Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
313/15.7GCACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA;
INEXISTÊNCIA DO ENDEREÇO INDICADO
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 196, DO CPP
Sumário:
I – Todas as notificações legais por via postal simples que forem expedidas para o – presumivelmente verídico – endereço pelo próprio arguido para o efeito indicado no respectivo TIR se haverão naturalmente de ter por jurídico-processualmente perfectibilizadas, independentemente, pois, da respectiva (endereço) existência física ou não.
II – A opcional falsidade informativa a tal propósito [prestada pelo arguido quando sujeito a TIR], evidentemente tendente à obstrução/frustração da pertinente marcha procedimental e ao pessoal esquivamento à correspectiva responsabilização criminal, de todo estranha aos competentes Serviços, só a si próprio haverá de onerar.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Acordamem conferênciana 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – INTRODUÇÃO

§ 1.º
Ao que ora releva:
1 – Havendo sido oportunamente constituído arguido, o cidadão AA prestou, nessa qualidade, em 07/03/2016, o Termo de Identidade e Compromisso de Residência (TIR) ora certificado a fls. 27 deste processo incidental (separado) – a que doravante implicitamente nos reportaremos –, em cujo âmbito indicou como correspondente ao da respectiva residência o endereço «Avenida ---», assumindo, na sequência de referente explicação e advertência, aí passar a receber a correspondência oficial atinente ao correspectivo processo criminal, se e enquanto não comunicasse por escrito a respectiva alteração, tudo em conformidade com o disposto sob o art.º 196.º, máxime n.ºs 2 e 3, al. c), do Código de Processo Penal (CPP), e sob a consequência estabelecida sob a imediata al. d);
2 – Para aí foi entretanto expedida pelos pertinentes Serviços do Ministério Público, por via postal simples, em rigorosa observância da dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos arts. 283.º/6, 113.º/1/c) e 196.º/2/3/c) do CPP, carta com cópia da acusação do Ministério Público contra si (id.º arguido) oportunamente deduzida (certificada a fls. 6/7) Por crime de ameaça agravada [p. e p. pelos arts. 153.º/1 e 155.º/1/a) do Código Penal]., para concernente notificação, (vd. fls. 20), que veio a ser posteriormente devolvida pelos Serviços Postais por constatação da inexistência do indicado -º no referenciado edifício com o n.º - de polícia da Avenida ----, (vd. fls. 23);
3 – Notificada de tal devolução, a defensora do id.º arguido não se pronunciou sobre a respectiva problemática;
4 – Na sequência, considerando validamente realizada a projectada/referida notificação, o Ministério Público determinou o envio do processo a distribuição para a fase de julgamento, (vd. fls. 31).
§ 2.º
Todavia, o magistrado judicial a quem coube a correspectiva competência decretou a irregularidade da referenciada notificação acusatória e ordenou a devolução processual ao Ministério Público para adequado suprimento, pelo despacho documentado a fls. 34/37, cuja essencialidade ora se integra:
«[…]
Dito isto, e de novo compulsados os autos, constata-se que, salvo o devido respeito pelo entendimento subjacente ao despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 124, o arguido continua a não se mostrar regularmente notificado da acusação contra si deduzida a fls. 80-81.
Com efeito, decorre do n.º 3 do artigo 113.º do Cód. Proc. Penal que a notificação levada a cabo por via postal simples só se considera concretizada (no 5.º dia posterior) nos casos em que o distribuidor do serviço postal deposita efectivamente a carta na caixa de correio do notificando, lavrando uma declaração em que indica a data e confirma o local exacto de tal depósito.
Ora, conforme se alcança de fls. 113 e 114, o expediente relativo à notificação da acusação ao arguido foi remetido para a morada feita constar do termo de identidade e residência de fls. 117 e devolvido aos autos sem que, no respectivo talão de fls. 114, haja sido aposta declaração de efectivo depósito, indicando-se no sobrescrito de fls. 113 «end. insuficiente».
