Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/03.0TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: EMPREITADA
IVA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 02/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 428º, 829º-A, Nº 1, E 1207º DO C. CIVIL.
Sumário: I. Em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão, sempre que estes factos jurídicos não constituam o “thema decidendum”.

II. A incidência de IVA sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no artigo 36º nº 1 CIVA (a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços), se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade IVA incluído (o ónus da prova recai sobre o adquirente do serviço) se deve concluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer.

III. A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.

IV. A sanção pecuniária compulsória só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e mesmo assim desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do devedor.

V. A infungibilidade da prestação de facto é o correlato da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória e analisa-se, no aspecto prático, pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

D… veio propor a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra G… e esposa I…, pedindo a respectiva condenação solidária a pagar-lhe a quantia de 36.965,57€, acrescida de juros moratórios vincendos desde 3.3.2003, sobre 36.157,70€ à mesma taxa, até integral pagamento.

Para fundamentar tal pretensão alega, resumidamente, que no exercício da sua actividade profissional de execução de calçadas, pavimentos e lancis, a pedido do R. marido, executou para o mesmo uma empreitada de colocação de calçada com fornecimento de mão de obra e todo o material, numa vivenda propriedade de ambos os RR., que identifica, tendo executado serviços e fornecido materiais que importaram em 16.157,70€, quantia que facturou a 1.10.2002, já após a conclusão da obra, que ocorreu em Setembro de 2002.

Porém, apesar de os RR., a quem aproveitaram conjuntamente os serviços, terem recebido a factura e ter ficado acordado que o seu pagamento deveria ocorrer de imediato e nenhuma reclamação ter sido apresentada, os RR. não pagaram a quantia correspondente, pelo que devem, agora ser condenados em tal pagamento, acrescido dos juros moratórios à taxa comercial e ainda de uma indemnização de 20.000€, correspondente aos danos que sofreu em consequência do não pagamento atempado da referida quantia e que enuncia, especificando.

Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual se defendem por excepção, invocando a incompetência territorial do Tribunal de Ansião para os termos da acção.

Pugnam pela total improcedência da acção e pela condenação do A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

Alegam, como sustentáculo de tais posições, que embora tenha ocorrido a contratação do A., a mesma foi precedida da apresentação de um orçamento escrito por parte do mesmo, de acordo com o qual seriam pagos 18,95€ e 15€ por m2 de calçada miúda e grossa, respectivamente, abrangendo tais valores IVA à taxa legal, sendo parte determinante do acordo que tal calçada fosse executada pelo próprio A., o que não veio a ocorrer, já que o mesmo subcontratou indivíduos, que colocou em obra, sem o conhecimento ou consentimento dos RR., os quais vieram a executar a obra deficientemente e sem qualquer concordância com as leis da arte, evidenciando defeitos graves, que enunciam e que foram várias vezes denunciados ao A., que argumentando que não havia razões para preocupação, acabou por se incompatibilizar pelo responsável da empresa que levava a cabo arranjos exteriores e nunca mais compareceu na obra.

Acresce que muito embora tivesse sido contratado que o preço supra mencionado, fornecido pelo A., incluiria todos os materiais e mão-de-obra necessários á obra a efectuar, o mesmo acabou por não fornecer os materiais, tendo sido os RR. quem assegurou, acompanhou e pagou tais materiais, no montante total de 7.102,50€ e por conta dos trabalhos prestados pelo A. já foram pagos a este 6.000€, através de 3 cheques de 2.000€ cada um (um deles dos RR. e dois, do referido responsável pela empresa que efectuava os arranjos exteriores).

Por outro lado, o A. não concluiu os trabalhos, deixando zonas por calcetar e passando a exigir o dinheiro, apresentava, bem como a sua esposa medições que não correspondiam à realidade e invocavam trabalhos extra que os RR. nunca mandaram fazer ou aceitaram e, apesar de várias tentativas para resolver a situação, não o conseguiram, sendo confrontados com a factura agora em causa, que devolveram por duas vezes, por entenderem nada dever.

