Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1687/15.5T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
PLANO DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 17 G, 249 CIRE
Sumário: Nos processos de insolvência de pessoas singulares não empresárias ou titulares de pequenas empresas (art.º 249º do CIRE), decretada a insolvência ao abrigo do disposto no art.º 17º-G, n.º 3, do CIRE, não é admissível a apresentação de plano de pagamentos aos credores.
Decisão Texto Integral:            

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

           

            I. Na Comarca de Coimbra (Instância Central/Secção de Comércio), declarada a insolvência de C (…) e mulher, F (…), por sentença de 27.02.2015, proferida ao abrigo do art.º 17º-G, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4), transitada em julgado, foi depois proferido o seguinte despacho (a 25.3.2015):        

            «(…) C (…) e esposa, F (…), devedores insolventes, já após a prolação de sentença de insolvência (…), vêm manifestar vontade em apresentar plano de pagamentos aos credores[2].

            Apreciando.

            Perante o requerimento, ´o juiz em despacho liminar de apreciação do plano pode proferir uma de duas decisões: se a aprovação do plano for altamente improvável, o juiz pode proferir decisão irrecorrível de encerramento do incidente (em consequência é decretada a insolvência seguindo o processo os seus termos gerais – artigo 255º n.º 1 e 2). No caso contrário, o juiz determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o plano de pagamentos (sem prejuízo das medidas cautelares a que haja lugar, por força do artigo 31º - artigo 255.º n.º 1 2.ª parte e n.º 3)` (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 3.ª Ed., pág. 323).

            Cumprirá assim ao julgador, ´colocar-se no lugar dos credores e avaliar os termos em que o plano tutela o interesse destes. Todavia, como se trata de um juízo liminar, não basta que este interesse não obtenha o acautelamento devido; é necessário que a satisfação normal desse interesse seja pouco significativa, ou tão escassa, que um devedor normal, medianamente zeloso do seu interesse, nas circunstâncias do caso (em particular em função da situação patrimonial do devedor) preferiria correr os riscos do processo de insolvência a aprovar o plano` (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Ed., pág. 936).

            No caso dos autos, os devedores insolventes vêm requerer a apresentação de um plano de pagamentos já após a prolação da sentença de insolvência, sendo que, nos termos do disposto nos art.ºs 251º a 253º do CIRE, os mesmos deviam ter requerido tal apresentação antes da prolação da sentença que os declarou insolventes, a qual, no caso dos autos, foi proferida nos termos constantes do art.º 17º-G, n.º 3, do CIRE.

            Para mais, fazem-no sem apresentar qualquer plano de pagamentos aos credores (art.ºs 251º e 252º, n.ºs 1 a 4, do CIRE), e, bem assim, os anexos previstos no n.º 5 do art.º 252º do CIRE (não se podendo confundir o plano de recuperação que possa ter sido negociado em sede de PER – o qual, aliás, nem se encontra junto aos respectivos autos de PER – com o plano de pagamentos do artigo 251º e ss. do CIRE).

            Assim sendo, não se mostra processualmente possível admitir a apresentação de qualquer plano de pagamentos aos credores, para além de que, a não aprovação de um plano de recuperação em sede de PER (com negociações desenvolvidas ao longo de três meses) sempre permitiria considerar como altamente improvável que um qualquer plano de pagamentos agora gizado pudesse merecer aprovação.

            Termos em que, por falta de fundamento legal, se indefere ao requerido.»

            Inconformados, os insolventes interpuseram o presente recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - O Mm.º Juiz do tribunal a quo proferiu despacho não admitindo que fosse apresentado um plano de recuperação, tendo entendido que tal não era processualmente admissível.

            2ª - A jurisprudência dominante não tem esse entendimento – nomeadamente, tem decidido que, não tendo sido possível ao devedor/insolvente apresentar o plano de pagamentos a que alude o art.º 251º, do CIRE, não se vislumbram razões substantivas ou de outra natureza que impeçam aquele de, na assembleia de credores subsequente à declaração de insolvência, apresentar ou propor um plano de pagamentos que possa vir a merecer a aprovação dos credores.

            3ª - Mais, vem até afirmando que, essa possibilidade, mostra-se, aliás, em consonância com os princípios da adequação formal e da cooperação plasmados nos art.ºs 265º -A e 266º, do CPC, os quais se encontram constitucionalmente tutelados pelos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consignados no art.º 20º da Constituição.

