Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1408/08.9TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CARTÃO MULTIBANCO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 06/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, N.º 1; 486.º; 762.º, N.º 2 DO CC, E AVISO DO BANCO DE PORTUGAL N.º 11/2001, DE 6/11, DR I-B, N.º 269, DE 20/11
Sumário: 1. Cabe ao banco emissor do cartão multibanco estabelecer as regras de segurança e especiais deveres de cuidado a adoptar no envio do cartão ao utente, determinando, por exemplo, que o cartão e o PIN não sejam enviados conjuntamente e, para maior segurança, não o deverão enviar já activado, pronto a ser utilizado.

2. Não o fazendo viola as regras de segurança do sistema de acesso aos serviços proporcionados por tal cartão e em flagrante desrespeito pelo comando ínsito no artigo 11.º do Aviso n.º 11/2001 do Banco de Portugal, pelo que deve ser responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo titular da conta, resultantes de tal omissão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, proposta por A...., motorista de transportes internacionais, residente na....., contra Banco B..., S.A., sociedade aberta, com sede na ..., e C..., solteira, doméstica, residente na ..., o autor peticiona que os réus sejam condenados solidariamente a pagarem-lhe a quantia de 7.302,24 €, acrescida de juros, contados a partir da citação, bem como nas custas e procuradoria condigna.

O Autor alega, para o efeito e em síntese, que, de Março de 2001 a Outubro de 2006, residiu na ..., e, em Setembro de 2001, abriu uma conta bancária na agência de ... da 1ª Ré.

Pouco tempo depois, a 1ª Ré emitiu-lhe um cartão de débito (e não de crédito, como o Autor oportunamente esclareceu em sede de audiência preliminar) e remeteu-lho para o endereço ora mencionado, tendo, posteriormente, validado tal cartão até Fevereiro de 2006. O Autor mais invoca que, por volta de 17.01.2006, dirigiu-se à mencionada agência da 1ª Ré, pedindo que não lhe fosse remetido o novo cartão de débito renovado para a morada supra indicada, pois iria fazer uma longa viagem, e comunicando que, quando regressasse, voltaria àquela agência para aí levantar o cartão. A funcionária que atendeu o Autor comunicou-lhe que lhe guardariam o cartão, para que o mesmo fosse levantá-lo à agência.

Após, o Autor partiu em viagem para vários países da Europa e, em 27.01.2006, foi vítima de um acidente de viação em Espanha, onde esteve hospitalizado desde tal data até 10.02.2006. Seguidamente, esteve hospitalizado em Portugal, desde 21.02.2006 até

22.03.2006. Obteve alta e foi fixar-se em ....

O Autor alega, igualmente, que, na sua ausência, a sua antiga residência, supra referenciada, foi arrendada à 2ª Ré, tendo a 1ª Ré remetido para essa morada o novo cartão de débito renovado, com o nº 1471845, bem como o respectivo código. Assim, a 2ª Ré, que então já residia nessa morada, apoderou-se do cartão e do seu código de acesso e, de 22.02.2006 a 21.03.2006, mediante utilização dos mesmos, procedeu, por várias vezes, ao levantamento de quantias e efectuou o carregamento do seu telemóvel com o nº 917468054, tudo no montante global de 3.303,38 €. A 2ª Ré vive maritalmente com D..., o qual, no período em que o dinheiro foi levantado, esteve sempre ausente, na Suíça.

Tanto o mencionado cartão como o respectivo código secreto foram remetidos por carta simples em nome do Autor para a sua antiga morada. O Autor conclui, assim, que, se as referidas cartas tivessem sido enviadas sob registo, o novo cartão de multibanco e o respectivo código não teriam sido entregues à 2ª Ré e esta não teria efectuado aqueles levantamentos e carregamento, pelo que a 1ª Ré violou, por omissão, o seu dever de cuidado, o que a faz incorrer na obrigação de indemnizar o Autor, solidariamente com a 2ª Ré.

O Autor alega, por outro lado, que a importância de 3.303,38 € correspondia às únicas economias que possuía, correspondentes a um ano de trabalho. É de nacionalidade búlgara, esteve bastante tempo sem auferir vencimentos e, sem aquela quantia, passou fome e deixou de comprar bens de que necessitava. Sustenta, assim, que sofreu um grande choque, o que deve ser ressarcido com uma importância não inferior a 2.000 €. Mais alega que, por causa daquelas subtracções, o Autor deslocou-se, por duas vezes, de ...ao Tribunal de Alcobaça, à GNR de Caldas da Rainha e à agência das ... da 1ª Ré, pelo que não trabalhou durante 6 dias, o que implicou um prejuízo de 300 € e o dispêndio de 120 € em viagens, tendo, ainda, gasto o montante de 72 € em refeições. Por fim, invoca que irá despender com os serviços do advogado e IVA a importância de 1.200 €.

