Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
186/16.2JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J C CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 205.º, N.º 1, DA CRP; ARTS. 97.º, N.º 5, E 374.º, N.º 2, DO CPP; ARTS. 40.º, N.ºS 1 E 2, 50.º, N.ºS 1 E 2, E 71.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - A fundamentação é a parte da sentença que visa permitir o seu pleno entendimento pelos destinatários e, também, pela comunidade, facultando, simultaneamente, ao respectivo autor, a possibilidade de a auto-controlar e, posteriormente, ao tribunal de recurso a possibilidade de fiscalização da actividade decisória levada a cabo pela 1ª instância.

II - Contendo o acórdão recorrido a narração dos factos provados que o tribunal a quo como tal considerou, contendo a descrição das provas fundamentadoras da convicção do tribunal e a sua análise crítica, com a explicação do processo de formação de tal convicção, e contendo a determinação do direito aplicável e a sua aplicação ao caso concreto, o acórdão em crise observou o disposto no art. 374º, nº 2 do CPP.

III - Prevenção e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (arts. 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.º 1 do CP).

IV - A medida concreta da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso requerida.

V - Existindo um relativo equilíbrio entre circunstâncias agravantes e circunstâncias atenuantes, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, e sendo elevadas as significativas as exigências de prevenção especial, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável de um a oito anos de prisão, a decretada pena de três anos de prisão, situada pouco acima do primeiro quarto daquela moldura, para além de proporcionada, mostra-se perfeitamente suportada pela medida da sua culpa, pelo que, não merecendo censura, é de manter.

VI - O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

VII - O recorrente revela uma personalidade com relativa propensão para a prática de crimes contra o património, à qual não repugna o uso da violência para levar a cabo os seus intentos, e a quem não serviram de suficientes estímulo e “aviso” as duas anteriores condenações em pena de prisão, suspensa na respectiva execução, revelando assim manifesta incapacidade para compreender a oportunidade de ressocialização em liberdade que significou a substituição de cada uma daquelas duas penas privativas da liberdade.

VIII - Não é, portanto, viável a formulação de um juízo de prognose favorável ao recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para assegurar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Leiria – Instância Central – Secção Criminal – J3, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos A... e B... , ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b) do C. Penal, com referência ao art. 204º, nº 2, f) do mesmo código.

            Por acórdão de 15 de Novembro de 2016 foram os arguidos condenados, pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal, na pena de três anos de prisão.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1) Conforme resulta de fls., foi deduzida acusação contra o Arguido, imputando-lhe a prática, em co-autoria na forma consumada de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f) ambos do Código Penal;

2) Foi apresentada contestação, com a alegação de factos contraditórios aos da acusação;

3) Realizou-se audiência de julgamento, com observância dos formalismos legais;

4) Após, foi proferido Acórdão onde foi decidido o acima transcrito;

5) Isto porque conforme decorre dos autos o Arguido, aqui Recorrente confessou os factos, mostrou-se arrependido, bem como se encontrava socialmente integrado na sociedade;

6) Os factos que sobre si recaem foram confirmados pelo arguido que os confessou de livre e espontânea vontade, demonstrando um arrependimento sincero;

7) Ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento manifestado pelo arguido em tomar um novo rumo na sua vida;

8) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

9) Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados;

10) Sendo que no decorrer dos presentes autos o arguido cumpriu todas as injunções e obrigações que lhe foram impostas, demonstrando o arrependimento, bem como a vontade e intenção de deixar a vida do crime;

11) Atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade;

12) Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

13) É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal;

14) Desta forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal;

15) Mais se provou que o Arguido se encontrava inserido na sociedade, visto que se encontrava a trabalhar na área da restauração, exercendo a função de empregado de mesa e simultaneamente, em part-time trabalhou como Agente Comercial na empresa “H (...) ”;

16) Sendo que conforme resulta dos pontos 21º a 34 dos factos provados, o arguido estava bem visto na terra onde vivia, mantinha uma relação de cordialidade quer com os colegas de trabalho, quer com os clientes, quer com os vizinhos;

17) Mais ficou provado que o Arguido já não consome substâncias ilícitas, como seja canábis e seus derivados;

18) Também ficou provado nos presentes autos, o arguido pretende e tem como objetivo de vida arranjar trabalho, não voltando a delinquir, nem voltar a praticar atos passíveis de crime, ou contrários à lei;

19) Conforme consta dos autos, bem como do seu depoimento, o Arguido mostrou-se arrependido, e consciente dos actos por si praticados, declarando e demonstrando que jamais voltaria a dedicar-se à prática de crimes;

20) Deve ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à medida da pena aplicada ao Arguido, no sentido da mesma ser reduzida, ou caso assim não se entenda suspensa na sua execução, o que, desde já e, aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

21) Deixando os Venerandos Juízes de se pronunciarem sobre estas questões que devessem apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as superficialmente, e com bastantes lacunas, como acima já se disse;

22) Lendo, atentamente, o Acórdão recorrido, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido.