Com base em tal argumentação, deduziram os RR., ainda, pedido reconvencional contra o A. e sua mulher, cuja intervenção principal provocada requereram, pedindo a sua condenação solidária:

a) A reconhecerem que os RR. têm o direito a que o A. marido elimine, a expensas suas, todos os defeitos e vícios apontados, e aqui dados por reproduzidos, na calçada executada pelo mesmo e, sob a sua responsabilidade;

b) A proceder, de imediato, e no prazo máximo de 30 dias, à completa supressão e eliminação de todos os vícios apontados e defeitos existentes em toda a calçada executada, sob a responsabilidade do A. marido; para além de serem condenados em sanção compulsória por cada dia de atraso, em montante não inferior a 50€;

c) Subsidiariamente a entregarem aos RR. a quantia necessária, em ordem à realização de todos os trabalhos necessários à eliminação e suspensão dos mencionados vícios e defeitos, no valor de 10.000€;

d) Subsidiariamente, entregar aos RR., ainda, a quantia de 2.130€ a título de redução do preço de mão-de-obra aplicada;

e) A pagarem aos RR. em via principal, por danos morais, a quantia de 2.500€, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento;

f) Tudo acrescido de juros moratórios á taxa legal.

Notificado da contestação/reconvenção, o A. replicou pugnando pela improcedência da excepção de incompetência territorial e pelo pedido de condenação em litigância de má-fé que entende carecer de fundamento legal.

Quanto ao demais invocado, alega que embora seja verdade que havia sido feito orçamento e que o mesmo correspondia aos valores invocados pelos RR., a tais valores acrescia IVA, como é norma e os RR. sabiam, sendo que do preço dos trabalhos os RR. apenas lhe pagaram 2.000€.

No demais, invocaram que nunca foi acordado que os trabalhos tivessem que ser feitos pessoalmente pelo A., antes o R. tendo aceite o pessoal que foi subcontratado e nada dizendo quanto á forma como o trabalho era executado sendo que esse mesmo trabalho era fiscalizado pelo A. e a esposa, que à obra se deslocavam diariamente e contrataram todos os materiais usados na mesma.

Por outro lado, os trabalhos foram executados de acordo com as boas leis da arte e elogiados pelo R. marido que nenhum defeito invocou até porque, se a calçada se deu posteriormente isso só se deve à compactação do terreno, que não foi da responsabilidade do A., mas do dono da obra ou de terceiros por ele contratados para o efeito.

Pugna pela inadmissibilidade da reconvenção ou, caso assim se não entenda, pela sua improcedência.

Opôs-se ao deferimento do incidente de intervenção de terceiros deduzido.

Foi proferido despacho que declarou a incompetência do Tribunal em razão do território, do qual, foi interposto recurso.

Por Acórdão foi alterado o dito despacho e determinado que os autos permanecessem no Tribunal de Ansião, por ser o competente.

Com os fundamentos exarados a fls. 135 a 143, que aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais, foi decidido admitir a reconvenção e o incidente de intervenção principal deduzido, tendo sido determinada a citação de F….

Na impossibilidade de citação pessoal, veio a mesma a ser citada editalmente, na sequência do que foi cumprido o artº 15º do Código de Processo Civil.

Não obstante a sua citação edital, a chamada veio a intervir pessoalmente nos autos, conforme da sua análise se constata, nada tendo invocado.

A Sr.ª Juiz da 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:

São termos em que, e com os fundamentos expostos se decide:

1. Julgar a acção parcialmente procedente por provada, na forma demonstrada e, em consequência:

a) Condenar os RR., solidariamente, a pagarem ao A. a quantia global de 5.007,70€ (cinco mil e sete euros e setenta cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa supletiva, contados da data da sua citação e até integral pagamento.

b) Absolver os RR. do que, de mais, havia sido peticionado.

c) Condenar A. e RR., nas custas da acção, na proporção do respectivo decaimento.

2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente por provada, na forma demonstrada e, em consequência:

a) Condenar o A. a expensas suas e no prazo de 30 dias, eliminar os defeitos da calçada que executou para os RR. e enunciados nos pontos 15. a 18. dos factos provados.

b) Julgar inútil a apreciação dos pedidos subsidiariamente deduzidos.

c) Absolver o A. de tudo o que, de mais, contra si havia sido peticionado.

d) Absolver a chamada de todos os pedidos contra si deduzidos.

e) Condenar A. e RR. nas custas da reconvenção, fixando-se em 2/3 e 1/3, as respectivas proporções.

3. Julgar a improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé. ”.

2.O Objecto da instância de recurso

«O objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações dos recorrentes G… e I…, que assim concluem:

O apelado D… apresenta as suas CONTRA-ALEGAÇÕES desta forma:

...

