Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1626/18.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DELITUAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
INTERESSE PÚBLICO
CONCORDÂNCIA PRÁTICA
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 38 CRP, 8, 10 CEDH, LEI Nº1/99 DE 1/1, LEI Nº 2/99 DE 13/1
Sumário: I – A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa.

II – Assim, quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata, isto é, impõe-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art. 10º da CEDH pelo TEDH.

III – O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de proteção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.

IV – A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.

Decisão Texto Integral:











Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Ana Vieira

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1 – RELATÓRIO
A (…), propôs ação declarativa de condenação com processo comum contra “C (…) UNIPESSOAL, LDA.”, M (…) e O (…), para efetivação de responsabilidade civil extracontratual decorrente da publicação de notícia na edição de 27/07/2017 do “P (…)”, da responsabilidade dos Réus, alegando que com tal os Réus praticaram factos ilícitos que se traduziram na violação dos direitos de personalidade invocados pelo Autor, e sendo violadores dos deveres impostos aos Réus no âmbito da específica atividade de imprensa e de jornalismo, pedindo que, na procedência da ação, sejam os RR. condenados na quantia global de € 55.000,00 por danos causados ao Autor.
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Os RR. contestaram, invocando, muito em síntese, que a notícia publicada, na sua essência, mais não fez do que dar eco à existência de uma acusação que havia sido deduzida pelo Ministério Público, como o culminar de todas as diligências probatórias reunidas no âmbito dos autos de Inquérito nº (…) do DIAP da Comarca de Leiria, donde terem os Réus atuado em conformidade com os deveres profissionais de jornalistas, no exercício do direito à informação e da liberdade de expressão, termos em que concluíram pugnando no sentido da improcedência da ação, por não provada.
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Tendo sido jurisdicionalmente facultado ao A. pronunciar-se quanto á matéria de exceção do articulado dos RR., veio este fazê-lo, através de articulado em que confirmou, no essencial, o anteriormente alegado e reiterou a sua posição (sem prejuízo de reconhecer que a fotografia visada havia sido obtida numa sala de audiências), pelo que concluiu como o havia feito na p.i..
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No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pelo R., tendo sido, ademais, fixado o objeto do litígio e definidos os temas da prova.
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Realizou-se audiência final, com observância do legal formalismo, como se alcança das respetivas atas.
Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir que os RR. se limitaram a exercer o seu direito a informar factos de interesse público local, que que não dizem respeito à esfera da intimidade da vida privada pessoal ou familiar do Autor, sendo certo que os factos constantes da notícia em causa e P (…), donde, que os RR. não violaram os deveres que lhes estavam impostos no âmbito da específica atividade de imprensa e de jornalismo, a essa conclusão não obstando a circunstância de, mais tarde, posteriormente à publicação da notícia, a acusação ter sido declarada nula e os arguidos terem sido não pronunciados («porque na notícia em causa o jornalista não referiu que o Autor praticou tais factos, mas antes, que foi proferida uma acusação pelo Ministério Público contra o ora Autor»), acrescendo que, considerando-se que os RR. não praticaram factos ilícitos, ficava prejudicada a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, termos em que se julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, se absolveu os RR. do pedido formulado pelo A..
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
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Apresentou a 1ª R. as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:
(…)
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- erro na apreciação da prova que levou ao incorreto julgamento de factos como “não provados” [mais concretamente a factualidade constante das alíneas d), f), g) e i)]?;
- desacerto da decisão consistente em ter sido erradamente considerado que não se verificavam todos os pressupostos para que estivesse preenchida a responsabilidade civil extracontratual por parte dos RR. [donde a conclusão recursiva de que «A divulgação das mencionadas imputações não corresponde a uma necessidade social imperiosa nem é adequada ao cumprimento do dever de informar com rigor, havendo que considerar que, in casu, a protecção da liberdade de imprensa não pode justificar a actuação dos réus»]?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, ao que se segue a enunciação do que foi considerado “não provado”, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.
Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram “provados” no tribunal a quo:
«1. O Autor exerce, há mais de 25 anos, a profissão de Advogado, com escritório na cidade de Pombal, sendo titular da cédula profissional n.º (…) [1.º P.I.].
2. A 1.ª Ré, que tem por escopo, entre outros, a edição de jornais, é proprietária do quinzenário “P (…)” [2.º P.I.].
3. A 2.ª Ré desempenha as funções de Directora no mesmo periódico [4.º P.I.].
4. O 3.º Réu é jornalista e, nessa qualidade, como “free lancer”, “assinou” a notícia, com a reprodução de uma fotografia do autor [7.º P.I.].
5. O “P (…) é uma publicação quinzenal, estando registado no Instituto da Comunicação Social [9.º P.I].
6. Com a “tiragem” média de 5.000 exemplares, tem também uma edição on line, sendo lido (e visualizado) pela população do concelho de Pombal e limítrofes [10.º P.I.].
7. O “P (…)”, ainda que de constituição recente, é considerado pelo público em geral como detentor de seriedade e de credibilidade [12.º P.I.].
8. Na primeira página da edição publicada em 27 de Julho de 2017, do “P (…)”, consta o seguinte:
- Como título:
“Advogado acusado de extorquir 5,4 milhões”;
- Seguido do seguinte texto:
«Advogado de Pombal está acusado pelo Ministério Público da prática de crimes de extorsão, usura, associação criminosa, burla qualificada, abuso de confiança agravado, coacção, branqueamento e falsificação de documentos. Em causa estará o facto de receber mais de cinco milhões de euros de clientes, a quem não chegava a entregar os valores. Página 5» [13.º P.I. e conteúdo integral do texto das notícias].
9. Na página 5 do referido Jornal consta o seguinte:
- Como título:
«Em 2015 escritório do pombalense foi alvo de buscas pela PJ»;
«Advogado acusado de extorquir mais de cinco milhões de euros»;
- Seguido do seguinte texto:
«Um advogado de Pombal está acusado pelo Ministério Público da prática de crimes de extorsão, usura, associação criminosa, burla qualificada, abuso de confiança agravado, coacção, branqueamento e falsificação de documento. Em causa estará o facto de, com o auxílio de quatro cúmplices, desviar mais de cinco milhões de euros de clientes, a maioria dos quais através de cobranças de dívidas, de credores, a quem não chegava a entregar os valores.
Segundo noticiou o C (…), os factos terão ocorrido durante nove anos e envolviam, ainda, um esquema de concessão de empréstimos a juros elevados, bem como a instauração de processos de insolvência para pressionar os visados a pagar valores em dívida para evitar piores consequências para os devedores. Depois, A (…), de 61 anos, ficava com todo o dinheiro.
Para aquele esquema, o advogado com 25 anos de carreira, contava com a cumplicidade de uma sua secretária, um irmão e outros dois arguidos, que disponibilizavam contas bancárias em seu nome para que A (…) depositasse e movimentasse o dinheiro, tentando, desta forma, encobrindo a posse do dinheiro.
O mesmo jornal revela alguns casos. Num, o visado pagou a dívida de quase quatro mil euros e depois o advogado solicitou ao seu filho o pagamento de mais de 14 mil euros, com o argumento de que o pai seria preso se não o fizesse. Noutras situações, as pessoas foram obrigadas a pagar um valor seis vezes superior ao da dívida.
