Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/09.0GGCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: REENVIO DO PROCESSO
COMPETÊNCIA
NOVO JULGAMENTO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULAÇÃO DE ACTOS PROCESSUAIS
Legislação Nacional: ARTIGOS 426.º, 426.º-A, N.º 3 E 119.º, ALÍNEA E), DO CPP
Sumário: I - Perante o reenvio do processo, no caso de existir mais de um juízo da mesma categoria, na determinação da competência para novo julgamento, o processo é submetido a nova distribuição, com exclusão, naturalmente, do juízo a que o processo foi inicialmente distribuído.

II - A violação desta regra legal constitui a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular nº 8/09.0GGCBR do 2º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática, em concurso real, das contra-ordenações p. e p. nos artigos 13º, nº 1, 25º, nºs 1 alíneas f) e g) e 2 e 138°, 145°, nº 1, alíneas a) e e) e 147°, nº 1 do Código da Estrada e, por via destas, de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. no artigo 137º, nº 2 do Código Penal.

Foi deduzido pedido de indemnização civil por F...e G... , viúva e filho do sinistrado em acidente de viação, contra a companhia de Seguros Q..., no qual se peticionam, os danos sofridos pelos demandantes: a título de danos patrimoniais, no montante de € 2.151,08; a título de danos patrimoniais futuros, no montante de € 128.800,00; a título de danos não patrimoniais, no montante de € 115.000,00, tudo no total de € 245.951,08.

Realizada a audiência de julgamento, na sequência de reenvio do processo para novo julgamento decretado nesta Relação por acórdão de 25 de Maio de 2011 (fls. 739 a 762) restrito ao acidente e matéria criminal, em 6 de Janeiro de 2012, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Nestes termos e com tais fundamentos julga parcialmente procedente a acusação e consequentemente:

1. Condeno o arguido A..., em concurso aparente das contra-ordenações aos arts. 13º e 25º do C.E., e pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º nº 2 do Código Penal na pena de 10 meses de prisão cuja execução suspende pelo período de 1 ano – art. 50º do Código Penal – sujeita esta à frequência de um Curso ou Campanha de Prevenção Rodoviária e ao pagamento da quantia de € 1.000,00 à Prevenção Rodoviária Portuguesa.

  2. Vai ainda condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 meses – art - 134º nº1 , 136º, 145º e 141º e do C.P. – devendo proceder à entrega da sua carta de condução 10 dias após trânsito em julgado da sentença, na Secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial que a enviará.

3. Mais se condena o arguido no pagamento das custas criminais fixando em 3 UCs a taxa de justiça, e no mínimo de procuradoria.

4. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, consequentemente condeno a Ré Seguradora a pagar:

   À demandante:

a) por danos patrimoniais: 100.00,00 € (com o desconto dos comprovados reembolsos ao ISSS), acrescidos de juros civis vencidos desde 29.12.2009 e vincendos até integral pagamento (às taxas legais que se fora/e/m sucedendo no tempo);

b) por danos morais: 42.500,00 €, acrescidos de juros vincendos a partir desta sentença até integral pagamento.

Ao demandante:

a) por danos morais: 35.000,00 €, acrescidos de juros vincendos a partir desta sentença até integral pagamento.

A Demandada vai absolvida do demais peticionado.

Custas na proporção do decaimento.

Inconformado, recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso vem da Decisão proferida nos Autos, a qual condenou o arguido:

e) Em concurso aparente das contraordenações aos art.ºs 13° e 25° do C. E.

f) Pela prática, de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137º n.º 2 do Código Penal na pena de 10 meses de prisão cuja execução suspende pelo período de 1 ano art.º 50 do C. P. - sujeita esta à frequência de um Curso ou Campanha de prevenção Rodoviária e ao pagamento da quantia de 1.000,00 euros à Prevenção Rodoviária Portuguesa.

g) Na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 meses - art.° 134° n.º 1, 136°, 145° e 141° do C.P.

h) E ainda no pagamento das custas criminais fixadas em 3 UCs a taxa de justiça, e no mínimo de procuradoria.

2 - O presente processo foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (Proc 8/09.0GGCBR.C1 – 5ª Secção Recurso Penal) que procedeu ao seu reenvio nos termos do art.º 426º do C. P. P. restrito à matéria do acidente e matéria criminal.

3 - Do dispositivo (ponto IV do Acórdão) o reenvio do processo para julgamento referia-se a questões concretamente identificadas (nos termos da parte final do art.º 426° n° 1 do C.P.P.).

"… afigurasse-nos de primordial importância que o tribunal se desloque ao local acompanhado dos elementos da GNR, solicitando que se munam de medidor de longas distâncias, para que o arguido indique com precisão o local em que estaria estacionado o tal veículo, o ponto da curva da qual o avistou e o local de travagem, o que permitirá esclarecer a necessidade de travagem em plena curva."

Urna outra questão concretamente necessária que o tribunal deveria esclarecer era a consequência do embate dos veículos no registo de velocidade pelo tacógrafo para que se explique a súbita aceleração para os 77 KM/h.

Finalmente a notificação da "Domino" nos termos e para os efeitos requeridos a fls. 499.

4 - Após o reenvio realizado e repetição do julgamento e a realização das diligências requeridas o tribunal a quo mais uma vez não valorou os meios de prova de acordo com a experiencia comum e com critérios objetivos.

5 - O tribunal a quo omite os fatos relevantes e apurados na sequência da deslocação ao local insertos na ata de audiência de discussão e julgamento do dia 15.11.2011, quer nos fatos provados, quer na motivação.

6 - Sobretudo a questão fulcral da identificação e localização da viatura pesado (obstáculo) com que o arguido se deparou na curva e que permite valorar o comportamento do arguido na dinâmica do acidente.

7 - Omite a conclusão da deslocação ao local que pela indicação da localização da viatura pesada pelo arguido este terá avistado a traseira do veículo a uma distância de 47,10. Não considera este fato como provado e muito menos o valora de acordo com as regras da experiência comum e critérios objetivos, para na dinâmica do acidente retirar conclusões.

8 - Deveria o Tribunal a quo ter considerado e valorado o fato de que o arguido identificou e localizou o veiculo pesado a uma distância de 47,10 metros considerando tal fato como provado. Daí analisar a necessidade de travagem perante tal obstáculo.

9 - Não se conseguiu apurar o ponto de travagem porquanto não existiam rastos de travagem do veículo conduzido pelo arguido. Apenas se confirma pelo croqui o rasto de travagem do veículo conduzido pelo sinistrado falecido com cerca de 11 metros, o que aliás consta do crocris e que apesar de ser um facto relevante e objetivo o tribunal refere nos fatos provados que o veículo do sinistrado deixou rastos de travagem mas não concretiza nos 11 metros e nem avalia tal elemento no apuramento da velocidade do HD que dá como assente no valor de 25 Km/h.

10 - Por fim que o veículo do sinistrado falecido ficou localizado a 30 metros da referida curva, como consta do croqui.

