Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1535/16.9T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER )
NEGOCIAÇÕES
PRAZO
PRORROGAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 17-A, 17-D, 17-G CIRE, 139 CPC
Sumário: 1. No âmbito do processo especial de revitalização, o prazo das negociações previsto no art. 17º-D, nº 5, do ClRE, é um prazo de caducidade.

2. Para haver prorrogação do prazo, nos termos do mesmo preceito, o acordo entre o devedor e o administrador judicial provisório tem de ser escrito e obtido previamente ao fim do prazo de negociações.

3. Apresentado requerimento de prorrogação do prazo para conclusão das negociações no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo inicial é de aplicar o regime legal emergente do art. 139º, nº 5 e 6.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. P (…) Unipessoal, Lda, com sede na Figueira da Foz, requereu processo especial de revitalização.

No dia 4.11.2015, foi publicada a lista provisória de credores. O administrador judicial provisório apresentou, em 13.1.2016, requerimento de prorrogação por um mês do prazo de negociações, nos termos do art. 17º-D, nº 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

*

Foi proferido despacho que não admitiu a prorrogação do prazo de negociações.

*

2. A requerente interpôs recurso, concluindo que:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos a considerar são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Decurso do prazo das negociações.

2.1. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“De acordo com o disposto no art. 17.º-D, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, «Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius».

O prazo para negociações, de dois meses, é um prazo de caducidade, que se conta corrido, comungando do carácter de urgência que é atribuído ao processo especial de revitalização pelo art. 17.º-A, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Assim, sendo a caducidade irreversível, e porque é necessário que o prazo não tenha terminado para que possa ser prorrogado, parece evidente que o acordo de prorrogação, para ser válido e eficaz, deve ser obtido antes de terminado o prazo inicial. De outro modo, aliás, não se poderia qualificar como prévio o acordo de prorrogação obtido entre o administrador e o devedor 1Nesse sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, pág. 161, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, Porto Editora, 2014, pág. 50, e Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, pág. 81).

Acrescenta-se ainda que o acordo de prorrogação deverá não apenas ser atingido, mas também junto aos autos antes do termo do prazo de negociações. É que findo este, encerra-se sem mais o processo negocial, nos termos do art. 17.º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não produzindo o acordo de prorrogação quaisquer efeitos 2Assim, Fátima Reis Silva, ob. e loc. cit., e Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2015, pág. 81, pág. 54, nota 102; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, ob. e loc. cit., entendem contudo que a junção e publicação do acordo depois de expirados os dois meses não impedem a respetiva eficácia, consubstanciando tão só uma irregularidade suscetível de implicar a responsabilidade do administrador.

Caso seja junto depois de findo este prazo, o acordo não produz quaisquer efeitos, seguindo-se por isso a tramitação prevista no art. 17.º-G, ou seja, correspondente ao decurso do prazo de negociações sem obtenção de acordo (assim, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, Porto Editora, 2014, pág. 50).

No caso, verifica-se que a lista provisória de credores foi publicada no portal Citius no dia 4 de novembro de 2015, tendo o prazo de impugnações, de cinco dias úteis (art. 17.º-D, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), terminado a 11 de novembro de 2015. O prazo de negociações, de dois meses, teve assim o seu termo inicial no dia 11 de novembro de 2015 e o seu termo final no dia 11 de janeiro de 2016.

Ora, como referimos, o administrador judicial provisório veio requerer a prorrogação do prazo de negociações mediante requerimento apresentado a 14 de janeiro de 2016, quando o prazo em causa estava já esgotado.

Observa-se que o requerimento não é acompanhado de um único documento assinado por si e pelo devedor, com data anterior ao dia 11 de janeiro, mas por um requerimento seu, sem qualquer data, requerendo a prorrogação do prazo, e por um outro requerimento subscrito pelo devedor, no mesmo sentido, com data de 11 de janeiro de 2016. Não se pode assim sequer concluir que o acordo de prorrogação foi obtido antes de findo o prazo de negociações.