Relativamente à concessão de empréstimo, o advogado estabelecia prazos de pagamento, às vezes inferiores a um mês e cobrava juros de 200 e 300 por cento. Um casal que não conseguiu pagar no prazo estipulado a totalidade do empréstimo, de 20 mil euros, a dívida disparou em mais 36.500 euros e foi ameaçado com um processo. Para o evitarem, assinaram um documento em como deviam 50 mil euros ao advogado. Não conseguiram pagar esse valor em dois anos e entregaram-lhe um terreno.
A notícia relata, igualmente, o caso de uma agricultora com dificuldades económicas, que A (…) lhe propôs que o seu nome fosse utilizado como gerente de quatro empresas, recebendo dois mil euros como contrapartida. As firmas foram declaradas insolventes e todas as dívidas, no valor de 50 mil euros, foram revertidas para o nome pessoal da mulher.
Recorde-se que em Maio de 2015, o escritório de A (…) na cidade de Pombal, foi alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária. Durante aquela diligência, na qual participou, também, um juiz, um procurador do Ministério Público e representante da Ordem dos Advogados, os investigadores aprenderam diversos documentos e objectos.
Na ocasião, a Procuradoria Geral da República confirmou “a realização de buscas, no âmbito de um inquérito” que corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Leiria, adiantando que o mesmo “se encontra em segredo de justiça”.
Na tarde da passada segunda-feira, o nosso jornal solicitou uma reacção ao principal arguido; mas até à hora do fecho da presente edição A (…) não respondeu. Sabe-se, entretanto, que o advogado nega os factos que lhe estão imputados e terá requerido a abertura de instrução»;
- Incluindo uma fotografia do autor com a seguinte legendagem: “A (…) é advogado em Pombal há 25 anos” [14.º P.I. e conteúdo integral do texto das notícias].
10. O Autor não deu autorizou para a publicação da referida fotografia na aludida notícia [20.º P.I.].
11. O Autor sentiu-se psicologicamente afectado com repercussões a nível pessoal e profissional não apuradas, necessitando de tratamento em psiquiatria, durante período de tempo não completamente apurado, mas situado sensivelmente entre a prolação da acusação e o despacho de não pronúncia [53.º a 85.º, P.I.].
12. Em 24 de Julho 2017 o Réu O (…) tentou contactar o Autor no seu escritório e número de telemóvel, o que não conseguiu [17.º Cont.].
13. No dia 24 de Julho de 2017 pelas 17:16h o Réu O (…) remeteu um e-mail para o endereço electrónico profissional do Autor onde referia o seguinte:
“Exmº Senhor Dr. (…)
Tendo em conta o Despacho de Acusação do processo onde o Sr Dr é um dos arguidos, e para efeito de complementar notícia que será publicada em próxima edição dos jornais “(…)”, venho solicitar a V.Exa a reacção/comentário que entender necessário prestar face ao respectivo assunto.
Agradecendo uma resposta tão breve quanto possível, apresento os melhores cumprimentos
Atentamente” [18.º Cont.].
14. O e-mail referido foi lido pelo Autor no dia 24 de Julho de 2017 às 19:01h [19.º Cont.].
15. Em seguimento de tal convite o Autor não contactou os Réus nem deixou qualquer mensagem e/ou respondeu [20.º Cont.].
16. O Autor no próprio dia da publicação (27.07.2017 pelas 00:00h) remeteu um mail e posteriormente, em 04 de Agosto de 2017 às 07:54h voltou a enviar um mail onde para além do mais manifestou a intenção de mover acção judicial contra os responsáveis pela notícia em causa [21.º Cont.].
17. A fotografia em causa foi tirada em plena sala de audiências do rés-do-chão do Tribunal de Pombal, em Abril de 2011, mais precisamente durante uma das sessões de julgamento em que o A assumiu a defesa do então arguido o Sr (…) [31.º Cont.].
18. A fotografia original tirada foi publicada no (…), no dia 12/04/2011 para ilustrar a notícia desse mesmo julgamento [33.º Cont.].
19. Em 23 de Agosto de 2017 às 00:24h, já mais próximo do final das férias judiciais, o co-demandado O(…) insistiu junto deste Tribunal pela obtenção da cópia da acusação, por uma questão de completar o dossier da notícia dada [44.º Cont.].
20. Em 08 de Setembro de 2017 às 09:02 o Tribunal de Leiria fez chegar ao co-demandado O (…) a acusação deduzida contra o A [45.º Cont.].
21. No âmbito dos autos de Inquérito n.º (…) da 1.ª Secção do DIAP, desta Comarca de Leiria, o Ministério Público, por despacho datado de 14 de Julho de 2017, deduziu acusação em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, para Julgamento dos arguidos:
- A (…)
- L (…),
- E (…),
- G (…),
- C (…) [7.º, 67.º e 68.º da Contestação e excertos do texto da acusação e liquidação do património].
22. Na referida acusação, o Ministério Público imputa aos referidos arguidos a prática de vários crimes, destacando-se os crimes imputados ao arguido A (…)
«a) O arguido A (…), em concurso real:
- na forma consumada, quatro crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, no 1, al. als. a) e c) do Código Penal;
- na forma consumada, três crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo art. 205.º, no 5, ex vi art.º 205.º, n.º 1, do Código Penal.
- na forma consumada, três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelo art.º 218.º, no 2, al, a) do Código Penal;
- na forma consumada, quatro crimes de usura, previsto e punido pelo art.º 226.º, 4, al. b) ex vi n.º 1, todos do Código Penal.
- na forma consumada, três crimes de extorsão, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 223.º, do Código Penal;
- três crime de coação, na forma tentada, previsto e punido pelo art.º 154.º, n.º 7, n.º 2, do Código Penal;
- na forma consumada, um crime de branqueamento, previsto e punido pelo art.º 368.º - A, n.º 2, do Código Penal;
- na forma consumada, um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo art.º 205.º, n.º 5, ex vi n.º 1, todos do Código Penal;
- na forma consumada, dois crimes de usura, na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 226, n.º 1 do Código Penal;
- na forma consumada, um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo art.º 299.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Penal;» [7.º, 67.º e 68.º da Contestação e excertos do texto da acusação e liquidação do património].
23. E para o efeito, imputa ao arguido A (…) entre outros, os seguintes factos:
«DAS PESSOAS
1. A(…) (conhecido por A (…)) é advogado, com escritório na Rua (…), Pombal.
2. Em março de 2012 a arguida C (…) começou a desenvolver a sua actividade profissional no escritório de advocacia de A (…)
DO PLANO
3. Em Pombal, pelo menos desde o ano de 2006 e até 2015, com especial incidência desde março de 2012, que o arguido A (…), usando os seus conhecimentos e capacidade profissional, delineou um plano que envolvia:
- concessão de empréstimos a juros muito acima do mercado legítimo, entre os 25% a 300%, a quem estava em dificuldade económicas e se sujeitava a referidas cláusula;
- apropriação de créditos a cobrar que lhe eram entregues por clientes, na qualidade de mandatário judicial, se necessário com elaboração de documentos de cessão de crédito para justificar a sua posse;
- instauração de insolvências para obrigar o requerido a pagar o valor que este solicitava para não sofrer as consequências de ser declarado insolvente;
- instauração de injunções para obtenção de títulos executivos de dívidas proveniente de concessão de mútuos com taxas de juro muito acima de mercado;
- ocultação de sua intervenção e que o valor monetário se destinava a si, através de actuação escondido atrás de outros, mormente C (…) desde o ano de 2012;
- utilização de contas bancárias de G (…) e E (…)para encobrir que era o proprietário do valor monetário neles constantes, que depositava e levantava livremente de acordo com os seus interesses, nomeadamente entrega de valores para empréstimos e sua cobrança com juros, de modo não ser associado à titularidade e movimentação dos valores bem como da emissão de cheques;
- assegurar-se que a verdade processual correspondia à verdade que servia os seus interesses específicos no conflito jurídico, indicando testemunhas pessoas da suia confiança como L (…) e E (…) que tinham as funções de, em audiência, declarar que conheciam os factos e explana-los de acordo com a versão comum previamente concertada para obterem decisão judicial em seu favor.