11 - Com estes elementos deveria o tribunal analisar e valorar se o arguido teria ou não necessidade de travar em plena curva. Em concreto temos que o arguido viu a traseira do veículo pesado (obstáculo) na sua via a 47,10 metros de distância, tendo em conta que circulava a 60 Km/h (questão esta dissipada nos presentes autos e que foi dado como provado, ao invés dos 77 Km/h) e a velocidade traduz-se no espaço ou distância percorrida numa certa unidade de tempo (segundo, minuto ou hora) medindo-se em KM/h.

Que segundo tabelas testadas e auxiliares, à velocidade de 60Km em 1 segundo (veículo ligeiro) percorre 16,67 metros em piso seco. Que no processo de análise de tabelas de velocidades testadas se considera o tempo de reação do condutor, a distância de paragem e distância de travagem.

Acrescendo a estes dados que o veículo do arguido era um veículo pesado, que o piso se encontrava molhado, que impediu que o arguido em tempo e segurança face ao obstáculo que se lhe apresentou na frente na sua faixa de rodagem, de forma inesperada, não teve alternativa que não fosse travar em plena curva, manobra que não podia prever tendo em conta que não contava encontrar o referido obstáculo.

12 - É jurisprudência uniforme que a regra de que a velocidade deve ser regulada de modo a que permita ao condutor parar o veículo no espaço livre à sua frente pressupõe que não surjam obstáculos inesperados. Ora o arguido desde a primeira hora e mantendo-se sempre coerente desde o instante em que acidente ocorreu justificou a eclosão do acidente nesse fator: a existência de um obstáculo, carro pesado na sua faixa de rodagem,

13 - Se acrescentarmos a esta análise de critérios objetivos as regras da experiência comum, tendo em conta a configuração da via, dificuldade na visibilidade provada, localização dos veículos sinistrados constantes do auto, localização referida pelo arguido do obstáculo, é perfeitamente admissível que seja a explicação para o acidente verificado. Que o arguido ao desfazer a curva de visibilidade reduzida, deparou-se inesperadamente com um veículo pesado de mercadorias semi-reboque que se encontrava na sua faixa de rodagem. Que o arguido tentou travar evitando o embate nessa viatura o que não logrou fazer, entrando em despiste e invadindo a faixa contrária, vindo a embater, com a parte da frente do seu veículo pesado de mercadorias por si conduzido na parte da frente da viatura pesada conduzida por R...,

14 - O tribunal a quo apesar de se ter deslocado ao local nem sequer valorou de modo distinto, nem sequer valorou os fatos apurados, pura e simplesmente fez tábua rasa daquilo que tinha sido uma questão fundamental motivadora do reenvio do processo para novo julgamento restrito entre outras a esta matéria e fatos.

15 - Reduzindo a sua nova valoração meramente ao depoimento das testemunhas. Só com base nessa valoração veio a proferir a sentença de que recorre limitando-se a fazer "copy paste" da anterior sentença proferida,

16 - Da sua motivação refere sem qualquer valoração o que "a dinâmica e circunstancialismo que envolveu o acidente, bem assim a leitura dos fatos apurados é a consentânea com os elementos de prova referidos e bem assim, v.g ..... e da inspeção judicial que tivemos igualmente na matéria assente"

Ora da matéria assente não resulta qualquer fato apurado no âmbito da inspeção Judicial realizada. Nem da motivação da douta sentença parece ter existido qualquer valoração que afaste essa possibilidade com as regras aplicáveis.

17 - O Tribunal a quo efetuou de novo uma apreciação manifestamente desadequada da prova testemunhal, eivada de erro de raciocínio.

18 - Não valorou toda a matéria de fato com interesse para a decisão incorrendo no vício de insuficiência para a decisão da matéria de fato provada ( art.° 410º nº 2 al. a)

19 - Erro de julgamento dos pontos de fato 6, 7, 8, 11, 12, e 14.

20 - Tribunal fez uma apreciação dos fatos arbitrária, discricionária e não motivável, exigindo-se reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente a concretos pontos de fato.

21 - Revela ainda o Tribunal vício na sua motivação na livre apreciação da prova.

22 - Violação do princípio “in dubio pro reo” como condicionante do princípio da livre apreciação da prova. (art.º 32 n.º 2 C. R. P.; art.º 11 nº 1 DUDH; 6.º n.º 2 da CEDH)

23 - Violação do princípio da legalidade da prova (art.º 32 n.º 8 C.R.P., 125° e 126 do C.P.P.)

24 - Violação do princípio da livre apreciação da prova. (art.º 127° da C.P.P.)

25 - Os fatos apurados e a via escolhida pelo Tribunal a quo a de que a causa do embate que provocou a morte do outro condutor se fundou no facto do arguido circular no referido local com velocidade desadequada às características da via e local e sem as cautelas exigíveis a um condutor médio e prudente são meramente arbitrárias e contrárias às regras da experiência e da lógica comum.

Continua a revelar de modo flagrante a falta de "substrato racional de fundamentação e de convicção" e ainda uma apreciação manifestamente desadequada da prova testemunhal, eivada de vício de raciocínio.

26 - Existindo agora com as diligências realizadas uma maior consistência para considerar correta a versão do arguido dada para o acidente desde o primeiro instante que a versão postulada pelo Tribunal a quo que apenas assentou nos depoimentos das testemunhas.

27 - Ponto assente que ninguém presenciou o acidente.

28 - O Arguido manteve a coerência do seu depoimento com a descrição do acidente associada a determinados factos que foram considerados provados, nomeadamente que naquele dia e hora o piso estava molhado, chovia, que a referida curva tinha uma visibilidade reduzida e que a via no sentido do arguido é descendente relativamente ao veículo da vítima e do veículo pesado que ali estava parado naquele instante, uma perfeita caracterização do veículo parado - pesado de mercadorias, com azulejos - não podia deixar de ser considerada provada, ou se assim não fosse, admitir-se como uma possibilidade da forma como o acidente se produziu.

Acrescido ao facto do arguido nas suas declarações logo prestadas aos agentes, quer verbalmente no local quer depois no hospital onde lhe foram tomadas as declarações, lhes referiu esse facto como razão da ocorrência do acidente.

29 - E chegar-se-ia a essa conclusão com a restante prova que foi produzida e que o Tribunal a quo não considerou, agora acrescida com a prova realizada na inspeção ao local onde se concretizou a distância em que o arguido avistou o obstáculo, perfeitamente compatível com a descrição do arguido e que justifica o seu comportamento e alternativa face a tais circunstâncias da dinâmica do acidente.

30 - Tribunal a quo apenas no que ao arguido se refere retira apenas o facto na sua motivação de que o "arguido admitiu, ainda, não ter conseguido controlar a marcha da sua viatura porquanto refere que ao travar entrou em "deslize" e em "despiste", após o que se deu a colisão. Visto o que o arguido referiu o Tribunal apenas retirou ou valorou parte dos fatos omitindo que o arguido referiu que travou porque se deparou com um veículo estacionado na sua faixa de rodagem como obstáculo.

31 - A testemunha L... que perguntado sobre a existência de vegetação na curva confirmou o que o arguido motorista de pesados referiu de que existia vegetação que retirava visibilidade. Porém na motivação o Tribunal a quo refere-se que o cabo E... diz "não se recordava existir no local qualquer tipo de vegetação que retirasse ao arguido qua visibilidade da estrada" isto é valora-se o que não se recorda e omite-se o que uma testemunha que esteve no local afirma; e especificou que do normal acontecer e da lógica se um veículo vier a desfazer a curva e se deparar com um veículo parado na sua faixa de rodagem a reação que naturalmente se tem é a de meter o "pé ao travão", como foi o caso que o arguido descreveu.