Contestando, a 1ª Ré deduziu a excepção dilatória da incompetência relativa, em razão do território, aceitou o alegado sob os artigos 1º e 2º da petição inicial e impugnou o demais invocado pelo Autor, referindo que emitiu e remeteu a este, em 11.01.2006, um cartão de débito e não de crédito, tendo, em 6.02.2006, procedido ao envio de novo cartão, com um novo “PIN”, em substituição automática do primeiro, para a mesma morada, fornecida pelo Autor. A 1ª Ré conclui pugnando pela sua absolvição do pedido.

Respondendo à excepção deduzida, o Autor pugnou pela competência territorial do Tribunal de Alcobaça, por corresponder ao do domicílio de um dos Réus.

A 2ª Ré, regularmente citada, não contestou.

Teve lugar infrutífera Audiência Preliminar.

            A que seguiu a prolação de despacho saneador, no qual se julgou improcedente a alegada excepção de incompetência territorial e se seleccionou a matéria de facto assente e a que, estando controvertida, era relevante para a decisão da causa, de que não houve reclamações, mas que foi objecto de rectificação, quanto à alínea A) dos factos assentes, que padecia de erro material, cf. despacho de fl.s 164.

Foi designada data para audiência de discussão e julgamento a qual se realizou de acordo com o formalismo legal, com gravação dos depoimentos prestados, tendo o Tribunal respondido à base instrutória sem que houvesse reclamações, cf. fl.s 167 a 172.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 173 a 190, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência, condeno as Rés a pagarem solidariamente ao Autor a quantia global de 3.728,54 € (três mil setecentos e vinte e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida do montante correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos sobre o referido capital, desde a data da citação até integral pagamento, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento.

*

Custas pelo Autor e pelas Rés, na proporção do respectivo decaimento (cf. artigos 446.º, nºs 1 a 3, e 446.º-A, nºs 1 e 3, do CPC, na redacção introduzida pelo D.L. nº34/08, de 26.02, alterado pela Lei nº43/08, de 27.08, pelo D.L. nº181/08, de 28.08, e pelo artigo 156.º da Lei nº64-A/08, de 31.12, atento o preceituado nos artigos 26.º, nº1, e 27.º, nº3, al. a), do D.L. nº34/08, na sua actual redacção).”.

            Inconformados com a mesma, interpuseram recurso o 1.º réu Banco B..., SA e o autor A..., este subordinadamente, recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despachos de fl.s 220), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões):

            Réu B..., SA:

A) O Recorrente agiu com diligência e com o dever de cuidado a que está obrigado.

B) Enviou o cartão e o código PIN em momentos distintos, para a morada do cliente, a fim de evitar que o cartão e o PIN fossem abusivamente apropriados por terceiros.

C) O R/Banco agiu de acordo com a prática bancária utilizada por toda a banca portuguesa e julgada suficiente para garantir a protecção dos clientes, atendendo que temos que levar em linha de conta que a empresa Correios de Portugal é seria e diligencia pela entrega de todas as cartas.

D) O A. deixou de residir na morada indicada ao R. em Outubro de 2004, sem ter comunicado tal alteração ao R. com qual tinha um contrato.

E) O cartão foi enviado em 17/01/2006, 1 ano e 3 meses após o A. ter deixado de residir na morada indicado ao R.

F) O A. nunca alertou o R. que não estava a receber os extractos bancários da sua conta.

G) O cartão de débito e o respectivo PIN foi parar na posse de terceiros por culpa exclusiva do A.

H) Foi o A. que violou os deveres de cuidado ao não ter comunicado a alteração da sua residência ao R.

I) O A. sabia e tinha perfeito conhecimento que mensalmente o R lhe enviada correspondência, bem como sabia que o cartão de débito e o respectivo código seriam enviados para a morada que constava na base de dados dos banco e nada fez para alterar tal situação.

J) O envio de carta registada, como o douto tribunal a quo a entendeu, não impedia que o cartão e /ou PIN fosse recebido por terceiro. Tanto é assim que o art.º 235º do C.P.C. prevê essas situações, de cartas registadas enviadas para a morada do destinatário e recebidas por terceiro, isto é, mesmo sendo registada pode ser recebida por terceiro.

K) Acresce que é prática bancária, usada por todos os bancos da praça portuguesa, o envio do cartão e do código em momentos diferentes, para a morada do cliente, a fim de evitar que terceiros se apropriem indevidamente do cartão e do código, por correio normal.

L) O R. ao enviar as cartas já mencionadas actuou com o dever de diligência e cuidado que lhe é exigido, tanto é que as cartas chegaram à morada do cliente.