4. Para desenvolver o plano criminoso, o arguido A (…) actuou em comunhão de esforços com:
- E (…)
G(…)
L (…)
C(…)
5. De acordo com pleno comum, E (…) disponibilizou para A (…), no banco (…), a conta n.º (…) sendo este detentor de cartão bancário e código pessoal (PIN) para movimentar a referida conta no sistema ATM.
(…)
20. Todos os valores de contas bancárias acima referidas eram propriedade de arguido A (…) que assim não era associado perante terceiros.
(…)
24. Agiram os arguidos acima referidos de acordo com comum plano, agregador de suas vontades, a que se submeteram.
25. De acordo com uma divisão de tarefas.
26. Em que arguido A (…) desempenhava as funções de chefia, coordenando a intervenção de cada um dos demais arguidos.
27. Recebia a maior parte de vantagens patrimoniais de referida actividade.
(…)
DA CONCRETIZAÇÃO
(…)
46. No ano de 2011 o arguido A (…) abordou M (…)
47. Propôs-lhe que a mesma fosse gerente de E (…) Lda., sociedade por quotas (…).
48. A troco de €1.000,00.
49. Mais lhe disse que não teria de fazer mais nada, que era um mero formalismo, e que nada lhe iria acontecer.
50. M (…) sempre trabalhou na agricultura, tem a quarta classe, estava com dificuldades económicas, confiou nas palavras de arguido A (…) e aceitou, assinando todos os documentos que aquele lhe apresentou.
(…)
53. No ano de 2011 o arguido A (…) propôs igualmente a M (…) que fosse igualmente gerente de sociedade comercial por quotas T (…), LDA. (…).
54. A troco de €500,00.
55. Mais lhe disse que não teria de fazer mais nada, que era um mero formalismo, e que nada lhe iria acontecer.
56. M (…) sempre trabalhou na agricultura, tem a quarta classe, estava com dificuldades económicas, confiou nas palavras de arguido A (…) e aceitou, assinando todos os documentos que aquele lhe apresentou.
(…)
60. Já no ano de 2010 o arguido A (…) propôs igualmente a M (…) que fosse gerente de sociedade comercial por quotas J (…), LDA. (…).
61. A troco de €500,00.
62. Mais lhe disse que não teria de fazer mais nada, que era um mero formalismo, e que nada lhe iria acontecer.
63. M (…) sempre trabalhou na agricultura, tem a quarta classe, estava com dificuldades económicas, confiou nas palavras de arguido A (…) e aceitou, assinando todos os documentos que aquele lhe apresentou.
(…)
113. No âmbito do Processo Executivo n.º … a arguida C (…), por ordens e instruções de arguido A (…) demandou J (…)
114. Para cobrar uma dívida de €3.931,88.
115. J (…) já havia procedido ao pagamento do valor de €3.000,00, porém o arguido não entregou as letras que recebeu de garantia.
116. Ao invés, o arguido A (…) solicitou ao filho deste, de nome M (…) letras no valor de €14.190 dizendo que, caso não pagasse, o seu pai J (…), seria preso.
(…)
143. Em 15 de Dezembro de 2008, face a incumprimento, com o argumento que seria instaurada uma acção judicial e iriam perder tudo, os arguidos A (…) e G (…) impuseram a C (…) e A (…) que assinassem um documento pelo qual se confessavam devedores da quantia de €50.000,00, a pagar até ao dia 23 de Maio de 2010, a pagar através de dação em pagamento de um terreno rústico.
144. C (…) e A (…), com receio de processos judiciais, nomeadamente insolvência, assinaram o referido documento.
145. Em 23 de Maio de 2010, face a não pagamento, o imóvel em causa foi registado em nome de G (…)
(…)» [7.º, 67.º e 68.º da Contestação e excertos do texto da acusação e liquidação do património].
24. Consta ainda no requerimento apresentado pelo Ministério Público para liquidação do património dos arguidos, a seguir à acusação, que «O arguido A (…) obteve uma vantagem patrimonial total no montante de €1.147.205,76 cuja proveniência não foi justificada…», que «O arguido E (…)obteve uma vantagem patrimonial total no montante de €2.315.491,82 cuja proveniência não foi justificada…», que «O arguido L (…) obteve uma vantagem patrimonial total no montante de €268.719,14 cuja proveniência não foi justificada…», que «O arguido G (…) obteve uma vantagem patrimonial total no montante de €1.702.873,70 cuja proveniência não foi justificada…», o que totaliza a quantia de €5.434.290,42 (cinco milhões, quatrocentos e trinta e quatro mil, duzentos e noventa euros e quarenta e dois cêntimos) [7.º, 67.º e 68.º da Contestação e excertos do texto da acusação e liquidação do património].
25. No dia 23 de Julho de 2017, tinha sido noticiado no “C (…)” o seguinte [13.º Cont.]:
- Na 1.ª Página:
«POMBAL P.14
ADVOGADO ACUSADO DE DESVIAR FORTUNAS».
- Na página 14:
«A (…) é acusado de ter montado associação criminosa que burlava e abusava da confiança de clientes, extorquindo devedores para sacar fortunas».
ADVOGADO FAZ EXTORSÃO DE 5 MILHÕES DE EUROS.
ESQUEMA – A (…) cobrava dívidas em nome dos clientes e apropriava-se do dinheiro.
CRIME – Ameaçava com processos de insolvência e forçava os visados a pagar juros astronómicos.
JURISTA ESTÁ ACUSADO, COM QUATRO CÚMPLICES, DE UMA SÉRIE DE CRIMES.
Em nove anos, um advogado de Pombal, com a ajuda de quatro cúmplices, terá desviado 5,4 milhões de euros de clientes – a maioria dos quais através de cobranças de dívidas, em que, representando os credores, A (…), 61 anos, recebia dos devedores, mas apropriava-se do dinheiro, sem o entregar aos clientes. Está acusado pelo Ministério Público.
Os expedientes passavam ainda pela concessão de empréstimos a juros elevados, entre 25 a 300% e pela instauração de processos de insolvência para pressionar os visados a pagar valores em dívida para travar os processos. Depois o dinheiro ficava todo para o advogado.
Segundo a acusação, o grupo tinha como ‘testa de ferro’ a secretária do advogado, para instaurar as ações. E um irmão de A (…) era a testemunha da sua confiança nos vários processos. Os outros dois arguidos disponibilizavam contas para o advogado depositar e movimentar dinheiro, encobrindo que era ele o dono das verbas.