            4ª - O art.º 156º, n.º 3, do CIRE, por sua vez, dispõe que Se a assembleia cometer ao administrador da insolvência o encargo de elaborar um plano de insolvência pode determinar a suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente, disposição que não pertence nem ao título IX nem ao X.

            5ª - A revisão do CIRE, operada pela Lei n.º 16/2012 de 20.4.2012, alterou o paradigma do Código e passa a dispor que, O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.

            6ª - Consequentemente deve ser sempre privilegiada a procura de um acordo que permita a satisfação dos credores através dum plano de insolvência.

            7ª - A decisão proferida viola assim o disposto nos art.ºs 156º, n.º 3, do CIRE, e 265º-A e 266º do CPC, os quais se encontram constitucionalmente tutelados pelos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consignados no art.º 20º da Constituição – deveria, por isso, ter sido proferido despacho de admissão de apresentação dum plano de recuperação.

             Rematam dizendo que deverá ser admitida “a apresentação dum plano de recuperação, pelo Sr. Administrador de Insolvência e, o mesmo, votado em Assembleia de Credores”.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir se era admissível a apresentação de um plano de pagamentos aos credores” [ou de um “plano de insolvência” (?) ou de um “plano de recuperação” (?)].

*

II. 1. Para a decisão do recurso releva a tramitação descrita no procedente relatório e, além da materialidade aí referida, o seguinte quadro fáctico:

            a) No processo especial de revitalização apresentado pelos insolventes, findo o processo negocial (26.8.2014 a 24.11.2014) sem que tivesse sido aprovado qualquer plano de recuperação, o administrador judicial provisório, ouvidos os credores e os devedores, emitiu o parecer previsto no art.º 17º-G, n.º 4, no sentido da declaração de insolvência dos devedores, em virtude dos mesmos estarem impossibilitados de cumprir as obrigações vencidas perante os seus credores.[3]

            b) Por despacho de 24.02.2015, considerou-se “encerrado o processo negocial”, tendente à “revitalização” dos requerentes, “sem a aprovação de plano de recuperação – artigo 17º-G, n.º 1, do CIRE”.

            c) Na sentença de declaração de insolvência foi designado o dia 16.4.2015 para a realização da assembleia de credores de apreciação do relatório a que alude o art.º 156º do CIRE.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão, sabendo-se que a apelação tem como limite objectivo a reapreciação das questões julgadas em 1ª instância, e não a introdução de questões novas subtraídas ao conhecimento do Tribunal a quo.

3. No caso em análise, não se questiona que se trata de uma insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas regulada, em primeira linha, pelos art.ºs 249º e seguintes.

Aplica-se tal regime se o devedor for uma pessoa singular, e, em alternativa: a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) À data do início do processo: i) Não tiver dívidas laborais; ii) O número dos seus credores não for superior a 20; iii) O seu passivo global não exceder € 300 000. Apresentando-se marido e mulher à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges (art.º 249º).

Nos termos do art.º 250º (sob a epígrafe “inadmissibilidade de plano de insolvência e da administração pelo devedor”), aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X.

Relativamente à problemática do plano de pagamentos aos credores preceitua-se que o devedor pode apresentar, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, um plano de pagamentos aos credores (art.º 251º), com o conteúdo previsto no art.º 252º[4]; se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de apresentação de um plano de pagamentos em alternativa à contestação, no prazo fixado para esta, verificado algum dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 249º, com expressa advertência para as consequências previstas no n.º 4 do artigo anterior [ou seja, que “a apresentação do plano de pagamentos envolve confissão da situação de insolvência, ao menos iminente, por parte do devedor”] e no artigo seguinte (art.º 253º); não pode beneficiar da exoneração do passivo restante o devedor que, aquando da apresentação de um plano de pagamentos, não tenha declarado pretender essa exoneração, na hipótese de o plano não ser aprovado (art.º 254º).

E estabelece o art.º 255º (sob a epígrafe “suspensão do processo de insolvência”): se se afigurar altamente improvável que o plano de pagamentos venha a merecer aprovação, o juiz dá por encerrado o incidente, sem que da decisão caiba recurso; caso contrário, determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos (n.º 1); se o processo de insolvência houver de prosseguir, é logo proferida sentença de declaração da insolvência, seguindo-se os trâmites subsequentes, nos termos gerais (n.º 2); a suspensão prevista no n.º 1 não prejudica a adopção das medidas cautelares previstas no artigo 31º (n.º 3).