Neste conspecto, não desconhecendo a existência de pelo menos dois arestos de tribunais superiores que parecem acolher a sobredita posição subjacente ao despacho de fls. 124 (Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-05-2014 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2015, disponíveis, tal como todos os demais que citaremos, em www.dgsi.pt, neste caso sob, respectivamente, Processos n.ºs 346/10.0GBLSA.C1 e 3/03.3IELSB.L1-9), e considerando aqui reproduzidos os fundamentos que se esgrimem em defesa de cada uma das teses em confronto, acompanhamos o Professor Paulo Pinto de Albuquerque no entendimento de acordo com o qual, se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, a notificação não se considera efectuada (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, UCE, 2011, p. 303).
Também nesse sentido se pronunciam, por exemplo, o Sr. Procurador Fernando Gama Lobo (Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2015, p. 171) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2006 (Processo n.º 239/06), fazendo notar que, contrariamente ao que acontece nos n.ºs 2 e 3 do artigo 113.º em apreço, o n.º 4 não diz que se considera a notificação efectuada.
Não estando, assim, o arguido regularmente notificado, há que ter presente, como já antes assinalámos no despacho de fls. 94 a 96, que nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, a remessa dos autos para julgamento sem a notificação da acusação ao arguido só é legalmente admissível quando os procedimentos para a sua notificação se tenham revelado ineficazes.
É bem verdade que o artigo 336.º, n.º 3, do mesmo diploma, salvaguarda a possibilidade de o arguido ser notificado da acusação e requerer a abertura da instrução quando o processo haja prosseguido nos termos do citado artigo 283.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal.
Mas o que também não é menos verdade é que no caso em apreço não se achavam verificados, do nosso ponto de vista, os pressupostos para que o processo fosse remetido para julgamento sem a regular notificação da acusação ao arguido, cujo paradeiro é conhecido, só assim se percebendo que, sem dificuldade, o o.p.c. competente o tenha sujeitado ao sobredito termo de identidade e residência de fls. 117.
Aliás, e sem querermos imiscuir-nos no âmbito das competências próprias do Ministério Público, nem se percebe, salvo o devido respeito, a razão pela qual não se aproveitou o mesmo ensejo para que o o.p.c. tivesse notificado o arguido da acusação por contacto pessoal, o que evitaria os engulhos processuais ulteriores.
Nesta conformidade, […] entendemos estar-se perante uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, a ser eventualmente suprida pelo Ministério Público.
Não desconhecendo o entendimento, sobretudo baseado na autonomia do Ministério Público, de que deve ser o tribunal de julgamento a sanar a irregularidade em causa (v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2006 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2013: respectivamente, Processos n.ºs 06P1403 e 406/10.7GALNH-A.L1-5), não podemos deixar de acompanhar o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-04-2014, quando ali se faz notar que «[n]ão é indiferente a fase do processo em que o arguido é notificado da acusação.
É certo que em qualquer fase ele pode requerer a realização da instrução, mas isso é uma abstracção. Pode concretizar-se com facilidade para o arguido que sabe ou tem facilidade de contratar quem saiba. Não para o comum cidadão que não sabe e/ou não tem facilidade de contratar quem saiba em tempo útil. E que tenderá a considerar que a marcação do julgamento é uma realidade inultrapassável.
Outra alternativa será determinar que o juiz que cumpre o artigo 311º abra uma “fase” nova no processo para notificar o arguido da acusação do Ministério Público.
(…)
Mas aqui também não é indiferente o arguido ser notificado pelo Ministério Público que o acusa ou pelo juiz de um tribunal que o vai julgar. O cidadão/ã que recebe a notificação não será uma abstracção sabedora, será um cidadão normal com dificuldade em perceber a notificação e seus efeitos».
Acresce que, fazendo agora uso das palavras do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2008 (Processo 0840059), a apontada irregularidade afecta «direitos fundamentais, conduzindo à invalidade do acto inquinado e comunica a invalidade ao acto de remessa dos autos para julgamento, devido ao nexo de dependência existente entre eles».
Na confluência de todo o exposto, julgo verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, determino a devolução dos autos ao Ministério Público para os efeitos ali tidos por convenientes e, designadamente, para que ali seja eventualmente reparada a aludida irregularidade.