Da leitura das alegações apresentadas pelos réus resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto fixada pela 1.ª instância, que é a seguinte:

I. Quanto à bondade da matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis.

Essencial é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio - sobre esta questão, como função legitimidora do poder judicial, aconselhamos a leitura do Acórdão do STJ, de 17.01.2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, disponível no site www.dgsi.pt.

É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos.

Importa, ainda, ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do art.º 655º do Código do Processo Civil.

 De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. As provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

Assim, na modificação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve actuar-se com prudência, só devendo suceder quando se demonstre através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório.

De todo o modo, e embora se reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal de 1.ª instância, na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.

E quando isso suceder e, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, sem descurar, obviamente, as limitações referenciadas face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância perante a prova produzida oralmente em julgamento.

Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º, em conjugação com o artigo 655.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.

Avançando.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 4.6.2013, retirado do site www.dgsi.pt, assim o entende.

Pode ler-se nessa decisão que,”... a incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no artigo 36º nº 1 CIVA (a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços), e na linha do que antes tivemos ocasião de referir, se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade IVA incluído (o ónus da prova recai sobre o adquirente) se deve concluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer.

Na verdade tratando-se de um imposto sobre o consumo que onera, como já referimos, na sua estrutura finalística o consumidor final (no contrato de empreitada o IVA recai sobre o dono da obra) está ele, salvo estipulação em contrário, obrigado, enquanto sujeito passivo e contribuinte de facto, a entregar ao empreiteiro a importância correspondente ao IVA devido (recorda-se que nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea b) CIVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização das prestações de serviços).

Refira-se, ainda e também, que em todos os casos e sobretudo quando o IVA incide sobre prestações de serviços (situação em que o mesmo se torna devido a partir da realização da prestação de serviços) se dispõe que (artigo 36º CIVA) a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente daqui resultando, na medida em que a importância relativa ao IVA não está incluída no preço, mas acresce (adiciona-se) ao preço, um decisivo argumento no sentido de que o legislador fez prevalecer a modalidade de IVA a acrescer sobre a modalidade IVA incluído, modalidade que apenas será aplicável no caso de demonstração de acordo nesse sentido.

Acrescente-se, ainda, em sustentação da posição que vimos defendendo que, dada a cada vez maior relevância económica da incidência do IVA, não pode deixar de ter-se em conta que, por via de regra e segundo o “quod plerumque accidit”, o valor do IVA deve ser considerado como elemento decisivo para a formação da vontade de contratar não fazendo sentido que o adquirente de bens ou serviços parta do pressuposto que o preço orçamentado incluía o IVA e dispense qualquer referência nesse sentido no contrato celebrado.

Assim e concluindo, o facto de no contrato nada se referir quanto ao IVA e o facto de nada se ter provado a esse propósito apenas significa que o valor contratual estipulado não incluía aquele imposto, estando-se perante uma situação comum de IVA a acrescer (artigos 7º e 36º CIVA).

Desta forma e em consonância com as regras jurídicas da hermenêutica contratual, não se colocando a hipótese de estarmos perante uma situação de isenção de IVA, torna-se, na linha do exposto e perante uma situação em que os RR - enquanto consumidores finais - foram adquirentes dos serviços prestados no contexto do contrato de empreitada, evidente que estavam e estão eles RR obrigados ao pagamento do imposto (IVA) que incide sobre o preço a pagar pelos serviços de construção que adquiriram…”.

II. Da aplicação do Direito aos factos

O Tribunal de 1.ª instância qualificou, acertadamente, o contrato celebrado de empreitada.

Dos factos provados retira-se que o A. celebrou com o 1º R. acordo mediante o qual lhe prestaria serviços de calçada em pedra miúda e pedra grossa numa vivenda propriedade de ambos os RR. sita no lugar de …, fornecendo todos os materiais para tal necessários.

Como escreve a 1.ª instância, “…do que se acaba de referir resulta claro que em causa nos autos, está, pois, um contrato de empreita, o qual, definido no art. 1207 do Código Civil (diploma ao qual pertencerão todas as disposições futuramente citadas sem qualquer outra indicação), consiste no “ (…) contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

De tal contrato, tipicamente sinalagmático, nascem obrigações para ambas as partes: para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra de acordo com o acordado; para o dono da obra, a obrigação de pagar o preço.

Ora, sendo, precisamente o preço, que o A., na qualidade de empreiteiro, veio peticionar, teremos que referir que se é líquido que o mesmo, tendo realizado a obra, indiscutivelmente e em abstracto terá direito ao pagamento do preço a imputação da obrigação de pagamento correspondente e a medida do mesmo, no caso concreto, em abstracto e em concreto, já carece de algum aprofundamento...”.