32 - A testemunha E... (cabo GNR) da motivação resulta que o tribunal a quo valorou tal testemunha que diz corroborar o depoimento do seu colega D..., isto é que referiu que a curva é de visibilidade reduzida, para mais abaixo vir dizer que a mesma testemunha não se recorda de existir vegetação que retirasse visibilidade ao arguido da estrada. O que nos parece claramente contraditório. Incorre igualmente em erro de raciocínio o tribunal a quo quando refere que a testemunha D... e esta testemunha, agentes da GNR referem que não se encontrava nenhum veículo pesado estacionado à saída da curva. Mas como é certo ninguém viu o acidente, os agentes da GNR chegaram ao local depois do acidente se dar, o arguido referiu que o veiculo estacionado que lhe causou perturbação e foi a causa do seu despiste saiu de imediato do local, é óbvio que os agentes quando ali chegaram não podiam ter encontrado nenhum veículo pesado estacionado a seguir à curva, quando muito admite-se que possa o tribunal referir que quando ali chegaram não estava um veículo estacionado a seguir à curva.

33 - A testemunha L... revela uma vez mais um depoimento incredível, nem dele resultando base lógica para considerar na motivação como o faz o Tribunal a quo. Desde logo porque do seu depoimento não resultam fatos que permitam afirmar que seguia a uma distância inferior a 200 metros do veículo do sinistrado, afirma no seu depoimento incoerente que viu o veículo do sinistrado no início da reta, ora o tribunal dá como provado que o veículo do sinistrado circulava numa reta com cerca de 1 km de comprimento, o que desde logo é contraditório, pois se a testemunha avista o veículo quando entre na recta, será a cerca de 1 Km e não a 200 metros; depois refere agora afinal que estaria um veículo pesado estacionado na faixa de rodagem contrária à sua mas antes do entroncamento; depois insiste em referir ao contrário de todos os elementos dos autos que o embate entre os veículos sinistrados não foi frontal; refere ainda que vinha a conversar com os seus dois colegas, O... e P... P..., sendo que um deles refere claramente que vinha a dormir e o outro que não vinham a conversar mas a ouvir rádio; depois a testemunha L... refere que chegou ao local "em cima do acontecimento" verificação do acidente e os dois colegas de modo perentório afirmam que quando chegam ao local o acidente já se tinha dado; depois a testemunha L... refere que parou o seu carro depois do acidente, e as duas testemunhas seus colegas referem que o L... seu patrão parou a uns 10 metros antes dos veículos sinistrados. Mais ainda, agora refere que não conhece bem o sinistrado, trocando inclusive o seu nome, quando no depoimento anterior referiu que saiu do local para avisar o chefe do aterro porque conhecia o R.... Quem se diz seguir atrás de um veículo que choca com a brutalidade que o acidente teve, não diz aos seus colegas que "vou parar para ver o que se passa acolá". É clamoroso a contradição do depoimento produzido e se analisado com o anteriormente produzido ainda maiores são as suas contradições. Pode até admitir-se que a testemunha passou no local mas a acontecer verificou-se depois do acidente se ter verificado embora não se sabendo ao certo quanto tempo, o que afasta a possibilidade de se saber se o veículo pesado que serviu de obstáculo ao arguido já teria saído do local e ainda a sua posição. Curioso e novo é o fato do agora testemunho do L... vir dizer que afinal estava um veículo pesado na faixa contrária e omitir tal situação no anterior depoimento onde referiu literalmente (está gravado)

Questionado se viu algum camião respondeu que:

"não passou ninguém por mim nem estava lá parado"'

A referência aos 200 metros foi feita no primeiro depoimento e no depoimento agora prestado a testemunha não refere distâncias, por isso se disse com alguma ironia que o que foi feito pelo Tribunal a quo, com alguma roupagem, foi um "copy paste" da anterior sentença e motivação.

Mais os seus colegas perguntados sobre se tinham visto algum camião parado na faixa contrária no dia que acompanhavam o L..., dizerem de modo claro que nada viram. Para tanto se reproduziram algumas das contradições agora assinaladas nos depoimentos das testemunhas L... O... e P.... (supra identificadas com maior rigor) Cremos na total incredibilidade da presente testemunha. (perdoe-se a extensão da conclusão, mas necessária para definitivamente demonstrar a incredibilidade da testemunha)

34 - Conclui-se que o Tribunal a que caso tivesse valorado TODOS os elementos referidos obtidos na diligência ao local e mesmo com as testemunhas de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer e critérios objetivos, não podia deixar de considerar que se provou que:

" Momento antes do embate, o arguido imprimia à viatura por si conduzida uma velocidade de cerca de 60 Km/ h"

"A velocidade permitida no local era de 90Km/h"

"Ao desfazer a curva de visibilidade reduzida, o arguido deparou-se inesperadamente com um veículo pesado de mercadorias – semi-reboque, que se encontrava parado na sua faixa de rodagem"

" Do ponto onde o arguido terá avistado o camião (onde terá tido visibilidade) até ao local em que o arguido refere que se encontrava a traseira desse mesmo camião, a distância de 47,10 m"

"O veículo do sinistrado foi embatido a 30 metros do ponto de referência obtido"

"O arguido reagindo ao obstáculo tentou travar evitando o embate nessa viatura o que não logrou fazer, entrando em despiste e invadindo a faixa contrária"

"O arguido, foi então embater, com a parte da frente do veículo pesado de mercadorias por si conduzido, na parte da frente da viatura pesada conduzida por R...."

"O arguido ao agir como descrito, não contando com o referido obstáculo não pode evitar ou parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, evitando assim o embate"

" O veículo ND deixou vestígios de travagem de 11 metros"

Deve ser considerada PROVADA a presença de um veículo pesado, parado do lado direito logo a seguir à curva que se desenha no local, atento o sentido de marcha do arguido.

35 - Daqui ponderando todos os elementos, dinâmica do acidente, localização dos veículos, localização do veículo obstáculo, regras de experiência e do lógico acontecer se pode considerar que o arguido efetivamente veio a embater frontalmente no veículo sinistrado porque se deparou com um obstáculo inesperadamente e imprevisível e que o obrigou a travar e entrar em despiste com as consequências conhecidas.

36 - Ou não se entendendo assim considerar que face à prova produzida, não foi possível apurar com rigor e exatidão todos os elementos que se torna necessário para poder atribuir uma conduta criminal ao arguido, com fundamento no princípio in dubio pro reo,

37 - De igual modo e sem prescindir, se esse não for o entendimento, se dirá que a conduta do arguido mesmo tendo em conta os factos constantes da douta sentença não configuram a prática do crime de homicídio por negligência grosseira.

Não fundamentando a douta sentença tal opção.