M) A culpa dos danos e prejuízos alegados pelo A. são da sua inteira e exclusiva responsabilidade.

Nestes termos e nos melhores de direito deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e ser substituída por outra que absolva o R. do pedido,

Assim se fazendo a costumada justiça!

           

            Réu A...:

1- Pelos motivos atrás indicados, à indemnização a atribuir ao A. deverá acrescer a importância de 1.210 Euros relativos aos honorários do advogado;

2- O PIN, no dizer da funcionária ... devia ser entregue em mão do A.;

3- Quando ambos, o cartão e o PIN não tivessem sido remetidos em correio registado;

4- O Banco recorrente falhou e por sua causa, pela falta do cuidado que lhe era devido, o A., um pobre imigrante ficou sem o produto de um ano de trabalho;

5- O recorrente tem agido de má fé, quer durante o processo quer agora com o presente recurso.

6- É ridículo dizer-se que a prática bancária, de se remeter em carta simples o PIN e o cartão de débito de multibanco em carta simples que o desobriga da responsabilidade que lhe é pedida nesta acção.

7- Deve ser condenado em multa e indemnização, pelo menos no valor de 1.000 €, acrescida de IVA relativa aos honorários do advogado, em conjugação com o que acima foi dito, acrescida de igual importância a favor do Cofre dos Tribunais.

8- Deve a indemnização a atribuir ao A. ser fixada na quantia de 6.181 € acrescida dos juros a acrescentar.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

           

Recurso do réu B..., SA:

            A. Se o ora recorrente agiu com a diligência e o dever de cuidado a que estava obrigado, na forma como procedeu, ao envio do cartão multibanco e do código (PIN), ao autor.

            Recurso do autor A...:

            B. Se o réu B..., SA actuou com falta de cuidado, ao não lhe ter entregue, em mão, o cartão Multibanco e respectivo código (PIN);

            C. Se à indemnização fixada deverá acrescer a quantia de 1.210,00 €, relativa aos honorários do advogado e;

            D. Se o réu B..., SA litiga de má fé.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. De Março de 2001 até Outubro de 2004, o Autor residiu na ..., actual morada da 2ª Ré.

2. Em Setembro de 2001, o Autor abriu uma conta bancária na agência de ... da 1ª Ré.

3. A 1ª Ré emitiu a favor do Autor um cartão de débito em 11.01.2006 e remeteu-lho para a morada indicada em 1), fornecida pelo Autor.

4. Em 6.02.2006, a 1ª Ré enviou ao Autor, para a morada indicada em 1), um novo cartão, com novo PIN, em substituição do cartão mencionado em 3).

5. Após 17.01.2006, o Autor partiu em viagem, para vários países da Europa.

6. O Autor esteve hospitalizado em Espanha, desde 27.01.2006 até 10.02.2006.

7. Após o descrito em 6), o Autor foi para o Hospital de ..., no ..., onde esteve hospitalizado desde 21.02.2006 até 22.03.2006.

8. Após o referido em 7), o Autor teve alta e foi fixar-se em casa de um seu compatriota, em ....

9. Na ausência do Autor, a residência indicada em 1) foi ocupada pela 2ª Ré, que a tomou de arrendamento.

10. O novo cartão mencionado em 4) foi remetido para a morada indicada em 1) por carta não registada, em nome do Autor.

11. Na data indicada em 4), a 2ª Ré já se encontrava na morada indicada em 1), onde abriu a carta indicada em 10) e se apoderou do novo cartão e do código mencionados em 4).

12. De 22.02.2006 a 21.03.2006, com o uso do novo cartão mencionado em 4), nº1471845, e do respectivo código, a 2ª Ré procedeu ao levantamento, por mais de uma vez, de quantias em dinheiro depositadas na conta bancária referida em 2) e efectuou o carregamento do seu telemóvel com o nº917468054, retirando a quantia global de 3.303,38 €.

13. A quantia indicada em 12) era a única de que o Autor dispunha.

14. A quantia indicada em 12) foi obtida pelo Autor durante um ano de trabalho.

15. Em consequência do descrito em 12), o Autor deixou de comprar bens de que necessitava.

16. Em consequência do descrito em 15), o autor sofreu um choque.

17. Em consequência do descrito em 12), o Autor dirigiu-se de ... ao Tribunal de Alcobaça, por duas vezes.

18. Em consequência do descrito em 12), o Autor dirigiu-se duas vezes à GNR.

19. Em consequência do descrito em 12), o Autor dirigiu-se duas vezes à agência identificada em 2).

20. Em consequência do descrito em 17) a 19), o Autor não trabalhou durante 6 dias.

21. Em consequência do descrito em 17) a 19), o Autor despendeu em refeições uma quantia não concretamente apurada, mas inferior a 72 €.

