Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
284/19.0T8FIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO
RJPI
LEI Nº 23/2013
DE 5/3
PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECURSOS
DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
Data do Acordão: 06/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA F. DA FOZ – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Legislação Nacional: LEI Nº 23/2013, DE 5/3
Sumário: I - No âmbito do RJPI, a que deu lugar a Lei nº 23/2013, de 5/3, os únicos recursos a serem decididos pelos tribunais de 1ª instância são o referente às decisões dos notários que indefiram o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (nº 4 do art. 16º) e o recurso do despacho determinativo da forma à partilha, a que se reporta o nº 4 do art. 57º, recursos estes que são especificamente atribuídos à competência hierárquica do tribunal de comarca.

II - As decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário que se mostrem recorríveis, quer o tenham sido pelo notário, quer o tenham sido pelo tribunal de comarca, são impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha e, portanto, num caso e noutro, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, como decorre da conjugação do disposto no nº 3 do art. 66º e da segunda parte do nº 2 do art. 76º do RJPI, a menos que dessas decisões caiba recurso de apelação - entenda-se, autónomo - nos termos do CPC, como resulta da 1ª parte do nº 2 do art. 76º CPC, caso em que esses recursos são igualmente para o Tribunal da Relação.

III - Como a grande maioria das decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário são tomadas pelos notários no âmbito da respetiva competência, que se quis geral, não haverá como excluir que o RJPI previu como que recursos “per saltum” de decisões de notários para o Tribunal da Relação, o que, apesar de tudo, não contraria o nº 1 do art. 68º CPC, onde apenas se diz que «as Relações conhecem dos recursos», não se dizendo que conhecem necessariamente dos recursos das decisões dos tribunais de 1ª instância.

IV - Não se admite, assim, que de uma decisão de um Notário seja interposta “impugnação judicial” para o tribunal da 1ª instância, não se conhecendo tal figura, com suficiente autonomia, quer no CPC, quer no RJPI.

V - Ao julgar-se competente para decidir a impugnação judicial, o Tribunal da 1ª instância violou regras de competência absoluta, designadamente competência em razão da hierarquia.

VI - A uma decisão proferida por um Tribunal que se julga competente para o efeito mas que o não é, quando a parte a quem essa decisão prejudica vem arguir tal incompetência, corresponde o vício da nulidade desse acto processual, nos termos gerais do art. 195º CPC, pelo que se deverá anular a decisão recorrida, tendo-se a mesma como inexistente.

VII - Em função do disposto no art. 193º/3 CPC, há que convolar o requerimento dito de “impugnação judicial”, em requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, e o requerimento de alegações no recurso de apelação para este Tribunal, em contra–alegações relativas àquele recurso.

VIII - No entanto, porque não cabe recurso de apelação autónoma da decisão proferida no incidente de reclamação de bens no âmbito do processo de inventário, a impugnação da decisão (do notário) a respeito da reclamação sobre a relação de bens só poderá vir a ser feita no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha, nos termos do nº 2 do art. 76º do RJPI, não se admitindo, deste modo, o recurso em que se convolou a referida impugnação judicial.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Nos presentes autos de inventário para separação de meações, em que é Requerente S..., e Requerido L..., que foram casados entre si sem convenção antenupcial, sendo cabeça de casal o Requerido, e correndo tais autos no Cartório Notarial a cargo da Dra. ..., veio neles a Requerente reclamar contra a relação de bens apresentada a 3/9/2015, aí acusando a falta de benfeitorias e de bens móveis, e bem assim o saldo da conta bancária do Banco S..., n.º ...

            O cabeça de casal pugnou pela improcedência dessa reclamação, com fundamento em que no processo de divórcio apenas foi feito constar o bem que inicialmente arrolou.  

.           Nesses autos de arrolamento - que pendem por apenso aos presentes - foi proferida decisão de decretamento a 17/4/2015, consignando-se no respectivo ponto 7: “Na conta bancária no Banco S... com o n.º ..., titulada pelo RD, foram realizados todos os movimentos a crédito e a débito relacionados com a vida do casal, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do empréstimo à habitação, e a partir da qual foram constituídos depósitos a prazo e aplicações financeiras.”

E na sequência dessa decisão foi oficiado ao S... no sentido de ser arrolada a referida conta bancária com o alcance referido.

O Banco em causa limitou-se a proceder  ao arrolamento do saldo de €23.850,65.

Tendo sido de novo notificado para esclarecer sobre o pagamento do empréstimo, os depósitos a prazo e outras aplicações financeiras que lhe estão associadas, tal entidade manteve o já informado.

            A reclamação da Requerente de 3/9/2015, acima referida, foi apreciada nos termos do despacho de 10/11/2015, tendo sido determinado, nos termos do art. 35º do RJPI, que o cabeça de casal relacionasse os bens em falta e que a Requerente juntasse o comprovativo do saldo da conta bancária do S... por referência à data de 04/09/2014 (data da instauração do processo de divórcio).

Na sequência desse despacho a Requerente respondeu que não tinha possibilidade de juntar o comprovativo do saldo da conta bancária nos termos solicitados, e pediu que fosse determinado à instituição bancária para, por referência à mencionada data, juntar comprovativo do saldo da conta, dos movimentos a crédito e a débito, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do crédito à habitação, depósitos a prazo e aplicações financeiras associadas a essa mesma conta.

 Por despacho de 01/04/2016 foi determinado que o S... juntasse comprovativo do saldo bancário reportado a 04/09/2014 e movimentações ocorridas nessa conta desde essa data.

 Foi entretanto tentada nos presentes autos a conciliação entre as partes, que não se logrou.

Por despacho de 10/05/2017 foi determinado que se oficiasse à instituição bancária para que, por referência a 04/09/2014, juntasse comprovativo do saldo da conta n.º ..., dos movimentos a crédito e a débito, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do crédito à habitação, depósitos a prazo e aplicações financeiras associadas a essa mesma conta e detidas pelos interessados dos autos.

            O cabeça de casal reagiu no mesmo dia, opondo-se à extensão do despacho de 10/05/2017, por comparação com o de 01/04/2016, e, por isso, invocou a respetiva nulidade. E recusou autorização a que a sua conta bancária fosse devassada para além do determinado nesta última data, tendo junto o extrato bancário com referência a 04/09/2014.

Por despacho de 16/10/2017 foi declarado nulo o despacho de 10/05/2017, por indevidamente mais amplo que o despacho de 01/04/2016, nada mais sendo ordenado, por se entender suficiente o extrato junto pelo cabeça de casal com a resposta de 10/05/2017.

A ora impugnante, a 09/01/2018, não tendo tido ainda lugar a audiência preparatória nos autos de inventário, dizendo-se ao abrigo do nº 5 do art 32º RJPI, apresentou reclamação contra a relação de bens, nos termos da qual acusou a falta de sub-produtos/aplicações financeiras derivados da conta bancária do Banco S... n.º...

O cabeça de casal pugnou pela improcedência desta reclamação, referindo ter sido já junto aos autos extrato da conta bancária do Banco S... n.º ... sem que do mesmo conste qualquer sub-produto/aplicação financeira, e que o agora requerido mais não é, por isso, senão uma insistência relativamente aos requerimentos da reclamante de 03/09/2015 e de 29/05/2017, tudo já apreciado nas decisões de 01/04/2016 e 26/10/2017.

A Exma Notária, por decisão de 24/10/2018, apreciou a reclamação de 09/01/2018, tendo concluído que a mesma não era processualmente admissível e, ainda que o fosse, a impugnante não justificou que tais aplicações financeiras tenham sido constituídas após o casamento e com dinheiro comum.

II - Notificada deste  despacho, veio a Requerente interpor impugnação judicial,  nela referindo que em 9/1/2018 apresentou nova reclamação, nos termos e para os efeitos do art 32º/5 da lei do inventário, contra a relação de bens, justificando a sua apresentação com o facto de apenas ter tido conhecimento da existência daqueles sonegados bens naquele momento, e que nada obsta a que o mesmo interessado deduza mais do que uma reclamação de bens, desde que a posterior não incida sobre os mesmos bens que constituíram objecto da anterior, tendo terminado tal impugnação com as seguintes conclusões:

A) O despacho que não admitiu a reclamação à relação de bens apresentado pela ora Impugnante, porque prévio à audiência preparatória, viola o preceituado no art 32º/5 do RJPI aprovado pela L 23/2013 de 5/3

B) As decisões proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário são, em regra, impugnáveis judicialmente.

C) A competência para conhecer dessa impugnação é do tribunal de 1ª instância, não apenas nas situações previstas nos arts 57º e 16º do RJPI, mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão é passível de recurso.

III -Remetidos os autos para o Juízo de Família  e Menores da Figueira da Foz – Juiz 1, o mesmo proferiu despacho saneador, enunciou os factos provados (sensivelmente os que acima se referiram no relatório) e, tendo enunciado como quatro as questões a decidir – impugnabilidade judicial de despachos notariais para além do expressamente previsto no art 16º/4 do RJPI; alcance semântico da reclamação da relação de bens, para efeitos do art 32º/5 do RJPI; efeito preclusivo da apreciação da mesma questão fáctico jurídica em fase anterior do processo; e do sigilo bancário – julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida, determinando que o Banco S... viesse a proceder à junção de:

- comprovativo do saldo da conta bancária n.º ..., titulada por L..., em 04/09/2014, bem assim dos depósitos de qualquer espécie e aplicações financeiras, a tal data, associados à mesma conta e respetivo saldo ou valor de mercado;

- comprovativo de todos os produtos financeiros/aplicações/depósitos a prazo/poupanças /investimentos existentes nessa instituição financeira titulados por L..., com referência à data de 4 de setembro de 2014, ainda que não radicados na referida conta bancária.

Referiu ainda que a Sra. Notária deverá pronunciar-se sobre a multa devida nos termos do art. 32º/5 do RJPI, e condenou em custas o cabeça de casal e a impugnante, na proporção de 2/3 e 1/3, a atender na nota final de honorários e despesas prevista no art. 23º n.º 1 c) da Portaria 278/2013, de 26.08, ex vi art. 67º n.º 3 do RJPI,  ordenando que se remetessem os autos ao Cartório Notarial a cargo da Exma Notária ..., para efeitos da continuação do processo de inventário.

            IV– Foi do assim decidido que apelou o Requerido, tendo o mesmo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, por infração a disposições adjetivas e a disposições substantivas, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgue como não admissível a reclamação da relação de bens apresentada pela recorrida ou, mesmo que assim se não entenda, que  julgue nula a decisão recorrida nos termos e com a extensão supra alegados.

            A Requerente apresentou contra alegações, não tendo nelas apresentado conclusões.

            O recurso foi admitido, tendo sido proferido despacho nos seguintes termos:

«Nos termos do art 76º/2 do RJPI as decisões judiciais interlocutórias só podem ser impugnadas no recurso de apelação da sentença judicial homologatória da partilha, salvo se, de acordo com o previsto no CPC, houver das mesmas apelação autónoma.

Subsumindo aos autos, temos que a decisão por nós proferida a 29/3/2019 teve em vista a obtenção de meios de prova processuais, pelo que, de acordo com o art 644º/2 d) do CPC, a apelação é autónoma para efeitos do regime de excepção ressalvado pelo citado art 76º/2 do RJPI.

            Admite-se, pois, o recurso interposto, que é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (arts 645º/2 e 657º/1 ambos do CPC)».

            V – A factualidade a considerar para a decisão do recurso emerge do circunstancialismo fáctico processual acima relatado.

            VI – As questões  a apreciar no recurso e que correspondem ao seu objeto estão suficientemente individualizadas na decisão recorrida e, correspondentemente, nas conclusões das alegações: em primeiro lugar, e podendo prejudicar o conhecimento das demais, a incompetência absoluta do Tribunal  de 1ª instância para decidir a impugnação judicial que a apelante lhe dirigiu; em segundo lugar, a inadmissibilidade da reclamação de bens apresentada em 09/01/2018, à luz do art 32º/5 do RJPI;  em terceiro e último lugar, a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia relativamente à amplitude das informações a obter e à dispensa de sigilo bancário.

Desde já se torna claro que se entende que em situações como a dos presentes autos o juiz da 1ª instância não tem competência para decidir, seja na tramitação do processo de inventário, seja ao nível de recurso, desde logo porque se desconhece no âmbito do processo civil, ou no especifico do RJPI, com suficiente autonomia, a figura  da “impugnação judicial”.

Não o entendeu assim a 1ª instância na decisão recorrida, em que, erigindo como primeira questão a apreciar a da “impugnabilidade judicial de despachos notariais para além do expressamente previsto no art. 16º n.º 4 do RJPI”, a decidiu do seguinte modo: 

«Como vem citado na decisão da Sra. Notária e por força do art. 14º do RJPI, o Notário tem competência para decidir todos os incidentes do inventário (cfr, também, o Ac RP 27/6/2018).

Ora, essa decisão não pode deixar de considerar-se materialmente jurisdicional, enquanto ato de aplicação do direito à factualidade subjacente (No mesmo sentido, entre outros, Jorge Nuno Lemos «As funções do Notário e Juiz», Julgar, Setembro –Dezembro de 2014, pp 125-127)

Por seu lado, nos termos do art. 76º, n.º 2 do mesmo Regime, “salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha.”

A questão que se coloca é a de saber se tais decisões interlocutórias são aquelas que o foram em sede de recurso proferidas pelo juiz de primeira instância, ou igualmente as que que decorreram da competência genérica e ampla do Notário, como decorre do art. 3º n.º 4 do RJPI.

 Ponderando, é nosso entendimento que as decisões materialmente jurisdicionais do Notário são suscetíveis de recurso para o tribunal de primeira instância material e territorialmente competente, atenta a norma do art. 3º n.º 7, em que se prevê a competência residual dos tribunais, sendo os de primeira instância como instância de recurso nos casos de remessa para os meios comuns a título expresso (art. 16º n.º 4 do RJPI) e face a todas as decisões notariais interlocutórios suscetíveis de, após serem objeto de decisão judicial, face aos critérios do valor e da sucumbência, no processo civil, virem a ser impugnadas a título recursal perante a Relação, por força do citado art. 76º, n.º 2 do RJPI.

A não se entender assim, uma de duas, ambas - salvo o devido respeito – aberrantes: - a não serem recorríveis as decisões materialmente jurisdicionais dos notários, ficava sem objeto a norma do art. 76º, n.º 2 do RJPI, na parte relativa às decisões interlocutórias, devendo então o legislador referir-se apenas às expressamente previstas no art. 16º, n.º 4 do citado Regime; - a não ser necessário pronúncia prévia, em sede de recurso para o tribunal de primeira instância das ditas decisões interlocutórias, os interessados no processo de inventário disporiam apenas de um grau de recurso, para a Relação.

Ora, a intervenção da segunda instância jurisdicional limita-se ao recurso de decisões judiciais, salvo – noutros domínios – em que conhece em primeira instância.

Termos em que se conclui que a impugnação judicial de 08.11.2018 é o meio próprio e oportuno para a reclamante ver sindicada a decisão de 26.10.2018 da Sra. Notária».

 Outro é o entendimento deste Tribunal, como se passa a explanar, para tanto  devendo  colocar-se  a  questão a apreciar  na mais geral das relações entre o notário, o tribunal de 1ª instância e o da Relação, que decorrem da  L 23/2013, de 5/3 (RJPI).

As relações em causa resultam no seu essencial das normas dos arts 3º/4 e 7, 66º, 76º, 16º e 57º dessa Lei.

  O art 3º, que tem por epígrafe “Competência do cartório notarial e do tribunal”, depois de referir no seu nº 4 que «ao notário compete dirigir todas as diligências do processo de inventário (…)», estabelece no seu nº 7 que «compete ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado praticar os actos que, nos termos da presente lei, sejam da competência do juiz».

Donde resulta, sem dificuldade de interpretação, que o notário tem a competência regra para o processo do inventário e que os actos reservados à competência do Tribunal são excepção a essa regra e são especificados no RGPI.

Um dos actos especificamente atribuídos à competência do tribunal no referente à tramitação do inventário é o que se refere à  decisão homologatória da partilha,  a que se reporta o art 66º, que estabelece no seu nº 1 que «a decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente», sabendo-se já, do atrás referido art 3º/7, que o juiz cível territorialmente competente é o do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado.

Para além deste acto especificamente atribuído à competência própria do tribunal, apenas se entreveem como também atribuídos a essa competência o da designação do cabeça de casal no caso de todas as pessoas referidas no art 2080º CC se escusarem ou forem removidas – cfr art 2083º CC [1] - e ainda a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência, a que alude o art 48º/7, ao remeter para o art 66º/1 RJPI.

Veja-se, no entanto, que o  mais relevante desses actos (da competência própria do tribunal de comarca), a já referida decisão homologatória da partilha, vê a sua importância filtrada pela circunstância do despacho determinativo da forma à partilha[2], que necessariamente o antecede, e que é, nos termos já referidos do nº 4 do art 3º,  da competência do notário, poder ser objeto autónomo de recurso, devendo sê-lo para o tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado,  (a lei utiliza aí a expressão «tribunal da 1ª instância competente») como o dispõe o  nº 4 do art 57º, sendo que se tal recurso não for interposto se terão de entender precludidas as questões especificamente referentes à forma de partilha.

 A importância de ficar decidida em definitivo a forma à partilha implica que este recurso tenha subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, como expressamente se refere no mencionado nº 4 do art 57º do RJPI..

Ao longo do inventário e antes do despacho determinativo da forma à partilha  não parece estar prevista qualquer outra intervenção do tribunal da 1ª instância, melhor, do «tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado», ao nível da tramitação do processo, à  excepção das acima mencionadas, referentes à  designação última do cabeça de casal e à decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência.

Já quando este (mesmo) tribunal é chamado a reponderar a decisão do notário que recuse a remessa que lhe tenha sido requerida por algum dos interessados para os meios judiciais comuns de questões que pela sua natureza ou complexidade da matéria de facto e/ou de direito aqueles hajam entendido que devem ser solucionadas por via judicial – mecanismo a que se reportam os nº 3 e 4 do art 16 º RJPI - tal tribunal age já como tribunal de recurso. 

Recurso esse que tem um regime de subida própria, estabelecido na 2ª parte do nº 4 do art 16º -  sendo o prazo da sua interposição o de 15 dias, subindo imediatamente e em separado, assegurando-lhe o nº 5 dessa disposição a aplicação do «regime da responsabilidade por litigância de má fé previsto no CPC», o que significa que fica assim assegurado que da decisão desse tribunal (e a lei refere-se aqui  a «tribunal competente») caberá sempre recurso em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, marcando assim claramente a necessidade de preservar o principio da reserva do Juiz.

Vê-se assim que são muito pontuais e específicas as intervenções do «tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado», seja como decisor no plano da tramitação do processo de inventário, seja como tribunal de recurso das decisões provindas do notário.  

O que bem se compreende, por ter sido objetivo da L 23/2013, de 5/3 - aqui á semelhança do que já se pretendera com a sua antecessora L 29/2009, de 29/6, depois alterada pela L 44/2010, de 3/9, e  cujas disposições legais não chegaram a entrar em vigor - a desjudicialização tanto quanto possível  do processo de inventário, quer dizer, torna-lo, na medida do constitucionalmente possível, campo de intervenção apenas do notário. A ideia era a de libertar os assoberbados tribunais de 1ª instância do processamento dos processos de inventário [3]. Sendo que tal ideia só se poderia ter como coerentemente atingível se simultaneamente se previsse um regime em função do qual não viessem afinal a reverter inteiramente sobre tais tribunais os recursos das decisões dos notários na pendência do inventário.

E, por isso, e ao que tudo faz crer, os únicos recursos a serem decididos por estes tribunais de 1ª instância são os já referidos referentes às decisões dos notários que indefiram o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (nº 4 do art 16º) - estes como se viu, com subida imediata e em separado e com possibilidade de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência para o Tribunal da Relação – e  o acima referido recurso do despacho determinativo da forma à partilha, a que se reporta o nº 4 do art 57º -  que, como igualmente se viu, tem subida imediata,  nos próprios autos e com efeito suspensivo - recursos estes que são especificamente atribuídos à competência hierárquica do tribunal de comarca (referindo-se ali «recurso para o tribunal competente» e aqui, «tribunal da 1ª instância competente»).

Já as decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário que se mostrem recorríveis, quer o tenham sido pelo notário, quer o tenham sido pelo tribunal de comarca, são impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão  homologatória da partilha e, portanto, num caso e noutro, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, com efeito meramente devolutivo, como decorre da conjugação do  disposto no nº 3 do art. 66º e da segunda parte do nº 2 do art. 76º do R1JPI, a menos que dessas decisões (sejam dos notários, sejam dos tribunais de comarca) caiba recurso de apelação (entenda-se, autónomo) nos termos do CPC, como resulta da 1ª parte do nº 2 do art. 76º CPC.

Como a grande maioria das decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário são tomadas pelos notários no âmbito da respetiva competência que, como já se assinalou, se quis geral, não haverá como excluir que o RJPI previu como que recursos “per saltum” de decisões de notários para o Tribunal da Relação.

 Veja-se a este propósito que na 1ª parte do nº 1 do art 68º CPC apenas se diz que «as Relações conhecem dos recursos», não se dizendo que conhecem, necessariamente, dos recursos das decisões dos tribunais de 1ª instância.

É a este resultado - que se admite que é estranho, mas não se vê como não seja o pretendido pelo legislador  – que a jurisprudência que se crê maioritária dos Tribunais da Relação tem querido obstar [4], considerando incompetentes, em razão da hierarquia, os tribunais da Relação, atento o disposto no art 67º do CPC, para conhecerem das decisões interlocutórias dos notários, só podendo apreciar as interlocutórias dos tribunais da 1ª instância.
Esta ideia, que aparece veiculada num artigo de Eduardo Sousa Paiva  («O Novo Processo de Inventário – Traves mestras da Reforma, Tutela Jurisdicional, algumas questões»), tem por base o entendimento da existência de uma lacuna no RJPI, no referente à competência do  tribunal da 1ª instância, cuja colmatação imporia que se aplicasse a todas as decisões interlocutórias do notário o disposto no art 16º/4 do RJPI, dizendo a este respeito, o seguinte: «Face à importância das decisões notariais supra referidas e à imposição constitucional de salvaguarda dos direitos das partes à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo e justo, importa integrar as apontadas lacunas, aplicando analogicamente norma do RJPI que preveja e regulamente a impugnação judicial de decisão notarial. Vale por dizer que, teremos de encontrar norma em que a razão de decidir seja a mesma das situações omissas e constitua afloramento dos aludidos princípios gerais do direito das partes à tutela jurisdicional e a um processo equitativo e justo. Tal norma só pode ser a constante do art. 16.º, n.º 4, do RJPI, que confere aos interessados a faculdade de impugnarem judicialmente a decisão notarial de indeferimento da remessa das partes para os meios judiciais comuns. Outra solução seria a aplicação analógica do art. 57.º do RJPI, que prevê a impugnação do despacho determinativo da forma da partilha. Apesar de no início da vigência do RJPI termos defendido esta última solução, atualmente pugnamos pela aplicação analógica do art. 16.º, n.º 4, do RJPI, por a sua razão de ser se nos afigurar mais ajustada às especificidades e necessidades de tutela dos casos omissos. É que, enquanto no uso da faculdade conferida pelo citado artigo 16.º, n.º 4, se impugna uma decisão processual (de recusa de remessa das partes para os meios judiciais comuns), como ocorre com as decisões supra elencadas (de indeferimento do requerimento inicial, de arquivamento do processo por falta de elementos essenciais ao seu prosseguimento, de procedência de exceção dilatória a pôr termo ao processo e de declaração de incompetência do notário), no recurso ao citado art. 57.º põe-se em crise uma decisão de mérito (relativa ao modo como deve ser efetuada a partilha e que implica a aplicação a sua resolução à luz do direito substantivo). O próprio legislador não terá sido indiferente a tal diferença, ao conferir prazo mais alargado para impugnação do despacho determinativo da forma da partilha (de 30 dias), em comparação com o prazo (de 15 dias) concedido para a interposição do recurso da decisão de indeferimento da remessa das partes para os meios judiciais comuns».
E a ideia da utilização de uma “impugnação judicial” – tal como a que foi utilizada pela aqui apelada – surge mencionada por Augusto Lopes Cardoso, in «Partilhas Judiciais»,  6ª ed , 2015, p 83/84, quando refere : «… a despeito da natureza jurídica dos actos decisórios do Notário – deve ser aqui aplicado o regime subsidiário dos recursos civis (ex vi do art 82º do RJPI) vale dizer que a discordância da decisão notarial interlocutória deve manifestar-se através dum requerimento de impugnação para o Juiz dirigido ao Notário (CPC art 637º/1)», vendo-se essa ideia especialmente apoiada pelo  Ac R P 27/6/2018 [5].
Como acima já se referiu, não se acolhe esse entendimento, por não se encontrar no RJPI base para o mesmo, e tão pouco se entender existir a lacuna a que se reporta o acima referido autor, desde logo em função do disposto no nº 7 do art. 3º, de que se entende defluir, em função da expressão «nos termos da presente lei», que «o tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado» apenas terá competência – para tramitar o inventário ou para conhecer do recurso das decisões do Notário - nas concretas situações nela previstas. 
Concordando-se com o  Ac R L 6/12/2018 [6] quando refere que «da norma do art 76º/2 do RJPI não decorre que ela se esteja a referir apenas a decisões interlocutórias dos juízes, que como já se disse, são a excepção e não a regra. E não faria sentido que a norma se estivesse a referir a decisões interlocutórias (dos juízes) que por regra não existem e não houvesse depois nenhuma norma do RJPI que se referisse às decisões interlocutórias  dos actuais titulares dos processos de inventário (que são os notários)».
Como nesse acórdão também se assinala, «é também isto   que resulta claramente de o actual RJPI ser apenas, no essencial, uma adaptação do antigo regime do processo de inventário ao facto de a tramitação deste ser hoje da titularidade dos notários. Pois que as normas do art 76º/2 são iguais às do art 1396º/2 do CPC na redacção que lhe foi dada  pela reforma dos recursos de 2007. Neste, as decisões interlocutórias eram do juiz e eram impugnadas no recurso para o tribunal da relação que viesse a ser interposto da sentença de partilha. Mudou-se apenas o autor das decisões interlocutórias, que deixaram de ser, por norma, os juízos para passarem a ser os notários» .[7]
Em função do entendimento que se expôs o intérprete só terá que ter o cuidado de verificar, afinal, quais as decisões interlocutórias proferidas no inventário, susceptíveis de gerarem apelações autónomas nos termos do art. 644º do CPC.
Tem-se entendido que não estão nessa situação as decisões sobre a reclamação da relação de bens, por não se tratarem de decisões proferidas em «incidente processado autonomamente», nos termos da 2ª parte da al. a) do nº 1 do art. 644º CPC, como melhor se verá adiante.
Porém, na concreta situação dos autos, o recurso agora em apreciação foi bem admitido como apelação autónoma, por estar em causa decisão de admissão de meio de prova, valendo-se do disposto na al. d) do nº 2 desse art. 644º.
Do que se considerou, logo se vê que se concorda com o apelante quando refere na conclusão 4ª, que “ao julgar-se competente para decidir a impugnação judicial, a Meritíssima Juiz a quo violou regras de competência absoluta, designadamente competência em razão da hierarquia, infringindo assim o disposto nos artºs 68º, nº 1 e 644º, nº 1, ambos do CPC, bem como o artº 76º do RJPI”.

A uma decisão proferida por um Tribunal que se julga competente para o efeito, mas que o não é, quando a parte a quem essa decisão prejudica vem arguir tal incompetência corresponderá, crê-se, o vício da nulidade desse acto processual, nos termos gerais do art 195º CPC, na medida em que foi praticado um acto que a lei não admite, sendo manifesto que tal irregularidade se mostra influente na decisão da causa.

 Há, pois, que anular a decisão recorrida, o que implica que se tenha a mesma como inexistente.

Entende-se, no entanto, que nem por isso se deverá deixar de conhecer da matéria implicada no requerimento dito da “impugnação judicial”, no pressuposto de que, tendo nele a “impugnante” errado no meio processual utilizado – deveria ter utilizado um recurso para este Tribunal da Relação, nos termos acima expostos, e não aquele meio para o tribunal de comarca  - sempre caberá a este Tribunal, nos termos genéricos do nº 3 do art. 193º CPC, corrigir oficiosamente esse erro, e fazer com que se sigam os termos processuais adequados. Situação em que se convola o requerimento dito de “impugnação judicial”, em requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, e o requerimento de alegações no recurso de apelação para este Tribunal, em contra–alegações relativas àquele recurso.

Sucede que dentro da lógica acima exposta se deverá entender que a impugnação da decisão (do notário) a respeito da reclamação sobre a relação de bens, porque tal decisão não incide sobre incidente processado autonomamente nos termos da 2ª parte da al. a) do nº 1 do art. 644º CPC, só pode vir a ser feita no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha, nos termos do nº 2 do art. 76º, e nº 3 do art. 66º do RJPI .

O que significa que, ainda que operada a referida convolação, não pode este Tribunal  conhecer do recurso assim convolado.

O entendimento que se expressou relativamente à circunstância de não caber recurso de apelação autónoma da decisão proferida no incidente de reclamação de bens no âmbito do processo de inventário, por não caber na previsão da 2ª parte da al. a) do nº 1 do art. 644º CPC, era já o entendimento da jurisprudência no regime jurídico do inventário no CPC depois da reforma do DL 303/2007, e não se vê motivo  para no âmbito do RJPI se divergir desse entendimento.[8] 

Assim se pronuncia Abrantes Geraldes, referindo que «a apelação autónoma apenas abarca os incidentes processados autonomamente», e, com maior clareza, Armindo Ribeiro Mendes, referindo que, «Aparentemente o legislador pretendeu limitar a apelação aos incidentes com autonomia em relação à causa principal em regra por apenso»[9].

Se o  recurso interposto da decisão do incidente de reclamação da relação de bens  não pode ser enquadrada na al. a) do nº 1 do art. 644º CPC [10], também não pode, ao contrário do que o defende o Requerido,  enquadrar-se  na al. h) do nº 2 dessa disposição,  já que,  para os efeitos  previstos nessa alínea, «o recurso só será inútil se em nada aproveitar ao recorrente, o que ocorrerá apenas quando, revogada embora a decisão impugnada, a situação se mantenha alterada por os efeitos desta se terem tornado irreversíveis por via da demora na apreciação do recurso»[11].

Por assim ser, entende-se não ser possível conhecer do recurso (a que se convolou o requerimento da Reclamante dito de impugnação judicial).

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em:

-  julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo Reclamado, julgar nula a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª instância sobre a “impugnação judicial” da decisão proferida pela Exma Notária;

- convolar essa “impugnação judicial”, em requerimento de interposição de recurso de apelação para este Tribunal;

- não admitir esse recurso, porque, não cabendo recurso de apelação autónoma da decisão proferida no incidente de reclamação de bens no âmbito do processo de inventário, a impugnação da decisão (do notário) a respeito da reclamação sobre a relação de bens só poderá vir a ser feita no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha, nos termos do nº 2 do art 76º do RJPI .

Custas a cargo da Reclamante, a atender na nota final de honorários e despesas prevista no art 23º/1 al. c) da Portaria 278/2013, de 26/8, ex vi do art 67º/3 do RJPI.

Coimbra, 15 de Junho  de 2020

(Maria Teresa Albuquerque)

(Manuel Capelo)

(Falcão de Magalhães)

I - No âmbito do RJPI, a que deu lugar a Lei nº 23/2013, de 5/3, os únicos recursos a serem decididos pelos tribunais de 1ª instância são o referente às decisões dos notários que indefiram o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (nº 4 do art. 16º) e o recurso do despacho determinativo da forma à partilha, a que se reporta o nº 4 do art. 57º, recursos estes que são especificamente atribuídos à competência hierárquica do tribunal de comarca.

II - As decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário que se mostrem recorríveis, quer o tenham sido pelo notário, quer o tenham sido pelo tribunal de comarca, são impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão  homologatória da partilha e, portanto, num caso e noutro, para o Tribunal da Relação territorialmente competente,  como decorre da conjugação do  disposto no nº 3 do art. 66º e da segunda parte do nº 2 do art. 76º do RJPI, a menos que dessas decisões caiba recurso de apelação - entenda-se, autónomo - nos termos do CPC, como resulta da 1ª parte do nº 2 do art. 76º CPC, caso em que esses recursos são igualmente para o Tribunal da Relação.

III - Como a grande maioria das decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário são tomadas pelos notários no âmbito da respectiva competência, que se quis geral, não haverá como excluir que o RJPI previu como que recursos “per saltum” de decisões de notários para o Tribunal da Relação, o que, apesar de tudo, não contraria o nº 1 do art. 68º CPC, onde apenas se diz que «as Relações conhecem dos recursos», não se dizendo que conhecem necessariamente dos recursos das decisões dos tribunais de 1ª instância.

IV - Não se admite, assim, que de uma decisão de um Notário seja interposta “impugnação judicial” para o tribunal da 1ª instância, não se conhecendo tal figura, com suficiente autonomia, quer no CPC, quer no RJPI.

V - Ao julgar-se competente para decidir a impugnação judicial, o Tribunal da 1ª instancia violou regras de competência absoluta, designadamente competência em razão da hierarquia.

VI - A uma decisão proferida por um Tribunal que se julga competente para o efeito mas que o não é, quando a parte a quem essa decisão prejudica vem arguir tal incompetência, corresponde o vício da nulidade desse acto processual, nos termos gerais do art. 195º CPC, pelo que se deverá anular a decisão recorrida, tendo-se a mesma como inexistente.

VII - Em função do disposto no art. 193º/3 CPC, há que convolar o requerimento dito de “impugnação judicial”, em requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, e o requerimento de alegações no recurso de apelação para este Tribunal, em contra –alegações relativas àquele recurso.

VIII - No entanto, porque não cabe recurso de apelação autónoma da decisão proferida no incidente de reclamação de bens no âmbito do processo de inventário, a impugnação da decisão (do notário) a respeito da reclamação sobre a relação de bens só poderá vir a ser feita no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha, nos termos do nº 2 do art. 76º do RJPI, não se admitindo, deste modo, o recurso em que se convolou a referida impugnação judicial.


***


[1] - Neste sentido, «Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado», Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia, Sérgio Cantanheira, 3ª ed , p 32 e p 115  
[2]- Neste sentido, Filipe Cesar Vilarinho Marques, «A homologação da partilha», Revista Julgar nº 24 p 151 e ss

[3] Sabe-se dos debates preparatórios da L 23/ 2013 – Diário da A R , I, nº 31 , de 15/12/2012, p 9 -   que se quis cria com ela «um sistema mitigado, ou seja um sistema partilhado, um sistema claro, onde a competência para o processamento dos actos e termos do processo de inventario passa a pertencer aos cartórios notariais. Todavia, sem prejuízo da intervenção necessária dos juízes, nomeadamente em matéria de homologação, e sem prejuízo também de que, sempre que se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventario, o processo é remetido para o juiz do tribunal do cartório notarial onde foi apresentado».

[4] - Neste sentido, e entre outras, Ac R E 5/4/2016, (Canelas Brás), Ac R C 9/1/2017, 9/5/2017 (Arlindo Oliveira), 20/6/2017, 8/10/2019 (Vitor Amaral), Ac R P 26/4/2018 (Inês Moura), 27/6/2018 (Aristides de Almeida), Ac R L 25/9/2018.
               [5] - De que é relator, Aristides Rodrigues de Almeida
[6] - De que é relator, Pedro Martins.
Note-se que não se partilha por inteiro o entendimento desse acórdão, pois que, onde o mesmo entende que nas situações em que há lugar a apelação autónoma, nos termos do art 644º CPC, o recurso é para os tribunais de comarca, nós entendemos sê-lo para os tribunais da Relação, Só assim, julga-se, se consegue ter um regime unitário de recursos. De facto lê-se nesse acórdão: « … como o art 76º/2 do RJPI se está a referir a todas as decisões interlocutórias que caibam no art 644º/2 do CPC  (…), são logo (autonomamente/imediatamente) recorríveis, não aguardam o recurso da decisão final do inventario e, como não sobem com este para a relação, têm o destinatário e o regime regra daqueles recursos de apelação das decisões do notários, ou seja, seguem de imediato para o tribunal de comarca».

[7] - O  artigo 1396.º estatuía relativamente ao regime dos recursos, no regime emergente do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto: “1. Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha.2. Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.



[8] -Vejam-se as referências doutrinais e jurisprudenciais constantes a este propósito no acima referido Ac R L 6/12/2018 (Pedro Martins)  
[9]- «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2013, p 168
[10] - Cfr Ac R E 15/12/2016 (Albertina Pedroso), Ac R C 15/9/2015 (Mª Domingas Simões)
[11] - Ac R C 15/9/2015