38 - De igual modo se considera inadequada a aplicação ao arguido o pagamento da quantia de 1000,00 euros à Prevenção Rodoviária, desprezando o Tribunal a quo as condições económicas do arguido - casado, com esposa e filho a cargo, com cerca de 600 € mês,

39 - De igual modo e sem prescindir, se esse não for o entendimento, se dirá que a conduta do arguido mesmo tendo em conta os factos constantes da douta sentença não configuram a prática do crime de homicídio por negligência grosseira.

Não fundamentando a douta sentença tal opção.

40 - Deve a Sentença Recorrida ser REVOGADA e substituída por outra que:

ABSOLVA o arguido do crime que vem condenado,

Ou assim não se entendendo se considere a prática de crime de homicídio nos termos do art.º 137º n.º 1 com correta aplicação da medida da pena.

Assim se fazendo JUSTIÇA

Igualmente inconformada, recorreu a demandada Q... – Companhia de Seguros S. A., condensando a sua motivação nas seguintes conclusões:

1 - O presente recurso vem da Decisão proferida nos Autos, que julgou parcialmente procedente o Pedido de Indemnização Civil, e consequentemente condenou a Recorrente a pagar a quantia de 100.000,00 € de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 77.500,00 € por danos morais aos Demandantes/Recorridos;

2 - A Recorrente contesta a Decisão proferida sobre a matéria de Facto e de Direito, porquanto existem pontos incorrectamente julgados que levaram o Tribunal a quo a considerar provados certos factos, mas de modo errado. Para além disso, existe contradição entre os Factos Provados (II), Motivação (IV), Pedido de Indemnização Civil (VI) e a Decisão (VII) e erro notório na apreciação da prova;

3 - A congénere Seguradora S..., SA exerceu direito de regresso previsto no art. 31 ° da Lei 100/97 de 13/09 sobre a Demandada Q..., SA ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho com o nº S..., mas na fl. 904 da Sentença o Tribunal a quo acaba por não fazer o necessário de desconto da quantia de 69.368,99 € sobre o valor de danos patrimoniais futuros, apesar de estar provado a fl. 873 e 874 que a Demandada Q..., SA entregou esta quantia àquela Seguradora em 20/07/2010.

4 - Na Decisão em crise, houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 495°, 496° n° 2 e 3, 564° e 566° nº 2 e 3, todos do Cód. Civil;

5 - Houve erro de Julgamento, porque a Ma Juiz a quo desprezou provas relevantes produzidas em Audiência;

6 - A Decisão de Facto não é apoiada pela prova testemunhal e documental produzida;

7 - A Decisão é contraditória com a prova produzida;

8 - A Decisão fez aplicação errada do art. 516° do Cód. Processo Civil e 342° do Cód. Civil;

9 - Foi violado o art. 31° da Lei 100/97 de 13/09 - exercício de direito de regresso perante a simultaneidade de acidente de trabalho e de viação;

10 - Foi violado o DL 291/2007 de 21/08 e também a Portaria nº 377/2008 de 26/05 e foi contrariado o sentido da nossa Jurisprudência;

11 - Há que salientar, que nenhuma das testemunhas inquiridas em Audiência viu o embate do veículo HZ conduzido pelo arguido, no veículo ND conduzido por R...;

12 - O arguido A... afirmou diversas vezes e de forma veemente, que quando o seu veículo saiu da curva deparou-se com um outro veículo pesado parado no lado direito da via, do qual se desviou para o lado contrário, travando. E foi a presença desta viatura que funcionou como nexo causal para a produção do acidente;

13 - Deve ser considerada PROVADA a presença de um veículo pesado, parado do lado direito logo a seguir à curva que se desenha no local, atento o sentido de marcha do arguido, e por isso numa manobra de recurso tentou desviar o veículo para a sua esquerda, acabando por embater sem culpa na viatura do infeliz falecido;

14 - Apesar de considerado absorvido pelo montante já pago pela Recorrente, o valor de 2.046,48 € relativo a despesas de funeral não pode ser admitido como encargo da Demandada. É que, os Serviços de Segurança Social garantem o reembolso deste tipo de despesas ao abrigo do DL 322/90 de 18/10;

15 - Está configurada a ocorrência de acidente de trabalho e de viação, e as indemnizações eventualmente devidas não são cumuláveis mas sim complementares;

16 - Ao valor que a ora Recorrente pudesse vir a ser eventualmente condenada a título de danos patrimoniais futuros, há que descontar o valor das indemnizações que os Demandantes/Recorridos já receberam da Seguradora congénere a título de perdas salariais e/ou dano patrimonial futuro, pensões por morte, subsídios por morte e despesas de funeral, nos termos previstos pela Lei 100/97 de 13/09 (Regime jurídico dos Acidentes de Trabalho) nos seus arts. 10° alínea b), 20° e 22°, tudo conforme fl. 859 dos Autos;

17 - Há prejuízo efectivo da Recorrente, porque em função da falha do Tribunal a quo, a condenação prática da Recorrente é de 169.368,99 e não apenas de 100.000,00 €, porquanto o Tribunal está a impor o mesmo pagamento duas vezes;

18 - Para avaliar os danos patrimoniais em apreço, o Tribunal a quo começou por tentar apurar quanto auferia o sinistrado/falecido. Mas mal andou, porquanto:

a) Desprezou a Participação de Sinistro por Acidente de Trabalho, elaborada por ERSUC, SA, (Doc. 6 da Contestação ao Pedido de Indemnização Civil), onde consta expressamente que a retribuição base do sinistrado era 517,72 €.

b) Desprezou a informação constante de fls.365.

c) Desprezou o depoimento por videoconferência de T....

d) Desprezou o valor de 517,72 € de retribuição base do falecido constante dos Docs. 2 a 13 do Pedido Indemnização Civil, e valorizou custos aleatórios que não são retribuição do trabalhador.

e) Desprezou o depoimento de U... .

f) Desprezou a informação contida no ofício de fls. 362 do ISS, indicando que a Demandante recebeu um subsídio por morte de 6.228,30 € - ou seja, recebeu em duplicado do ISS e da congénere S..., SA.

19 - Na Sentença recorrida consta a figura da "média mensal líquida", que é uma figura desconhecida e se impugna de forma veemente porquanto as gratificações, os subsídios e prémios de produtividade não integram a retribuição e são totalmente aleatórios.

20 - Face às imposições das Entidades Financeiras Internacionais, os subsídios de férias e de natal deixarão no futuro de ser pagos aos trabalhadores dependentes. Logo, a projecção feita pelo Tribunal a quo sobre danos patrimoniais futuros está errada.

21 - O Tribunal a quo bem como os Demandantes, louvaram-se no teor do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/04/1995, publicado na CJ. 95, T.II, 23/26, pelo que o valor aplicável a título de danos patrimoniais futuros será de 53.187,33 €, e não o inusitado montante de 100.000,00 € constante a fl. 903 dos Autos;

22 - Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros. Logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto de 2/3 no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

23 - Os Tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso e do arbítrio judicial.

Assim confiadamente se espera ver julgado, porque assim se mostra ser de Lei e de Direito.

Notificado, o Ministério Público respondeu aos recursos interpostos (ao da demandada na parte relativa à impugnação de facto) concluindo o seguinte:

1. O Tribunal analisou, dentro dos limites legais, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como os demais elementos de prova que se impunha apreciar.