23) O Acórdão recorrido é nulo, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou;

24) O Acórdão recorrido viola:

a) Artigos 374º, 375º, 377º; 379º e 410º do, C.P.P;

b) Artigos 40º, 70º; 71º do C.P;

b) Artigos 13º, 32º; 205º, 207º e 208º da C. R. P;

Termos em que, se requer, V. Exas., a REVOGAÇÃO do Acórdão recorrido, na parte de que se recorre, nomeadamente quanto à medida da pena aplicada, por ser de LEI, DIRETO E JUSTIÇA.


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – O Tribunal teve em atenção o grau de ilicitude do facto, modo de execução, gravidade das suas consequências e grau de violação dos deveres impostos ao agente;

                2 – O crime consumou-se através de ameaça;

3 – O dolo directo;

4 – Os sentimentos manifestados – agiu com a intenção de se apoderar do dinheiro a todo o custo, sendo ele quem empunhou a "falsa" arma;

5 – A sua condição pessoal, espelhada nos factos dados como provados desde o número 15 a 34;

6 – A conduta anterior e posterior ao crime – já tem condenações por furto qualificado e roubo, tendo sido condenado em penas de prisão;

7 – As exigências de prevenção geral, que são elevadas;

8 – O alegado arrependimento não merece qualquer valoração. Com efeito, não basta ao arguido alegar verbalmente que se sente arrependido. Torna-se necessário que o mesmo demonstre esse arrependimento por factos. E no caso em apreço, o arguido nem sequer demonstrou qualquer conduta destinada a reparar as consequências dos seus actos, nem qualquer outro comportamento verdadeiramente revelador de auto-crítica;

9 – Assim, na determinação da medida da pena, foram respeitados os critérios definidos pelo artº 71º, do Código Penal;

10 – O douto acórdão não violou quaisquer normas constitucionais, do Código Penal ou do Código de Processo Penal.

Deve, assim, ser mantido o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso interposto pelo arguido.

JUSTIÇA


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, pronunciando-se no sentido da justeza da pena de três anos de prisão aplicada ao recorrente, e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu o recorrente, reafirmando os fundamentos da motivação.


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  Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade do acórdão;

- A excessiva medida da pena;

- A substituição da pena de prisão.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

                [Da acusação]

                1 – No dia 18/04/2016, cerca das 22h20m, os arguidos deslocaram-se até às traseiras das Bombas de Gasolina O (...) , sitas em Taveiro, Benedita, Alcobaça, com a intenção de se apropriarem de valores em dinheiro que ali se encontravam.

2 – Estacionaram a viatura de matrícula (...) KB em que seguiam numa estrada de terra.

3 – Estas bombas têm hora de fecho às 23h00m e naquela ocasião C, funcionário daquelas bombas estava sozinho no estabelecimento a fazer a caixa do dia.

4 – Ali chegados, na concretização do aludido propósito e agindo sempre em conjugação de esforços e vontades, os arguidos colocaram gorros e luvas e, munidos de uma arma de plástico, de características não concretamente apuradas, reproduzindo uma pistola, deslocaram-se para as traseiras do posto de abastecimento e saltaram uma vedação ali existente por cima de um muro, tudo com altura aproximada de 3,20 m.

5 – Aproximaram-se da zona da caixa e aí, o arguido A... que ia à frente, mostrou a arma de plástico ao ofendido C....

6 – Com receio da sua vida, C... disse para não lhe fazerem mal.

7 – Ambos os arguidos colocaram a mão ao dinheiro e a uma caixa transparente com divisórias, com sacos de moedas, levando consigo 748,90 € da O (...) e 200,00 € da empresa de lavagens, pertencente a D... .

8 – Abandonaram o local pelo mesmo sítio por onde tinham entrado e dirigiram-se à viatura que os transportara, arrancaram e seguiram em direcção a um pinhal que fica a algumas centenas de metros.

9 – Aí tiraram o dinheiro dos sacos e da caixa e jogaram-na fora.

10 – Depois foram em direcção ao Café B (...) , que ali fica perto, e dividiram o produto do roubo, ficando cada um dos arguidos com o valor aproximado de 470,00 €.

11 – Agiram os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, com o propósito concretizado de se apropriar dos valores monetários existentes no posto de abastecimento, sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade dos ofendidos, seus proprietários, e em seu prejuízo, o que representaram.