[…]»
§ 3.º
1 – Pugnando pela respectiva revogação, dele (referido despacho judicial) recorreu Sem contraposição (resposta) do próprio arguido. o Ministério Público – pela peça documentada a fls. 41/52 –, fundado no seguinte – conclusivo – razoamento:
«[…]
1. Nos presentes autos, o Ministério Público proferiu a fls. 80-81 despacho de acusação contra o arguido AA, o qual, em 07.03.2016, prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 117, indicando como morada de residência o endereço Avenida ----, assinando o referido TIR (cf. fls. 117v).
2. Nesse TIR, antes da assinatura do arguido, consta, além do mais, a informação «de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento», em conformidade com o estabelecido na alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP.
3. Em 07.03.2017, o despacho de acusação foi remetido ao arguido via postal simples com prova de depósito endereçado para a Avenida ---- (cf. fls. 110-111).
4. Tal notificação postal veio devolvida com indicação, no verso do respectivo envelope, com as indicações de «End. Insuficiente» e de que «Esta correspondência ficou depositada no dia 8-3-17» (cf. fls. 113-114).
5. Quanto à incoerência das indicações constantes no sobredito envelope, os CTT informaram a fls. 122 que «feitas as averiguações necessárias, junto do responsável operacional do Centro de Distribuição Postal 2460 Alcobaça, fomos informados que a morada que constava no referido objecto tinha o endereço insuficiente/incorrecto, “o nº - da Avenida --- não tem o --” o que inviabilizou a sua entrega/depósito, tendo o mesmo sido devolvido à origem, conforme as normas em vigor» e que «mais se informa, que o distribuidor por lapso preencheu a Prova de Depósito».
6. A falta de depósito da notificação ao arguido por endereço incorrecto/insuficiente foi notificada à Il. Defensora do arguido (cf. fls. 123), que nada disse, tendo então sido ordenada a remessa dos autos à distribuição por despacho proferido a fls. 124 e, nessa sequência, sido proferido o despacho judicial de fls. 131-134, considerando que o arguido não se encontra regularmente notificado do despacho de acusação, em virtude de não ter ocorrido o depósito, e declarando a existência do vício da irregularidade processual da notificação do arguido.
7. Na fundamentação do douto despacho recorrido, invoca-se a norma prevista no n.º 4 do artigo 113.º do CPP [«se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao Tribunal remetente»] para concluir que da mesma não resulta que se deva considerar efectuada a notificação, ao contrário da norma prevista no n.º 5 do mesmo preceito para as notificações postais simples.
8. É desta interpretação jurídica, vertida no douto despacho recorrido que o Ministério Público discorda, já que o inverso também se verifica: ou seja, a norma prevista no n.º 4 do artigo 113.º do CPP não estabelece como consequência da impossibilidade de depósito da notificação remetida via postal com prova de depósito que a notificação deva considerar-se como não efectuada – nem, em bom rigor, tal consequência se encontra nalguma outra norma processual ou constitucional.
9. Importa distinguir entre o formalismo legalmente previsto para a expedição da notificação postal, nalguma das suas modalidades, e o momento da recepção ou impossibilidade de recepção dessa notificação postal, por serem momentos temporalmente diferentes (expedição e recepção) e, no que concerne à Secretaria (do Ministério Público ou judicial), apenas sobre o momento da expedição é que ocorre a possibilidade e o dever de cumprir o formalismo legal aplicável ao acto de notificação em causa; depois da notificação postal ser confiada aos serviços postais e ser fisicamente apresentada no espaço físico do endereço constante da mesma, já se está no âmbito do momento da recepção da notificação, cuja sorte não depende da Secretaria (que não tem qualquer domínio sobre o receptáculo postal da morada indicada no TIR).
10. A impossibilidade de depósito ou de recepção da notificação postal somente se deve ao arguido sujeito a TIR, atendendo à inequívoca norma «de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento», prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP.
11. A interpretação defendida no douto despacho recorrido implica, com o devido respeito, a desresponsabilização do arguido quanto às obrigações decorrentes do TIR, colocando o Ministério Público ou o Tribunal – enfim, a autoridade judiciária – à mercê do “chico-espertismo” processual (fuga às notificações) e da fraude à lei (casos em que o próprio notificando dá uma morada inexistente, morada com a caixa do correio destruída ou sem caixa de correio ou mesmo destrói a caixa depois de dar a morada correcta) de que alguma doutrina se lamenta, mas sem que nenhuma norma processual ou princípio constitucional imponha tal solução.