2. Essa análise mostra-se consentânea com o adequado sentido a conferir à prova produzida

3. Resulta da sentença com clareza a concretização dos elementos de facto que convenceram o Tribunal, a análise e valoração dos mesmos, bem como o processo racional que levou à decisão proferida.

4. Ao formar a sua convicção, o Tribunal não se deparou com qualquer dúvida insanável, que o levasse a fazer intervir, a favor do arguido, o princípio in dubio pro reo.

5. O Tribunal apurou/investigou e pronunciou-se sobre todos os factos essenciais alegados pela acusação e defesa ou resultantes da discussão da causa.

6. Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente os princípios in dubio pro reo, de presunção de inocência ou da livre apreciação da prova, ou o disposto nos art. 32° da Constituição da República Portuguesa, 125°, 126° e 127° ou 410° n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal.

7. A integração jurídica dos factos operada na sentença, que levou à condenação do arguido por um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137° n.º 2 do Código Penal, mostra-se correcta.

Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, negando provimento ao recurso farão JUSTIÇA

Notificados, os demandantes, F... e G... responderam aos recursos interposto e interpuseram recurso subordinado.

Condensaram a sua resposta nas seguintes conclusões:

1. Ao ler as doutas alegações da R/Recorrente, não podemos deixar de revelar a nossa estranheza na análise efectuada bem como das conclusões que retira da sua própria análise e interpretação das mesmas

2. Não incorreu o Tribunal "a quo" em qualquer erro de julgamento decorrente da avalização da prova produzida em tribunal, tendo fundamentado todas as decisões tomadas.

3. Face à prova produzida e às próprias declarações do arguido, este foi o único e exclusivo responsável pela produção do acidente relatado nos autos.

4. Esquece o R./Recorrente, o princípio da livre apreciação da prova do Juiz do processo.

5. Face aos factos provados em audiência de julgamento e ao grau de culpa do arguido, a pena que a este foi aplicada foi benevolente.

6. O tribunal, face a matéria factual dada como provada, com equidade e razoabilidade, arbitra os valores indemnizatórios considerados devidos aos lesados não se encontrando vinculado aos valores (mesmos considerando eventuais actualizações) estipulados na Portaria n.º 377/2008 de 26/05.

7. Os Recorridos nada têm a ver com as relações e obrigações existentes entre seguradoras. Se a Recorrente já entregou valores à sua congénere S..., decorrentes da indemnização de acidentes de trabalho, terá que reaver daquela, em função do já recebido pelos Recorridos da S...e do que aqueles venham a receber da Recorrente o eventual excedente.

8. Os valores indemnizatórios arbitrados pelo tribunal "a quo" pecam por defeito tendo em consideração a mais recente jurisprudência, desacordo este, objecto de recurso, apresentado pelos recorridos.

Nestes termos e nos melhores de direito, (que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente recurso de Apelação na parte recorrida, com todas as legais consequências farão Vossas Excelências JUSTIÇA!!!

Da motivação do recurso subordinado extraíram as seguintes conclusões:

1. Em função dos factos dados como provados, o arguido foi o único e exclusivo responsável pela produção do acidente descrito nos autos.

2. A vida é o bem supremo, a fonte de todos os direitos.

3. Os padrões indemnizatórios, nomeadamente do dano morte, não podem seguir na esteira da tradição miserabilista, sob pena dos tribunais não estarem a acompanhar a evolução da vida, causando prejuízos irreparáveis aos lesados em acidentes de viação, caso os valores compensatórios não espelhem, não minimizem e não compensem a severidade do dano morte.

4. O direito a vida é o mais importante dos direitos fundamentais e o dano morte, no plano dos interesses da ordem jurídica, o prejuízo supremo, de tal forma que respectivo montante indemnizatório deve ser superior ao correspondente a todos os outros danos imagináveis.

5. Dada a irreversibilidade do dano sofrido, e dada a dimensão do bem lesado, o bem vida, o nivelamento das indemnizações tem, obrigatoriamente, que se realizar pelo lado do espectro mais elevado.

Como critério adjuvante para a determinação equitativa do dano, quantificando-o em EUR 50.000, a jurisprudência têm-se socorrido da Resolução do Conselho de Ministros sobre o caso do acidente de Entre-os Rios de 4/3/2001, segundo o parecer do Provedor de Justiça, (Diário da República, n.º 96, 2ª série, de 24 de Abril de 2001 - resumo, parte VIII, páginas 7142).

7. Há que considerar, no entanto, que aquela Resolução do Conselho de Ministros data de 2001,ou seja, de à quase uma década, devendo tomar-se em consideração a posterior evolução e o princípio da actualidade, pelo que a maioria da jurisprudência ultrapassa claramente o valor indicativo dos EUR 50.000,00.

8. Atribuindo a mais recente jurisprudência ao dano valores que chegam aos €: 75.000,00

9. A evolução do valor ressarcitório da lesão do bem vida, encontra justificação pelo constante aumento do custo de vida pelo aumento dos prémios de seguros e, principalmente, pelo respeito ao princípio da dignidade da compensação dos danos causados ao bem suprema, a vida.

10. Consideramos que o bem vida tem um valor que supera qualquer outro direito e o seu conteúdo, não pode ser diminuído ou valorado essencialmente por critérios de raiz sócio-económicos e/ ou etários do lesado.

11. As diferenças existentes entre lesados serão compensadas não através do dano morte, uma vida é sempre uma vida, mas através da indemnização de danos patrimoniais futuros.

12. O bem vida é demasiado importante e valioso para que possa e deva ser valorado, consoantes os casos, com diferenças abismais.

13. Consideramos que os valores adequados, razoáveis, equitativos, para compensar o dano morte se situam entre os € 60.000,00 e os € 70.000,00.

14. No caso a que reportam os presentes autos, consideramos ser adequado, justo e equitativo, valorar o dano morte em quantia não inferior a € 60.000,00.

15 O dano não patrimonial da vítima no período que antecede a morte é indemnizável independentemente da prova efectiva do quantum doloris.

16. O R...ficou encarcerado na cabine do ND, onde no meio de ferros retorcidos, sofreu dores agonizantes resultantes das lesões melhor descritas no auto e relatório de autopsia a fls. 38 a 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que foram causa adequada da sua morte.

17. Agonia potenciada, por ver que nada, nem ninguém, o poderia socorrer e ajudar a libertar-se da amálgama de ferro retorcido, em que se transformou a cabine do camião.

18. Ocorrendo o seu decesso antes que tivessem chegado os bombeiros com os meios suficientes e necessários para o resgatar.

19. O dano traduzido no sofrimento da vítima que antecedeu a sua morte não pode deixar de ser positivamente valorado para efeitos de atribuição de indemnização compensatória.

20. Tratou-se de uma morte violenta e precoce de um homem com muita alegria de viver bem integrado quer social quer familiarmente.

21. Tem-se por equitativo e justo, quantificar os danos não patrimoniais do R..., à luz dos critérios e factores supra enunciados, em € 15.000,00, atento o facto de a vítima ter sofrido dores atrozes e angústias próprias de quem vê a morte chegar de forma inevitável.