12 – Não se inibiram de mostrar objecto que aparentava ser arma de fogo para concretizarem os seus intentos.

13 – Os arguidos agiram consciente, livre e deliberadamente.

14 – Sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida por lei penal.

[Relativos ao arguido A... :]

15 – A... é oriundo de uma família de modesta condição sócio económica.

16 – Após uma dinâmica familiar conturbada, em que a mãe era vítima de maus tratos, o progenitor abandonou o lar, não tendo o arguido chegado a conhecer a figura paterna.

                17 – O seu processo educativo decorreu segundo parâmetros tidos como normativos, com práticas educativas consistentes, mantendo com a mãe e irmã (fruto do primeiro casamento da progenitora) um relacionamento afectivo de coesão e proximidade, tendo ainda beneficiado do apoio dos avós maternos.

                18 – A sua integração no percurso escolar decorreu sem dificuldades de maior, protagonizando uma adaptação dentro de padrões avaliados como normais ao nível da interacção com os vários intervenientes da comunidade escolar.

19 – No entanto, devido a falta de motivação e alguns problemas ao nível dos défices de atenção, registou duas reprovações, tendo abandonado o ensino com 17 anos, após a conclusão do 9.º ano de escolaridade.

                20 – Iniciou aos 17/18 anos, quando o agregado foi viver para Leiria, o consumo de derivados da cannabis.

21 – A... iniciou o seu percurso profissional como ajudante de serralharia, onde permaneceu durante dois anos e posteriormente trabalhou como empregado de mesa num restaurante chinês pelo período de três anos, tendo cessado aquela actividade devido às dificuldades sentidas após mudança de gerência.

22 – Entretanto, trabalhou na empresa "O (...) , SA" (Construção e Engenharia), a qual terminou devido ao facto de permanecer grande parte do tempo na zona de Lisboa.

23 – Voltou então à área da restauração, tendo exercido novamente funções de empregado de mesa num restaurante em Leiria e, por último trabalhou numa cervejaria e simultaneamente, em regime de part-time, como agente comercial, na empresa “H (...) ”, onde a sua mãe também exerce funções.

                24 – Praticou durante cerca de três anos “Break Dance”, tendo participado em vários espectáculos.

                25 – No âmbito do presente processo judicial o arguido encontra-se, desde 6 de Maio de 2016, sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

                26 – A execução desta medida de coacção tem vindo a decorrer numa moradia arrendada, situada a poucos quilómetros da cidade de Leiria, com boas condições de habitabilidade, tendo o arguido tem como coabitantes a irmã, o companheiro desta e a mãe, que apesar de manter a sua própria residência, tem pernoitado junto destes a fim de prestar maior apoio ao filho.

                27 – O arguido mantém um bom relacionamento com os coabitantes, destacando-se a relação de proximidade e cumplicidade que mantém com a irmã, a qual, bem como a progenitora, se assume como uma referência afectiva e relacional.

                28 – No actual meio residencial, não são perceptíveis quaisquer sinais em termos de reacção comunitária e, no meio comunitário onde o arguido residia antes da detenção, mantinha uma relação cordial para com os vizinhos.

                29 – No período que antecedeu a prática dos factos o arguido encontrava-se profissionalmente activo, mantendo em simultâneo o desempenho da actividade de empregado de mesa e de agente comercial.

30 – Residia com a progenitora e, nos tempos livres, convivia com o grupo de pares, alguns conotados socialmente de forma negativa, com quem consumiria derivados de cannabis, hábito em relação ao qual se diz actualmente abstinente.

                31 – No campo laboral é conotado como um funcionário prestável e dedicado, detentor de um bom relacionamento com os vários intervenientes (colegas, entidade patronal, clientes).

                32 – Economicamente, o agregado onde se encontra inserido, sobrevive através do vencimento da irmã (cabeleireira), do cunhado (encarregado de obras) e com a ajuda mãe (agente comercial), encontrando-se devidamente asseguradas a satisfação das necessidades essenciais.

                33 – Como projectos para o futuro, pretende, logo que a situação jurídica o permita, reintegrar-se profissionalmente, voltar a residir com a progenitora e promover o relacionamento com alguns amigos de comportamentos pro-sociais.

                34 – No que concerne à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido reconhece o erro, manifestando juízo de censura, mostrando-se intimidado e revelando preocupação perante o desfecho da actual situação jurídica.