4. Assim, se o devedor for uma pessoa singular não empresário ou, sendo pessoa singular e empresário, não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ou, tendo-o sido ou sendo-o presentemente, se, cumulativamente, à data do início do processo, não tiver dívidas laborais, o número dos seus credores não for superior a 20 e o seu passivo global não exceder € 300 000 (art.º 249º, n.º 1), pode apresentar um plano de pagamento aos credores conforme se prevê nos art.ºs 251º, n.º 1 e 253º.

O plano de pagamentos reveste a natureza de uma proposta contratual escrita, devendo ser formulada pelo devedor em termos que permitam obter o consenso com os seus credores, tomando em consideração o grau de satisfação dos seus direitos perante a efectiva situação patrimonial do devedor.[5]

O incidente do plano de pagamentos, visando obviar à tramitação normal do processo de insolvência, consubstancia uma medida de protecção, tendente a diminuir o impacto dos efeitos da declaração de insolvência na esfera jurídica das pessoas singulares, eximindo-as a alguns dos efeitos principais que tal declaração, em regra, acarreta - por exemplo, sendo o plano de pagamentos aprovado, após trânsito em julgado da decisão judicial de homologação, é declarada a insolvência do devedor no processo principal, mas da sentença respectiva apenas constam as menções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 36º; o devedor insolvente não fica privado dos poderes de administração e disposição do património [art.ºs 259º, n.º 1; 39º, n.º 7, alínea a)]; operado o encerramento do processo, em princípio, fica precludida a possibilidade de abertura do incidente de qualificação da insolvência, afastando-se a possibilidade de esta vir a ser declarada culposa.

5. Pesem embora as aludidas vantagens, para o devedor, inerentes ao prosseguimento e aprovação do plano de pagamentos, a consagração daquele regime especial não altera o objectivo primacial do processo de insolvência, ou seja, a satisfação dos credores (art.ºs 1º, n.º 1 e 252º, n.º 1).[6]

Ademais, a manifesta inadequação do plano de pagamentos à satisfação eficiente dos interesses dos credores e a consequente alta inverosimilhança da sua aprovação legitimam o indeferimento liminar do incidente (art.º 255º, n.º 1), cabendo assim ao juiz a tarefa liminar de apreciação e valoração do conteúdo do plano de pagamento proposto, do ponto de vista da probabilidade da sua aprovação pelos credores - o juiz deve, por assim dizer, colocar-se no lugar dos credores e avaliar os termos em que o plano tutela o interesse destes. Todavia, como se trata de um juízo liminar, não basta, para determinar o encerramento do incidente, que esse interesse não obtenha o ´acautelamento devido`; é necessário que a satisfação desse interesse seja pouco significativa, ou tão escassa, que um devedor ´normal`, medianamente zeloso do seu interesse, nas circunstâncias do caso (em particular em função da situação patrimonial do devedor), preferiria correr os riscos do processo de insolvência a aprovar o plano.[7]

Não se trata de fazer um juízo técnico sobre a viabilidade do plano de pagamentos sobre o aspecto económico, financeiro ou outro. Esse juízo cabe aos credores fazer e não ao juiz. Ao juiz cabe detectar se o plano está, ou não em condições de poder ser aprovado, pois, se não estiver, deve ser liminarmente indeferido.[8]

O despacho de encerramento do incidente, com base na circunstância de a aprovação do plano de pagamentos se apresentar altamente improvável, é irrecorrível (art.º 255º, n.º 1).[9]

6. Em 1ª instância apreciou-se, apenas, a viabilidade e/ou a possibilidade de os requerentes/insolventes virem a apresentar um plano de pagamentos aos credores.

Como vimos [cf. ponto I, supra], efectuado o enquadramento sumário da questão, o Mm.º Juiz a quo veio a considerar, por um lado, que os devedores insolventes requereram a apresentação de um plano de pagamentos já após a prolação da sentença de insolvência (ou seja, não respeitando o preceituado nos art.ºs 251º a 253º) e não indicaram qualquer plano de pagamentos aos credores (e respectivos documentos), sendo que, nessas circunstâncias, não se mostra processualmente possível admitir a apresentação de qualquer plano de pagamentos aos credores; referiu ainda, por outro lado, que a não aprovação de um plano de recuperação em sede de PER sempre permitiria considerar como altamente improvável que um qualquer plano de pagamentos agora gizado pudesse merecer aprovação.

Daí, o Mm.º Juiz ter concluído pela falta de fundamento legal para a apresentação de um tal plano, indeferindo o requerido pelos insolventes.