12. In casu, a notificação do despacho de acusação ao arguido foi remetida com observância de todo o formalismo legal; simplesmente, se não foi recepcionada por insuficiência ou inexistência do endereço de residência indicado pelo arguido, tal constitui um facto não imputável à Secretaria nem aos serviços postais, não correspondendo a qualquer inobservância do formalismo previsto para a expedição da notificação.
13. Em abono do sentido da solução defendida no presente recurso invoca-se, além do mais, a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 14.05.2014 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 04.06.2015, ambos publicados no sítio www.dgsi.pt e para cujos fundamentos se remete por economia processual.
14. Consequentemente, entende-se não ocorrer o vício da irregularidade processual previsto no artigo 123.º do CPP invocado no douto despacho recorrido, que assim deverá ser revogado e substituído por outro, que receba a acusação deduzida.
[…]»
2 – Nesta Relação foi emitido parecer por Ex.mo magistrado do mesmo órgão da administração da justiça (M.º P.º), em sentido concordante com a tese e pretensão recursórias, (vd. peça de fls. 63/66).

II – AVALIAÇÃO

1 – Emerge da economia da peça recursiva a demanda pelo Ministério Público a esta Relação da jurídica resolução da problemática concernente à validade da notificação da acusação ao id.º arguido AA por via postal simples expedida para o endereço por si próprio falsamente indicado no TIR certificado a fls. 27, e à legitimidade do órgão judicial competente para o julgamento processual para conhecer/decretar a sua suposta irregularidade.
2 – Com o devido respeito por distinta opinião, máxime pela referenciada do Exm.º signatário do questionado despacho, impõe-se, liminarmente, concluir pela perfeição jurídico-processual a tal acto notificativo concernente, ou, subsidiariamente, pela respectiva convalidação/sanação, pela seguinte, nuclear, ordem-de-razões:
2.1 – Como presumivelmente cognoscível de qualquer jusperito, a especial normação jurídico-processualmente firmada sob o art.º 196.º, máxime n.ºs 2 e 3, als. a), b), c) e d), do CPP Artigo 196.º (Termo de identidade e residência)
1 – A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2 – Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 – Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.
[…], disciplinar dos deveres dos sujeitos-arguidos em processo criminal de pessoal disponibilização à pertinente e oportuna acção legal das competentes autoridades policiais e/ou judiciárias em qualquer fase processual – até à extinção da correspectiva pena, em caso de condenação, [cfr. respectivo n.º 3/e)] –, estatutariamente definidos sob o art.º 61.º/3, mormente al. a), do mesmo compêndio legal Artigo 61.º (Direitos e deveres processuais)
[…]
3 – Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:
a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado;
b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade;
c) Prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido;
d) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente.