35 – O arguido A... já foi condenado:

a) No âmbito do processo n.º 161/06.5GANZR, do Tribunal Judicial da Nazaré, por decisão de 4/12/2008, transitada em julgado a 6/01/2009, pela prática, no dia 21/11/2006, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por um ano.

b) No âmbito do processo n.º 880/10.1GCLRA, do 3.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Leiria, por decisão de 12/04/2012, transitada em julgado a 6/01/2009, pela prática, no dia 21/11/2006, de um crime de roubo, sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), 203.º por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.

[Relativos ao arguido B... :]      

36 – B... é o segundo filho de uma família desestruturada, de humilde condição socio-económica e cultural, caracterizada por conflituosidade conjugal, situação laboral instável, abuso de álcool e consequentemente pelas fracas competências parentais a nível afectivo.

37 – Após a separação dos progenitores, quando o arguido ainda não havia completado dois anos de idade, o seu agregado familiar passou a viver com os avós maternos numa pequena aldeia situada a poucos quilómetros da localidade de Benedita.

38 – A progenitora iniciou, cerca de cinco anos depois, novo relacionamento afectivo, do qual nasceram dois irmãos uterinos.

39 – O arguido frequentou o ensino em idade própria, embora sempre tenha evidenciado falta de motivação e apresentando problemas de comportamento, tendo como habilitações literárias apenas o 6.º ano de escolaridade.

40 – Desde cedo adoptou comportamentos desviantes e associação a grupos de pares conotados com a marginalidade, ausentando-se frequentemente da habitação sem que os familiares conhecessem o seu paradeiro.

41 – Neste contexto, após a intervenção da CPCJ de Alcobaça, B... foi institucionalizado no Internato Masculino de Leiria, quando contava 15 anos de idade.

42 – No entanto, devido ao elevado número de fugas foi transferido para a Escola Agrícola de Artes e Ofícios de Chaves e, nesta instituição, apesar de ser referenciado como um jovem respeitador, também apresentou alguns problemas de comportamento e fugas, tendo permanecido ausente da mesma durante dois meses.

43 – Quando atingiu a maioridade, em Abril de 2012, reintegrou o agregado da progenitora, mas devido a conflitos com o padrasto, este expulsou-o de casa e voltou a coabitar com os avós maternos até à actualidade (embora haja referência a períodos de permanência em casas devolutas na cidade de Leiria).

                44 – Durante a adolescência, juntamente com o grupo de pares que integrava, iniciou o consumo de estupefacientes (haxixe).

45 – Não há referência a actividades laborais, excepto com um estofador, embora durante apenas algumas semanas.

46 – O arguido, no âmbito dos presentes autos, tem estado sujeito, desde 6 de Maio de 2016, à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (OPHVE), entretanto interrompida em 26 de 0utubro de 2016, data em que foi detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional da Caldas da Rainha, no âmbito do processo n.º 107/15.0GCACB da Instância Local de Alcobaça, para cumprimento de uma pena de 92 dias de prisão (subsidiária).

47 – A execução da referida medida de coacção vinha decorrendo na residência dos avós maternos, tendo como coabitantes, para além destes, dois tios, sendo o relacionamento entre os coabitantes estável e equilibrado, contando o arguido com as visitas da progenitora que aí se desloca esporadicamente.

48 – No meio sócio-residencial, apresenta uma imagem associada aos comportamentos desajustados que lhe são atribuídos e ao envolvimento com grupo de pares conotados negativamente pela prática de atas ilícitos, mas não se verificam sentimentos de rejeição ou de animosidade.

49 – No período que antecedeu a prática dos factos pelos quais se encontra acusado, o arguido não desempenhava qualquer actividade laboral ou formativa, relacionando-se com indivíduos associados a comportamentos desviantes.

50- Uma vez que não aufere qualquer rendimento, as suas necessidades essenciais têm vindo a ser asseguradas pelos avós maternos, ambos reformados.

51 – Em termos de projectos para o futuro, pretende reorganizar a sua vida de modo socialmente aceite e inserir-se profissionalmente, tendo referido a possibilidade de trabalhar numa oficina de mecânica automóvel e continuar a residir com os avós que se mostram disponíveis para o apoiar.

52 – O arguido B... já foi condenado:

a) No âmbito do processo comum n.º 278/11.4PCLRA, do 2.º Juízo Criminal de Leiria, por decisão de 12/07/2012, transitada em julgado a 2/05/2013, pela prática, no dia 24/05/2011, de dois crimes de furto, previsto e punido pelos artigos 203.º, do Código Penal e dois crimes de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00, depois substituída por trabalho;

b) No âmbito do processo comum n.º 121/11.4PBLRA, do 2.º Juízo Criminal de Leiria, por decisão de 21/09/2012, transitada em julgado a 22/10/2012, pela prática, no dia 4/02/2011, de um crime de furto qualificado e um crime de furto simples, na pena única de um ano de prisão, suspensa por igual período;

c) No âmbito do processo sumário n.º 107/15.0GCACB, da Instância local Criminal de Alcobaça- J1, por decisão de 16/04/2015, transitada em julgado a 18/05/2015, pela prática, no dia 1/04/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

(…).

