Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1656/13.0TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
INTERRUPÇÃO
PRAZO
RESPONSÁVEIS CIVIL
SEGURADORA
Data do Acordão: 01/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 306, 325, 326, 327, 498 CC
Sumário: 1. A prescrição extintiva dirige-se fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade e parte, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.

2. Para efeitos do disposto no art.º 327º do Código Civil, pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência” ou ante as vicissitudes ligadas à conformação e ao exercitar do direito a determinada pretensão indemnizatória.

3. O alargamento do prazo de prescrição e a sua interrupção é oponível aos responsáveis meramente civis, como as seguradoras.

Decisão Texto Integral:
           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 22.10.2013, I (…), natural da República da Moldávia, instaurou, na Comarca de Castelo Branco, acção declarativa com processo comum contra A (…) S. A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 23 803,91 acrescida da quantia que se vier a liquidar em consequência da fixação da incapacidade do A. e, ainda, dos juros moratórios à taxa legal a partir da citação.

            Alegou, em síntese: a Ré explora o estabelecimento comercial designado por Supermercado A..... sito na Zona Industrial de Castelo Branco; no dia 08.01.2010, cerca das 16 horas, quando fazia compras nesse estabelecimento, escorregou e caiu, sofrendo traumatismo no joelho da perna esquerda, queda provocada por um detergente que se encontrava derramado no pavimento do estabelecimento; o único culpado no deflagrar do acidente foi a Ré por não ter sinalizado a zona onde o detergente se encontrava derramado, proibindo a passagem dos utentes nessa área; em consequência do acidente, sofreu dores, suportou tratamentos hospitalares e exames médicos e os demais danos patrimoniais (salários perdidos durante o período de ITA) e não patrimoniais invocados na petição inicial; logo após o acidente reclamou ao A.... de Castelo Branco a indemnização pelo acidente sofrido, imputando-lhe toda a responsabilidade pelo mesmo; a Ré elaborou então uma participação do acidente subscrita conjuntamente com o A.; foi convocado para ser observado e tratado na A (…), S. A., em Castelo Branco por ordens de uma tal RNA, Rede Nacional de Assistência com sede na Av. (...) , Lisboa, que pensa ser alguma instituição operando por conta e às ordens da Seguradora da Ré, onde ao processo deste acidente tinha sido dado o n.º 2778224 (doc. n.º 5); no dia 09.01.2012, participou o acidente como de trabalho nos Serviços do Ministério Público de Castelo Branco (doc. n.º 9) e ficou a aguardar a decisão no processo 18/12.0TTCTB do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, constando do despacho do Mº Pº, datado de 07.8.2013 e notificado ao Mandatário do A. com data de 10.9.2013, que o seguro accionado foi um seguro destinado a cobrir a responsabilidade civil de exploração, tendo como segurada a Ré nestes autos (doc. n.º 10)[1], sendo que, em 26.9.2013, foi proferido despacho judicial determinando o arquivamento dos autos (doc. n.º 12)[2], e foi assim, em consequência desta decisão, que veio intentar esta acção no foro comum.

            A Ré contestou, por excepção e impugnação, invocando, além do mais, que só teve conhecimento dos factos objecto dos presentes autos na data da citação, em 24.10.2013, e desde a data do acidente, que terá ocorrido em 08.01.2013, não se verificou qualquer facto interruptivo da prescrição, pelo que prescreveu o direito do A., devendo a Ré ser absolvida do pedido.