Mais, tal preço ascendeu a € 13.577,90 ao que acresce o IVA, dado os RR não terem alegado nem logrado provar o mesmo estar incluído naquele, devendo-se deduzir a quantia de € 9.150,00 referente a pagamentos efectuados pelos RR ou terceiras pessoas, por si, sendo o preço dos trabalhos de € 5.007,70.

Na sua apelação, além da alteração da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, pretendem, ainda, os apelantes:

“ O pagamento do preço só seria devido com a conclusão da obra e, aceitação por parte dos RR; o que, ainda não sucedeu.

Ao A., não é devido qualquer valor e, ainda que, assim se não entendesse, só após a conclusão da obra e, eliminação dos vícios e defeitos existentes e apurados o mesmo passaria a credor.

A pretensão do A. é ilegal, por incumprimento culposa da obrigação e, constituiria um verdadeiro abuso de direito”.

Neste particular, escreveu a 1.ª instância:

“Nada mais alegando os RR. como impeditivo do direito do A. e nada se configurando que possa ser oficiosamente conhecido, sem invocação (cfr. a este respeito e sobre o facto de a excepção de não cumprimento do contrato não ser de conhecimento oficioso o Ac. STJ de 16.3.2010 in www.dgsi.pt), incumbe pois, considerar que procede o pedido de condenação dos RR. no pagamento da supra mencionada quantia: 5.007,70€, que, em todo o caso, sempre se dirá, conforme resulta dos factos provados, corresponde aos trabalhos executados pelo A., não obstante a prova – que também foi feita – de que o mesmo não teria concluído tudo o que lhe havia sido contratado e alguns dos trabalhos, apresentam problemas, que infra se analisarão e que não obstante invocados pelos RR., o foram em moldes tais que apenas servem de sustentáculo ao pedido reconvencional deduzido...”.

Como é sobejamente sabido, a excepção de inadimplência consiste na recusa pelo credor do cumprimento da prestação enquanto o devedor não cumpre a sua ou não oferece o seu cumprimento simultâneo - artº428º, n.º 1 do Código Civil - e tem lugar, em regra, nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra.

Esta excepção é apenas um meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas, restringindo-se às obrigações principais, ou seja, aquelas que prosseguem directamente o interesse de cada um dos contraentes, de acordo, aliás, com a fisionomia - direitos/deveres - que a lei aponta na sua definição do contrato.

Lê-se no Acórdão do STJ de 15.3.2012, retirado do site www.dgsi.pt, “… como se observou no acórdão recorrido, não pode proceder a excepção de não cumprimento. Tal como se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Setembro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 184/06.4TBTND.C1.S1), a excepção de não cumprimento, cujo objectivo é o de “paralisar temporariamente a pretensão da contraparte” (acórdão de Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 674/02.8TJVNF.S1), «traduz-se na faculdade, em cujo exercício o juiz se não pode substituir à parte, de recusar o cumprimento de uma obrigação contratual invocando a não realização, pela contraparte, de prestações “correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol. anotação ao artigo 428º do Código Civil), para cuja realização não haja prazos diferentes. Se procedente, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673ºdo Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória (cfr. artigo 493º, nº 2)”.

Ou seja, esta excepção é dilatória porque somente suspende ou impede, temporariamente, o efeito jurídico do facto constitutivo.

Constitui excepção de natureza disponível, cuja factualidade integradora deve ser alegada na contestação, sob pena de preclusão, sendo que, como se escreveu no Acórdão desta Relação de Coimbra de 9.4.2013, publicado no site www.dgsi.pt,”... a recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.

Neste caso, o accionar da excepção de não cumprimento, tanto pode revestir o pedido de cumprimento simultâneo (pagarei mediante a conclusão dos trabalhos), como a recusa fundada de pagar o preço que é pedido, porque os trabalhos ainda não estão concluídos”.

Mais, “...desde logo – e afrontamos a afirmação da Apelante quanto à não invocação expressa pelas RR. da excepção de não cumprimento do contrato – importa reter a afirmação acima transcrita no relatório (no final do item 1. supra, ponto 26 da contestação de fls. 62), quanto à não exigibilidade pela A. da parcela em falta do preço das empreitadas, em função da não conclusão – da não conclusão ainda – de todas as obras contratadas nos três acordos.