B) Inexistem factos não provados e dele consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena:

“ (…).

Na escolha da pena, conforme dispõe o art. 70.º do Código Penal, deve ser dada preferência à pena não privativa de liberdade, se esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, caso a lei preveja pena privativa de liberdade e não privativa da liberdade. “O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.” [Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal português – As Consequências jurídicas do crime, pág. 331]. 

“Ao definir a pena, o julgador deve procurar entender a personalidade do arguido para, adequadamente, determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformidade com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformidade a medida da censura pessoal do agente, ou seja, a medida correspondente à culpa manifestada. Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é "merecido" não é algo preciso, resultante de uma conceção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo para a estabilização da consciência jurídica geral (…).

Limitando-se, a pena, pela medida da culpabilidade, mas visando fins de prevenção especial e geral, ela fixar-se-á abaixo do limite máximo, se assim for exigido pelas necessidades especiais e, a essa diminuição, não se opuserem as exigências mínimas preventivas gerais (…). O seu limite mínimo é, portanto, dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize eficazmente a proteção dos bens jurídicos visados. Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para dar resposta às necessidades da reintegração social do agente. Ou seja, a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar. A moldura de prevenção, por sua vez, é definida entre o limiar mínimo – abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias – e a medida máxima e ótima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas. Dentro desses limites, relevam as exigências de prevenção especial de socialização, visando atingir a desmotivação adequada para evitar a recidiva por parte do agente, bem como a sua ressocialização (…).

Dito de outro modo: a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo (…).

Na sub-moldura da prevenção geral pesa a importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença coletiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva. Prevenção significa proteção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (…).

Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido.” [Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa, de 17/04/2013, ob. e loc. cit.]. 

Ora, o crime de roubo prevê uma pena de prisão de um a oito anos – cfr. art.210.º, n.º 1, do Código Penal.

Dispõe ainda o art. 40.º do Código Penal que os fins das penas são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por outro lado, não se pode considerar que a culpa dos arguidos se apresentasse diminuída, para o crime ora em apreço.

Vejamos então, em concreto, quais as necessidades de prevenção geral e especial e qual a medida da culpa de cada um dos arguidos.

2.1- Da responsabilidade penal do arguido A... :

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – cfr. artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. Ou seja:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente:

- No caso concreto, a prática do crime consumou-se através do uso de ameaça, muito embora o do meio utilizado não fosse real e efectivamente perigoso;

b) A intensidade do dolo – que é directo, pelo que é maior a respectiva intensidade;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram – o arguido agiu com a intenção de se apropriar a qualquer preço dos objectos de valor, neste caso de dinheiro, sendo ainda ele quem empunhou a (falsa) “arma”;

d) A condição pessoal do arguido e a sua situação económica, vertidas nos factos provados 15 a 34, dos quais se pode concluir que:

- O arguido tem mantido comportamentos aditivos (consumo de haxixe), exercendo porém uma actividade remunerada.

e) A conduta anterior aos factos e a posterior a estes, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências dos crimes:

- Quanto à sua conduta anterior e posterior, há que realçar que o arguido tem já condenações averbadas no seu CRC, por crime de furto qualificado e de roubo, tendo sido condenado em penas de prisão suspensas na sua execução;

- Em audiência de julgamento, o arguido aprestou-se a confessar quase integralmente os factos, dizendo-se arrependido. Ora, a confissão e o arrependimento são importantes para o tribunal poder fazer um juízo de prognose futura favorável sobre se o arguido não tornará a delinquir, o que tem grande importância, nomeadamente ao nível da prevenção especial. Porém, no que toca ao arrependimento, a “simples declaração proferida em audiência pelo arguido de que está arrependido não tem qualquer valor. O que tem valor, como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do arguido é que o mesmo demonstrou estar arrependido. O arrependimento é um ato interior, devendo essa demonstração ser visível de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir;

Em casos de crime de dano, a demonstração da sinceridade do arrependimento passa, nomeadamente, pela reparação do dano, pelo propósito sério da sua reparação, ou até pela apresentação de desculpas ao lesado.” [Ac. do Trib. da Rel. de Coimbra de 30/05/2012, Proc. 192/11.3TACBR.C1, www.dgsi.pt]. 

