular a probabilidade de repetição de crimes da mesma natureza, é função de vários factores, tais como a instituição e adesão a medidas terapêuticas, e a sua eficácia na organização do comportamento e estabilização dos sintomas. Na sua ausência, não se pode excluir a ocorrência de novos episódios de agressividade ou alteração do comportamento, em particular relativamente à mãe do examinando”.

Estabelece o art. 56º n.º 1 do CP que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

No caso é o que manifestamente aconteceu, pelo que se revoga a suspensão da pena de 26 meses de prisão em que o arguido foi condenado.

No entanto, não se pode olvidar o contexto de doença do foro psiquiátrico vivenciado pelo arguido.

Estabelece o art. 104º n.º 1 do CP que “quando o agente não for declarado inimputável e for condenado em prisão, mas se mostrar que, por virtude de anomalia psíquica de que sofria já ao tempo do crime, o regime dos estabelecimentos comuns lhe será prejudicial, ou que ele perturbará seriamente esse regime, o tribunal ordena o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena”.

Ora, parece que a situação do arguido se enquadra na previsão desta norma.

Assim, determino que o mesmo cumpra a pena em que foi condenado – 26 meses de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis.

Após trânsito:

- Solicite à DGRS que informe qual o estabelecimento em que o arguido deverá cumprir a pena a fim de serem passados os competentes mandados de condução.

- Atenta a situação social da mãe do arguido, conhecida nos autos, dê conhecimento à Segurança Social e à PSP do teor desta decisão a fim de se poder providenciar pelo apoio social à mesma.»

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as questões a decidir são as seguinte:

- se a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 56.º e 104.º do Código Penal ao revogar a suspensão da execução da pena e determinar o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis; e

- se violou ainda o art.12.º da Lei da Saúde Mental, ao não ordenar o tratamento compulsivo do arguido, se necessário mediante internamento compulsivo pelo tempo que for medicamente  considerado adequado.

Embora sejam estas as questões suscitadas no recurso, depara-se-nos uma questão prévia suscitada pelo Ex.mo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação, que é a da nulidade insanável resultante da falta de audição do arguido antes da revogação da suspensão da execução da pena.


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Por uma questão de prejudicialidade, vamos apreciar de imediato a questão da nulidade.

O Ministério Público, neste Tribunal da Relação, alega resultar dos autos que o arguido A..., antes da revogação da suspensão da execução da pena, não foi ouvido pelo Tribunal a quo na presença do técnico de serviço social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, como é imposto pelo art.495.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, com referência aos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.   

Essa audição prévia do condenado deve ser presencial ou possibilitar-se que seja presencial, sob pena de nulidade insanável nos termos do art.119.º, al. c), do Código de Processo Penal.

A resposta a esta questão impõe uma breve menção àquelas normas jurídicas e que aqui se mencionem algumas das vicissitudes que antecedem a prolação da decisão recorrida.  

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma de substituição da prisão, que pode assumir três modalidades:

- suspensão simples;

- suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres e de certas regras de conduta), e

 -suspensão acompanhada de regime de prova ( art.50.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal ).

Os deveres impostos ao arguido na suspensão de execução da pena de prisão podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver conhecimento (art. 51.º, n.º 3 do C.P.) e, dentro do mesmo espírito, pode o tribunal determinar a sujeição do arguido a tratamento médico ou a cura em instituição adequada ( art. 52.º, n.º 3 do C.P.).

Havendo imposição de condições na suspensão da execução da pena, impõe-se saber o que fazer em caso do seu incumprimento.

De acordo com o disposto no art.55.º do Código Penal, se o condenado, no decurso do período da suspensão, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção social, pode o Tribunal fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.

As sanções mencionadas neste art.55.º do Código Penal não são o único instrumento legal a aplicar ao incumprimento das condições impostas ao arguido na suspensão de execução da pena de prisão.

O art.56.º, n.º 1, do Código Penal estatui que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ( al.a) ; ou cometer crime pelo qual venha  a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas ( al.b).

No âmbito da execução da pena suspensa, o art.495.º do Código de Processo Penal, na actual redacção, que resulta da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estatui, designadamente o seguinte:

«1. Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto nos artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3, 55.º e 56.º do Código Penal.».

  2. O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.».

Quer por comparação com a redacção anterior do n.º 2 do art.495.º do C.P.P., quer com a redacção do n.º 2 do art.492.º, do C.P.P. ( relativa à modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas), resulta do art. 495.º, n.º2 do Código de Processo Penal , na redacção vigente, que a prolação do despacho não se basta com o respeito do direito ao  contraditório, ouvindo para o efeito o defensor do arguido sobre  a falta de cumprimento, pelo arguido dos deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto nos artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3, 55.º e 56.º do Código Penal, pois exige-se ainda o respeito do direito à presença do arguido.

O art.119.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, estatui que constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a sua comparência.  