            Por seu lado, a interveniente principal Companhia de Seguros (…)S. A., invocou idêntica defesa - na data do acidente, o A. terá ficado ciente do direito que se arroga nos presentes autos, mesmo que não soubesse a extensão do alegado dano ou quem seria o responsável pelo ressarcimento do mesmo; a prescrição desse alegado direito começou a correr nessa data (art.º 498º, n.º 1, do CC) tendo-se o prazo prescricional concluído em 08.01.2013; nunca o A. interpelou, muito menos judicialmente, ou sequer contactou a ora contestante a respeito do alegado acidente ou qualquer outro assunto; apenas em 24.01.2014, e na sequência de directa sugestão da Mm.ª Juíza, veio o A. requerer a intervenção da ora contestante nos presentes autos, passados que estavam então mais de quatro anos sobre a data em que o A. terá ficado conhecedor do seu alegado direito; quando a ora contestante foi citada, assim como quando a sua intervenção foi requerida, ou até mesmo quando foi intentada a presente acção (apesar de não o ter sido contra aquela) já há muito tal alegado direito estava prescrito. E esclareceu que entre a contestante e a Ré foi estabelecido, para o período entre 01.01.2010 e 01.01.2011, um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 200384526 (doc. 1)[3], através do qual foi transferido, entre outros, o risco de «indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que durante o exercício da actividade identificada na apólice, sejam causados a terceiros por actos ou omissões dos seus legítimos representantes ou das pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável». Concluiu, além do mais, pela procedência da dita excepção de prescrição, com a consequente absolvição do pedido.

            Em sede de audiência prévia, realizada em 24.02.2015, disse o A., a respeito da invocada prescrição:

            «Conforme consta dos autos através da certidão do processo que este acidente correu termos no Tribunal de Trabalho de Castelo Branco o autor apresentou a sua queixa a qual lhe permitia o acesso à respectiva indemnização no processo de acidente de trabalho a que essa certidão se refere.

            Tal processo tem natureza judicial e compõe-se de duas partes, 1ª fase conciliatória e uma 2ª fase contenciosa.

            Ora nesses autos por douto despacho do Mmº. Juiz na conclusão aberta em 26/09/2013 foi declarado materialmente incompetente o referido Tribunal do Trabalho.

            Ora ao autor ainda não era decorrido um mês em 22/10/2013 veio interpor a acção no Tribunal Comum como o competente para deduzir os seus direitos.

            Ora o art.º 327º do CC logo no seu n.º 1 dispõe, que se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

            Ora, uma vez que ao A. não pode ser imputado o facto de o Tribunal do Trabalho não ter notificado a Ré nesse processo e que esse processo judicial não poderá ser arquivado e ter até maior valor do que uma simples notificação que o A. quando voltou às vias judiciais por imposição da decisão do Tribunal de Trabalho, estava dentro do prazo para o fazer dado que a prescrição não tinha ainda produzido os seus efeitos.»

            Seguidamente, pela Mm.ª Juíza foi proferido o seguinte despacho:

            « (…)

            Da invocada prescrição do direito do autor

            Relativamente à questão da prescrição, resulta dos autos que o acidente terá ocorrido em 08/01/2010, a citação da 1ª Ré neste autos em 24/10/2013, resulta porém, e conforme alegado pelo autor verificou-se na verdade um facto interruptivo da prescrição a 09/01/2012 aquando da participação do aludido acidente nos Serviços do Ministério Público de Castelo Branco cf. fls. 27 e 28, documento 9 junto com a petição inicial.[4]

            Sendo que, tal participação veio a culminar num despacho proferido a 26/9/2013 no qual o Tribunal de Trabalho se considera materialmente incompetente para conhecer deste acidente já que o mesmo não revestia a natureza de acidente de Trabalho, concluindo-se ser esta uma competência do foro comum.

            Conforme é entendimento da jurisprudência dominante esta participação teve a faculdade de interromper o prazo de prescrição previsto no art.º 498º, n.º 1, do CC, já que assim sendo os 3 anos não se completaram aquando da citação da Ré para a presente acção (a título exemplificativo veja-se a APELAÇÃO Nº 631/09.3TBPMS.C1 Relator: SÍLVIA PIRES).

            Pelo que se julga a invocada prescrição improcedente

            Inconformadas, a Ré e a interveniente, interpuseram recursos de apelação formulando, a 1ª, as seguintes conclusões:

            1ª - Os factos ocorreram em 08.10.2010, a apelada foi citada em 24.10.2013, portanto quando tinham decorrido mais de três anos, entendendo-se no despacho saneador que, como os factos foram objecto de participação de acidente no tribunal do Trabalho, tal circunstância provocou a interrupção da prescrição.

            2ª - No despacho saneador, a Mm.ª Juíza fundamentando-se na jurisprudência constante na Apelação n.º 631/09.3TBPMS.CI, conclui que a participação de acidente no Tribunal do Trabalho, interrompeu a prescrição.