Ora, este arguido não demonstrou qualquer reparação ou tentativa de compensar o lesado, pelo que não se pode ter em conta um arrependimento meramente declarado e não consubstanciado em actos concretos. Ou seja, nada traduz nos autos que o arguido tenha adoptado alguma conduta séria e consistente destinada a reparar as consequências dos crimes que praticou, pelo que o mesmo não demonstrou sincero arrependimento nem interiorização da gravidade das suas condutas.

Em suma, as considerações de prevenção geral são elevadas, uma vez que os crimes contra o património, ainda mais com uso de violência exercida, causam sempre grande repulsa e censura sociais.

Quanto à prevenção especial, as penas a aplicar têm de fazer sentir convenientemente ao arguido a reprovabilidade das suas condutas, condição essencial para o arguido não tornar a delinquir.

A culpa situa-se em níveis altos, sendo que era exigível ao arguido que não praticasse os actos que praticou.

Nestes termos, tudo ponderado, afigura-se adequada a pena de 3 (três) anos de prisão.

“O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, logo que se verifiquem os necessários pressupostos – cf. Figueiredo Dias, DPP, págs. 344-345. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão, e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição – ibidem, pág. 343.” [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/10/2007, proc. JSTJ00007P3288, www.dgsi.pt]. 

No caso vertente, entendemos que, muito embora as condições de vida do arguido não lhe sejam desfavoráveis pois até vem trabalhando, há a considerar a sua postura anterior, tendo sido já condenado pela prática de dois crimes de natureza semelhante à dos autos, não parecendo ter sido suficiente a ameaça da pena, pois voltou a delinquir, sendo certo que a “explicação” que deu para a prática do crime denota uma grande ausência de auto-censura, revelam não ser possível fazer mais “... um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de vida futura ordenada e conforme à lei.” [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/07/91, CJ, Ano XVI, t. 4, pág. 14]. Face a todo este circunstancialismo (a que acresce a ausência de verdadeiro arrependimento) entende este tribunal colectivo que não pode mais fazer um juízo de prognose favorável, correndo um risco prudente, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade e para satisfazer de forma adequada e suficiente as necessidades de reprovação e prevenção dos crimes por aquele praticados. 

Assim, entendemos não ser de suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... .   

(…)”.


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            Questão prévia

            O ponto 31, b) dos factos provados tem a seguinte redacção:

- No âmbito do processo n.º 880/10.1GCLRA, do 3.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Leiria, por decisão de 12/04/2012, transitada em julgado a 6/01/2009, pela prática, no dia 21/11/2006, de um crime de roubo, sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), 203.º por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.

Esta factualidade resulta do boletim do Certificado do Registo Criminal do recorrente de fls. 488, do qual consta que no processo comum colectivo em referência, foi condenado pela prática do identificado crime na pena referida, por decisão de 12 de Abril de 2012, mas transitada em 12 de Maio de 2012, e relativa a factos de 20 de Novembro de 2010.

Como é evidente, a menção na alínea b) às datas 6/01/2009 e 21/11/2006 deve-se a manifesto lapso de cópia, já que reproduz as datas da alínea a) do mesmo ponto 31 dos factos provados.

Nos termos do disposto no art. 380º, nºs 1, b) e 2 do C. Processo Penal, o erro pode ser oficiosamente corrigido, e pela Relação, uma vez que não importa modificação essencial do acórdão.

Assim, procedendo-se à correcção do apontado erro de escrita, a alínea b) do ponto 31 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- No âmbito do processo n.º 880/10.1GCLRA, do 3.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Leiria, por decisão de 12/04/2012, transitada em julgado a 12/05/2012, pela prática, no dia 20/11/2010, de um crime de roubo, sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), 203.º por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.

Consigna-se que a correcção já foi efectuada na reprodução da matéria de facto provada do acórdão recorrido, feita supra.


*

Da nulidade do acórdão, da excessiva medida da pena de prisão e da sua substituição

            1. Alega o recorrente – conclusões 5 a 20 e 22 e 23 – que tendo confessado integralmente e sem reservas os factos, mostrando-se arrependido, estando socialmente integrado, revelando vontade de deixar a vida do crime e não consumindo já substâncias estupefacientes, é possível a formulação de um juízo de prognose favorável à sua reintegração pelo que, deveria ter sido condenado em pena mais harmoniosa e proporcional portanto, em pena menor, sendo certo que o acórdão recorrido é nulo por deficiente fundamentação, interpretação e aplicação das normas legais que convocou.   

            Diferente é a opinião do Ministério Público que considera justificada a medida da pena decretada, face à moldura penal envolvida e o concreto circunstancialismo verificado.

            Vejamos então de que lado, em nosso entender, está a razão.