A prolação de despacho conhecendo do alegado incumprimento de deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos ao arguido, apesar deste não ter comparecido à diligência designada nos termos e para os efeitos mencionados no art.495.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, determina a nulidade insanável da decisão proferida.[4]

No caso em apreciação, resulta dos autos, que o arguido A..., por sentença de 19/07/2010, transitada em julgado, foi condenado a 26 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com a condição de se sujeitar ao plano de reinserção social a elaborar pelo IRS.

A DGRS, por requerimento de 19 de Novembro de 2010, comunicou ao Tribunal a quo a falta de colaboração do arguido A... para elaboração do Plano de Reinserção Social, uma vez que o mesmo aparentemente padecerá de doença do foro mental, não estabelecendo qualquer contacto com outras pessoas para além da progenitora, com quem reside.

Na sequência desta comunicação, foi designada data para audição do arguido, na presença do técnico de reinserção social responsável pelo acompanhamento da medida, nos termos e para os efeitos dos artigos 56.º, n.º1, al. a) do Código Penal e 495.º, n.º2, do Código de Processo Penal, a qual se veio a realizar em 4 de Fevereiro de 2011, com a presença das pessoas convocadas, consignando-se na respectiva acta que «O arguido foi alertado para a necessidade de cumprimento das injunções que a DGRS lhe determinar, sendo também confrontado com as consequências do não acatamento. O arguido perante a possibilidade de acompanhar o técnico da DGRS a fim de dar início à elaboração do plano, de imediato se predispôs a fazê-lo.».

Elaborado o Relatório Social no âmbito da suspensão da execução da pena, em que se estabeleceram regras de conduta, obrigações e programas formativos, e obtida a anuência do arguido “ pese embora, com aparentes reservas”, foi o mesmo homologado pelo Tribunal, em despacho de 4 de Março de 2011.

A DGRS, no Relatório de acompanhamento de 26 de Abril de 2011, comunicou ao Tribunal a falta de adesão do arguido a algumas obrigações, nomeadamente à submissão a consultas e a eventuais tratamentos de questões do foro psicológico.

Em novo Relatório de acompanhamento de 1 de Junho de 2011, a DGRS comunica ao Tribunal, designadamente, que durante o mês de Maio o arguido deixou de comparecer às entrevistas de acompanhamento, mantendo-se encerrado no domicílio, incontactável e que se vislumbra a possibilidade da existência de algumas dificuldades do condenado em entender a amplitude e as implicações da sua situação jurídico-penal, pelo que o seu comportamento poderá ser enquadrável em problemática do foro psicológico/psiquiátrico.

Tendo sido determinado exame psiquiátrico ao arguido, foi junto relatório em que se consigna que o arguido A... sofre de esquizofrenia paranóide. Esta surge como “explicação para a agressividade dirigida à mãe e a forma inconsequente como refere esses comportamentos. A tónica paranóide encontra-se, igualmente, expressa em outros momentos, em particular na justificação para o abandono escolar e, mais recentemente, no abandono do seguimento pela DGRS. O examinado não aparenta possuir qualquer crítica relativamente à sua conduta nos acontecimentos e factos descritos.

Em conclusão: “o examinando, mercê do quadro clínico correspondente ao diagonóstico referido, encontra-se incapaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação, pelo que se conclui pela inimputabilidade do agente em relação aos factos descritos nos autos, nomeadamente a falta de comparência às entrevistas previstas no âmbito da DGRS e a conduta prévia à instauração do processo judicial.

A avaliação da perigosidade de examinando, em particular a probabilidade de repetição de crimes da mesma natureza, é função de vários factores, tais como a instituição e adesão a medidas terapêuticas, e a sua eficácia na organização do comportamento e estabilização dos sintomas. Na sua ausência, não se pode excluir a ocorrência de novos episódios de agressividade ou alteração do comportamento, em particular relativamente à mãe do examinando.”.

Notificado o arguido, pessoalmente (em 2 de Setembro de 2011) e através do seu Ex.mo Defensor, para esclarecer os motivos pelos quais não tem colaborado com a equipa da DGRS, nada disse.

A coordenadora da DGRS, da Equipa do Baixo Vouga, comunicou, em 29 de Novembro de 2011, designadamente, que o arguido não retomou o contacto com os serviços, encontrando-se sem acompanhamento efectivo.

Considerando o ora exposto, o Tribunal da Relação não pode deixar de considerar pertinente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público neste tribunal de recurso.

Elaborado, e homologado por despacho de 4 de Março de 2011, o Plano de Reinserção Social, este deixou de ser cumprido praticamente desde o seu início pelo arguido A....

O arguido A..., que dera a sua anuência ao Plano de Reinserção Social já “com aparentes reservas”, não foi ouvido, antes da revogação da suspensão da execução da pena, pelo Tribunal a quo na presença do técnico de serviço social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, como é imposto pelo art.495.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, com referência aos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.   