7. In casu, a declaração de insolvência foi antecedida de um processo de revitalização.

O processo de revitalização foi justamente o meio tentado pelo devedor para obter um acordo de recuperação, que como tal cumpriria a função de um plano de pagamentos aos credores, pelo que, falhada a aprovação desse plano e tratando-se de um devedor pessoa singular não empresário ou pequeno empresário, nos termos definidos no art.º 249º, não será possível apresentar, decretada que foi a insolvência nos termos gerais, proposta de plano de pagamentos aos credores.[10]

Acresce que o Tribunal a quo concluiu ser altamente improvável que um qualquer plano de pagamentos agora gizado pudesse merecer aprovação.

Tanto basta para que se conclua pelo acerto do decidido.

8. Ademais, os recorrentes/insolventes distanciaram-se do objecto da decisão recorrida e, de forma indistinta e confusa, referiram diversos “planos” previstos no CIRE [de recuperação, de pagamentos aos credores e de insolvência, concluindo (e parecendo “eleger”) pelo “plano de recuperação”/”plano de revitalização”… - cf. as “conclusões 1ª, 2ª, 4ª, 6ª e 7ª”/ponto I, supra], sendo que importa dar a necessária relevância ao efectivamente suscitado junto do Tribunal recorrido e por este conhecido, objecto de impugnação, e que quaisquer outras (eventuais) possibilidades para o desfecho dos autos não tinham/têm que ser antecipadas (nomeadamente, a da agora propugnada aplicação do disposto no art.º 156º, n.º 3)[11], desde logo, pela simples razão de que iria ter lugar a assembleia de credores de apreciação do relatório a que alude o art.º 156º do CIRE [cf. II. 1. c), supra], sede própria para a apresentação, discussão e deliberação da generalidade das matérias que interessam à prossecução do objectivo primacial do processo (art.º 1º, n.º 1)[12].

E as hipóteses ou eventualidades (não concretizadas) estão normalmente arredadas do objecto de qualquer impugnação judicial...

9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pela massa insolvente.

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30.6.2015

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernando Monteiro






[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.
[3] Cf. os requerimentos do administrador judicial provisório de 12.12.2014, 30.01.2015 e de 18.02.2015, reproduzidos a fls. 11, 13 e seguintes e 17 e seguinte, respectivamente.
[4] Preceitua o referido artigo: O plano de pagamentos deve conter uma proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautela devidamente os interesses destes, de forma a obter a respectiva aprovação, tendo em conta a situação do devedor (n.º 1). O plano de pagamentos pode designadamente prever moratórias, perdões, constituições de garantias, extinções, totais ou parciais, de garantias reais ou privilégios creditórios existentes, um programa calendarizado de pagamentos ou o pagamento numa só prestação e a adopção pelo devedor de medidas concretas de qualquer natureza susceptíveis de melhorar a sua situação patrimonial (n.º 2). O devedor pode incluir no plano de pagamentos créditos cuja existência ou montante não reconheça, com a previsão de que os montantes destinados à sua liquidação serão objecto de depósito junto de intermediário financeiro para serem entregues aos respectivos titulares ou repartidos pelos demais credores depois de dirimida a controvérsia, na sede própria (n.º 3). A apresentação do plano de pagamentos envolve confissão da situação de insolvência, ao menos iminente, por parte do devedor (n.º 4). O plano de pagamentos é acompanhado dos seguintes anexos: a) Declaração de que o devedor preenche os requisitos exigidos pelo artigo 249º; b) Relação dos bens disponíveis do devedor, bem como dos seus rendimentos; c) Sumário com o conteúdo essencial dessa relação, neste capítulo designado por resumo do activo; d) Relação por ordem alfabética dos credores e dos seus endereços, com indicação dos montantes, natureza e eventuais garantias dos seus créditos; e) Declaração de que as informações prestadas são verdadeiras e completas (n.º 5). Salvo manifesta inadequação ao caso concreto, os elementos constantes do número anterior devem constar de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça (n.º 6). O plano de pagamentos e os seus anexos são apresentados em duas cópias, uma das quais se destina ao arquivo do tribunal, ficando a outra na secretaria judicial para consulta dos interessados; tratando-se de documentos digitalizados, são extraídas pela secretaria duas cópias, para os mesmos efeitos (n.º 7). Considera-se que desiste da apresentação do plano de pagamentos o devedor que, uma vez notificado pelo tribunal, não forneça no prazo fixado os elementos mencionados no n.º 5 que haja omitido inicialmente (n.º 8).
[5] Vide L. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 323.

