Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
423/09.0TBOHP-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
HIPOTECA
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.749, 751 CC, DL Nº 103/80 DE 9/5, DL Nº 38/2003 DE 8/3
Sumário: O privilégio imobiliário geral, da Segurança Social, não prefere à hipoteca, aplicando-se o art. 749 e não o art. 751 do CC.
Decisão Texto Integral: Decisão sumária (nos termos do art. 705 do CPC):

               Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que Banco ..., SA (= A...), move contra E (…) e A (…) (= executados), foram reclamados os seguintes créditos:

               1. O A... reclamou 63.711,71€, decorrente de um contrato de mútuo celebrado com os executados, e juros vencidos de 129.559,98€ contados à taxa de 9.738% desde 25/08/2007 e vincendos, acrescidos de imposto de selo à taxa em vigor, baseando-se em hipoteca constituída sobre o imóvel penhorado nos autos principais de execução.

               2. O Centro Distrital de Segurança Social de ... = CDSSC) reclamou 9.578,34€ proveniente de contribuições devidas pela executada, acrescido de juros de mora de 2.511,27€.

               Nos autos principais de execução encontra-se penhorado o bem imóvel constante do auto de penhora com o P.E. 154940.

               Tais créditos foram verificados e depois graduados do seguinte modo pela sentença proferida nos autos:
         1º - O crédito reclamado pelo CDSSC;
         2° - O crédito reclamado pelo A... (aí se abrangendo apenas os juros vencidos e vincendos durante os três anos posteriores ao respectivo vencimento);
         3° - O crédito exequendo.

               O A... recorreu desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1 - À luz da sentença recorrida, os créditos do A... foram graduados em 2º lugar, mercê da hipoteca constituída sobre o imóvel penhorado e identificado nos autos, logo após os créditos reclamados pelo CDSSC;
         2 - A questão fundamental que se coloca no âmbito do presente recurso prende-se com o problema de saber se, na graduação e em relação ao produto do bem imóvel penhorado nos autos, os créditos garantidos por hipoteca devem ou não prevalecer sobre os créditos da Segurança Social que gozam de privilégio imobiliário geral nos termos do art. 11º do Dec.-Lei 103/80, de 9/5.
         3 - Ora, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 363/2002, publicado no Diário da República de 16/10/2002, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do estado de direito democrático, consagrado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes do art. 11º do Dec.-Lei nº 103/80, de 09/05, e do art. 2º do Dec.-Lei nº 512/76, de 03/07, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do art. 751º do Código Civil.
         4 - Consequentemente, em face do exposto, os direitos de crédito da Segurança Social, garantidos por privilégios imobiliários gerais, cedem, na ordem de graduação, perante os créditos garan-tidos por hipoteca.
         5 - Ao decidir, como decidiu, o tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: acórdão do TC nº 363/2002, arts 749º e 686º do CC.

               O CDSSC não contra-alegou.

                                                                 *

               Questões que importa decidir:

               Se o crédito do CDSSC deve ceder perante a hipoteca, ou seja, se deve ser graduado depois dela, ao contrário do decidido na sentença recorrida.

                                                                 *

               Na sentença recorrida considerou-se que “em conformidade com o disposto no art. 11º do DL n.° 103/80, de 09/05 [por força também do art. 2 do Dec. Lei 512/76, de 03/07], e 751º do CC, o crédito reclamado pelo CDSSC prevalece sobre o crédito hipotecário.”

               Desconsiderou-se, com isso, sem se justificar, a declaração com força obrigatória geral, invocada pelo recorrente, do ac. do TC 363/2002, transcrita acima.

               Mas, e principalmente, ao invocar-se o disposto no art. 751 do CC, não se teve em conta o seu preciso teor, que decorre da redacção do Dec. Lei 38/2003, de 08/03, à data de todos os factos com relevo nestes autos já em vigor (e já posterior ao ac. do TC): “Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.”

               Ou seja, na redacção inequívoca da lei - por isso hoje sem necessidade sequer de ter em consideração o ac. do TC e a sua declaração de inconstitucionalidade -, só os privilégios imobiliários especiais gozam de preferência sobre as hipotecas.

