Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5117/18.2T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ABANDONO DO POSTO DE TRABALHO
REQUISITOS NECESSÁRIOS
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 98º-C DO CPT; 304º E 403º DO CT.
Sumário: I - Dispõe o normativo inserto no n.º 1 do artigo 403.º do Código do Trabalho que se considera “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar”.
II - Por sua vez, o n.º 2 do preceito dispõe o seguinte: “presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”.

III - Esta presunção pode ser ilidida pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, nos termos previstos pelo n.º 4 do normativo.

IV - Para o empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista pelo artigo 403.º do C.T., e querendo beneficiar da presunção prevista no n.º 2 do normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono.

V - Este facto integra dois elementos: (i) a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; (ii) a falta de informação do motivo da ausência.

VI - Mas o que releva verdadeiramente para efeitos extintivos da relação laboral é a vontade do trabalhador em colocar um fim ao vínculo contratual, o seu animus extintivo, exteriorizado através de factos concludentes, ou seja, que com toda a probabilidade revelem a vontade do trabalhador dissolver o contrato.

VII - Não há abandono de trabalho quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de o trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho; e, havendo este conhecimento, tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2 do artigo 403º do Cód. do Trabalho.

Decisão Texto Integral:












Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – M..., residente no ..., apresentou formulário de oposição ao despedimento nos termos do artº 98º-C do CPT promovido por L..., LDA,[1] com sede na Rua ..., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

Juntou documento escrito de decisão de despedimento.

Na audiência de partes não se logrou obter uma composição amigável do litígio pelo que foi a empregadora notificada para apresentar articulado motivador do despedimento, juntar o processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer provas.

A empregadora apresentou articulado motivador, no qual pede que que improceda liminarmente o pedido da Autora por não ser o meio processual adequado, nem os motivos invocados os verdadeiros, ou assim não se entendendo, deve a acção ser considerada totalmente improcedente por não provada e consequentemente deve ser considerada a cessação do contrato por iniciativa da trabalhadora – abandono de trabalho, requerendo ainda a exclusão da reintegração da trabalhadora.

A trabalhadora apresentou contestação alegando a ineptidão do articulado motivador por a Ré não ter junto com tal articulado os documentos comprovativos das formalidades legais pelo que deve ser de imediato declarada a ilicitude do despedimento, pugnando no sentido da forma de processo ser a adequada.

Nunca abandonou o trabalho, litigando a Ré de má-fé.

Conclui pela ilicitude do despedimento, com as legais consequências, devendo a Ré pagar à Autora uma indemnização pela litigância de má-fé em valor não inferior a €1.500,00.

A Ré apresentou articulado de resposta na qual pugna pela inexistência de ineptidão do articulado motivador, reafirmando os factos alegados em tal articulado motivador designadamente que o contrato cessou por abandono de trabalho da Autora e não por qualquer despedimento promovido pela Ré.

Nega ainda litigar de má-fé, sendo a Autora quem litiga de má-fé, pedindo em consequência indemnização a seu favor no montante de €1.500,00.

II Decidiu-se inexistir erro na forma do processo e relegou-se para final o conhecimento das excepções invocadas.

Sem fixação de base instrutória/temas de prova, o processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

1- Julga-se improcedente acção relativamente ao pedido formulado pela Ré empregadora L..., Lda no articulado motivador, absolvendo-se a Autora M... dos pedidos aí formulados.

2- Julga-se procedente, por provado, o pedido reconvencional formulado pela Autora M... e em consequência:

- Declara-se a ilicitude do despedimento da Autora/ trabalhadora M... promovido pela Ré/ empregadora L..., Lda e consequentemente;

- condena-se a Ré/empregadora a pagar à Autora/trabalhadora :

a) uma indemnização em substituição da reintegração, pela qual a Autora optou, no montante de 20 dias de retribuição base e diuturnidades que a mesma auferia à data da cessação do contrato, por cada ano de antiguidade e fracção de duração do contrato, no caso 3 anos, 5 meses e 15 dias.

b) o valor das retribuições que o Autora deixou de auferir desde o despedimento em 16-10-2018 até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, sendo que a tais retribuições terão que ser feitas as deduções previstas nos nº 2, als a) e c) do artº 390º do CT.

- Não se vislumbra a existência de litigância de má-fé, improcedendo os pedidos de condenação quer da Autora quer da ré como litigantes de má-fé.

                     e) Absolve-se a Ré do restante pedido reconvencional deduzido pela Autora.”

III – Não se conformando com esta decisão dela a empregadora veio apelar, alegando e concluindo:

...

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente:

I. Deve ser, de acordo com o patente na alínea c) do n.º 2 do artigo 662º do CPC revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância;

II. E só se assim não se entender deve, de acordo com as alíneas b) e c) do artigo 615º do Código de Processo Civil, ser a sentença do Tribunal de 1ª instância, da qual aqui se recorre, ser declarada nula.

III. E se o mesmo não obtiver provimento, sempre deve ser proferido acórdão e alterada a sentença ora posta em crise em conformidade, declarando-se a licitude do despedimento e a improcedência do peticionado pela Autora/Recorrida.