[…], tem por firme – e expressamente assumida pelo respectivo legislador, (vide, designadamente, preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12) – finalidade a respectiva (arguidos) responsabilização pela veracidade das próprias informações acerca do local de pessoal contactabilidade pelo Sistema de Justiça e a obstacularização à morosidade processual, comprometedora da eficácia do direito penal, (cfr. referido preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12), na maior parte dos casos por efeito de próprias artificiosas atitudes de eximição à acção da Justiça. Nesse pressuposto – e no que ora releva –, todas as notificações legais por via postal simples que forem expedidas para o – presumivelmente verídico – endereço pelo próprio arguido para o efeito indicado no respectivo TIR se haverão naturalmente de ter por jurídico-processualmente perfectibilizadas, independentemente, pois, da respectiva (endereço) existência física ou não, já que a opcional falsidade informativa a tal propósito, evidentemente tendente à obstrução/frustração da pertinente marcha procedimental e ao pessoal esquivamento à correspectiva responsabilização criminal, de todo estranha aos competentes Serviços, só a si próprio haverá de onerar – como vem sendo convergentemente entendido em concernentes arestos dos tribunais superiores nacionais, mormente desta Relação de Coimbra, de que exemplificativamente se sinalizam os seguintes, a propósito reunidos em idóneas bases de dados e noticiados na web: de 18/12/2008, do STJ, produzido no âmbito do Proc. n.º 08P2816 Relatado pelo Exm.º conselheiro Simas Santos. (in http://www.dgsi.pt/jstj); de 12/01/2010, do TC, produzido no âmbito do Proc. n.º 498/09 Relatado pelo Exm.º conselheiro João Cura Mariano. (in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc); de 14/05/2014, 08/03/2017 e 05/07/2017, respectivamente produzidos no âmbito dos Procs. 346/10.0GBLSA.C1 Relatado pelo Exm.º desembargador Jorge Dias., 1110/14.2PCCBR.C1 Relatado pela Exm.ª desembargadora Alice Santos, e concordantemente votado e subscrito, na qualidade de adjunto, pelo ora relator. e 706/12.1TAACB-A.C1 Relatado pelo Exm.º desembargador Orlando Gonçalves – curiosamente referente a recurso de idêntico acto decisório do mesmo tribunal (!). (in http://www.dgsi.pt/jtrc); e de 04/06/2015, produzido no âmbito do Proc. n.º 3/03.3IELSB.L1-9 Relatado pelo Exm.º desembargador Abrunhosa de Carvalho. (in http://www.dgsi.pt/jtrl).
Por conseguinte, como recursivamente significado, havendo os Serviços do Ministério Público escrupulosamente cumprido o procedimento legal imposto pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos arts. 283.º/6, 113.º/1/c) e 196.º/2/3/c) do CPP, de notificação da referenciada acusação ao id.º arguido pelo envio de correspondente cópia por correio simples para o endereço por si próprio feito consignar – em 07/03/2016 – no TIR certificado a fls. 27, nenhuma atinente ilicitude jurídico-processual virtualmente corruptiva da validade do próprio acto notificativo lhes pode ser assacada.
2.2 – Aliás, ainda que tal se hipoteticamente concebesse, sempre a correspondente irregularidade – assim meramente qualificável, por força da estatuição normativa do art.º 118.º/1/2, por confronto com a dos arts. 119.º e 120.º, do CPP – se há muito (com referência ao momento da produção do questionado despacho judicial) houvera sanado, em razão do silêncio jurídico-processual da defensora do próprio arguido, sua legal e bastante representante (cfr. art.º 63.º/1 do CPP), no prazo legal de 3 (três) dias de correspondente arguibilidade – prevenido sob o art.º 123.º/1 do CPP – subsequente à notificação que lhe fora feita da devolução pelos Serviços Postais da referida carta notificativa. Logo, encontrando-se tal figurada vicissitude inelutavelmente convalidada aquando da distribuição do processo para julgamento, absolutamente vedado estava já ao competente/respectivo órgão judicial dela conhecer, e, ademais, muito menos, a juridicamente inconsentida – quer pelo convocado dispositivo do art.º 123.º/2 seja pelo do art.º 311.º do CPP – devolução ao autónomo órgão do Ministério Público do encargo da sua adequada reparação, que, quando muito, a si próprio (julgador) e à respectiva Secretaria Judicial então, nesse ajuizado pressuposto de subsistência da lucubrada invalidade notificativa da acusação, incidentalmente incumbiria, por preciso efeito da evocada regra do art.º 123.º/2 do CPP Artigo 123.º (Irregularidades)
1 – Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
2 – Pode-se ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que dela se tomar conhecimento, quando puder afectar o valor do acto praticado..

III – DISPOSITIVO

Como assim – sem outras considerações, por juridicamente anódinas, e, como tal, ilícitas/proibidas, (cfr. art.º 130.º do Código de Processo Civil) –, o pertinente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao avaliando recurso do Ministério Público, delibera revogar o questionado despacho judicial e determinar ao competente órgão julgador a respectiva substituição por outro pertinentemente observativo da disciplina jurídico-processual postulada sob os arts. 311.º a 313.º do CPP.
***
Sem tributação
***
Coimbra, 24 de abril de 2018

Abílio Ramalho (relator)

Luís Ramos (adjunto)