Vale esta afirmação como uma implícita e relevante invocação da excepção prevista no artigo 428º, nº 1 do CC, no sentido em que esta vem sendo entendida, precisamente no quadro de um contrato de empreitada, como faculdade genérica de recusar um cumprimento face ao incumprimento da contra-parte: “[…] se um dos contraentes, não cumprindo a sua obrigação na época do vencimento (sendo o cumprimento ainda possível), reclama, apesar disso, a contraprestação, pode o devedor desta, legitimamente, recusá-la enquanto subsistir este estado de coisas – subordinando a execução da sua prestação ao cumprimento da contraprestação pelo outro contraente”.

É certo – e esta constitui outra dimensão de apreciação da relevância da excepção – que a letra do preceito contendo a noção da excepção de não cumprimento (o artigo 428º, nº 2), alude a prazos de cumprimento simultâneos.

Porém, no caso da empreitada, vem sendo entendido como estando excluída a invocação da excepção apenas nos casos – e citamos o que a tal respeito afirma João Cura Mariano – em que “[…] a obrigação de pagamento do preço não seja de vencimento anterior à entrega da obra e que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência do defeito. O primeiro requisito resulta expressamente do disposto no artigo 428º do CC, e o segundo requisito é exigido pelos ditames da boa-fé no cumprimento das obrigações (artigo 762º, nº 2 do CC)”.

Mais, a excepção do contrato não cumprido surge, até etimologicamente, como defensiva: uma pessoa defender-se-ia da exigência de uma prestação, alegando que a outra parte também não cumprira”- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. II, Direito das Obrigações, tomo IV, Coimbra, 2010, p. 140 -.

Assim sendo, têm razão os recorrentes quando afirmam que,Efectivamente, o Tribunal a quo, considerou ter sido firmado entre A. e R., um contrato de empreitada e, mais considerou aquele não ter cumprido a sua obrigação, ao não colocar, nem fornecer, conforme o convencionado, os materiais e utensílios necessários à execução da obra, como ao não proceder, pessoalmente, à realização dos trabalhos, nem do seu acompanhamento ou fiscalização, no que fora executado, encontrando-se a obra por concluir e com vícios e defeitos apontados.

Os pressupostos da causa de pedir, não se encontram verificados ou preenchidos, para o pretenso direito ao recebimento do preço (...) Os RR alegaram e pediram na sua contestação / reconvenção, que aquele, não tem esse direito, devendo a acção ser julgada improcedente e, o mesmo condenado à eliminação dos vícios e defeitos, estão – justamente – a invocar ainda, que se entenda de forma implícita ou tacita, a excepção do incumprimento ou cumprimento parcial daquele.

Mas, a invocação da excepção do não cumprimento do contrato deixa intocado o vínculo contratual.

A “exceptio” visa compelir o contraente em mora a cumprir, é um meio de pressão para o adimplemento, sob pena de não receber da contraparte a prestação correspectiva envolvida no sinalagma contratual.

Essa suspensão, se não extingue o crédito do devedor faltoso, impede, contudo, o seu exercício enquanto o seu incumprimento se mantiver.

Para o Acórdão do STJ de 23.5.02, retirado do site www.dgsi.pt, a excepção apenas suspende a exigibilidade do pagamento do preço pelos réus enquanto o empreiteiro não cumprir a obrigação de eliminação dos defeitos.

Como aí se escreve “…não se trata de obrigação ainda não exigível no momento da propositura da acção, mas de obrigação de exigibilidade suspensa enquanto a outra parte não cumpra ou oferecer o cumprimento da sua prestação”.

O art.º 662.º do Código do Processo Civil - julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação - visa a condenação do réu “in futurum”, isto é, a sua condenação a cumprir na data do vencimento da obrigação que, como salienta Lebre de Freitas, no seu Código de Processo Civil, Anotado 2.º, 2.ª ed., pág. 685, “…não estando vencida quando a acção é proposta, continua a não o estar no último momento de produção dos factos a que a sentença pode atender, isto é, à data do encerramento da discussão de facto na 1.ª instância, sem prejuízo de ser atendível, quando depende apenas do decurso do tempo, o vencimento que ocorra entre esse momento e o da sentença” (…) não é exigível a prestação quando se trate de uma obrigação de prazo certo, mas este ainda não decorreu (art.º 779.º), o prazo seja incerto e a fixar pelo tribunal (art.º 777.º, n.º 2) ou a constituição da obrigação tenha sido sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou (art. 720.º e 804.º, n.º 1)”.