Neste contexto, impõe-se concluir que se esgotou o prazo de negociações antes de apresentado acordo de prorrogação válido e eficaz e, consequentemente, que este prazo terminou sem obtenção de acordo”.
2.2. Comungamos da posição perfilhada na decisão recorrida, assente também na doutrina citada, de que o prazo para negociações, de dois meses, é um prazo de caducidade. Acompanhamos aqui a posição sustentada pelo STJ nesse sentido, exposta no seu Ac. de 8.9.2015, Proc.570/13.3TBSRT, em www.dgsi.pt, onde, discorrendo sobre a natureza do prazo em apreciação, se invoca L. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Ed., págs. 160/161, que escrevem:
“Com o sentido já acima explicitado, uma vez terminado o prazo das impugnações, sabe-se quem, desde logo, fica habilitado a intervir no processo negocial: todos os titulares de créditos que não tenham sido objecto de contestação, quer tenham sido subscritores da declaração inicial junta com o requerimento de instauração do processo – art. 17.°- C, n.°1 – quer não, carecendo neste caso de dar satisfação à exigência do nº 7 do preceito em anotação.
Percebe-se, assim, que o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar, tal como fixado no n.°5.
Trata-se de um prazo corrido, comungando a fase negocial do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art. 17.°-A, n.° 3.
Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art. 215.°, aplicável por imperativo do art. 17.°-F, n.°5.
Aliás, segundo a disposição expressa do art. 17.°-G, n.°1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.
Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.” – (o sublinhado é nosso). No mesmo sentido, pode consultar-se, também, os Acds. do STJ de 17.11.2015, Proc.1557/14.4TBMTJ, e desta Rel. Coimbra de 21.10.2014, Proc.2081/13.8TBPBL-A, e de 15.9.2015, Proc.817/14.9T8ACB).
Diga-se, aliás, que a não ser assim, até quando poderia o prazo ser alargado ? Qual o prazo razoável para se aguardar pelo desfecho das negociações ? Deixava-se à casuística do caso concreto, em desrespeito pelos textos legais ! Obviamente que não.

2.3. Havendo concluído que se trata de um prazo de caducidade, vejamos agora o caso concreto.

No dia 4.11.2015, foi publicado a lista provisória de credores, tendo o prazo para as impugnações, de 5 dias úteis (previsto no art. 17º-D, nº 3) terminado no dia 11.11.2015. Findo o prazo para as impugnações, os declarantes dispõem do prazo de 2 meses para concluir as negociações encetadas que, no nosso caso, teve início em 12.11.2015 e terminou em 12.1.2016.

Tal prazo pode, contudo, ser prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o Administrador judicial provisório nomeado e a devedora, nos termos do citado art. 17º-D, nº 5. Cabe salientar, neste momento, que nos termos do preceito acabado de referir a lei exige um acordo prévio e escrito entre o AJP e o devedor. É, por isso, evidente que o acordo de prorrogação, para ser válido e eficaz, deve ser obtido antes de terminado o prazo inicial. De outro modo, aliás, não se poderia qualificar como prévio o acordo de prorrogação obtido entre o administrador e o devedor (vide C. Fernandes e J. Labareda, ob. cit, na transcrição acima efectuada e M. do Rosário Epifânio, ob. cit., na decisão recorrida, pág. 53/54).

No nosso caso, ao contrário do afirmado pela recorrente, tal acordo não foi obtido em 11.1.2016. Nessa data apenas a devedora subscreveu requerimento a requerer a prorrogação do prazo (vide fls. 13), não havendo em tal data qualquer acordo escrito com o AJP.

Efectivamente a intervenção do AJP só se dá em 13.1.2016, quando o mesmo veio requerer a prorrogação do prazo de negociações (vide fls. 11 e 31). Só nessa data, portanto, se pode considerar que o, legalmente exigido, acordo escrito se perfectibilizou.  

Porém, em 13.1.2016, o prazo em causa estava já esgotado, não podendo, por isso, afirmar-se que houve acordo prévio entre o devedor e o AJP, como impõe a lei.

Como assim, não se pode concluir que o acordo de prorrogação foi obtido antes de findo o prazo de negociações.