            3ª - A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão contra o devedor e que a levem ao conhecimento do devedor (art.ºs 323º e 325º do CC).

            4ª - No processo do Tribunal do Trabalho o apelado não apresentou qualquer pretensão contra a apelante, não se reclama qualquer direito a ser ressarcido pela apelante e esta não foi (nem podia ser) citada ou notificada de qualquer pretensão do apelado.

            5ª - A apelante é absolutamente alheia ao processo que correu no Tribunal do Trabalho, não é, nem podia ser, parte interveniente do mesmo.

            6ª - Pelo que os actos e despachos praticados no processo do Tribunal do Trabalho, não têm a virtualidade de interromper a prescrição, e são inaplicáveis os art.ºs 323º a 327º do CC.

            7ª - É inaplicável aos factos da presente acção a fundamentação constante na apelação n.º 631/09.3 TBPMS C1, em que por força do princípio da adesão (art.º 71º CPP), o prazo de prescrição do direito à indemnização do lesado não começa a correr, quer quanto ao lesante, quer relativamente aos que com ele são civilmente responsáveis, antes de terminar a fase de inquérito (quer ela finde com um arquivamento ou com uma acusação), porque só depois da decisão do Mº Pº, é que é permitido demandar incondicionalmente aqueles que se considera terem responsabilidade civil.

            8ª - Mas, para tanto, é necessário que os factos sejam constitutivos de responsabilidade civil e criminal e tenha havido instauração de processo-crime.

            9ª - Nenhum destes pressupostos se verifica no caso vertente: os factos em apreciação no presente processo não são constitutivos de responsabilidade penal; não foi instaurado o processo-crime com abertura de inquérito.

            10ª - Não sendo aplicável sequer implicitamente para o processo de acidente de trabalho, qualquer regra de adesão, à semelhança da prevista no art.º 71º do CPP para o processo-crime.

            11ª -     E, na verdade, a qualquer altura, com ou sem o processo de acidente participado no Tribunal do Trabalho, poderia o apelado ter proposto a acção de responsabilidade cível contra a apelante.

            Por seu lado, a interveniente apresentou as seguintes conclusões:

            1ª - O prazo prescricional do direito ajuizado pela A. é de 3 anos.

            2ª - A prescrição é uma excepção de natureza pessoal, carecendo de ser invocada por aquele que da mesma pretende beneficiar.

            3ª - Mas, em coerência, essa indiscutível qualidade implica necessariamente também que haja uma manifestação de vontade comunicada judicialmente ou, pelo menos, requerida há mais de 5 dias, de exercer o direito pelo respectivo titular contra o responsável demandado.

            4ª - Não bastando propor-se uma acção contra pessoa diversa daquele de quem mais tarde se pretende vir a receber o direito ajuizado para que, em relação a esta, a prescrição se possa ter como interrompida.

            5ª - E foi isto que aconteceu nos presentes autos, em que foi dado início a um processo de acidentes de trabalho contra a entidade patronal do aqui A. e contra, eventualmente, a seguradora dessa entidade patronal, que tampouco logrou ser identificada ou, sequer, se existia.

            6ª - Nunca tendo havido a citação ou notificação à ora recorrente e à sua segurada de qualquer intenção do ora recorrido de exercer qualquer direito em relação àquelas senão nos presentes autos e depois de decorrido o prazo trienal de prescrição do direito deste.

            7ª - Prescrição que, assim, estava já consumada quando ocorreu a citação, e o requerimento para tal, quer da ora recorrente quer da sua segurada.

            8ª - Foram violadas as normas dos art.ºs 323º e 498º do C. Civil.

            E remataram pugnando pela procedência da excepção da prescrição, com a consequente absolvição do pedido.