Para Antunes Varela - Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 682 -, são razões de economia processual que subjazem a tal preceito, de forma a conciliar o interesse do autor (credor) em desde logo ficar munido (não obstante a precipitação por prematuridade da proposição da acção) com um título judicial, reconhecendo a existência do seu direito e condenando o réu a cumprir, com o interesse contraposto do devedor em não perder o prazo estipulado a seu favor.

Como ensina o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 8.5.2012, pesquisado no site www.dgsi.pt –, “…no caso sub judice, em que ao pedido de condenação da recorrente no pagamento do preço, a recorrida contrapôs a exceptio, não se tratou de uma obrigação ainda não exigível (v. g., por falta de vencimento ou verificação de condição) no momento da propositura da acção, mas antes de uma obrigação de exigibilidade temporariamente suspensa enquanto uma das partes (a recorrente) não cumpra ou ofereça o cumprimento simultâneo da sua prestação (…) a excepção de não cumprimento obstava à procedência da acção, embora em vez da absolvição do pedido fosse (seja) mais curial, desde logo face aos efeitos do caso julgado, julgar justificado o não pagamento do preço em dívida por parte da Ré enquanto a A. não eliminar os defeitos da obra por si efectuada, o que, a final e no uso dos poderes de substituição ao tribunal recorrido (art.º 715.º do CPC), se determinará”.

Por isso, o pagamento do valor fixado pela 1.ª instância, a título de preço devido pela execução da empreitada, só será devido quando o autor proceder, a expensas suas e no prazo de 30 dias, à eliminação dos defeitos da calçada que executou para os RR., conforme condenação da 1.ª instância que, neste particular não foi objecto de recurso.

Se assim é, também têm razão os apelantes quando dizem que não se encontram constituídos em mora, não sendo devidos quaisquer juros.

Como referem, “... entendemos, teria o mesmo A., antes de concluir a obra, eliminar os vícios e defeitos e entregar aos RR, conforme o convencionado para receber o que, eventualmente, lhe fosse devido e; não o contrário. Em qualquer dos casos, não se afigura os RR estarem constituídos em mora.

 Na verdade, até pela simples razão de, a sua obrigação não se encontrar, ainda, constituída rectius exigível”.

Ainda esta questão:

Ao contrário daquilo que os réus/reconvintes alegam, não resulta do manacial probatório, que o A. obrigou-se, pessoalmente, a proceder à execução de calçada, por ter sido indicado pelo Sr. …, na qualidade de calceteiro para as calçadas em questão, numa extensão e área bastante significativa, referente a uma moradia / vivenda nova, com piscina, casas rústicas, parte envolvente de jardim.

Pelo contrário, como decidiu a 1.ª instância, “...porém, se assim se pode concluir, bem como que tal eliminação tem que ser feita sob responsabilidade do A. e às suas custas, porque lhes deu causa, outro tanto já se não pode dizer no que tange à vertente do pedido que pretende que seja ele próprio (entenda-se fisicamente) a executar os ditos trabalhos.

É que não se tendo provado que esse foi o acordo entre as partes, conforme supra exposto e até se tendo provado que os RR. aceitaram a execução dos trabalhos por outrem, não é legítimo e afigura-se desprovido de causa um tal tipo de exigência, sendo certo que a obrigação do A., indiscutivelmente, encerra uma obrigação de fazer, adequadamente a obra que lhe foi adstrita, mas desde que cumpra tal obrigação em termos adequados, é livre de a desenvolver do modo que entender mais adequado, sendo isso, completamente irrelevante para os RR., face ao que supra se considerou e à forma como o contrato foi celebrado e posteriormente se desenvolveu a sua execução”.

Através da sanção pecuniária compulsória não se executa a obrigação principal mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado.

Sendo o fim específico de tal previsão o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência, constrangendo-o a obedecer a decisão condenatória, assim se gerando uma nova obrigação, todavia subsidiária, o seu campo de aplicação, cingido às obrigações de prestação de facto infungível, positiva ou negativa, se estende apenas, quanto a estas últimas, às de natureza duradoura, isto é, aquelas cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por quem, na medida em que se não mostra susceptível de execução específica.

De facto, a realização pelo devedor de prestação a que haja sido condenado sob a ameaça de sanção pecuniária compulsória continua a ser cumprimento, razão por que tal sanção não pode ser qualificada de "execução indirecta ou compulsória" - Calvão da Silva, "Sanção pecuniária compulsória (Artigo 829-A do Código Civil", separata do BMJ n.º 359, págs. 28, 30 e 32).