               O que aliás veio a pôr tal norma de acordo com a norma do art. 686º/1 do CC: “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

               Ora, o privilégio invocado, no caso dos autos, é um privilégio imobiliário geral, não especial. Pois que, tendo em conta a norma do art. 735/2 do CC, aplicada por analogia evidente no caso, os privilégios imobiliários são gerais se abrangem o valor de todos os bens imóveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens imóveis. E no caso, a norma do art. 11/2 do Dec. Lei 103/80, de 9/5, dispõe que “os créditos […] gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo”, ou seja, sobre todos eles, não sobre determinados bens.

                                                                 *

               Neste sentido, por exemplo, vejam-se, apenas por exemplo entre muitos outros:

               O ac. do STJ de 25/10/2005 (05A2606 – embora com um voto de vencido):
         I - O art. 751 do CC contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela. II - Assim, os direitos de crédito garantidos por tais privilégios cedem perante direitos de crédito garantidos por hipoteca.

               O ac. do TRC de 31/10/2006 (521-A/1999.C1):
         Na graduação de créditos para pagamento pelo produto do imóvel penhorado o privilégio creditório por dívidas à segurança social não prevalece sobre a hipoteca.

               O ac. STJ de 22/03/2007 (07A580):
         Os créditos relativos a IRS gozam de privilégios mobiliário e imobiliário gerais. II. Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do CC, a seguir aos créditos hipotecários. A alteração introduzida pelo Dec.-Lei nº 38/2003 de 8/3 no art. 751º do CC tem natureza interpretativa.

               O ac. do TRE de 30/10/2008 (1083/08-2):
         O crédito garantido por hipoteca prevalece sobre o privilégio imobiliário geral

               O ac. do TRC de 12/05/2009 (1263/08.9TBVIS-A.C1):
         I - O privilégio imobiliário de que goza a Fazenda Nacional por créditos provenientes de IRC (art. 108º do CIRC) tem natureza geral. II – No confronto entre créditos beneficiados com esse privilégio e créditos garantidos por hipoteca tem aplicação não o art. 751º do CC., mas antes o art. 749º, nº 1, do mesmo diploma legal. III – A alteração dos arts 735º, nº 1, e 751º do CC, resultante do DL. nº 38/2003, de 8/03, que entrou em vigor em 15/09/2003, veio tornar claro que, embora os privilégios imobiliários estabelecidos no CC sejam sempre especiais, pode haver, e há, privilégios imobiliários estabelecidos em legislação avulsa que, incidindo não sobre bens concretos e determinados mas antes sobre todos os bens de que o devedor seja titular à data da penhora ou outro acto equivalente, têm natureza geral. IV – Como tal, os créditos garantidos por hipoteca preferem aos créditos beneficiados com privilégio imobiliário geral, sendo, portanto, aqueles graduados à frente destes.

               O ac. do TRL de 27/10/2009 (8103/03.3TVLSB-A.L1-7):
         O crédito da fazenda nacional relativo a IRC deve ser graduado após o crédito hipotecário, uma vez que apenas goza de privilégio imobiliário geral, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 751º do CC, mas antes o estatuído no art. 749º do mesmo diploma legal)

               O ac. de 04/02/1010 do TRL (1411/05.0TBTVD-A.L1-6)
         I Os créditos relativos a contribuições do regime geral de previ-dência e os respectivos juros de mora gozam privilégio mobiliário e geral e privilégio imobiliário sobre os bens imóveis. II - Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do CC, a seguir aos créditos hipotecários).
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               Sumário:

               O privilégio imobiliário geral, da Segurança Social, não prefere à hipoteca, aplicando-se o art. 749 e não o art. 751 do CC.

                                                                 *

               Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, mantendo-a no mais, revogar em parte a sentença recorrida, de forma que a graduação dos créditos reclamados (e agora em discussão) fique pela ordem seguinte:
         1º - O crédito reclamado pelo CDSSC;
         2° - O crédito reclamado pelo A... (aí se abrangendo apenas os juros vencidos e vincendos durante os três anos posteriores ao respectivo vencimento).

               Custas do recurso pelo CDSSS.

              

               Pedro Martins