Contra alegou a trabalhadora pugnado pela improcedência da apelação.

O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

...

Factos não provados

...

O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Se a sentença deve ser anulada.

2. Se a sentença é nula.

3. Se o contrato cessou por abandono de trabalho.

Da anulação da sentença:

Pede a recorrente a anulação da sentença com base numa pretensa contradição entre os factos provados 19 e os factos provados 12, 13 e 26 (v. conclusão 9ª), o que na sua óptica acarreta a anulação da sentença nos termos do nº 2 do artº 662º do CPC.

Ora, não explica ou concretiza em que se traduz essa contradição, ficando-se simplesmente pela respectiva afirmação.

O que se infere das suas alegações é que não concorda com a subsunção feita pelo tribunal dos factos provados ao direito. Mas este eventual erro não constitui qualquer contradição entre factos pois prende-se com a questão de mérito, a qual nada tem a ver com a verificação da alegada contradição factual.

Só existe contradição entre factos[2] quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não possam entre si coexistir.

No caso, os factos em questão não se excluem entre si podendo normalmente coexistir pelo que a sentença não padece de vício que acarreta a sua anulação.

Da nulidade da sentença:

Alega a recorrente que  a sentença é nula  atento o disposto no nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Decidindo:

Antes de mais diga-se que, conforme se assinala no Manual de Processo Civil de A. Varela e outros, 2ª edição, págªs 686 a 691 “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”

No que concerne à falta de fundamentação a que alude a mencionada alínea b), ensina-nos Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”- Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.140.

O mesmo entendimento tem sido defendido por Doutrina mais recente.

Refere Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pag.297 que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.

Por sua vez, Teixeira de Sousa afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença” (cfr."Notas ao Código de Processo Civil", III, pag.194).

A nível jurisprudencial desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Uma simples leitura da sentença sob recurso revela, sem necessidade de grande esforço, que a mesma não é nula por falta de fundamentação.

Da mesma constam quer os fundamentos de facto (reproduzidos neste acórdão) quer os fundamentos de direito que levaram à decisão proferida, em absoluto respeito pelo princípio da fundamentação consagrado no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

Em suma, nos presentes autos, não se verifica a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do referido artigo 615º.

Na Constituição da República Portuguesa consagra-se no artigo 205º a obrigação de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.

A fundamentação legalmente exigida visa dar a conhecer as razões de facto e de direito que o tribunal considerou e que originaram uma determinada conclusão que subjaz à decisão.

Daí que os fundamentos constituam as proposições em que assenta o silogismo da decisão.

Por isso, a sentença que enferma de vício lógico que a compromete é nula.

Todavia, este vício não é de frequente verificação. O mesmo só ocorre em situações em que se mostre claro que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 141).

Dito de outro modo, para que se verifique tal vício tem de existir uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão tomada. Aqueles apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido diverso ou divergente.

No caso em análise basta, mais uma vez, uma simples leitura da sentença para se concluir que a fundamentação factual e jurídica exposta na sentença e a conclusão a que se chegou estão em relação lógica com o decidido.

A decisão tomada é a decisão logicamente expectável em face do raciocínio desenvolvido e exposto; não há uma oposição entre a fundamentação e a decisão pelo que consideramos que não se verifica a situação prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, geradora da nulidade da sentença.

Improcedem, pois, as causas de nulidade invocadas, o que se decide.

Do abandono do trabalho:

A 1ª instância decidiu não ter cessado o contrato por abandono do trabalho, destacando-se da sentença o seguinte excerto: “… como resulta dos factos provados, a Ré/ empregadora logrou provar a ausência da Autora ao Trabalho por mais de 10 dias seguidos, porquanto a mesma depois de ter cessado a baixa médica em 22 de Setembro de 2018, não mais se apresentou ao trabalho, quer na sede da Ré quer nos restantes locais que lhe haviam sido indicados como possíveis locais onde a mesma poderia prestar o seu trabalho, não constando dos autos qualquer comunicação enviada pela Autora à Ré a justificar tal ausência.

Contudo, dos factos provados terá que se considerar que a Autora logrou ilidir a presunção de abandono de trabalho, porquanto como resultou provado tal ausência decorreu da própria conduta do representante da Ré que após o contacto da Autora na sequência do recebimento da missiva com intenção de fazer cessar o contrato por extinção do posto de trabalho para o confrontar com o teor de tal missiva, a informou que o assunto estava a ser tratado por advogado e que teria que aguardar pois iria receber uma segunda carta com a decisão de despedimento.

Assim, e como resultou provado, a Autora, na sequência do referido pelo representante da Ré, ficou a aguardar que lhe fosse remetida pela Ré a segunda carta com a indicação dos seus direitos e a declaração necessária para requerer, posteriormente, o subsídio de desemprego, sendo que tal não ocorreu, tendo a mesma recebido da Ré a missiva comunicando o abandono do posto de trabalho.