De 2006 a 2015, há várias situações. Numa, o visado pagou a dívida de quase 4 mil euros e depois o advogado solicitou ao seu filho o pagamento de mais 14 mil, com o argumento de que o pai seria preso se não o fizesse.
Segundo a acusação, existiram casos em que as pessoas se viram obrigadas a pagar um valor seis vezes superior ao da dívida.
Nas situações de empréstimo, estabelecia prazos de pagamento, às vezes inferiores a um mês e com juros de 200 e 300%. Um casal que não conseguiu pagar no prazo a totalidade do empréstimo de 20 mil €, com juros de 25%, fez disparar a dívida em mais 36500 € e foi ameaçado com um processo. Para o evitarem, assinaram um documento em como deviam 50 mil €. Não conseguiram pagar esse valor em 2 anos e entregaram um terreno. Ao CM, A (…)diz apenas que o que consta na acusação “não é verdade”.
PORMENORES
Associação criminosa
O advogado responde pelos crimes de extorsão, usura, associação criminosa, burla qualificada, abuso de confiança agravado, coação, branqueamento e falsificação de documento. A (…) pediu a abertura da instrução do processo.
Agricultora vítima
O advogado terá proposto a uma agricultora com dificuldades económicas que fosse gerente de 4 empresas, recebendo 2 mil euros. As firmas foram declaradas insolventes e todas as dívidas fiscais à Segurança Social, no valor de €50.000,00, acabaram imputadas à mulher» [13.º Cont.].
26. Em 02 de Maio de 2018 às 19:12h o co-demandado requereu a este tribunal o envio da seguinte decisão instrutória que foi por aquele recebida [46.º Cont.]:
- No dia 23 de Abril de 2018, no âmbito do aludido processo n.º (…), na sequência de requerimento para abertura da instrução apresentado pelo arguido A (…) pelo Juiz de Instrução Criminal de Leiria, foi proferida a seguinte decisão: «Face ao exposto declara-se nula a acusação deduzida pelo Ministério Público, por violação do disposto na al. b) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, e em consequência profere-se despacho de não pronúncia dos arguidos A (…), L (…), G (…) e C (…) ,, relativamente a todos os crimes pelos quais se encontravam acusados, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos» [cfr. certidão junta aos autos].
27. Na edição do dia 31 de Maio de 2018 do “P (…)” noticiou-se o seguinte [47.º Cont.]:
- 1.ª Página:
«JUSTIÇA
TRIBUNAL ANULA ACUSAÇÃO CONTRA A (…)»
- Página 7:
«Ministério Público Recorreu da Decisão
JUÍZA DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
ANULA ACUSAÇÃO IMPUTADA
A A (…)
A Juíza de Instrução Criminal de Leiria decidiu não levar a julgamento o advogado de Pombal, e os restantes quatro arguidos, tendo determinado o arquivamento dos autos. Contudo, pelo menos o Ministério Público e uma das assistentes do processo, já interpuseram recurso.
Em causa está o processo em que o advogado A (…) estava acusado da prática de vários crimes, como falsificação de documento, abuso de confiança agravado, burla qualificada, usura, extorsão, coacção na fora tentada, branqueamento e associação criminosa. Para além daquele arguido, o processo envolve, ainda, mais quatro pessoas, que requereram a abertura de instrução.
O advogado pediu a nulidade da acusação deduzida pelo Ministério Público, alegando, entre outros aspectos, que a mesma “não apresenta uma narração dos factos”, referindo que lhe é imputada a prática de crimes na forma consumada e na forma tentada “sem que se faça constar da acusação todos os preceitos legitimadores dessa imputação”.
Na sua decisão, à qual o nosso jornal teve acesso, a Juíza de Instrução Criminal refere que, aberta a instrução, “foi designada data para o interrogatório dos arguidos, sendo que pelos mesmos foi usado o direito ao silêncio”, tendo o Ministério Público pugnado pela inexistência das apontadas nulidades.
A magistrada considera que a “acusação não consegue, nem quanto a nenhum dos arguidos, nem quanto a nenhum dos crimes imputados, descrever factos que permitam concluir pela verificação de tais crimes ou que qualquer arguido os tenha praticado”. Assim como “não tem os requisitos legalmente exigidos”, inviabilizando, desta forma, “que os arguidos se possam defender das imputações feitas, mas também que possa resultar qualquer condenação em consequência dos factos alegados”.
Assim, a Juíza de Instrução declarou nula a acusação deduzida pelo Ministério Público, tendo proferido despacho de não pronúncia relativamente aos arguidos, e por consequência o arquivamento dos autos».
28. A notícia da edição do dia 27.07.2017 foi para as bancas das lojas com uma designada “capa falsa” [49.º Cont.].
29. A “capa falsa” é uma capa estritamente publicitária que, naquela edição, fazia publicidade à “(…) móveis de decoração” [50.º Cont.].
30. O A não pediu nem exerceu o seu direito de resposta [64.º Cont.].
31. O “P (…)” tem uma tiragem mensal de 5.000 exemplares, sendo cada exemplar vendido a €1,00 [71.º Cont.].
32. O Autor declarou os seguintes rendimentos da categoria B:
- Ano 2010 = € 41.347,39
- Ano 2011 = € 35.601,64
- Ano 2012 = € 36.911,80
- Ano 2013 = € 25.788,51
- Ano 2014 = € 39.231,04
- Ano 2015 = € 38.088,95 [74.º Cont.].
33. No dia 11 de Abril de 2019, no âmbito do mesmo processo n.º (…), na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público e pelos Assistentes daquela decisão instrutória, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferida a seguinte decisão: «Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao Recurso interposto pelo Ministério Público e pelos Assistentes.» [cfr. certidão junta aos autos].
¨¨
E os seguintes os factos “não provados” elencados pelo tribunal a quo:
a) Qual o impacto do “P (…)” nalgumas cidades francesas e suíças [11.º P.I.].
b) Que a fotografia em análise apresenta a pessoa física do Autor, isolado, à porta da sua residência, pertencendo ao “álbum de família” e, portanto, ao seu foro íntimo [25.º P.I.].
c) Que o 3.º Réu poderia ter concluído que a “agricultora”, quase analfabeta que teria sido aliciada pelo réu para administrar duas empresas, era já anteriormente gerente de mais de uma dezena de sociedades [45.º P.I.].
d) Que o “P (…)” inventou dois títulos com letras garrafais, nomeadamente, “Advogado acusado de extorquir 5,4 milhões”, na primeira página, e “Advogado acusado de extorquir mais de cinco milhões de euros “, na página 5 da mesma edição, valores que não têm o mínimo respaldo no texto da acusação deduzida [41.º P.I.].
e) Que relata, nessa notícia, que o autor terá convencido uma pobre agricultora a assumir a gerência de diversas sociedades a troco de € 2.000,00, quantitativo que diverge para menos daquele que consta do libelo acusatório [43.º P.I.].
f) Que foram produzidas grosseiras falsidades [51.º P.I.].
g) Que foram relatados factos inverídicos e precipitados [52.º P.I.].
h) Que os Réus causaram ao Autor consequências profundas a nível pessoal, social, profissional e familiar [53.º P.I.].
i) Que o jornalista subverte o conteúdo da acusação, produz afirmações ou juízos de valor descontextualizados, faz inserir títulos falsos, bombásticos e achincalhantes [59.º P.I.].