22. Só assim se estará a respeitar o espírito subjacente ao art.º 494.º do Código Civil bem como a seguir-se o padrão que tem vindo a ser seguido pelos nosso Tribunais Superiores.

23. O homem português tem uma esperança média de vida que se situa nos 75 anos pelo que para cálculo dos danos patrimoniais futuros deve ser tida em consideração essa idade e não a de 70 anos utilizada pelo tribunal "a quo", face ao aumento de esperança de vida que se tem verificado na nossa sociedade.

24. Face à actual conjuntura económica, à baixa generalizada das taxas de juro e ao facto de que quanto mais baixa é a taxa de juros, maior tem que ser o montante de capital para ao longo da vida dos lesados, se manter o "poder" ressarcitório pretendido pela atribuição de uma indemnização,

25. Tendo em consideração que Banco Europeu para o mercado inter bancário, pratica uma taxa de Juro que se situam actualmente em 1,00%, e que as taxas Euribor a 3 meses se encontram em 0,787%, consideramos equitativo a utilização de uma taxa de juro de 3% para cálculo indiciário dos valores indemnizatórios a título de danos patrimoniais futuros.

26. Ao valor indemnizatório encontrado de € 197.329,50, descontando 1/3 deste valor por se considerar que o lesado gastaria o com despesas próprias, chegamos a um valor justo e equitativo, para ressarcir os danos patrimoniais futuros de € 131.553,00.

27. Deste modo, a douta Sentença recorrida violou os art.ºs 494°, 496.º, 562.º,564.º, e 566.º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de Apelação e em consequência revogada a douta sentença na parte recorrida, com todas as legais consequências farão Vossas Excelência JUSTIÇA!!!!

Não ocorreu resposta ao recurso subordinado.

Admitido os recursos e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso do arguido não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da decisão recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

II.FACTOS PROVADOS

Das várias sessões de audiência de discussão e julgamento, resultaram provados os seguintes factos:

No dia 15 de Janeiro de 2009, pelas 09 horas e 45 minutos, na Estrada Nacional nº 17, ao Km 7,900, em Morais, Taveiro, área desta comarca de Coimbra, o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula ....HZ, no sentido Condeixa-Taveiro.

A via, no local e sentido de marcha do arguido, descreve uma curva à direita.

À data dos factos o piso da via estava molhado e, na meia faixa correspondente ao sentido de marcha do arguido, havia uma ligeira depressão ou afundamento do pavimento.

Momentos antes do embate, o arguido imprimia à viatura por si conduzida uma velocidade de cerca de 60 Km/horários.

À data chuviscava, e no local era permitido o trânsito, nos dois sentidos.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, mas em sentido contrário ao do arguido, ou seja, Taveiro – Condeixa, seguia R... de Oliveira conduzindo o pesado de mercadorias, com a matrícula ...ND, propriedade da ERSUC- Resíduos Sólidos do Centro SA ..

O arguido, ao descrever a curva supra descrita, de visibilidade reduzida invadiu, parcialmente, a meia faixa contrária à sua.

Ao desfazer a curva, o arguido deparou-se com o veículo "ND" conduzido por R..., que seguia na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa em sentido Taveiro - Condeixa.

O arguido ainda tentou travar e corrigir a trajectória o que não logrou fazer, sobretudo, devido ao movimento que imprimia ao seu veículo e ao pouco espaço para tal manobra.

O arguido, foi então embater, com a parte da frente do veículo pesado de mercadorias por si conduzido, na parte da frente da viatura pesada conduzida por R....

O embate deu-se dentro da meia faixa de rodagem por onde seguia R..., o qual, viu -se surpreendido pelo surgimento do veículo HZ, à saída da referida curva.

Deste embate resultaram, para além do mais, e para a vítima, dores, bem como as lesões examinadas e descritas no auto e relatório de autópsia de fls. 38 a 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que foram causa adequada da morte de R....

O arguido era um motorista profissional, condutor de um veículo pesado de mercadorias.

O arguido conhecia o veículo que conduzia, o local e as características da via, sendo que podia e devia ter adoptado outra conduta, designadamente, adequando a velocidade às características do local e da via, assim evitando causar um resultado, que podia e devia ter previsto.

Ao agir como o descrito, omitiu as cautelas exigíveis a um condutor médio e prudente, bem sabendo que a conduta descrita lhe estava vedada por lei.

Um dos pneus do rodado traseiro do veículo "HZ" acusava desgaste.

O condutor do veículo "HZ" conduzia-o com autorização, da firma B... Lda, sua proprietária.

A Estrada Nacional n.º 1-7 era e é asfaltada.

O veículo "NH" seguia a cerca de 25 Km/hora, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, numa recta com cerca de 1 quilómetro de comprimento, encontrando-se a cerca de 30 metros de uma curva para a sua esquerda e a vários metros de um entroncamento que tinha acabado de passar e que dava, entre outros, acessos à cerâmica M....

A hemi faixa de rodagem por onde circulava o veículo "HZ" tinha um ligeiro afundamento do pavimento, devido ao tráfego de camiões que por ela circulam.

A via no local do embate tinha uma largura de 6,20 m.

O veículo "HZ" imobilizou-se, atento o seu sentido de marcha (Condeixa/Taveiro) junto à valeta, da berma da esquerda (ficando a sua roda traseira direita a 4,70m, a sua r roda direita da frente, a 5,05m, e a roda direita da frente a 5,35 m - da berma da direita da via).

Por sua vez o veículo "ND ", deixou vestígios de travagem da sua roda dianteira esquerda a 2, 90 m da berma direita e a 4,15 da berma esquerda, atento o sentido de marcha que tomava, e imobilizou a parte da frente a ocupar a berma direita, ficando a sua roda traseira esquerda a 4,00 metros da berma esquerda da via.

O condutor do ND, após o embate, ficou encarcerado na cabine do camião e, cerca de 15 minutos após a produção do embate, veio a perecer no local, em resultado das lesões corporais sofridas em virtude do embate.

Ao ver o veículo HZ, o condutor do ND, travou e encostou-se o mais possível ao seu lado direito.

Do embate resultou a destruição da cabine onde se encontrava o condutor do ND, e este acabou por ser retirado após a chegada dos bombeiros.

Em consequência do acidente, as roupas e o calçado que R... usava no momento da respectiva ocorrência - os quais ascendiam a cerca de € 105,00 - perderam-se ou ficaram destruídos.

Com as despesas do funeral, despenderam os demandantes, o valor de € 2. 046, 48.

O falecido R..., era casado com a demandante, que com ele vivia e de quem dependia toda a economia do casal.

R... auferia, à data do acidente, uma quantia mensal média, líquida de cerca de € 858, 00.

Nos momentos que antecederam o acidente, R... apercebeu-se que iria sofrer um acidente rodoviário e, vendo dirigir-se para si um pesado de mercadorias, temeu pelas consequências de um embate violento.

Após a produção do mesmo, pelas 09H45, ficou R... encarcerado nos destroços do habitáculo do ND.

O falecimento de R... causou grande sofrimento e angústia aos demandantes, viúva e seu filho único.

A demandante era casada à mais de 30 anos com o falecido R... e a ele era dedicada.

Formavam um casal harmonioso e amigo um do outro.