            Começando pela invocada nulidade do acórdão por deficiente fundamentação, interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, adiantamos desde já que não assiste razão ao recorrente.

           

A fundamentação é a parte da sentença que visa permitir o seu pleno entendimento pelos destinatários e, também, pela comunidade, facultando, simultaneamente, ao respectivo autor, a possibilidade de a auto-controlar e, posteriormente, ao tribunal de recurso a possibilidade de fiscalização da actividade decisória levada a cabo pela 1ª instância. Fácil é portanto, perceber, a razão de ser de o dever de fundamentação, não apenas das sentenças, mas de todas as decisões judiciais, ter hoje assento constitucional (art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

A nível infraconstitucional e em sede de processo penal, o dever de fundamentação, enquanto princípio geral, encontra-se previsto no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal.

No que especificamente respeita à sentença, estabelece o nº 2 do art. 374º do C. Processo Penal que:

 Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Por seu turno, dispõe o art. 379º, nº 1, a) do mesmo código, na parte que para o caso releva, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do art. 374º do mesmo código.

O acórdão recorrido contém a narração dos factos provados que o tribunal a quo como tal considerou, contém a descrição das provas fundamentadoras da convicção do tribunal e a sua análise crítica, com a explicação do processo de formação de tal convicção, e contém a determinação do direito aplicável e a sua aplicação ao caso concreto. Em suma, o acórdão em crise observou o disposto no art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal.

É claro, como resulta do alegado, que o recorrente não concorda com as razões de direito expostas na decisão, que determinaram a aplicação de uma pena de prisão com a fixada medida, como também não concorda com a não substituição da pena de prisão. Como é evidente, ao recorrente assiste o direito de discordar de tais razões, mas de tal discordância não resulta que o acórdão padeça de nulidade por insuficiência de fundamentação e deficiente aplicação do direito.

Em conclusão, o acórdão recorrido não enferma da apontada nulidade.

2. Atentemos agora na medida concreta da pena.

Sabido que é que prevenção e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (art. 40º, nºs 1 e 2 e 71º, nº 1 do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.), a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso requerida – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada, sempre que possível, pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização] mas, em qualquer caso, com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa. Como ensina Figueiredo Dias, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84). 

Frequentemente, a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação da sua escolha. Assim acontece quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade [o que não sucede nos autos, atenta a moldura penal do crime de roubo], e quando se coloca a questão da substituição da pena [esta questão será tratada infra].

 

Escolhida a pena, na subsequente tarefa de determinação da sua medida concreta, a ser feita em função da culpa e das exigências de prevenção, há que ponderar que a moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena.

Assim, relevando tais limites, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime, havendo, entre outras, que atender às previstas no nº 2 do art. 71º do C. Penal.

Dito isto.

No acórdão recorrido, relativamente ao recorrente, foram ponderadas as seguintes circunstâncias:

- Quanto à ilicitude e modo de execução, o uso de ameaça, ainda que o meio utilizado não fosse efectivamente perigoso;

- Quanto ao dolo, a maior intensidade, decorrente de se tratar de dolo directo;

- Quanto aos sentimentos manifestados e móbil da conduta, a intenção de apropriação, a qualquer ‘preço’, do dinheiro, tendo sido o agente que, efectivamente, empunhou a falsa arma;

- Quanto à condição pessoal e económica, a matéria vertida nos pontos 15 a 34 dos factos provados do acórdão, em especial, a manutenção de comportamentos aditivos, com consumo de haxixe, e o exercício de actividade remunerada;

- Quanto à conduta anterior e posterior, as anteriores condenações em penas de prisão suspensas na respectiva execução, pela prática de crimes de furto qualificado e de roubo, a confissão quase integral, a declaração de arrependimento, ainda que, quanto a esta, se tenha considerado não traduzir verdadeiro e relevante arrependimento, posto que desacompanhada de qualquer acto demonstrativo da interiorização do desvalor da conduta, capaz de convencer o tribunal da sua não repetição, designadamente, porque de crime de dano se tratou, a reparação ou tentativa de compensação do lesado.

Por último, foram consideradas elevadas as exigências de prevenção geral, dada a repulsa e censura sociais que o roubo sempre causa, foram consideradas relevantes as exigências de prevenção especial, devendo a pena fazer sentir ao recorrente a reprovabilidade da conduta, e foi considerado alto o nível da culpa.

Como se vê, o tribunal a quo relevou, em sede de determinação da medida concreta da pena, a confissão do recorrente, que qualificou de quase integral, a declaração de arrependimento, feita na audiência de julgamento e sua a condição económica e pessoal.