[6] Veja-se que, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII [subjacente à Lei n.º 16/2012, de 20.4, que deu nova redacção ao art.º 1º do CIRE], se, por um lado, foi anunciada a intenção de “reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação, por outro lado, não deixou de se “sublinhar que a recuperação dos devedores é, sempre que possível, primacial face à sua liquidação, desde que, obviamente, tal não prejudique a satisfação tão completa quanto possível dos credores do devedor insolvente, designadamente a administração fiscal e a segurança social”.

   Segundo o n.º 1 do art.º 1º, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. Preceituava o mesmo art.º, na sua versão primitiva: “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.


[7] Vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris-Sociedade Editora, 2009, págs. 818 e seguinte.
[8] Vide J. A. Vieira, Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas, in Estudos em memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, 2007, pág. 263.

[9] O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 26/2015, de 14.01.2015 (publicado no DR, II Série de 27.02.2015), decidiu não julgar inconstitucional a norma, extraída do artigo 255º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, no segmento em que determina a irrecorribilidade da decisão judicial que, considerando altamente improvável que o plano de pagamentos venha a obter aprovação, dá por encerrado o incidente iniciado com a apresentação de tal plano, por considerar, além do mais, que não se apresenta como desrazoável ou injustificada a irrecorribilidade prevista no art.º 255º, n.º 1, do CIRE, que encontra fundamento bastante na salvaguarda da celeridade do processo e na eficiente protecção dos direitos dos credores.

Vide, ainda, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 819, onde se refere: a irrecorribilidade da decisão de encerramento do processo pode aceitar-se, visto que ela, embora prejudicial ao devedor, não impede, todavia, que venha ainda a encontrar-se uma solução alternativa à liquidação universal de bens, então propiciada pela aprovação de um plano de insolvência [perspectiva discutível, conforme se refere na “nota 11”, infra] no âmbito do correspondente processo que necessariamente se desenvolve em conformidade com o n.º 2 [do art.º 255º]. E, se foi requerida, a título subsidiário, a exoneração do passivo restante, a tutela do devedor pode ainda ser alcançada por essa via.


[10] Cf., neste sentido, o acórdão da RL de 23.4.2015-processo 3142/12.6YXLSB-F.L1-2, publicado no “site” da dgsi.
   Em sentido diverso, cf. o acórdão da RG de 24.10.2013-processo 1368/12.1TBEPS-A.G1,citado pelos recorrentes, publicado no mesmo “site”, no qual, invocando-se o princípio da adequação formal, se considerou ser admissível que o devedor apresente proposta de plano de pagamentos na assembleia de credores subsequente a declaração de insolvência que se seguiu ao frustrado processo de revitalização. Porém, na situação analisada neste aresto, o devedor apresentou, na aludida assembleia, um esboço do plano proposto (que designou como “plano de insolvência” e que envolvia um plano de pagamentos com perdão parcial dalguns dos créditos), que obteve o acordo de um dos credores, e o outro credor presente não se opôs, solicitando prazo para o estudar, havendo, assim, uma perspectiva séria e concreta de os interesses em presença serem regulados por meio de um plano de pagamentos, possibilidade essa eventualmente a ter em conta nos termos dos artigos 6º (dever de gestão processual) e 547º (adequação formal) do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artº 17º do CIRE.
[11] A respeito do regime prescrito no art.º 250º e da polémica sobre a possibilidade de aplicar um qualquer plano de insolvência, cf., sobretudo, a doutrina e a jurisprudência mencionadas no citado acórdão da RL de 23.4.2015-processo 3142/12.6YXLSB-F.L1-2.

   Com o entendimento de que tratando-se de pessoas singulares declaradas insolventes, que não sejam empresários, é-lhes vedado pelo art.º 250º, do CIRE, apresentar plano de insolvência, cf., de entre vários, os acórdãos da RC de 28.4.2010-processo 523/09.6TBAGD-C.C1 [subscrito pelo aqui relator na qualidade de “2º adjunto”], 07.9.2010-processo 570/10.5TBMGR-A.C1 e 10.02.2015-processo 81/14.0TBTBU-D.C1, publicados no “site” da dgsi.
[12] Como, de resto, sucedeu no caso a que se reporta o citado acórdão da RG de 24.10.2013-processo 1368/12.1TBEPS-A.G1.
   Vide, designadamente, a propósito das competências da assembleia e das faculdades e direitos conferidos ao devedor insolvente, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 516 e 819.