A demandante era alegre e extrovertida e agora, devido à morte do marido, tornou-se uma pessoa triste e reservada.

A relação entre o demandante e o seu pai, era muito estreita e ambos cultivavam o contacto permanente.

O demandante e os seus pais, viviam na mesma localidade e, após o seu casamento, continuaram a confraternizar com regularidade, o arguido é reservado; casado, aufere cerca de € 600,00/mês.

É motorista profissional e vive com a esposa, filho e enteado, em casa própria.

Tem de habilitações literárias a 4° classe.

Não se conhecem ao arguido antecedentes criminais nem rodoviários.

A data dos factos, o proprietário do veículo conduzido pelo arguido tinha transferida a sua responsabilidade civil por danos causados, por este, para a demandada COMPANHIA DE SEGUROS Q..., S. A., por via do contrato de seguro titulado pela apólice n° 20066374 (válida e eficaz no dia e hora a que se produziu o acidente).

A Seguradora Demandada liquidou à demandante as quantias discriminadas a fls. 365, a título de pensão (4.389,38 €), subsídio por morte e por funeral do marido (€ 5.400,00 e € 3.600,00), e ainda, a título de transportes, para o Tribunal do Trabalho (20,00 e).

Ao abrigo da apólice n.º S... (acidentes de trabalho) e em virtude do sinistro ocorrido a 15. 01.2009, em que foi sinistrado R... a Seguradora Demandada, Q... Comp.ª de Seguros SA, entregou a 14.06.2010 à Seguradora S..., a quantia de € 69.368,99, discriminada nos termos constantes do documento de fls. 859 que aqui se dá por reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, outros factos acima não descritos ou com estes em contradição sendo que, não se provaram outros factos descritos no P.I.C; nem na contestação designadamente, não se provou a presença, sinalizada ou não, de um veículo pesado, parado do lado direito, logo a seguir à curva que se desenha no local (e atento o sentido de marcha do arguido), nem que a vítima auferisse € 1.070,00 de média mensal.

MOTIVAÇÃO

O Tribunal formou a sua convicção, com base no conjunto (e no confronto) da prova produzida, analisada de acordo com as regras da experiência e da livre valoração da prova (art. 127º CPP); da lógica e do normal acontecer.

Como assim, o tribunal teve presente a prova produzida nas várias sessões de julgamento, prova essa que ponderou no seu conjunto, efectuando a sua análise crítica à luz das regras da lógica, da experiência e do normal acontecer.

Como assim, foi valorado, designadamente, o depoimento da testemunha C...; Cabo-Chefe que esteve no local após o acidente; o de D..., Soldado da GNR, que esteve no local após o acidente e descreveu as condições do tempo e do local, indicando ainda que a curva é de visibilidade reduzida, não se encontrava nenhum veículo pesado estacionado, a seguir à curva onde ocorrera a colisão, confirmou e esclareceu o croquis e as medições efectuadas; referiu que o sinistrado ia em sentido ascendente e o arguido em sentido descendente (já que há, no local, uma ligeira inclinação da via).

Mais esclareceu as condições do pavimento - polido e irregular - e a actual sinalização no local (50 Km/hora).

Também o Cabo E... da GNR, corroborou o depoimento da anterior testemunha e ainda indicou que o veículo conduzido pelo sinistrado, não só seguia em sentido - ligeiramente ascendente - como seguia "carregado" e que o veículo conduzido pelo arguido sofrera muito menos estragos do que o veículo conduzido pelo falecido R....

Adiantou ainda que, à data, existia um sinal de entroncamento com via sem prioridade (antes de entrar na curva e atento o sentido de marcha do arguido) e que não se recordava de existir no local qualquer tipo de vegetação que retirasse ao arguido a visibilidade para a estrada.

Acresce que, para nós, permaneceu credível o depoimento da testemunha L..., o qual circulava - efectivamente e comprovadamente no local - no mesmo sentido de marcha do veículo conduzido pela vítima (atrás deste e a uma distância não inferior a cerca de 200 metros deste) e que afirmou que - no sentido de marcha, contrário, aquele em que arguido seguia - não havia qualquer obstáculo. quer no local da colisão, quer próximo do local da colisão (atento o mesmo sentido de marcha).

Com efeito, esta testemunha refere que quando viu o "fumo" das baterias, que lhe sinalizou o acidente, ainda não tinha chegado ao entroncamento (que fica, como vimos na inspecção judicial, a cerca de 90 metros da curva, atento o sentido de marcha desta testemunha) e que o que estava lá era um carrinha volvo - bastante antes do cruzamento, ao pé do armazém da fruta, - mas que esta nada poderia ter a ver com o acidente porque estava muito longe do local.

A presença desta testemunha no local, foi inequivocamente confirmada pelas testemunhas que o acompanhavam na recolha do lixo - referimo-nos a O... e P..., - e também foi corroborada pela testemunha V... encarregado do aterro da Ersuc que viu chegar o Sr. L... da X... ("com as duas testemunhas que estão lá fora") e que estava "aflito; transtornado" dando conta do acidente dos autos, com que acabara de se cruzar.

Acresce que, nenhuma destas testemunhas viu movimento de veículos; nem se recorda de ver qualquer camião parado no local do acidente.

Ambas estas testemunhas - que também não viram a colisão - recordam-se de terem visto o fumo das baterias dos veículos embatidos e, O.... refere ter sido alertado por L... que referiu estar "acolá" um acidente, sendo que a testemunha P... diz que já iam na recta "há um bocado" quando viram o fumo (das baterias).

Por outro lado, a testemunha P... recorda-se de ter visto o arguido de telemóvel na mão e ambas as testemunhas vinham de trabalhar há várias horas na recolha do lixo.

Como assim, não causa estranheza que estas pessoas - a pé desde as 3h20 da manhã - não tenham saído do veículo conduzido por L..., quando este se prontificou a ir ver o que se passava.

Ora, tais declarações - também em sintonia com as prestadas pelas testemunhas H...e I... - afastaram irremediavelmente a tese avançada pelo arguido, no sentido da existência de um "veículo pesado poucos metros a seguir à curva" e que lhe "obstruía, a semi-faixa de rodagem" e "o obrigara" a invadir a faixa contrária, assim dando lugar ao embate.

Com efeito, para além de ter sido e ser, para nós um dado absolutamente irrefutável que estas testemunhas estiveram no local, também ficamos com a convicção, segura, de que não existia no local, próximo do acidente e com influência na sua dinâmica um veículo que obstruísse a via ao arguido.

Aliás, se assim tivesse sido, o que de todo não resulta da prova, cremos que seria muito mais vincada e - até veemente - a posição assumida pelo arguido, que não era - decididamente - a de quem tinha sido - também - vítima de uma conduta imprudente de terceiro.

Note-se, aliás que a testemunha L...referiu que o arguido, no local, logo após o acidente, lhe dissera "eu matei um homem!".

Por outro lado, e embora à data, não estivesse sinalizada a velocidade, naquele local, foram várias as testemunhas que disseram que, com aquelas condições do piso (molhado; irregular; escorregadio e gorduroso) a velocidade dos veículos tinha que ser muito controlada.

"Se vier a mais de 50 km/hora já não vem bem" - afirmou a testemunha I... (trabalhador da "J...Lda." de H....