            O A. não respondeu à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto dos recursos, importa decidir, apenas, se ocorre a excepção de prescrição.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva a factualidade e a tramitação indicadas no precedente relatório e ainda[5]:

            a) No dia 09.01.2010 o A. foi consultado e medicado no Hospital (...) , Castelo Branco.

            b) Posteriormente, recorreu por diversas vezes a um Centro de Saúde situado em Irun, Espanha.

            c) O A. ficou na situação de baixa clínica por traumatismo no joelho desde 11.01.2010 até, pelo menos, 01.6.2010.

            d) Em 27.10.2010, o A. foi observado e tratado na (…) S. A., em Castelo Branco, por ordens de uma tal “RNA”.

            e) Foi então preenchida uma “informação de baixa clínica”, com o “n.º 1”, na qual se fez constar que se tratou de um acidente de trabalho ocorrido em 09.01.2010, que ao processo deste acidente tinha sido dado o “n.º 2778224” e que o A. se encontrava na situação de incapacidade temporária absoluta desde 27.10.2010.

            f) E o médico subscritor do documento dito em II. 1. e) pediu a realização de “RNM do joelho esquerdo”.

            g) O A. participou o acidente como de trabalho, nos Serviços do M.º Público junto do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, no dia 09.01.2012, efectuando então a seguinte descrição: “Em 9/1/2010 quando no exercício da actividade de motorista se encontrava nas instalações do Supermercado A.... em Castelo Branco escorregou e caiu ao chão magoando-se na perna esquerda. O patrão chama-se Transportes(…) e não comunicou ao Seguro. O patrão é espanhol. O contrato será espanhol.”

            h) O A. foi notificado do despacho do Exmo. Procurador da República para apresentar “cópia do contrato de trabalho e demais documentos para se elaborar participação por acidente de trabalho”.

            i) O respectivo processo veio a ser autuado como processo especial de acidente de trabalho, com o n.º 18/12.0TTCTB, tendo como sinistrado o A. e como entidade responsável “(…)”.

            j) Os referidos autos correram os seus termos sempre na fase conciliatória.

            k) Sendo tais autos conclusos a 05.3.2013, o referido Magistrado veio a consignar (e a requerer), em despacho proferido a 07.8.2013, designadamente, que o A. foi vítima de um acidente no dia 08.01.2010, o patrão disse-lhe para vir a Portugal renovar a sua carta de condução, quando se encontrava no A.... de Castelo Branco sofreu o acidente, o seguro accionado foi um seguro destinado a cobrir a responsabilidade civil de exploração, aquela sua deslocação ao “ A.... ” era estranha ao cumprimento da missão profissional, pelo que, não havendo dúvida que o acidente poderá merecer tutela dos tribunais, não é este o tribunal que deve conhecer dos factos, razão pela qual se requereu o arquivamento dos autos.

            l) Seguiu-se o despacho do Mm.º Juiz do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco que determinou o arquivamento dos autos[6], notificado ao Exmo. Mandatário Judicial do A.[7] por carta de 27.9.2013.

            m) O A. celebrou com J (…), S. L., com sede em Irun, Espanha, um contrato de trabalho por “tempo indefinido” e a “tempo parcial”, datado de 13.8.2009.

            n) Na parte final da petição inicial o A. requereu a notificação da Ré para “juntar a participação do acidente subscrita conjuntamente com o A. no dia do acidente”.

            o) Porque a esse respeito nada foi dito na contestação, o Tribunal recorrido ordenou a notificação da Ré para efectuar tal junção.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A nossa lei prevê a regra de que todos os direitos estão sujeitos a prescrição e admite a distinção entre prescrição e caducidade, ao dispor, designadamente, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298º, n.º 1, do Código Civil/CC[8]); quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (n.º 2, do mesmo art.º).

            Não importando aqui considerar as diferenças de regime entre os referidos institutos, dir-se-á, ainda, que a prescrição extintiva dirige-se fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade e, diversamente da caducidade, parte, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto, ao passo que, na caducidade, só o aspecto objectivo da certeza e segurança é tomado em conta.[9]

            3. A causa de pedir dos presentes autos assenta na imputada actuação ilícita e culposa por parte da Ré e que terá originado os danos (patrimoniais e não patrimoniais) referidos na petição inicial, que o A. pretende ver indemnizados em sede de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

            O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (…) [art.º 498º, n.º 1], salvo se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, prazo então aplicável [n.º 3, do mesmo art.], enquadrando-se o caso em análise naquela primeira situação.

4. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (art.º 306º, n.º 1, 1ª parte).

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. É equiparado à citação ou notificação (…) qualquer [outro] meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (art.º 323º, n.ºs 1, 2 e 4).

A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (art.º 325º, n.º 1); o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam (n.º 2, do mesmo art.º).

A interrupção inutiliza para a prescrição o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 327º. A nova prescrição fica sujeita, em princípio, ao primitivo prazo de prescrição (art.º 326º).

Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado (…), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º 327º, n.º 1).

Porém, se a decisão que puser termo ao processo consistir numa absolvição da instância o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo (art.º 327º, n.º 2).

E se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância e o prazo de prescrição tiver terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completada a prescrição antes de findarem esses dois meses (n.º 3, do mesmo art.º).

A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (art.º 279º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil/CPC).

            5. Como se referiu, a razão de ser da prescrição prende-se com a ideia da inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo; serão, pois, a inércia e a negligência que lhe anda associada a determinar e a justificar as consequências que a lei prevê.

            6. Afigura-se que os autos fornecem os elementos necessários para que se responda à questão colocada e se conclua não ser possível imputar ao A. uma actuação enquadrável na previsão que a lei reprova e sanciona com as consequências da prescrição.

            Na verdade, o A., cidadão moldavo, que então residiria em Espanha mas que teria também ligações a Portugal, sofreu o acidente aludido nos autos e terá sido encaminhado pelos serviços da Ré e, ao que tudo indica, pela respectiva entidade seguradora, para ser avaliado e tratado das lesões que terá sofrido com o evento em apreço.

            Será naturalmente de admitir que o A. terá tido alguma dificuldade em revelar, perante terceiros, todas as circunstâncias do evento (que terá porventura centrado na finalidade da sua deslocação a Portugal) e ser-lhe-ia ainda mais difícil enquadrar a realidade no campo da sinistralidade laboral ou, ao invés, da mera sinistralidade comum.

            De resto, ignorando-se os aspectos ligados à intervenção directa da Ré no tocante à participação do sinistro junto da entidade seguradora [e a Ré, na sua contestação reproduzida a fls. 104, denotou uma posição própria de quem se quis colocar à margem de uma realidade que a envolvia… – veja-se, por exemplo, o arrazoado sobre a sua pretensa “ilegitimidade”, claramente afastado pela Mm.ª Juíza a quo em sede de audiência prévia/cf. fls. 4 e seguinte], os elementos do processo clínico do A. apontavam para a existência de um acidente de trabalho [cf., v. g., II. 1. e), supra].

            Nesta conformidade, e sendo certo que o A. constituiu mandatário judicial já no decurso dos autos de processo especial de acidente de trabalho [cf., sobretudo, II. 1. alíneas g) e l), supra, e o documento de fls. 163], poder-se-á dizer que foi apenas com o desfecho dos referidos autos, que se mantiveram na fase conciliatória, que o A. veio a ficar esclarecido da natureza dos factos comunicados ao Tribunal e do procedimento adequado a adoptar para o seu conhecimento em sede judicial.

            Ademais, muito provavelmente, a Ré, já depois de elucidada do encaminhamento clínico dado ao A. na sequência do evento, também terá sido convocada no âmbito do processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (cf. art.ºs 99º e seguintes do Código de Processo do Trabalho/CPT) a fim de esclarecer os factos, que a envolviam, e identificar o contrato de seguro, elementos imprescindíveis à prolação das decisões documentadas nestes autos (proferidas no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco).

            7. Daí que, não sendo possível imputar ao A. uma actuação relevando inércia e negligência/descuido, e também não sendo de o responsabilizar pela indevida instauração dos autos no foro laboral, bem como pela demora da tramitação [de aproximadamente 1 ano e nove meses!] nos preliminares da fase conciliatória [cf., sobretudo, II. 1. alíneas g), k) e l), supra], e tendo a Ré, necessariamente, suficiente conhecimento da situação e da actuação do A. nos sistemas de saúde [a que teve de recorrer de imediato e no subsequente acompanhamento e tratamento] e de justiça, será assim de concluir, por um lado, que o A. não desrespeitou as exigências que sobre ele impendiam para fazer valer os seus direitos (à saúde e à justiça), tendo-se dirigido, tempestivamente, às entidades que se lhe apresentaram ou foram indicadas para o efeito, e, por outro lado, a Ré jamais pôde admitir o desinteresse ou a negligência do A. na prossecução daquele desiderato, quer porque terá participado o evento junto de entidade seguradora (reconhecendo, dessa forma, o direito ou a situação do A.), quer porque não deixou de ser convocada e de participar no âmbito de diligências judiciais.