Como se vê do n.º 1 do artigo 829-A, o instituto em apreciação, foi admitido na nossa lei em termos muito limitados.

Por um lado, só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e mesmo assim desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do devedor.

A infungibilidade da prestação de facto é o correlato da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória e analisa-se, no aspecto prático, pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.

As obrigações negativas duradouras, de natureza continuada ou periódica são o "domínio por excelência da sanção pecuniária compulsória, dada a sua infungibilidade natural e a necessidade de evitar contravenções sucessivas", mas ela é também aplicável às prestações de facto positivas, desde que infungíveis.

Ora, tal não acontece nestes autos ou, pelo menos, os apelantes não lograram trazer aos autos tais pressupostos.

Também, não têm razão quando pretendem que o autor seja condenado como litigante de má-fé.

Como escreve a 1.ª instância, “...No caso dos autos, não obstante algumas das alegações do A. se poderem configurar como lide ousada, porque não falece em absoluto razão á pretensão que submeteu a juízo e, na realidade, não se provou que não haja pago pelo menos parte dos materiais e os pagamentos que declarou não ter recebido, acabou por resultar provado que foram feitos por outrem que não os próprios RR. (embora a eles aproveitem), entendemos que não se encontra suficientemente fundado que tenha actuado de verdadeira má-fé, entendida nos termos supra expostos”.

O fundamento ético do instituto a dignidade da pessoa humana e o carácter gravoso e estigmatizante de uma condenação como litigante de má-fé exigem que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão) - neste preciso sentido, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 20.10.2009, e do STJ de 28.05.2009, ambos acessíveis no site www.dgsi.pt.

Tendo-se, outrossim, em consideração que, dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual “a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina defumo da inanidade da sua posição processual…” -São palavras do STJ, no seu Acórdão de 11.12.2003, retirado do site referido.

Assim, improcede, pois, o pedido da sua condenação a esse título.

Uma última nota para dizer o seguinte:

Conforme concluímos aquando da alteração da matéria de facto, mostra-se provado que, “do exercício da actividade do A. resultam vantagens para o património comum do casal e, com as quantias entregues a título de pagamento por parte dos RR, com as mesmas, o casal ocorre a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar com alimentação, vestuário, calçado e todas as demais relativas a uma economia doméstica”.

A 1.ª instância justifica-se assim:

“Os RR., pretendem a condenação também da chamada, nos pedidos deduzidos e, não obstante a procedência de alguns deles, nessa parte já não lhes assiste razão.

É que a demanda da mesma, nos presentes autos, na parte em que procede, sustenta-se exclusivamente na circunstância de ser ela casada com o A., à data da celebração do negócio, posto que este foi o único contraente no mesmo, conforme alegações e prova, nessa parte.

Contudo, no que diz respeito ao pedido principal, que já se considerou de proceder e que terá que se apreciar quanto à chamada, já que a demanda de ambos os reconvindos foi solidária, resulta óbvio que quanto à obrigação de reparação a mesma por não constituir uma dívida, mas antes uma obrigação de facere, tendo o A. o exclusivo domínio do facto, o pedido reconvencional não está em condições de proceder…”.

O que agora está em causa é a procedência ou improcedência do pedido reconvencional – eliminação dos defeitos - contra a ré mulher.

Assente está que a reconvinda mulher não interveio no contrato de empreitada que foi celebrado entre o autor e marido e os réus - foi este o contrato celebrado, nisso estando as partes de acordo e foi assim que foi qualificado na decisão da 1.ª instância -, nem na sua execução e incumprimento.

Para ser responsabilizada pelo alegado incumprimento contratual por parte do seu agora cônjuge, terá que se verificar alguma das situações previstas nas cinco alíneas do nº 1 do art. 1691º do Código Civil, nomeadamente a sua alínea d).

Aí escreveu o legislador: “São da responsabilidade de ambos os cônjuges: As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens”.

Como sabemos, nos termos do artigo 15.º do Código Comercial, as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do comércio.

As dívidas são comerciais se emergirem de actos de comércio.

Estes – de acordo com o artigo 2.º do mesmo código - podem assumir tal natureza, por razões objectivas (se especialmente regulados em tal diploma) ou subjectivas (se forem da autoria de comerciantes, nos casos em que não forem de natureza exclusivamente civil ou o contrário do próprio ato não resultar).