j) Que por causa dessa publicação, ao tomar conhecimento da sua fotografia publicada a “ilustrar” a notícia, o Autor sentiu-se indignado, enxovalhado, vexado e revoltado, estado de espírito que manteve por um período superior a dois meses [62.º P.I.].
k) Que por causa dessa publicação o Autor experimentou vergonha perante os seus Colegas, a generalidade dos agentes judiciários com quem trabalha diariamente, os seus familiares e amigos, e, obviamente, perante os clientes, temendo, naturalmente, que viesse a ser afectada a sua imagem como Homem e como Advogado [64.º P.I.].
l) Que por causa dessa publicação o Autor passou a recolher-se e isolar-se na sua residência, em fase de profunda introspecção e reflexão [65.º P.I.].
m) Que por causa dessa publicação o Autor veio a ser afectado por depressão aguda carecida de tratamento médico e medicamentoso (Doc. 4) [66.º P.I.].
n) Que a referida publicação foi causa adequada para desviar clientes do escritório de advocacia do autor determinando para ele prejuízos patrimoniais (directos e indirectos) e prejuízos não patrimoniais [68.º P.I.].
o) Que por causa dessa publicação os danos causados ao autor são muito graves, levando-o a temer pelo seu futuro profissional que configura como incerto e que contrasta com os sucesso e mérito profissionais que lhe eram reconhecidos anteriormente a essa publicação [76.º P.I.].
p) Que o Autor, nos últimos cinco anos, apresentou perante a administração fiscal rendimentos, que em consequência da referida publicação no futuro serão bem menores que os auferidos até á publicação da notícia [78.º P.I.].
q) Que em consequência da referida publicação resultou para o Autor uma menor capacidade para o seu trabalho, inicialmente, por um período de cerca de dois meses a contar da data dessa publicação mas que se mantém, embora em termos mais mitigados [79.º P.I.].
r) Que em consequência da referida publicação será provável uma drástica diminuição de clientela e de rendimentos [80.º P.I.].
s) Que em consequência da referida publicação o Autor sofreu vexames, angústias, perda de prestígio e de reputação, foi afectado na sua saúde e no seu intelecto [83.º P.I.].
t) Que os réus quiseram o resultado obtido ou, pelo menos, não podem ter deixado de admiti-lo como possível, conformando-se com a sua produção de que recolheram benefícios [85.º P.I.].
*
3.2 – O A./recorrente deduz impugnação da matéria de facto, sustentando o erro na apreciação da prova que levou ao incorreto julgamento de factos como “não provados” [mais concretamente a factualidade constante das alíneas d), f), g) e i)].
Para tanto, o A./recorrente, no essencial, invoca que «aduziu coerentemente» o que constava das alíneas em referência, «que o recorrente mantém integralmente sem alteração de uma vírgula».
De seguida intenta demonstrar a razão para esta sua pretensão, o que faz mediante transcrição de normativos da Lei nº 1/99 de 01/01, mais concretamente na parte atinente às “funções de jornalista” e aos “deveres dos jornalistas”, que transcreve (cf. arts. 1º e 4º, respetivamente).
Dito isto, rememoremos, antes de mais, o teor literal dos referenciados factos, a saber:
«d) Que o “P (…)” inventou dois títulos com letras garrafais, nomeadamente, “Advogado acusado de extorquir 5,4 milhões”, na primeira página, e “Advogado acusado de extorquir mais de cinco milhões de euros “, na página 5 da mesma edição, valores que não têm o mínimo respaldo no texto da acusação deduzida [41.º P.I.]»;
«f) Que foram produzidas grosseiras falsidades [51.º P.I.]»;
«g) Que foram relatados factos inverídicos e precipitados [52.º P.I.].»;
«i) Que o jornalista subverte o conteúdo da acusação, produz afirmações ou juízos de valor descontextualizados, faz inserir títulos falsos, bombásticos e achincalhantes [59.º P.I.].».
Como é bom de ver, está em causa núcleo relevante da argumentação do A. no sentido de os RR. terem praticado factos ilícitos, recorde-se, que alegadamente «se traduziram na violação dos direitos de personalidade invocados pelo Autor, e sendo violadores dos deveres impostos aos Réus no âmbito da específica atividade de imprensa e de jornalismo”.
Que dizer?
Em nosso entender que não assiste qualquer razão ao A./recorrente, desde logo e inapelavelmente por razões de ordem dogmática e formal.
É que, salvo o devido respeito, o que consta das quatro alíneas em referência ou são factos conclusivos ou factos que encerram juízos de valor integrantes de normas jurídicas.
Tal é, quanto a nós, inequívoco e incontestável.
Ora se assim é, o que constava dessas alíneas não podia senão ter sido consignado no elenco dos factos “não provados”.
Termos em que improcede, sem mais, este argumento recursivo.
*
4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre agora entrar na apreciação da questão supra enunciada, respeitante já ao mérito da decisão recorrida, a saber, desacerto da decisão consistente em ter sido erradamente considerado que não se verificavam todos os pressupostos para que estivesse preenchida a responsabilidade civil extracontratual por parte dos RR. [donde a conclusão recursiva de que «A divulgação das mencionadas imputações não corresponde a uma necessidade social imperiosa nem é adequada ao cumprimento do dever de informar com rigor, havendo que considerar que, in casu, a protecção da liberdade de imprensa não pode justificar a actuação dos réus»]:
Será assim?
Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.
Desde logo porque esta argumentação desconsidera ostensivamente o que se encontra provado/assente nos autos: é que as notícias jornalísticas em causa reproduziram, no essencial, o teor duma acusação deduzida pelo Ministério Público no termo dum Inquérito criminal em que o ora A./recorrente, conjuntamente com outros, era arguido.
O que tem o relevante e insofismável significado de que as notícias jornalísticas em causa não constituíram o fruto de opiniões, nem a reprodução de boatos ou rumores públicos.
Passamos agora a aprofundar melhor a análise e esta linha de argumentação.
O que vamos fazer começando por rememorar o que, de essencial, consta a tal propósito dos instrumentos normativos existentes.
Assim, a “CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM” Doravante “CEDH”, Convenção essa que foi concluída em Roma em 4 de Novembro de 1950, aprovada entretanto pela Lei n.º 65/78, de 13/10, estabelece no seu art. 8º, nº 1, que «Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência».
E no seu art. 10º, estabelece-se o seguinte:
«1 -Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2 -O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial.».
Também segundo o art. 38º, nº1 da nossa lei Fundamental [a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA] «É garantida a liberdade de imprensa», garantia/direito esse que foi devidamente desenvolvido e caraterizado, em particular pela LEI DE IMPRENSA que nos rege Lei 2/99, de 13/01., na qual se encontra estabelecido, designadamente, o seguinte:
«Art. 22.º (Direitos dos jornalistas):
Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista:
a) A liberdade de expressão e de criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção;
c) O direito ao sigilo profissional;
d) A garantia de independência e da cláusula de consciência;
e) O direito de participação na orientação do respectivo órgão de informação.»;
«Art. 24.º (Pressupostos dos direitos de resposta e de rectificação):
1 -Tem direito de resposta nas publicações periódicas qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama.
2 -As entidades referidas no número anterior têm direito de rectificação nas publicações periódicas sempre que tenham sido feitas referências de facto inverídicas ou erróneas que lhes digam respeito.