            8. No apurado circunstancialismo, poder-se-á concluir que, pelo menos, a participação do acidente no foro laboral e a intervenção que aí teve lugar por parte da Ré (que terá porventura ocorrido no decurso do ano de 2012), tiveram o condão de interromper a prescrição, com os efeitos supra referidos (art.º 326º), sendo que a Ré não podia ignorar a intenção de o A. exercer a sua pretensão (art.º 323º, n.º 1).[10]

            9. Vistos os factos, só com a notificação do despacho mencionado em II. 1. l), supra, ficou o A. ciente da forma como deveria exercitar o seu direito[11] e não deixou de o fazer dentro dos 30 dias seguintes, o que, como se explicitou, não envolveu inércia ou negligência de sua parte, indiciando-se e apurando-se, ao invés, que toda a sua pretérita actuação terá sido induzida ou determinada por eventuais dificuldades de comunicação e, sobretudo, pelos elementos que lhe foram sendo fornecidos, sem que possamos considerar a Ré totalmente alheia ou a coberto de tais procedimentos.

            10. Além das considerações já feitas, e tendo presente o contributo da doutrina mais autorizada, relevará ainda para o enquadramento do caso em análise:

            Em situações de absolvição da instância - como sucede no caso em análise [cf. o art.º 99º, n.º 1, do CPC, ex vi do art.º 1º, n.º 2, alínea a), do CPT] - tem-se defendido que a nova acção, sobre o mesmo objecto, prevista no art.º 279º, do CPC, possa ter como partes pessoas que não intervieram na primeira acção, sendo que se o autor propuser nova acção dentro de 30 dias, esta segunda acção, para efeitos de “caducidade”, considerar-se-á proposta em tempo (o benefício resultante de a primeira acção ter sido proposta em tempo aproveita-se para a segunda, desde que esta não demore mais de 30 dias).[12]

            E acerca do que deve entender-se por motivo processual não imputável ao titular do direito (n.º 3 do art.º 327º, do CC) tem-se considerado, nomeadamente, que pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência[13] ou (consideradas as circunstâncias do presente caso) ante as vicissitudes ligadas à conformação e ao exercitar do direito a determinada pretensão indemnizatória.

            11. Tratando-se, pois, de matéria não isenta de dificuldades e (reafirma-se) antolhando-se dispensável uma melhor indagação da actuação das partes, afigura-se, em face da factualidade apurada e do descrito enquadramento jurídico-normativo, que não se poderá dar por verificada a invocada prescrição do direito que o A. pretende fazer valer em juízo.

            12. Improcedem, desta forma, as “conclusões” das alegações de recurso, sendo que o alargamento do prazo de prescrição e a sua interrupção é oponível aos responsáveis meramente civis, como as seguradoras.[14]


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III. Face ao exposto, julgam-se improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentação parcialmente diversa.

            Custas pelas apelantes (Ré e interveniente).


*

12.01.2016




            Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernanda Ventura


                       

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Decisão Texto

           

[1] Despacho com o seguinte teor (cf. fls. 155-157):

                “ (…) Ora, estando em causa, no caso vertente, um acidente coberto por um seguro de responsabilidade civil de exploração e não por um seguro de acidentes de trabalho, o seu conhecimento é do foro comum e não da competência deste Tribunal, atento o disposto no art. 77º n.º 1 al. a) da citada Lei n.º 3/99, acarretando a preterição dessas regras de competência em razão da matéria a incompetência absoluta do Tribunal, nos termos do art. 101º do Cód. do Processo Civil.