A inobservância do princípio de audiência do arguido A..., na presença do técnico de serviço social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, sobre o incumprimento do Plano de Reinserção Social, constitui nulidade insanável, nos termos do art.119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

Declarado nulo o despacho recorrido, datado de 23 de Janeiro de 2013, deve determinar-se que, ouvido o condenado nos termos do art.495.º, n.º2 do C.P.P., e realizadas as diligências que se venham a revelar úteis, seja elaborada nova decisão sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução da pena, ficando prejudicado o objecto do recurso.

No presente caso, porém, em face dos elementos constantes dos autos, antes de declarar a nulidade do despacho recorrido, entendemos deixar aqui expressas algumas considerações, sucintas, sobre o objecto do recurso, para serem tomadas em consideração no novo despacho.

A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art.56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, tendo lugar «…sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social » exige que fique demonstrado, por factos concretos, que o condenado infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou não cumpriu o plano de reinserção social, por vontade própria.

Por outras palavras, a revogação da suspensão da execução da pena impõe a prévia  demonstração de que o arguido infringiu culposamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, e que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, serem alcançadas.

A culpa é um juízo de reprovação do agente por não ter agido em conformidade com o dever jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo.

A culpa pressupõe a consciência ético-jurídica e a liberdade do agente, sem admissão das quais não se respeita a pessoa, nem se entende o seu direito à liberdade. O princípio da culpa tem dimensão constitucional deduzindo-se dos artigos 1.º e 27.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.   

No caso em apreciação, resulta dos autos que o arguido A... sofre de esquizofrenia paranóide, sendo “incapaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação”, pelo que é inimputável em relação aos factos descritos nos autos, nomeadamente a falta de comparência às entrevistas previstas no âmbito da DGRS.

Não tendo capacidade para se determinar livremente de acordo com o direito, por anomalia psíquica, não existirá culpa por parte do arguido na violação do Plano de Reinserção Social elaborado no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão. 

Por outro lado, o art.104.º, n.º1 do Código Penal, visa solucionar o caso dos delinquentes imputáveis, mas portadores de anomalia psíquica (imputabilidade diminuída), já existente á data do crime, que se não adaptam, em face dessa anomalia, designadamente por indisciplina, ao regime dos estabelecimentos prisionais para imputáveis. Quando se mostrar que o regime dos estabelecimentos prisionais para imputáveis, lhes é prejudicial ou que perturbarão seriamente esse regime, o tribunal ordena o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis, pelo tempo correspondente à duração da pena

Ora, na sentença condenatória o arguido é tido como imputável, mas não como portador de anomalia psíquica à data dos factos – foi dado como “não provado” na sentença que o arguido padeça de doença do foro psíquico –e, durante a suspensão da execução da pena é tido, em exame às faculdades mentais, como inimputável, pelo que a situação do arguido não integrará o caso que o art.104.º, n.º1 do Código Penal pretende solucionar.

Por fim, respondendo a questão suscitada pelo recorrente, diremos que a Lei da Saúde Mental, aprovada pela Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, estabelece que internamento compulsivo é uma privação da liberdade contra a vontade do interessado que só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa ( art.8.º, n.º 1 da LSM). Quer o chamado internamento de perigo, quer o internamento tutelar [5], cujos pressupostos são descritos respectivamente nos n.ºs 1 e 2 do art.12.º da LSM,  são medidas de natureza médico-assistencial, temperadas pela intervenção do poder judicial, sujeitas a processualismo e garantias que afastam o seu conhecimento no âmbito do eventual incumprimento da suspensão com regime de prova.

Aliás, o Ministério Público menciona por diversas vezes que corre um processo administrativo, pelo menos desde 2010, visando o eventual internamento compulsivo do arguido. Será num processo autónomo e não no processo crime que poderá ser ordenado o tratamento compulsivo do arguido ao abrigo do disposto no art.12.º da Lei da Saúde Mental.

Caso se mantenha a situação fáctica descrita e como bem salienta o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, a eventual extinção da pena nos termos do art.57.º do Código Penal, não poderá deixar de ser ponderada no circunstancialismo concreto.

            Decisão         

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em declarar nulo o despacho recorrido e determinar que se proceda, pelo menos, à audição presencial do arguido antes de ser proferida nova decisão sobre o incumprimento do Plano de Reinserção Social.

Sem custas.     


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Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos  


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] – cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 5 de Novembro de 2008 ( proc. n.º 335/01.5TBTNV-D.C1) e de 3 de Dezembro de 2008 ( proc. n.º 70/97.7IDSTR.C1), e da Relação do Porto, de 4 de Março de 2009 ( proc. n.º 0817704), disponíveis em www.dgsi.pt.   

[5] - Terminologia do Prof. José Carlos Vieira de Andrade, in “A Lei de Saúde Mental e o Internamento compulsivo”, C.E, pág. 82