3 -O direito de resposta e o de rectificação podem ser exercidos tanto relativamente a textos como a imagens.
4 -O direito de resposta e o de rectificação ficam prejudicados se, com a concordância do interessado, o periódico tiver corrigido ou esclarecido o texto ou imagem em causa ou lhe tiver facultado outro meio de expor a sua posição.
5 -O direito de resposta e o de rectificação são independentes do procedimento criminal pelo facto da publicação, bem como do direito à indemnização pelos danos por ela causados.»
Por sua vez, estabelece o ESTATUTO DO JORNALISTA Cf. Lei 1/99, de 01/01. o seguinte:
«Art. 6.º (Direitos):
Constituem direitos fundamentais dos jornalistas:
a) A liberdade de expressão e de criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação;
c) A garantia de sigilo profissional;
d) A garantia de independência;
e) A participação na orientação do respectivo órgão de informação.»
E, em contraponto, encontram-se enunciados neste mesmo Estatuto dos Jornalistas, os seguintes “deveres” para os mesmos:
«Art. 14.º (Deveres):
1 -Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:
a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
b) Repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos;
c) Recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional;
d) Respeitar a orientação e os objectivos definidos no estatuto editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem;
e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;
f) Identificar, como regra, as suas fontes de informação, e atribuir as opiniões recolhidas aos respectivos autores.
2 -São ainda deveres dos jornalistas:
a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, excepto se os tentarem usar para obter benefíciosilegítimos ou para veicular informações falsas;
b) Proceder à rectificação das incorrecções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis;
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
d) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física;
e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual;
f) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança daspessoas envolvidas e o interesse público o justifique;
g) Não identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a reserva da vida privada até à audiência de julgamento, e para além dela, se o ofendido for menor de 16 anos, bem como os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias;
h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas;
i) Identificar-se, salvo razões de manifesto interesse público, como jornalista e não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público;
j) Não utilizar ou apresentar como sua qualquer criação ou prestação alheia;
l) Abster-se de participar no tratamento ou apresentação de materiais lúdicos, designadamente concursos ou passatempos, e de televotos.
3 -Sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil que ao caso couber nos termos gerais, a violação da componente deontológica dos deveres referidos no número anterior apenas pode dar lugar ao regime de responsabilidade disciplinar previsto na presente lei.»
Finalmente, decorre do NOVO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS Aprovado no 4.º Congresso dos Jornalistas a 15 de Janeiro de 2017 e confirmado em Referendo realizado a 26, 27 e 28 de Outubro de 2017., que:
«1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.
2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.
3. O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.
4. O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público e depois de verificada a impossibilidade de obtenção de informação relevante pelos processos normais.
5. O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e atos profissionais, assim como promover a pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas.
6. O jornalista deve recusar as práticas jornalísticas que violentem a sua consciência.
7. O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, exceto se o usarem para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas.
8. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes sexuais. O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime. O jornalista deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.”
9. O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual.
10. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excetoquando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas.
11. O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse.».
Revertendo agora e uma vez mais ao caso ajuizado, temos que a questão fulcral que importa apreciar no recurso consiste em saber como resolver o conflito que se verificava entre os direitos do A./recorrente ao seu bom nome e reputação, e os direitos dos RR./recorridos à liberdade de informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social.

Sendo que, mais concretamente, importa aferir se a conduta dos RR./recorridos, deve ser tida como ilícita, por atentar contra o crédito ou o bom nome do A./recorrente, ou, pelo contrário, a mesma se insere no âmbito da liberdade de informação e imprensa consagrada constitucionalmente.
Ora, o direito de informar integra, de acordo com douto ensinamento Trata-se de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª edição revista, 2007, a págs. 572-573., três níveis: «o direito “de informar”, o direito “de se informar”, e o direito “de ser informado”. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos (…). O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes, isto é, no direito de não ser impedido de se informar (…). Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação social (…).».
Sendo que, «A doutrina constitucional sublinha que o princípio democrático tem como sub princípio o princípio da democracia comunicativa, estruturado em torno das noções de opinião pública e comunicação cívica e política democrática,
(…)
Pretende-se, por esta via, sublinhar o facto de que a existência no seio da comunidade política de uma opinião pública autónoma funciona como garantia substantiva da democracia». Citámos agora JÓNATAS MACHADO in “Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas”, BFDC, Vol. LXXXV, 2009, a págs. 74.
De referir que o âmbito normativo desta liberdade de informação deve ser, o mais extenso possível, de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista ou juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e quaisquer que sejam as finalidades, não pressupondo sequer um dever de verdade perante os factos, embora tal possa vir a ser relevante nos juízos de valoração a que se terá de proceder, em caso de conflito com outros direitos ou fins, constitucionalmente, protegidos. Cf. mais aprofundadamente sobre esta questão, os constitucionalistas citados na precedente nota [7], ora a págs. 575-576.
Por outro lado, por “bom nome” «poder-se-á entender o prestígio, a reputação, o bom conceito associado à pessoa no meio social onde vive ou exerce a sua actividade profissional (…). Em relação ao bom nome, está fundamentalmente em causa uma ideia global, formada a partir das convenções sociais vigentes em determinado momento, acerca do perfil ou posição social de uma pessoa». Assim FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, in “Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome”, Livª Almedina, 2011, a págs 115-120.
Acontece que no conflito entre o direito de liberdade de expressão e/ou informação e o direito à honra e ao bom nome, não obstante ambos merecerem dignidade constitucional, tem-se entendido que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles, devendo, neste caso, a informação veiculada cingir-se à estrita verdade dos factos.
Ou, dito de outra forma:
«O exercício da liberdade de expressão e de informação, eventualmente, limitador de outros direitos de personalidade, deve, porém, obedecer (sempre) à realização de um interesse legítimo que será, por via de regra, um interesse geral ou um “interesse público”, enquanto conceito normativo, e não, meramente, “um interesse do público” só podendo a divulgação justificar a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais, na medida em que da mesma sobressaiam aqueles interesses, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas.». Cf., PAULO MOTA PINTO, in “O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada, BFDC, volume LXIX, 1993, a págs. 566.
Mas, afinal, o que é que deve ser entendido como “interesse público”?
Com resposta a esta questão parece-nos paradigmático o que já foi sublinhado em douto aresto, a saber:
«Porém, o direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, sendo certo que a importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.». Trata-se do acórdão do STJ, de 14.02.2012, proferido no proc. nº 5817/07.2TBOER.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Já flui de tudo o vindo de expor que os direitos de personalidade e as liberdades de expressão e de imprensa configuram-se, reciprocamente, como limites, constitucionalmente, imanentes, estando sujeitos, face à sua natureza de direitos fundamentais, mas não absolutos, a uma metódica de ponderação proporcional e de concordância pratica em caso de conflito recíproco.
Na verdade, pode-se considerar pacífico o entendimento de que:
«Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação - e a liberdade de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstracto precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art.. 10º da CEDH pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português - e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia.» Cf. acórdão do STJ de 13.07.2017, proferido no proc. nº 1405/07.1TCSNT.L1.S1; no mesmo sentido, inter alia, o acórdão do STJ de 31.01.2017, proferido no proc. nº 1454/09.5TVLSB.L1.S1, estando ambos os arestos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
Na decisão recorrida perfilhou-se o entendimento de que in casu se justificava a “agressão”, pelas notícias jornalísticas ajuizadas, aos direitos de personalidade do A. ora recorrente, na medida em que o Autor era uma figura pública, à escala do meio onde vivia, precisamente por causa do exercício da sua profissão de advogado.