22. Em consequência do descrito em 17) a 19), o Autor despendeu em viagens a quantia de 120 €.

            Nos termos do disposto no artigo 710.º, n.º 1 do CPC, os recursos devem ser julgados pela ordem da sua interposição.

            Assim, passa a conhecer-se, em primeiro lugar, do recurso interposto pelo B....

            Recurso interposto pelo réu B..., SA:

            A. Se o ora recorrente agiu com a diligência e o dever de cuidado a que estava obrigado, na forma como procedeu, ao envio do cartão multibanco e respectivo código (PIN), ao autor.

            Defende o ora recorrente que assim é porque enviou o cartão e o código PIN em momentos distintos, para a única morada do cliente que conhecia, a fim de evitar que os mesmos fossem abusivamente apropriados por terceiros, o que corresponde à prática utilizada por toda a banca portuguesa e julgada suficiente para garantir a protecção dos clientes, atendendo a que se deve reputar de sério e zeloso o serviço prestado pelo Correios de Portugal na distribuição e entrega de correspondência.

            Como a carta, contendo aquele cartão e PIN chegaram à morada do cliente que conhecia e donde o mesmo se tinha ausentado há cerca de 15 meses, sem que disso lhe desse conhecimento, só por sua culpa (do cliente) é que tal carta foi recepcionada por terceiro.

            Contrapõe o autor que tal só aconteceu porque o recorrido não enviou tal carta sob registo ou não lhe entregou o cartão e respectivo código pessoal de acesso pessoalmente, casos em que um terceiro já não os poderia recepcionar, pelo que tem de se concluir que o banco não procedeu ao envio de tal cartão e PIN munido das especiais cautelas que lhe eram exigidas.

            Por seu turno, na sentença recorrida, no que à conduta do banco diz respeito, considerou-se que o envio do cartão e respectivo PIN, por carta simples, ainda que espaçada no tempo, não preenche os especiais deveres de cuidado que sobre os bancos impendem no envio dos cartões de crédito/débito aos clientes, dados os potenciais perigos de uma carta deste tipo não ser entregue ao seu destinatário, designadamente por extravio ou ser recepcionada por um terceiro.

            Para mais, considerou-se que incidindo sobre o banco este especial dever de cuidado no envio dos elementos citados, nos termos do disposto no artigo 486.º do CC, por omissão de tais especiais deveres de cuidado, se impõe a condenação daquele ao pagamento dos prejuízos daí decorrentes para o autor.

            Isto, fundamentalmente, porque a entrega, através de meio seguro do cartão e do respectivo PIN, é fundamental à boa execução do contrato que se consubstancia num dever acessório da prestação principal, destinado a permitir que só o detentor do cartão o receba e só ele o possa utilizar nos termos contratados – cf. artigos 483.º, n.º 1, 486.º e 762.º, n.º 2, todos do Código Civil.

            Traçado o estremar das posições das partes e a solução encontrada na sentença recorrida, vejamos, então, qual a resolução a dar a esta questão que, em sede do presente recurso, nos é colocada.

            A emissão e posterior utilização de um cartão bancário de débito não aparecem como um acto isolado.

            Ao invés, a mesma pressupõe a abertura de uma conta no banco emitente do referido cartão que o envia ao detentor/utilizador, mas ficando aquele como o proprietário do mesmo.

            Como refere Maria Raquel Guimarães, in As Transferências Electrónicas De Fundos E Os Cartões De Débito, Almedina, 1999, a pág.s 105 e 106:

            “A emissão de um cartão de débito tem assim como requisito necessário a existência de um contrato de depósito bancário, contrato este que é, digamos, a sua causa remota. No entanto a causa próxima da emissão de um cartão de débito é, já não o depósito bancário, mas sim um outro contrato, comummente designado “contrato de utilização”. Mediante a conclusão de um contrato de utilização, o cliente do banco adquire um direito obrigacional que lhe permite utilizar um “cartão de plástico” em terminais POS e ATM, conservando o banco, todavia, o direito de propriedade sobre o mesmo cartão”.

            Serve isto para realçar que ao lado do contrato de depósito bancário e com ele articulado ou conexo existe o contrato de utilização do cartão, por força do qual o seu detentor adquire a disponibilidade directa e imediata sobre os fundos depositados, podendo-os movimentar e/ou levantar, sem que o depositário nisso tenha qualquer intervenção.

            Daqui resulta, pois, que em primeira linha, importaria analisar o clausulado do contrato de utilização do cartão, normalmente um contrato de adesão, elaborado por cada um dos bancos emitentes e a que o respectivo cliente adere ou não, outorgando-o.