Assim, pese embora como resultou provado houvesse indícios de que a Autora não pretendia regressar ao trabalho por não ter aceite as propostas de um novo local de trabalho, o certo é que não poderia a Ré, ao invés de prosseguir com as formalidades do despedimento por extinção do posto de trabalho, presumir o abandono do posto de trabalho por parte da Autora quando o seu representante a mandou aguardar pelo envio da segunda carta a formalizar a decisão de despedimento.

Desta forma, sem que a Ré lhe tenha prestado qualquer outra informação, tendo-a antes mandado aguardar, não poderia considerar a ausência da Autora injustificada presumindo o seu abandono de trabalho, quando tal ausência decorre precisamente da actuação do representante da Ré que a mandou aguardar o envio da decisão do despedimento.

Pelo exposto, terá que se considerar que foi a conduta do legal representante da Ré, ao mandar aguardar a Autora, que veio a determinar a não comparência da mesma no local de trabalho, pelo que a mesma em face dos factos provados ilidiu a presunção de abandono do posto de trabalho”.

                Sufragamos este entendimento pelas razões que a seguir se enunciam.

Dispõe o normativo inserto no n.º 1 do artigo 403.º do Código do Trabalho que se considera “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar”.

Por sua vez, o n.º 2 do preceito dispõe o seguinte: “presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”.

Esta presunção pode ser ilidida pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, nos termos previstos pelo n.º 4 do normativo.

De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo, “o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste”.

O abandono do trabalho integra, pois, a modalidade de cessação do contrato de trabalho prevista na alínea h) do artigo 340.º do Código do Trabalho, ainda que, por alguns, seja considerada um caso particular de denúncia irregular (cf. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág. 553 e seguintes).

Para o empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista pelo aludido artigo 403.º, e querendo beneficiar da presunção prevista no n.º 2 do normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono.

Este facto integra dois elementos: (i) a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; (ii) a falta de informação do motivo da ausência.

Compete ao empregador alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso da presunção do abandono os factos que suportam a presunção (base da presunção), ou seja, a ausência do trabalhador ao serviço por mais de 10 dias úteis seguidos e a falta de comunicação do motivo da ausência pelo trabalhador (cf. Acórdãos do STJ de 26/3/2008, P. 07S2715, de 29/10/2008, P. 08S2273 e de 28/11/2012, P. 499/10.7TTFUN.L1-S1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).

Incumbe ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (nº 4 do artº 403º do CT).

Mas, o que releva verdadeiramente para efeitos extintivos da relação laboral é a vontade do trabalhador em colocar um fim ao vínculo contratual, o seu animus extintivo[3], exteriorizado através de factos concludentes, ou seja, que com toda a probabilidade revelem a vontade do trabalhador dissolver o contrato.

Não há abandono de trabalho quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de o trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho; e, havendo este conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2 do artigo 403º do Cód. do Trabalho.

Nas sugestivas palavras de João Leal Amado “in” RLJ, Ano 139º, Março-Abril de 2010, nº 3961, págªs 235 a 241 “para que se verifique o abandono do trabalho, é necessário que o trabalhador “deserte” (ausência de serviço acompanhada de factos que revelem o seu animus extintivo da relação) ou que ele “desapareça em combate” (ausência prolongada do serviço, sem notícias, facto do qual a lei extrai a ilação de abandono) ”.

No caso dos autos, a ré empregadora logrou provar os factos integradores da base da presunção de abandono (a ausência da trabalhadora ao serviço por mais de 10 dias úteis seguidos e a falta de comunicação do motivo da ausência pela trabalhadora),mas já não logrou provar o denominado animus extintivo sem o qual não há abandono de trabalho, ainda que presumido, pois só nesta situação, para voltar a utilizar as sugestivas expressões de Leal Amado, se poderá afirmar terem os trabalhadores “desertado” ou “desaparecido em combate

Com efeito, está provado (factos 27, 28 e 29, não impugnados) que a autora, após ter recebido da ré a missiva datada de 14-09-2018 através da qual pretendia fazer cessar o contrato por extinção do posto de trabalho, com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2018, contactou o representante da Ré, o qual lhe referiu que o assunto estava a ser tratado por advogado e que teria que aguardar pois iria receber uma segunda carta com a decisão de despedimento, tendo a autora, na sequência do referido pelo representante da Ré, ficado a aguardar que lhe fosse remetida pela Ré a segunda carta com a indicação dos seus direitos e a declaração necessária para requerer, posteriormente, o subsídio de desemprego.

Ou seja, conforme concluiu a 1ª instância, a ré empregadora tinha perfeita consciência que a autora não tinha “desertado”.

O contrato cessou por despedimento ilícito tal como foi decidido.

IV - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

Custas a cargo da apelante.


Coimbra, 18 de Dezembro de 2019

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

Paula Maria Roberto



[1] Apelidadas na sentença por A. e R., respectivamente.
[2] Provados, pois não pode existir contradição entre factos provados e não provados.
[3] Cfr. Jorge Leite “A figura do abandono do trabalho”, PLT, CEJ, nº 33, 1990.