E como tal, no caso em apreço, verificou-se a ocorrência do termo de um prazo peremptório.

2.4. Temos, assim, que o prazo em causa é peremptório, extinguindo-se o direito de praticar o acto (art. 139º, nº 3, do NCPC). Por conseguinte, nos termos do art. 139º, nº 5 ou 6, do NCPC ex vi do art. 17º do CIRE, é de aplicar o regime legal emergente desses comandos (vide L. Freitas, CPC anotado, Vol. 1º, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 145º do CPC = ao actual art. 139º, pág. 269). Ou seja, a necessidade de pagamento da multa prevista na alínea a), ou a requerimento da parte ou oficiosamente pelo tribunal, pois o requerimento para prorrogação do prazo para conclusão das negociações foi apresentado em tribunal no 1º dia útil seguinte ao termo inicial do prazo, como a recorrente pretende e veio reclamar em recurso.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) No âmbito do processo especial de revitalização, o prazo das negociações previsto no art. 17º-D, nº 5, do ClRE, é um prazo de caducidade;

ii) Para haver prorrogação do prazo, nos termos do mesmo preceito, o acordo entre o devedor e o administrador judicial provisório tem de ser escrito e obtido previamente ao fim do prazo de negociações;

iii) Apresentado requerimento de prorrogação do prazo para conclusão das negociações no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo inicial é de aplicar o regime legal emergente do art. 139º, nº 5 e 6.   

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, ordena-se a notificação da devedora para pagamento da multa devida, nos termos do disposto no nº 6 do art. 139º do NCPC.

*

Sem custas.

Coimbra, 10.5.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

Maria João Areias ( voto de vencido )

Proc. 1535/16.9T8CBR

Voto de vencido:

Embora o acordo de prorrogação tenha de ser obtido antes do termo do prazo das negociações, discordo que o mesmo tenha de ser junto aos autos antes de expirado o respetivo prazo.

As normas respeitantes ao PER têm de ser interpretadas à luz dos seguintes princípios:

- o PER veio reestabelecer o primado da recuperação, enquanto solução para o problema da insolvência e de todas as situações de crise económica;

- o procedimento negocial é um mecanismo de negociação extrajudicial entre o devedor e os seus credores coordenado pelo AJP;

- a celeridade não é um fim do processo mas tão-só uma forma, pelo que deve ceder perante outros valores presentes no processo e os fins que ele persegue ou consentir modificações por causa deles.

O processo de negociações corre fora do tribunal, desenvolvendo-se as negociações entre o devedor e os seus credores com a participação e sob a orientação e fiscalização do AJP.

A prorrogação do prazo das negociações não tem de ser motivada nem está sujeita a qualquer autorização ou despacho por parte do tribunal.

Não tem de ser efetuado qualquer requerimento para tal efeito ao processo: basta a obtenção de um acordo escrito entre o devedor e AJP (acordo que tem de ocorrer antes de expirado o prazo) e tal acordo tem apenas de ser "comunicado" ao tribunal, para efeitos de publicação no Citius (nº5 do art. 17º-G).

Como referem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, a prorrogação dá-se com a celebração do acordo escrito, ainda que o mesmo não seja junto ou publicado no portal Citius até ao termo do prazo. Não sendo imediatamente junto aos autos, o devedor e o AJP podem ser judicialmente responsáveis pelas consequências da omissão desse dever (“PER – O Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, pág. 81.

É certo que, no caso em apreço, o "acordo" é composto apenas por um requerimento do devedor a pedir a prorrogação do processo, mas encontrando-se o AJP de acordo com tal prorrogação (e sabemos que está de acordo, porque foi ele quem veio dar conhecimento de tal facto ao tribunal), seria exigível que tivesse de se encontrar pessoalmente com o devedor para redigirem um documento em conjunto, daria o acordo como ocorrido o 11 de novembro (antes do termo do prazo das negociações, que terminaria a 12), tendo por irrelevante que do mesmo só tivesse sido dado conhecimento aos autos no dia seguinte ao termo do prazo.

Considerando que o prazo fora validamente prorrogado, revogaria a decisão recorrida.

    Maria João Areias