O tribunal a quo, como resulta da motivação de facto do acórdão recorrido, considerou que circunstâncias como a confissão e o arrependimento são importantes para a possibilidade de formulação do juízo de prognose favorável quanto à não repetição de condutas desviantes, mas relativamente ao arrependimento especificou que «simples declaração proferida em audiência pelo arguido de que está arrependido não tem qualquer valor. O que tem valor, como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do arguido é que o mesmo demonstrou estar arrependido. O arrependimento é um ato interior, devendo essa demonstração ser visível de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir (…)» o que vale dizer que arrependimento sincero e simples declaração de arrependimento, são realidades distintas, a imporem diferente critério de valoração. Por outro lado, «postura de humildade», «consternação pela (…) conduta» e «vontade e intenção de deixar a vida do crime», independentemente da relevância que possam ter, são factos ou, melhor dito, atitudes e propósitos, que não se mostram contempladas nos factos provados.

O tribunal a quo, como igualmente resulta da motivação de facto do acórdão recorrido, considerou a condição pessoal e económica do recorrente, sendo certo que, como resulta dos factos provados, este se encontra familiarmente inserido e exercia uma actividade profissional por conta de outrem remunerada, com carácter de regularidade, antes de sujeito à medida de coacção imposta. Porém, e independentemente do valor que possa ter, não é exacta a afirmação de que se provou já não ser consumidor de canabis, pois não é isso o que consta do ponto 30 dos factos provados.

Deste modo, existindo um relativo equilíbrio entre circunstâncias agravantes e circunstâncias atenuantes, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que é cometido e o alarme social que sempre causa o crime de roubo, e sendo elevadas as significativas as exigências de prevenção especial, não só pelas suas anteriores condenações, de Dezembro de 2008 e Abril de 2012, pela prática de crime de furto qualificado e de roubo tentado, sofridas pelo recorrente, como pela sua revelada personalidade, uma vez que praticou o crime em apreço nos autos quando exercia uma actividade remunerada regular, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável de um a oito anos de prisão, a decretada pena de três anos de prisão, situada pouco acima do primeiro quarto daquela moldura, para além de proporcionada, mostra-se perfeitamente suportada pela medida da sua culpa, pelo que, não merecendo censura, é de manter.

3. Atentemos agora na pretendida substituição da pena de prisão.

Alega o recorrente, de forma sucinta, na conclusão 20 que, a não merecer provimento a pretendida redução da medida da pena de prisão, deve a mesma ser suspensa na respectiva execução.

Funda o recorrente esta pretensão, se bem entendemos a alegação, na confissão, no arrependimento sincero, na tomada de consciência das consequências da sua conduta, no propósito de não voltar a delinquir, no abandono de comportamentos aditivos e na inserção social, familiar e laboral, tudo isto susceptível de conduzir à formulação de um juízo de prognose favorável quanto à sua reintegração na sociedade.

Vejamos.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio que tem por objectivo de política criminal “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 343). 

É seu pressuposto formal que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal), e seu pressuposto material a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

            Já dissemos em 2., que antecede, que as finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal). São, portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição), que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

Os objectivos de prevenção especial têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. A prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333).

 

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, 1º Vol., 2ª Edição, 1995, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Não basta, porém, como já se disse, a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. A prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além dela, exige ainda que à suspensão se não oponham, em absoluto, as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

A pena de três anos de prisão respeita o pressuposto formal de que depende a aplicação da pretendida pena de substituição.

Quanto ao pressuposto material.

O recorrente revela uma personalidade com relativa propensão para a prática de crimes contra o património, à qual não repugna o uso da violência para levar a cabo os seus intentos, e a quem não serviram de suficientes estímulo e ‘aviso’ as duas anteriores condenações em pena de prisão, suspensa na respectiva execução, revelando assim manifesta incapacidade para compreender a oportunidade de ressocialização em liberdade que significou a substituição de cada uma daquelas duas penas privativas da liberdade. Com efeito, se as duas penas de prisão suspensas na respectiva execução não lograram afastar o recorrente da prática de novo crime, frustrando, em absoluto, a ‘aposta’ que a comunidade, em si, havia feito aos decretá-las, vindo a praticar mais um crime de roubo quando, no que não deixa de ser algo incomum, se encontrava inserido em termos familiares e laborais, não é mais razoável esperar que a substituição da pena de prisão decretada pela 1ª instância pela suspensão da respectiva execução consiga prevenir a ‘reincidência’ do recorrente, afastando-o da prática de novos ilícitos típicos

Não é, portanto, viável a formulação de um juízo de prognose favorável ao recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para assegurar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção.

Deste modo, porque não estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão, não pode proceder a pretensão do recorrente.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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Coimbra, 26 de Abril de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)