            Acontece que, não obstante os presentes autos já se encontrarem em fase de recurso neste Tribunal da Relação, o clausulado de tal contrato não se acha junto aos autos, o que nos impede de saber quais as cláusulas pelas quais, prima facie, se rege o contrato de utilização do cartão que deu origem ao pleito sub judice.

            Não obstante assim ser, até pela conjugação das normas a que se recorreu na sentença recorrida e a que acima já fizemos referência, dispomos de elementos suficientes para analisar e decidir a questão que, nesta sede, nos é colocada.

            Questão, esta, que, em larga medida, se prende com a questão da repartição da responsabilidade pela utilização fraudulenta de um cartão por terceiro não autorizado pelo respectivo detentor, a qual, tal como vem sendo entendido, deve ser repartida entre o titular do cartão e o banco emissor com base numa ideia de distribuição equitativa dos prejuízos causados.

            Para os casos mais comuns, os de extravio ou furto de tal tipo de cartões, tem-se entendido que esta distribuição da responsabilidade assenta num critério temporal, tendo por referência o decisivo momento em que o titular do cartão cumpre o dever imposto contratualmente e mesmo que o não fosse, decorrente do princípio geral da boa fé na execução dos contratos, de comunicar ao banco a sua perda, extravio ou furto.

            Efectivamente, com tal comunicação quebra-se o nexo de causalidade que une os danos sofridos à actuação eventualmente negligente do titular do cartão, em termos em que a responsabilidade pelo uso indevido do cartão se transfere para a instituição bancária, que não sofrerá prejuízos se, diligentemente, tomar todas as medidas de segurança adequadas.

            Realçando-se que fazer depender a distribuição da responsabilidade entre as partes de um contrato de cumprimento, por cada um deles, dos seus deveres contratuais, nomeadamente do dever de comunicação de extravio do cartão que impende sobre o seu titular e do dever que recai sobre o banco emissor de o cancelar logo que recepcione comunicação nesse sentido, será a solução mais justa e equitativa e reforça a segurança do sistema, na medida em que incentiva a diligência dos contraentes.

            Dito de outra forma, a responsabilização do detentor do cartão pelos prejuízos decorrentes de furto ou extravio do mesmo, assenta na negligência resultante da omissão do dever de efectuar, de imediato, a comunicação de tal furto ou extravio, uma vez que só com tal comunicação é que o banco emissor pode desencadear os mecanismos tendentes a impedir a movimentação da conta através do cartão furtado ou extraviado, havendo, depois, em cada caso, que apreciar da culpa do detentor na demora da comunicação e na potenciação das condições que poderão ter contribuído para o furto ou extravio de tal cartão e respectivo PIN – neste sentido, Maria Raquel Guimarães, ob. cit., a pág. 216 e Acórdão do STJ, de 19 de Fevereiro de 2002, Processo 02A3269, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj e em que se abona, em defesa da mesma solução, inúmera doutrina.

            Nesta sede e como se afirma no Aresto ora citado “O titular do cartão será responsável na medida do incumprimento das suas obrigações relativas à segurança desse cartão e do código de acesso que lhe foi atribuído, sendo que tal responsabilidade se estende até ao momento em que comunicar ao banco o extravio ou furto do cartão.

            A instituição bancária, por sua vez, responde pelos prejuízos causados posteriormente, quando já podia e devia ter accionado todos os mecanismos necessários de modo a evitar novas utilizações.”.

           

            A incursão que fizemos nesta matéria apenas serve para melhor compreensão da temática dos riscos da utilização fraudulenta por terceiro de cartão de débito e respectiva repartição da responsabilidade na indemnização dos danos daí decorrentes, dado que a concretização de tal responsabilização, na vertente analisada, apenas se debruça sobre tal utilização fraudulenta em casos em que o cartão e respectivo PIN já se encontravam na posse do seu detentor ou titular.

            Mas, no caso em apreço, a situação é diferente (embora os princípios enumerados na vertente analisada aqui se apliquem, nomeadamente os das obrigações do cumprimento na boa execução dos contratos, de acordo com os ditames impostos pela boa fé), uma vez que o cartão e respectivo PIN (código pessoal de acesso) nunca chegaram às mãos do respectivo titular, o ora autor.

            E não chegaram, tal como resulta da factualidade apurada (cf. respectivos itens 1, 3, 4 e 9 a 11), porque o banco, ora réu, enviou para a morada referida em 1, um novo cartão, com novo PIN, em 6/2/2006, em substituição de um anterior, por carta não registada, sem que o autor informasse o banco de que ali já não residia.

            Como na referida morada já vivia uma outra pessoa, esta, apoderou-se de tal carta e na posse do cartão e PIN que esta continha, no prazo de um mês, desbaratou o saldo da conta relativa a tal cartão (cerca de 3.300,00 €) em levantamentos e avultados carregamentos de telemóvel.