Para o que pertinazmente se aduziu o seguinte:
«O que é relevante é que a notícia informa que determinado advogado foi acusado da prática de crimes (essencialmente contra o património) e por isso, não diz respeito à esfera da vida privada do Autor, em qualquer uma das suas vertentes, mas antes, diz respeito a factos relacionados com o exercício da sua profissão de advogado e, nessa perspectiva, salvo o devido respeito por diversa opinião, são de relevante interesse público local, à escala da cidade de Pombal, porque o Autor é uma figura pública a essa mesma escala, sendo irrelevante saber se é mediática
Também nos merece integral acolhimento o que, no mesmo sentido, consta das contra-alegações recursivas, particularmente no seguinte segmento:
«É a vertente pública da profissão de advogado e de distinção social que tornam notícia de interesse público quando um advogado vem acusado de praticar crimes, não como pessoa anónima e individual, mas precisamente no exercício dessa mesma profissão, exactamente sob o manto da advocacia, ou seja no âmbito público dessa profissão, o que é especialmente verdade em meios sociais pequenos onde quase todos se conhecem pelo nome, e sendo o advogado um actor da vida judicial pública, os limites da crítica e da notícia admissível têm de ser necessariamente mais amplos do que em relação a um cidadão anónimo.»
De referir que, tanto quanto é dado perceber das alegações recursivas do A./recorrente, o mesmo nesta sede recursiva centra-se enfaticamente nos dois títulos jornalísticos visados, a saber, Advogado acusado de extorquir 5,4 milhões” (primeira página da edição publicada em 27 de Julho de 2017, do “P (…)”) e “Em 2015 escritório do pombalense foi alvo de buscas pela PJ”/“Advogado acusado de extorquir mais de cinco milhões de euros” (página 5 da mesma edição), mormente por os mesmos terem sido grafados em “letras garrafais”, sendo que o A./recorrente considera tais títulos falaciosos e bombásticos, basicamente porque teria sido acusado de apenas 3 crimes de extorsão e dos quais apenas 2 perfeitamente qualificados, no valor global de € 18.121,88.
Que dizer?
Importa começar por referir que na suas contra-alegações, a Ré/recorrida procede a uma detalhada e pormenorizada comparação entre o corpo/desenvolvimento da notícia (constante das páginas interiores da edição jornalística em causa) com a acusação pública deduzida pelo Ministério Público titular do inquérito criminal onde a mesma foi deduzida (autos de Inquérito nº (…), da 1ª Seção do DIAP da Comarca de Leiria), tendo em vista aferir a legitimidade/acerto/fundamentação para tais títulos (recorde-se, quanto à acusação de “extorsão” de “5,4 milhões” pelo próprio), para concluir que, não obstante o A. ter sido, na verdade e efetivamente, acusado em tal peça processual/acusação de um total de 25 crimes (mais concretamente de 4 crimes de falsificação de documento, na forma consumada; de 3 crimes de abuso de confiança agravado, na forma consumada; de 3 crimes de burla qualificada, na forma consumada; de 4 crimes de usura, na forma consumada; de 3 crimes de extorsão, na forma consumada; de 3 crimes de coacção, na forma tentada; de 1 crime de branqueamento, na forma consumada; de 1 crime de abuso de confiança agravado, na forma consumada; de 2 crimes de usura continuada, na forma consumada e de 1 crime de associação criminosa, na forma consumada), sucedia que «do ponto de vista gráfico e jornalístico seria impossível, por manifesta falta de espaço, reproduzir a totalidade do rol de todos os crimes imputados ao A, num único título e numa única página», daí que «Neste caso em concreto, os recorridos optaram por utilizar no título o conceito de “extorsão” quer porque do ponto de vista editorial, seria o crime de maior gravidade, quer porque a respectiva denominação não era demasiado longa para poder servir como título», sem embargo de que, em subtítulo, «os recorridos tiveram o cuidado de especificar melhor o título mediante um texto através do qual pode aferir-se que os “mais de cinco milhões de euros” se reportavam à totalidade da vantagem patrimonial alegadamente obtida pelo A com a prática de todos os crimes imputados e não apenas com os crimes de extorsão».
Não podemos deixar de concordar.
É certo que se os ditos/ajuizados títulos correspondem a uma narrativa factual com qualificativo que é capaz de deslustrar, ser inconveniente ou ferir.
Contudo, em nosso entender, importa considerar que, à luz da conceção dogmática supra enunciada, os mesmos cabem na missão da liberdade de expressão através da imprensa, isto é, entendemos que os RR. agiram ao abrigo de um direito próprio, o direito à liberdade de expressão, na modalidade de expressão jornalística.
Ademais, importa não olvidar que a redação jornalística obedece a regras próprias, designadamente sob o ponto de vista gráfico e noticioso, entre as quais avulta a utilização de títulos “chamativos”, que sendo curtos ou telegráficos, não são só por isso “bombásticos” ou “sensacionalistas”.
Sendo certo que uma leitura atenta e completa do corpo/desenvolvimento das notícias (no interior da edição jornalística ajuizada) permitia segura e insofismavelmente concluir que se tratava, basicamente, de reproduzir uma acusação criminal, deduzida pelo titular do inquérito correspondente, nela sendo feita a citação direta da fonte da notícia (in casu o artigo no jornal “C (…)”), isto é, temos muito claramente que o artigo relatava apenas factos constantes de uma acusação, de cuja existência cuidava de dar eco.
Acresce que, compulsando o texto integral da referenciada acusação (em extensas 86 páginas), pode-se concluir que é a mesma a fazer alusão às várias vantagens patrimoniais totais e não justificadas como sendo decorrentes do rol dos crimes imputados que, não obstante tituladas pelos vários então arguidos, teriam todas o A. ora recorrente como único “proprietário” (cf. pág. 15 da acusação), num valor global de € 5.434.290,30
Ora se assim é, entendemos que o artigo ajuizado não traduz um qualquer ataque gratuito ou infundado ao A./recorrente, nem vislumbramos como sustentar fundadamente que o mesmo tinha intentos sensacionalistas.
Donde, a esta luz, inexiste violação de quaisquer normas civis, ou mesmo de natureza constitucional ou deontológica, ou seja, não nos parece que possa o comportamento dos RR./recorridos ser considerado como afetação desproporcional do direito à honra e bom nome do A./recorrente!
Nesta linha de entendimento – e com argumentação do mesmo sentido! – concluiu a Ré/recorrida nas suas contra-alegações que «Tratando-se de factos verdadeiros (sempre segundo a acusação então deduzida), a sua divulgação era admitida, por assegurar um direito próprio ou um interesse público legítimo. Não constando do texto nenhum facto fabricado, equívoco, leviano ou que traduza meras suspeitas subjectivas ou boatos».