O autor desenvolve profissionalmente a actividade de execução de calçadas, pavimentos em cimento e lancis, mediante o pagamento de tais serviços, ficando logo preenchidos os requisitos daquela alínea d) do n.º1 do artigo 1691.º do Código Civil - Como diz Lobo Xavier, citado por Abílio Neto in CC Anotado, págs. 1113 e 1114, “O objectivo do art. 1691º, nº 1, al. d) é a tutela do comércio na medida em que, alargando-se o âmbito da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio, se lhes facilita a obtenção de crédito e se favorecem as actividades mercantis e o sacrifício imposto ao cônjuge e família do comerciante não é arbitrário, por se entender que, em princípio, a dívida terá sido ... contraída no interesse do casal ..., com vista a granjear proveitos a aplicar em benefício da família”.

Estando preenchidos tais requisitos, cabia aos réus a alegação e demonstração dos factos integrantes das ressalvas previstas na mesma norma.

Nada alegaram, tendo confessado tais factos.

Mais, a dívida em causa - reportada à reparação dos defeitos verificados na obra e indemnização das despesas que os réus/reconvintes vierem a ter, directa ou indirectamente, por força dos trabalhos de eliminação dos defeitos - resulta do exercício da actividade do autor marido.

Quando a Sr.ª Juiz da 1.ª instância refere que existe “…uma obrigação de facere, tendo o A. o exclusivo domínio do facto, o pedido reconvencional não está em condições de proceder…”, até poderá ter razão – em primeira aparência -, mas esquece-se que o autor poderá não cumprir os prazo de 30 dias para eliminar as deficiências na empreitada, sendo que, os réus reconvindos poderão/deverão contratar 3.ªs pessoas para eliminar tais defeitos, sendo que as instâncias afastaram a aplicação da sanção pecuniária compulsória.

Por isso, julgamos este segmento da instância recursiva e, neste particular, altera-se a decisão recorrida na parte em que absolveu a chamada mulher deste pedido, condenando-a, em consequência, também em conjunto com o autor/reconvindo.

Sumariando esta decisão, poderemos concluir:

i. Embora se reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal de 1.ª instância, na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.

ii. Quando isso suceder e, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção que formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, sem descurar, obviamente, as limitações referenciadas face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância perante a prova produzida oralmente em julgamento.

iii. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º, em conjugação com o artigo 655.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.

iv. Em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão, sempre que estes factos jurídicos não constituam o “thema decidendum”.

v. A incidência de IVA sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no artigo 36º nº 1 CIVA (a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços), e na linha do que antes tivemos ocasião de referir, se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade IVA incluído (o ónus da prova recai sobre o adquirente do serviço) se deve concluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer.

vi. A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.

vii. Por isso, o pagamento do valor fixado pela 1.ª instância, a título de preço devido pela execução da empreitada, só será devido quando o autor proceder, a expensas suas e no prazo de 30 dias, à eliminação dos defeitos da calçada que executou para os RR., conforme condenação da 1.ª instância que, neste particular não foi objecto de recurso.

viii. A realização pelo devedor de prestação a que haja sido condenado sob a ameaça de sanção pecuniária compulsória continua a ser cumprimento, razão por que tal sanção não pode ser qualificada de "execução indirecta ou compulsória".

ix. Como se vê do n.º 1 do artigo 829º-A, o instituto em apreciação, foi admitido na nossa lei em termos muito limitados.

x. Só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e mesmo assim desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do devedor.

A infungibilidade da prestação de facto é o correlato da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória e analisa-se, no aspecto prático, pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.

 3.Decisão

Pelas razões expostas e no parcial provimento do recurso interposto, decidem os Juízes desta Secção:

1. Em declarar que o pagamento do valor fixado pela 1.ª instância, a título de preço devido pela execução da empreitada, só será devido quando o autor proceder, a expensas suas e no prazo de 30 dias, à eliminação dos defeitos da calçada que executou para os RR., conforme condenação da 1.ª instância que, neste particular, não foi objecto de recurso.

2. Condenamos, solidariamente, o autor e a chamada, mulher do autor, a entregarem aos RR. a quantia necessária, em ordem à realização de todos os trabalhos necessários à eliminação e suspensão dos mencionados vícios e defeitos, no valor de 10.000€, caso o autor não cumpra o Ponto 1) desta decisão..

3.No mais mantemos a decisão da 1.ª instância.

4.Custas pelos apelantes e apelados, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.

Coimbra, 11 de Fevereiro de 2014

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)