                Sendo esta última uma excepção dilatória, nos termos do art. 494º, al. a) do Cód. de Processo Civil, implica que não se conheça do pedido e dê lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 493º n.º 2 e 288º, n.º 1 al. a), igualmente do Cód. de Processo Civil.

                Não há dúvida que o acidente dos autos poderá merecer tutela dos tribunais, mas não é este o tribunal que deve conhecer dos factos, pelas razões já expedidas.

                Pelo exposto, conclua ao Meritíssimo Juiz de Direito, a quem se requer o arquivamento destes autos”.
[2] Refere o dito despacho (fls. 160):

                Do expediente junto aos autos e, tal como resulta da promoção que antecede, o acidente sofrido por Ion Cuciuc (emergente de acto da sua vida privada, sem qualquer relação causal com o serviço determinado pelo empregador), encontra-se abrangido por um seguro de responsabilidade civil de exploração e não por acidente de trabalho,

                Assim, tal acidente não se apresenta caracterizável como um acidente de trabalho segundo a definição do art.º 8º NLAT, sendo o Tribunal de Trabalho materialmente incompetente para do mesmo conhecer (art.º 85º da LOTJ).
                Pelo exposto, ao abrigo do estatuído nos artigos 96º/1,97º, 99º e 100º, todos do NCPC, julga-se a excepção de incompetência material procedente e, em consequência, determina-se o arquivamento dos autos”.

[3]Apólice Nº: 200384526 - Produto (1445): RC Exploração e Produtos; Data Efeito: 01/01/2010; Termo do Seguro: 01/01/2011; Tomador do Seguro: A (…) – COMP PORT HIPERMERCADOS” (cf. o citado documento/fls. 15).
[4] Cf. o documento de fls. 152 e 153.
[5] Cf. os documentos de fls. 3, 104, 128, 143, 144, 147, 148, 151, 152, 154 e 159.           
[6] Cf. a “nota 2”, supra.
[7] Cujo mandato terá sido conferido por procuração datada de 13.10.2012 (cf. o documento de fls. 163).
[8] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[9] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 1985, páginas 373 e seguintes e Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, páginas 445 e seguintes.
    Cf. ainda, de entre vários, o acórdão do STJ de 09.7.1998, in BMJ, 479º, 572.
[10] Vide, a respeito da interpretação do art.º 323º, do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 288 e seguinte.

[11] Podendo-se, porventura, encontrar aqui alguma similitude com as situações de responsabilidade civil e criminal, nas quais, na pendência do inquérito-crime, se considera interrompido o prazo de prescrição do crédito indemnizatório do lesado, e, arquivado aquele processo, que o prazo da prescrição só começa a contar da data da notificação desse arquivamento ao lesado, por ser o momento a partir do qual este toma conhecimento de que o seu direito indemnizatório apenas na jurisdição civil pode ser exercido (art.º 306º, n.º 1, do CC) – cf., entre outros, os acórdãos da RL de 24.5.2011-processo 1320/09.4YXLSB.L1-7 e da RC de 28.01.2014-processo 631/09.3TBPMS.C1, publicados no “site” da dgsi.

[12] Vide, neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. I, 3ª edição (Reimpressão), Coimbra Editora, 1982, págs. 396 e seguinte [ (…) proposta uma acção e absolvido o réu da instância, se o mesmo autor propuser segunda acção sobre o mesmo objecto dentro de trinta dias, aproveita-lhe o facto de ter proposto a acção anterior, quer a segunda seja dirigida contra o mesmo réu, quer seja dirigida contra réu diferente, de sorte que se a primeira acção foi proposta em tempo, nada importa que a segunda o não seja; além disso, aproveitam ao mesmo autor os efeitos civis derivados da citação feita na primeira acção quando a segunda seja proposta contra o mesmo réu”- pág. 397)], e, do mesmo autor, Comentário ao CPC, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pág. 425; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, Lisboa, pág. 59.

   Sobre a mesma problemática, cf., ainda, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, pág. 278.
[13] Vide Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, in BMJ, 106º, pág. 257 (nota 1010).
[14] Cf., entre outros, o acórdão da RG de 16.4.2015-processo 442/13.1TJVNF.G1, publicado no “site” da dgsi.