            Para mais, fê-lo quando o infeliz autor, estava hospitalizado (cf. itens 7 e 12 da matéria de facto dada por provada), o que lhe tornava muito mais difícil aperceber-se do sucedido e contra tal reagir, nomeadamente comunicar com o banco, pois que se é certo que, como se refere na sentença recorrida, o poderia fazer através de terceira pessoa ou por si próprio, menos certo não é de que só o faria se soubesse o que estava a acontecer, o que não se verificou.

            Nesta vertente (emissão e envio do cartão e respectivo PIN) tem de considerar-se que a instituição bancária, enquanto emissora de cartões de débito e enquanto proprietária e gestora dos sistemas electrónicos utilizados, responderá, em termos gerais, na medida do incumprimento do seu dever de garantir a segurança desses sistemas.

            Efectivamente, o detentor do cartão limita-se a poder utilizá-lo nos termos contratualmente acordados, mas não detém qualquer domínio ou possibilidade de intervir na rede ou sistema electrónico que superintende às transacções efectuadas.

            Só os bancos emissores, por si ou associados, têm essa possibilidade. Só eles os gerem e detêm, pelo que têm de responder pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do seu dever de garantir a segurança de tais sistemas – neste sentido Maria Raquel Guimarães, ob. cit., a pág. 215 e Acórdão do STJ, acima referido.

            A mesma ideia é defendida por Amável Raposo, in Alguns Aspectos Jurídicos Dos Pagamentos Através Das Caixas Automáticas: Responsabilidade Civil E Prova, in BMJ 377, pág.s 18 e 19, quando ali refere:

            “O banco, por seu turno, como depositário do dinheiro e outros valores do cliente, como dono, guardião e padronizador dos meios de pagamento electrónico, tem obrigação de velar pela guarda e segurança daqueles valores e de procurar garantir o fiável e seguro funcionamento do sistema informático em todas as suas fases (acesso ao sistema, recolha, registo, tratamento e conservação dos dados, entrega ou recolha de valores). Qualquer prejuízo que ocorra em razão da violação destes deveres parece que não poderia, em qualquer caso, ser suportado pelo cliente.”.

            Ora, um dos elementos essenciais que permite ao titular do cartão aceder aos serviços que o mesmo proporciona é, fora de toda a dúvida, o respectivo envio, acompanhado do respectivo código de acesso, ao seu legítimo titular.

            Sem estar na posse de tal cartão e respectivo código pessoal de acesso, é impossível a este aceder à rede informática que rege e permite o seu uso.

            Daqui deriva, com toda a certeza, a necessidade que o legislador sentiu em regulamentar este envio, de forma a minorar as possibilidades de o mesmo chegar às mãos de um terceiro, que não o legítimo destinatário.

            Em conformidade com o disposto no artigo 4.º, al. a), do DL 166/95, de 15/7 “Compete ao Banco de Portugal definir, por aviso, as condições especiais a que ficam sujeitas as sociedades previstas no artigo 2.º, bem como a emissão e utilização dos cartões de crédito.”.

            E foi ao abrigo desta norma, no âmbito das funções de regulação e supervisão que estão atribuídas ao Banco de Portugal que este emitiu o Aviso n.º 4/95, de 28/7, que passou a regulamentar a emissão de tais cartões, o qual veio a ser revogado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 11/2001, de 6/11, in DR I-B, n.º 269, de 20/11.

            Uma vez que o envio do cartão em causa nos presentes autos ocorreu em 06 de Fevereiro de 2006, é o teor deste último Aviso o aplicável na situação sub judice.

            Ora, de acordo com o seu artigo 11.º:

            “A entrega aos titulares quer do cartão quer do respectivo código, se for caso disso, deve ser rodeada de especial cuidado, devendo ser adoptadas adequadas regras de segurança que impeçam a utilização do cartão por terceiros.”.

            Note-se que neste preceito são utilizadas as expressões “especial cuidado” e “adequadas regras de segurança”, sublinhado nosso, o que inculca a ideia de que se pretende que o envio de um cartão de crédito/débito e, se for caso disso, o respectivo código pessoal, tem de ser feito de molde que a sua recepção por terceiro que não o legítimo titular/detentor, seja minimizada ao máximo.

            Isto é, exige-se aos bancos emissores de tal tipo de cartões que, ao proceder ao respectivo envio ou entrega ao seu titular, se rodeiem de todas as cautelas de forma a evitar que o mesmo seja recebido ou entregue a um terceiro.

            E qual foi o modo que o ora recorrente escolheu para enviar tal cartão e PIN?

            O mais simples e cómodo possível: enviou, conjuntamente, cartão e PIN, através de carta não registada, em nome do autor, para a morada que dele conhecia (cf. itens 3, 4 e 10, da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida).

            Do comportamento do banco, ora recorrente, não é possível extrair a conclusão de que este tenha actuado com qualquer especial cuidado ou tenha adoptado quaisquer (quanto mais adequadas) regras de segurança, quando enviou ao autor o cartão e PIN.

            Ao invés, limitou-se a enviar tal cartão e PIN, na mesma carta, por via simples, em flagrante violação do que se dispõe no artigo 11.º do mencionado Aviso n.º 11/2001 do Banco de Portugal.

            Nas suas alegações e conclusões (cf. al.s B) e C) destas últimas), o recorrente refere que procedeu ao envio do cartão e PIN em momentos distintos, para a morada do cliente, a fim de evitar que o cartão e o PIN fossem abusivamente apropriados por terceiros, bem como que agiu de acordo com as práticas utilizadas por toda a banca portuguesa.

            Contudo, tal alegação não encontra arrimo nos factos provados, designadamente o seu item 4, do qual consta que “Em 6.02.2006, a 1,ª Ré enviou ao Autor, para a morada indicada em 1), um novo cartão, com novo PIN, em substituição do cartão mencionado em 3).”.

            Assim sendo, nos termos expostos é de imputar ao ora recorrente a responsabilidade pelo facto de o cartão de débito e respectivo PIN terem sido recepcionados por terceiro que não o seu cliente.

            E nem tal conclusão é afastada pelo facto de o autor ter mudado de residência e não ter disso informado o banco.

            É que este facto (mudança de residência sem que disso informasse o banco) não desonera este da obrigação do cumprimento dos especiais deveres de cuidado e adequadas regras de segurança na entrega ao autor do cartão e respectivo PIN, o que de todo, o banco incumpriu e, assim, tem de ser responsabilizado pelos prejuízos que o autor, por via de tal incumprimento, veio a sofrer: o desapossamento das quantias depositadas ao cuidado do ora recorrente.

            Quando muito, tal facto teria influência na repartição interna da responsabilização de cada um dos intervenientes.

            No entanto, tal questão já foi objecto de decisão na sentença recorrida, a qual, nessa parte não foi objecto de recurso, pelo que nos abstemos de a discutir, mas sem que deixemos de referir que, pelo menos, a responsabilidade da 2.ª ré, a nível externo, era total, já que, ilicitamente, se apoderou de todo o dinheiro que se achava depositado na conta a que respeitava o cartão emitido.

            Contudo, reitera-se, o caso julgado impede-nos, agora, de reapreciar tal questão.

            Por último e porque o ora recorrente referiu que actuou de acordo com as práticas seguidas pela banca portuguesa, e não obstante só agora o tenha alegado, cumpre dizer o seguinte.

            Mesmo que tenha seguido tais práticas, isso não o isenta de responsabilidade, no caso de se tratar de más práticas.

            E a prática seguida pelo ora recorrente na entrega/envio do cartão e PIN, no caso de que agora nos ocupamos, não é, de todo, conforme ao legalmente estabelecido pelo Banco de Portugal, como acima já referimos.

            Por outro lado, consultando o sítio do Banco de Portugal na inter.net, no item referente aos Cadernos do Banco de Portugal, constata-se que ali existe um com o n.º 6, que se refere a “Cartões Bancários” em cujo Capítulo II, n.º 12, consta o seguinte:

            “O contrato considera-se celebrado quando o titular recebe o cartão acompanhado de cópia das condições contratuais por ele aceites.

            Há casos em que as entidades emitentes enviam o cartão e a cópia das condições gerais da sua utilização por correio para a morada do titular a que se destina e, em correio separado e com alguns dias de desfasamento, o código secreto (código pessoal ou PIN).

            Nestas situações, por razões de segurança, normalmente o cartão precisa de ser activado para poder ser utilizado, porque pode extraviar-se e ser utilizado indevidamente por quem se aproprie igualmente do código secreto. Por vezes, as entidades emitentes enviam apenas um dos elementos (cartão ou código secreto) e solicitam a presença do titular no balcão para a entrega do outro elemento.”.

            Acrescentando-se no n.º 15:

            “Activar um cartão significa actuar de forma a fazer com que o cartão esteja em condições de ser utilizado. Quando as entidades emitentes enviam os cartões e o código secreto pelo correio, por razões de segurança, nem sempre os cartões estão prontos a ser utilizados (isto é, não estão activados). O titular deve consultar a carta que acompanha o cartão e seguir os procedimentos indicados.”.

            Apesar de se tratar apenas de um “manual de boas práticas”, vindo o mesmo da entidade que tem a seu cargo a supervisão e regulamentação das condições em que os bancos devem emitir e entregar os cartões de débito ou crédito, devem estes respeitar os comandos no mesmo ínsitas.

            E do mesmo resulta ser incorrecto o procedimento do ora recorrente ao enviar, em carta simples, conjuntamente, cartão e respectivo código pessoal de acesso e, ainda por cima, estando, como estava, o cartão já activado, ou seja, pronto a ser utilizado.

            Daqui resulta, em resumo, que ao ora recorrente cabia estabelecer as regras de segurança e especiais deveres de cuidado que devia ter adoptado no envio do cartão ao ora autor, determinando, por exemplo, que o envio do cartão e do PIN não fossem enviados conjuntamente e, para maior segurança, não o deveria ter enviado já activado, já pronto a ser utilizado.

            Não o fazendo, como não o fez, violou as regras de segurança do sistema de acesso aos serviços proporcionados por tal cartão, nos termos acima já expostos, e em flagrante desrespeito pelo comando ínsito no artigo 11.º do Aviso n.º 11/2001 do Banco de Portugal, pelo que deve ser responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo autor e que resultam da sua omissão, tal como decidido na sentença recorrida, para que, nesta parte se remete, em conformidade com o disposto no artigo 713.º, n.º 6, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24/8.

            Consequentemente, improcede o recurso interposto pelo ora recorrente, 1.º réu.

            Recurso do autor:

            B. Se o réu B..., SA actuou com falta de cuidado, ao não ter entregue, em mão, ao autor, o cartão e o PIN.

            Esta questão é a mesma da analisada aquando da apreciação do recurso do réu.

Assim, considera-se a mesma como já apreciada e decidida, nos termos que acima se deixaram consignados e que conduziram à improcedência de tal recurso, pelo que, quanto a tal, nada mais há a acrescentar.

C. Se à indemnização fixada deverá acrescer a importância de 1.210,00 €, relativa aos honorários do Advogado.

 Alega o ora recorrente que assim deve ser porque essa é a quantia que gastará a título de honorários.

Foi elaborado um quesito (o 24.º) em que se perguntava se essa seria a quantia a despender com honorários a advogado.

Conforme fls. 168, o mesmo mereceu a resposta de “não provado”.

Tal facto é constitutivo do direito invocado – cf. artigo 342.º, n.º 1 do CC.

Em virtude da sua não demonstração, tinha tal pedido, como o foi, de ser julgado improcedente, o que se mantém.

Embora nada tenha referido quanto a tal nas conclusões de recurso, o certo é que em sede de alegações, o autor referiu existir um erro de cálculo na sentença recorrida, com o fundamento em que se considerou que os danos por si sofridos ascendiam à quantia global de 4.971,00 € e a final, apenas condenou os réus a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 3.728,54 €.

Efectivamente assim é, no entanto não se trata de qualquer erro de cálculo, mas apenas e tão só de que, a nível interno, na repartição de responsabilidades, se ter considerado que o autor contribuiu em 25% para a produção dos danos, ao não ter informado o banco da mudança de residência, correspondendo a quantia fixada na parte decisória da sentença àquela quantia global reduzida em 25%.

Como acima já referimos, a sentença, nessa parte, transitou em julgado, pelo que, como tal, deve ser respeitada.

Pelo que, no que a esta questão concerne, improcede o recurso do autor.

D. Se o réu B..., SA, litiga de má fé.

Aduz o ora recorrente que tal réu “… revelou uma grande má fé quando o advogado signatário lhe enviou uma carta para solução amigável do conflito e a resposta foi a que vem referida no artigo 7.º da sua contestação.”.

Acrescentando, na sua conclusão 5.ª que o recorrente tem agido de má fé, quer durante o processo quer agora com o presente recurso.

No artigo 7.º da contestação, o 1.º réu impugna expressamente o que o autor alegou em vários artigos da petição inicial, enumerando-os.

Aquela carta não se acha (nem deveria estar) junta aos autos.

Conforme o artigo 456.º, n.º 2 do CPC, litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (al. a); tiver alterado a verdade dos factos (al. b) ou tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de obter um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça (al. d).

A “argumentação conclusiva” do ora recorrente e a análise dos autos não são de molde a poder configurar a conduta processual do B... como de má fé.

Este limitou-se a defender a sua tese e a justeza das suas posições.

Não logrou obter nelas provimento, mas tal não basta para que isso o faça incorrer em litigância de má fé, sob pena de se diminuírem as garantias de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório.

Pelo que, face ao exposto, nesta parte, igualmente, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedentes, ambas as apelações deduzidas, em função do que se confirma a decisão recorrida.

Custas por cada um dos apelantes, na proporção dos respectivos decaimentos.