Assim, a este propósito já foi doutamente sublinhado que «o dever que incide sobre o jornalista de relatar com verdade e rigor não tem por que se cumprir sempre ou necessariamente mediante uma comprovação absoluta dos factos (o que a mais das vezes seria até impossível de concretizar), senão que a informação há-de possuir uma base factual objectiva razoavelmente credível, não sendo de excluir que o próprio jornalista extraia as suas conclusões ou ilações e as apresente como quase-factos. O que não é tolerável é o uso de factos fabricados, equívocos, levianos ou que traduzam meras suspeitas subjectivas ou boatos. Não é esta última, manifestamente, a situação vertente, e aqui divergimos por completo do entendimento da recorrente quando aduz que os réus se limitaram a fazer uso da mentira.». Citámos agora o acórdão do STJ de 6.9.2016, proferido no proc. nº 60/09.9TCFUN.L1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Em todo o caso, parece-nos possível reforçar esta linha de argumentação com o seguinte.
Se confrontarmos o significado do verbo “extorquir”, é possível concluir que o mesmo também contempla (para além do sentido de “obter por meio de violência ou ameaça”) o significado de “subtrair”. Assim em “Dicionário da Língua Portuguesa 2010”, Ed. da Porto Editora, a págs. 697.
Sendo certo que “subtrair” tem, “à cabeça” e entre outros, o significado de “tirar com subtileza ou fraude Cf. mesmo Dicionário citado na precedente nota, ora a págs. 1496.
Queremos com isto dizer que, em linguagem jornalística, o uso da expressão verbal “extorquir” não tem que necessariamente ser feita corresponder ao “crime de extorsão”, isto é, ao tipo legal de crime p.e p. pelo art. 223º, nº1 do Código Penal «Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos, com os seus pressupostos e requisitos legais!
Antes pode e deve ser feita corresponder à ideia síntese de o Autor se ter apropriado, ardilosa e ilicitamente, da quantia total em causa!
Face ao que para o público alvo da notícia em causa isto é, o cidadão comum (não necessariamente jurista ou com conhecimentos técnico-jurídicos), a leitura da notícia em causa teria o significado normal/usual de que o Autor estava acusado de uma atuação como a vinda de referenciar por último – o que, salvo o devido respeito, mormente tendo em conta o que constava em “DO PLANO” no libelo acusatório, se adequa perfeitamente ao teor substancial total e global da acusação que contra o mesmo havia sido deduzida!
Sendo certo que já foi doutamente sublinhado que quando o tema sobre que versa o comentário aborde questões de interesse público, deve conceder-se às opiniões e aos juízos de valor uma margem de tolerância, substancialmente, maior, ainda que os mesmos surjam como exagerados, preconceituosos, obstinados e infundados, e, por maioria de razão, se tiverem um fundamento sério, razoável ou provável, em termos objetivos ou intersubjetivos, sendo suscetíveis de acolhimento por pessoas razoáveis e, intelectualmente, honestas. Cf. DAVID PRICE, in “Defamation, Law, Procedure und Practice”, Londres, 1997, a págs. 63 e 69 e segs.
Assente isto, vejamos agora o aspeto alegadamente ilícito, em si, da “fotografia” do Autor que foi publicada.
Nesse particular também nos merece integral acolhimento o que foi sustentado na sentença recorrida Com apoio na posição expressa no acórdão do STJ de 13.07.2017 proferido no proc. nº 3017/11.6TBSTR.E1.S1; aresto esse acessível em www.dgsi.pt/jstj; no mesmo sentido o acórdão da mesma data e subscrito pelo mesmo Relator que foi citado supra na antecedente nota [13] em primeiro lugar., a saber:
«Importa salientar que a fotografia do Autor, ao contrário do que este alegou, não fazia parte do seu “álbum de família” no sentido de se tratar de fotografia tirada à porta de casa ou no âmbito da sua vida privada, mas antes, é incontroverso que se trata de uma fotografia obtida em local público e já anteriormente publicada a propósito de outro assunto de interesse público, e por isso, tal fotografia já tinha entrado na esfera do domínio público.
Para além disso, a reprodução da imagem em causa vem enquadrada em lugar público e relativa a factos do interesse público local, como referido, por isso, não necessita de consentimento do visado, ao abrigo do Autor, ao abrigo do disposto no art. 79.º, n.º 2, do Código Civil.»

Finalmente, também nos parece que da factualidade “provada”, mormente da conjugação dos pontos de facto “12.” a “14.” e “25.”, decorre que os RR., mormente o subscritor da notícia ajuizada, e estando como estava em causa noticiar uma acusação pública, investigou suficientemente quanto à sua veracidade (a existência dessa acusação pública).
O que tudo serve para dizer que se impõe, assim, concluir no sentido de que, no caso dos autos, prevalecem os direitos dos RR. à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, na medida em que estes foram exercidos de forma diligente, proporcional e adequada, assim se operando a já antes referenciada concordância prática entre as duas ordens, conflituantes, de direitos em causa.
Aliás, sendo a orientação dominante da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (“TEDH”) no sentido de que, nas situações de conflito como a ajuizada, prevalece o direito à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, outra não poderia ser a conclusão.
Com efeito, ao invés do sustentado pelo A./recorrente em sentido crítico a essa jurisprudência do TEDH, consideramos inapelável o entendimento de que
«(…)
IX - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
X - Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, como acontece em casos como o dos autos, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos.
(…)» Como doutamente sublinhado no acórdão do STJ de 31.01.2017, proferido no proc. nº 1454/09.5TVLSB.L1.S1, já supra citado em antecedente nota [13] em segundo lugar, o qual, aliás, foi também referenciado na sentença recorrida.

Por último, diremos apenas que a exclusão da ilicitude que se verifica no caso em apreço, obsta à análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil, porque prejudicada, o que acarreta a improcedência do recurso deduzido pelo A./recorrente.
Sem embargo do vindo de dizer sempre se sublinhará que em nosso entender também não se mostram verificados os restantes pressupostos para poder operar a invocada responsabilidade civil extra-contratual dos RR., mormente os pressupostos da culpa e nexo de causalidade [quanto a este último, determinante e decisivamente por não ser perfilhada no nosso sistema jurídico a singela teoria da conditio sine qua non, mas antes a da causalidade adequada, na sua formulação negativa (isto é, trata-se de saber se é de todo indiferente para a produção de um dano daquele tipo um comportamento como o do lesante), acontecendo, contudo, que importa não olvidar que não pode o Tribunal socorrer-se de presunções judiciais para suprir a falta de prova relativamente a factos oportunamente discutidos e apreciados em julgamento, isto é, não podem as presunções assentar em factos com elas incompatíveis, designadamente se tais factos tiverem sido dados como não provados, que foi precisamente o que sucedeu nos autos – como flui do conjunto de factos “não provados” sob as als. h) e j) a s) –, pelo que, não se pode, agora, por presunção judicial dar como provado tal nexo, o qual submetido a prova direta, não foi dado como provado Cf. mais aprofundadamente neste sentido o acórdão do STJ de 06.05.2010, proferido no proc. nº 2148/05.6TBLLE.E1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj. ].
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.
*
6 - SÍNTESE CONCLUSIVA
I – A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa.
II – Assim, quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata, isto é, impõe-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art. 10º da CEDH pelo TEDH.
III – O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de proteção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
IV – A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação. *
7 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas nesta instância pelo A./recorrente.

Coimbra, 14 de Dezembro de 2020

Luís Filipe Cravo ( Relator )
Fernando Monteiro
Ana Márcia Vieira