Acresce que, embora as Estradas de Portugal tivessem informado que, à data, inexistia sinalização de velocidade no local, hoje existem lá as placas reguladoras da velocidade, sendo que a velocidade máxima permitida é de 50 Km/hora (facto confirmado pelas testemunhas da GNR e as supra mencionadas.

Acresce que o arguido, como admitiu em julgamento, circulava a cerca de 60 km/hora, é um motorista profissional, conhecia muito bem a estrada, conhecia muito bem as características do veículo que ele próprio conduzia; sabia que estava a chover; sabia que o pavimento da estrada era irregular e que estava - habitualmente - gorduroso.

Não desconhecia o movimento daquela via e, designadamente, que existia ali, depois da curva, que se lhe oferecia à sua direita, um entroncamento que levava vários veículos, pesados e ligeiros, a empresas como a M... e a J...Lda. (sendo salientar que estes veículos, caso viessem no sentido de marcha do arguido, para virarem à sua esquerda no dito entroncamento, teriam que - se necessário fosse, e o trânsito na recta assim o impusesse - aguardar, parados no eixo da via e na faixa de rodagem, para cortar à sua esquerda).

Ora, estando o entroncamento a cerca de 90 metros da curva, o arguido podia e devia prever que a sua marcha era desadequada para o local.

Destes elementos objectivos, inferimos assim a conduta negligente do arguido.

Finalmente, importa recordar que a testemunha I... que se descolou ao local poucos minutos depois da colisão, não viu nenhum veículo parado na via seguida pelo arguido ou no local por este indicado.

Mais confirmou os fotogramas juntos aos autos, estado e localização dos veículos.

Por seu turno, a testemunha H...confirmou igualmente o local do acidente, estado e localização dos veículos, danos, e confirmou não ter visto nenhum veículo parado na via no sentido seguido pelo arguido ou no local por este indicado.

Acresce que, não existiu, bem pelo contrário, qualquer elemento de prova que sustentasse com segurança a afirmação ou a existência, no local, de um camião carregado de azulejos - designadamente da Dominó - que ocupasse a semi-faixa do arguido, logo a seguir à curva.

Finalmente, importa sublinhar que o próprio arguido admitiu, ainda, não ter conseguido controlar a marcha da sua viatura porquanto refere que ao travar entrou em "deslize" e em "despiste ", após o que se deu a colisão.

A dinâmica e circunstancialismo que envolveu o acidente, bem assim a leitura dos factos apurados é a consentânea com os elementos de prova referidos e bem assim, v.g. com o teor do relatório de fls. 212 e ss, do relatório de autopsia, dos fotogramas, do croquis e da inspecção judicial que tivemos igualmente em consideração na matéria de facto assente.

Mais consideramos a hora de falecimento da vítima e as referência ao seu encarceramento.

Analisado foi ainda o teor do C.R.C., R.I.C., informação das E.P (estradas de Portugal), relatórios, documentos juntos com o P.I.C. e em sede de audiência final, e o depoimento, credível das testemunhas arroladas pelos demandantes (cunhado e nora da demandante), as quais depuseram sobre as condições económicas e pessoais da vítima, demandantes e suas relações entre ambos.

Por se considerar comprometido e pouco consistente não valorizamos as considerações - apenas conclusivas - do Sr. Perito da Seguradora demandada e o depoimento da testemunha N..., o qual nada presenciou, relatando apenas que o arguido lhe transmitira pelo telefone.

Também nos pareceu pouco credível, perante os factos, as referências feitas - pelas testemunhas abonatórias - ao cuidado e zelo do arguido.

Como assim, no que concerne aos factos não provados (designadamente do p.i.c e da contestação) os mesmos resultam quer da insuficiência ou inexistência de prova (v.g. quanto ao sofrimento padecido pela vítima; seu estado de consciência ou inconsciência após o embate; relações e características pessoais da vítima/familiares, etc.) quer da prova de outros factos (distintos da versão do arguido).

Finalmente, no que respeita ao quantitativo auferido pela vítima tivemos em consideração a soma dos valores líquidos recebidos pela mesma, no ano de 2008 (inscritos nos recibos de vencimento) divididos por 14 (12 meses de vencimento e 2 meses de subsídio de férias e natal).


***

            III. Apreciação dos Recursos

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

E de conhecimento oficioso, também nesta instância, é, nomeadamente, "a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada" como se preceitua no artigo 410º, nº 3 do Código de Processo Penal (cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I-A de 28.12.1995).

Como já se encontra mencionado, foi proferido em recurso que subiu a esta Relação, acórdão que determinou o reenvio do processo para novo julgamento restrito à matéria do acidente e criminal.

Tendo os autos descido à primeira instância para realização do novo julgamento, continuaram a correr no mesmo juízo criminal e a ser processados pela mesma Juiz de Direito que realizou o primeiro julgamento, realizando também esta o segundo julgamento e proferindo a nova sentença agora objecto de recurso.

O artigo 426º-A do Código de Processo Penal que regula a competência para novo julgamento em caso de reenvio preceitua que:

1. Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

2. Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição.

O preceito é pois bem claro no sentido de que em caso de reenvio o novo julgamento nunca pode ser realizado pelo juiz que proferiu a decisão recorrida, posto que o artigo 40º preceitua que nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior (alínea c). Se tal se verificar ocorre a nulidade prevista no artigo 41º, nº 3 do Código de Processo Penal, contudo sanável se não for arguida no prazo de dedução do pedido de recusa de juiz.

Mas no caso de existirem mais de dois tribunais da mesma categoria (juízos) como ocorre na comarca de Coimbra, já na determinação da competência para novo julgamento não intervém em nenhum momento regra relativa a impedimento dos magistrados judiciais, determinando o nº 2 do preceito que o processo seja objecto de nova distribuição em que naturalmente será excluído o juízo a que o processo foi inicialmente distribuído, quando é manifesto que se pretende que seja outro o tribunal/juízo a realizar o novo julgamento (cfr. o acórdão do STJ de 15.11.2001, SASTJ nº 55, 79).

Ora, a violação das regras de competência, como no caso ocorre porque o processo não foi objecto de distribuição para novo julgamento e foi este realizado no mesmo juízo, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, prevista no artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal.

O reconhecimento e consequente declaração desta nulidade, nos termos do artigo 122º do Código de Processo Penal. torna inválido tudo o que foi processado na primeira instância após o reenvio para novo julgamento, com excepção apenas das diligências realizadas e ordenadas nos despachos de fls. 771 e 780, 1º parágrafo que, com toda a evidência podem ser salvos do efeito da invalidade (nº 3 do preceito).

Em consequência do exposto fica prejudicada a apreciação dos recursos interpostos.


***

IV. Decisão

Nestes termos acordam em declarar nulo o processado posterior ao reenvio do processo para novo julgamento, com a sua consequente invalidade, apenas com excepção das diligências realizadas e ordenadas nos despachos de fls. 771 e 780, 1º parágrafo, devendo o processo ser objecto de distribuição nos termos previstos no artigo 426º-A, nº 2 do Código de Processo Penal e após realizado o novo julgamento.

Não há lugar a tributação.


***

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins)