Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2617/03.2TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO INEXACTA
ANULABILIDADE
CONTRATO DE SEGURO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GR. INST. CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 426º, 427º, 429º E 455º DO CÓDIGO COMERCIAL.
Sumário: I – Nos termos dos artºs 426º e 427º do Código Comercial, o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito, num instrumento que constituirá a apólice de seguro…, cujo contrato se regulará pelas estipulações dessa apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do C. Comercial.

II - Resulta do artº 426º, § único, nº 8, do Código Comercial, legislação que vigorava à data (tais disposições sobre seguros foram revogadas pelo D. L. nº 72/2008, de 16/04, mas apenas com entrada em vigor em 1/01/2009), que “a apólice de seguro deve ser datada, assinada pelo segurador e enunciar, além do mais, e em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes”.

III - De entre as modalidades de seguros admitidas conta-se o chamado “seguro de vidas”, conforme artºs 455º a 462º do C. Comercial.

IV - No artº 429º do Código Comercial dispõe-se que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”, disposição que alguma doutrina e a uniformidade da jurisprudência têm interpretado como reportando-se ao vício da anulabilidade do contrato, não há sua nulidade, solução que já foi adoptada no vigente Regime Jurídico do Contrato de Seguro, supra citado, conforme seu artº 25º, nº 1, para os casos de verificação de omissões ou inexactidões dolosas.

V - A sanção da invalidade (por nulidade ou anulabilidade) do contrato de seguro prevista no artº 429º do C. Comercial reporta-se à previsão de um caso de erro como vício de vontade – declarações falsas ou omissões relevantes -, incidindo sobre a própria formação do contrato, na medida em que impedem a formação da vontade real da seguradora, uma vez que tal formação se baseia em factos ou circunstâncias ignorados (que lhe foram omitidos ou escondidos), por não terem sido devidamente indicados pelo segurado, pelo que se entende que não é necessário que as declarações ou omissões tenham efectivamente influído na celebração do contrato de seguro ou relativamente às condições contratuais acordadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato por parte da seguradora.

VI - Donde também se dever entender que não existe nem se torna necessário que exista um nexo de causalidade entre a doença/hospitalização omitida e a razão da morte do segurado para que possa ter-se como verificada a invalidade do contrato de seguro, em caso de falsas ou incompletas declarações/informações prestadas pelo segurado ao contratar o seguro de vida.

VII - Para o efeito apenas se torna necessário que o segurado soubesse que sofria de alguma doença/esteve hospitalizado, o que seria susceptível de influenciar a seguradora quanto à aceitação do seguro, à data da outorga do contrato de seguro.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, A…, residente na Rua …, Aveiro, instaurou contra “C… Seguros de Vida, S.A.”, sociedade com sede em… , a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Banco …, S.A. (Banco credor/beneficiário) o capital previsto na apólice referenciada nos autos, de € 72.325,70; a indemnizar a A. pelo prejuízo causado com a mora nesse pagamento, suportando a Ré o pagamento das quantias exigidas pelo dito Banco/credor à Autora pela mora no cumprimento do contrato em causa nos autos, no total de € 24.312,97 liquidado até 02/04/2002, bem como no pagamento dos juros de mora vincendos desde essa data até integral e efectivo pagamento; a pagar à A. as custas que vierem a ser liquidadas a seu cargo na execução que o referido Banco moveu à Autora; e, bem assim, no pagamento à A. de € 25.000,00 por danos morais causados.

            Para tanto e muito em resumo, alegou que foi casada com R…, tendo ambos adquirido, em 12/11/1998, uma casa para habitação, sita …, fracção essa inscrita na respectiva matriz sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº … da dita freguesia.

            Que tal aquisição foi efectuada com recurso a crédito bancário, garantido por hipoteca da dita fracção, em cuja escritura pública/documento complementar ficou a constar que os mutuários ficavam obrigados a contratar um seguro de vida, cujas condições, constantes da respectiva apólice, seriam as indicadas pelo Banco, na sua qualidade de credor hipotecário.

            Que no cumprimento desse acordo a A. e seu marido celebraram com a Ré um contrato de seguro de vida, cobrindo, além da morte, a invalidez, pelo valor do capital mutuado, que foi de € 72.325,70.

            Que esse contrato foi titulado pela apólice nº …, nela figurando como beneficiário o Banco credor.

            Que em 24/04/1999 faleceu o marido da A., o que foi, de imediato, comunicado ao dito Banco e à aqui Ré, a fim de tomarem as medidas necessárias para o pagamento do capital seguro e consequente extinção do mútuo bancário existente.

            Que a Ré, no entanto, se recusou a pagar tal capital, apesar de a A. e o seu falecido marido terem procedido com toda a correcção na contratação do dito seguro de vida e haverem sempre pago os prémios devidos.

            Que a Ré está obrigada a cumprir esse contrato de seguro de vida, como se pede na presente acção, além das demais quantias também pedidas, pelo incumprimento a que deu origem.

            A A., em simultâneo com a petição, pediu a intervenção principal na acção do B..., entidade credora do mútuo bancário referido.


II

            Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que aquando da celebração do referido contrato de seguro “vida”, o marido da Autora preencheu e assinou uma proposta de seguro, na qual não respondeu com exactidão às questões de saúde que lhe eram aí colocadas, designadamente porque omitiu ter sofrido de uma trombose venosa dos membros inferiores e ter tido um internamento hospitalar entre 9/10/1998 e 16/10/1998 para tratamento dessa dita enfermidade.

            Que o conhecimento desses factos era essencial à Ré para a celebração do dito contrato de seguro, o que conduz à nulidade do dito contrato, razão pela qual não lhe cabe proceder ao pagamento do capital mutuado à A., como é pedido na acção.

            Que nos termos dos artºs 429º e 437º, nº 2, ambos do Código Comercial, o contrato de seguro fica sem efeito se o sinistro resultar de vício próprio conhecido do segurado e por ele não denunciado ao segurador.

            Que tendo o marido da Autora conhecimento da doença de que sofria antes da celebração do contrato de seguro e tendo omitido esse facto à Ré, o contrato de seguro não produz qualquer efeito, pelo que não é a Ré responsável pelo pagamento de qualquer quantia à Autora, com fundamento no contrato de seguro de vida em causa.

            Que o pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de danos morais não tem qualquer justificação e que o contrato de seguro tem como limite de capital o valor de € 72.325,70, do qual é beneficiário o Banco …, pelo que, no caso de a Ré vir a ser condenada, nunca poderá ser em quantia superior ao valor do capital seguro.

            Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.


III


            Respondeu a A., mantendo tudo quanto alegou na petição e alegando que a proposta de seguro em questão não foi sequer preenchida nem elaborada pela A. e seu falecido marido, que se limitaram a assinar tal documento em branco, conforme lhes foi indicado por quem da Ré os atendeu, na ocasião, para o efeito.

            Que nem sequer leram essas ditas propostas nem lhes foi feito qualquer questionário.

            Que o marido da Ré nunca sequer soube que sofria ou que esteve a ser tratado a uma “trombose venosa dos membros inferiores”, mas apenas lhe foi dito, na ocasião, que tinha uma bronquite.

            Que a doença que vitimou o marido da Autora apenas foi diagnosticada muito próximo da data do seu óbito, já depois da outorga do contrato de seguro em causa.

            Terminou mantendo os seus pedidos.


IV

            O Banco apresentou articulado próprio, alegando, muito em resumo, que a A. deixou de efectuar os pagamentos relativos ao mútuo existente, de que é credor relativamente à Autora, pelo que lhe moveu uma acção executiva, ainda pendente.

            Terminou pedindo que caso seja julgado válido o contrato de seguro de vida em causa, que a Ré Seguradora seja condenada no pedido de entrega do capital previsto na apólice de seguro e a seu favor.


V

            A Ré respondeu ao interveniente, nos mesmos moldes em que o fez relativamente à Autora.


VI

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como processualmente regular a tramitação seguida, sem nulidades nem excepções dilatórias, tendo-se então procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

            Seguiu-se a instrução, com a realização de uma perícia (requerida pela Autora), conforme relatório de fls. 472 a 481.

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

            Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com a condenação da Ré Seguradora a pagar ao interveniente – Banco … – a quantia de € 71.920,15, acrescida de juros de mora… desde 12/05/1999 até integral pagamento, de imposto de selo e de despesas extrajudiciais no montante de € 2.893,03; e a pagar à A. uma indemnização de € 5.000,00, por danos não patrimoniais causados.


VII

            Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo, efeito este que foi posteriormente confirmado nesta Relação.

            Nas alegações que apresentou a Apelante formulou, de forma que se sintetiza, as seguintes conclusões:

(…)


VIII

            Contra-alegou a Autora/Recorrida, onde defende a improcedência do dito recurso e a confirmação da sentença recorrida.


IX

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.

            Esse objecto passa pela reapreciação da conduta da A. e de seu falecido marido ao contratarem o seguro do ramo “vida” em causa nos autos, designadamente para se apurar se violaram ou não o dever de boa fé negocial para com a seguradora, com vista a poder-se determinar se tal contrato sofre ou não de algum vício que o torna inválido.

            Mais importa apurar, caso se conclua pela validade do dito contrato, qual o montante ou montantes pelos quais deve responder a Ré Seguradora.

            Tendo em conta que a decisão de 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, constante da base instrutória, não foi objecto de qualquer forma de impugnação e que não se alcançam razões para a sua alteração oficiosa, importa que aqui se reproduza essa matéria, a qual é constituída pelos seguintes pontos, tal como constam da sentença recorrida:  

1. A Autora casou com R…, em 15 de Junho de 1984, no Município de San Félix, no Estado Bolívar, Venezuela, tendo sido o mesmo dissolvido por morte deste, conforme documento junto a fls. 171, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (A).

2. R… faleceu em 24 de Abril de 1999, conforme resulta fotocópia autenticada da certidão de assento de óbito junta a fls. 155, cujo teor se dá aqui por reproduzido (B).

3. Do certificado de óbito de fls. 190 a 191, cujo teor se dá aqui por reproduzido, consta que a causa da morte foi uma «neoplasia pulmonar», com um intervalo aproximado entre o começo de doença e a morte de «vários meses» (C).

4. No Primeiro Cartório Notarial de Aveiro encontra-se exarada a escritura de fls. 61 a 62 v.° do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 97-F, datada de 12.11.1998, mediante a qual J… e G… declararam vender a R…, que declarou aceitar, pelo preço de 11.700.000$00, a «Fracção autónoma designada pelas letras “AS…”, conforme documento de fls. 118 a 122, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (D).

5. Na escritura pública supra referida, R… e a Autora ainda declararam: «Que se confessam devedores ao representado do terceiro (Banco …, S.A.), da importância de catorze milhões e quinhentos mil escudos, que do mesmo Banco receberam a título de empréstimo (que vai ser aplicada quanto ao montante de dez milhões e quinhentos mil escudos na precedente compra e quanto ao montante de quatro milhões de escudos em obras de beneficiação do imóvel ora adquirido …)», e que «para garantia do pagamento/liquidação da quantia mutuada (…), constituem a favor daquele Banco hipoteca sobre o imóvel ora adquirido» (E).

6. Em tal escritura pública encontra-se também declarado que «o empréstimo e a hipoteca se regulam pelo Decreto-Lei 328-B/86 de 30 de Setembro (Regime Bonificado) e demais disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar, de que tem perfeito conhecimento e inteiramente aceita (…)» (F).

7. No referido documento complementar, intitulado «Documento complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado», faz-se constar na sua cláusula oitava o seguinte: «O Mutuário R… obriga-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, bem como se obriga a manter seguro o imóvel hipotecado contra os riscos e pelo valor que o Banco indique. As apólices e actas adicionais dos seguros ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário (…)», conforme documento de fls. 123 a 130, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (G).

8. A fracção autónoma melhor identificada em 3 supra encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n.° … AS, conforme documento de fls. 151, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (H).

9. A referida fracção autónoma encontra-se inscrita, provisoriamente, a favor de R…, pela Ap. 23/310898 AS, conforme documento de fls. 153, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (I).

10. A Autora e o seu marido celebraram com a Ré um «contrato de seguro de vida» (cobrindo, para além da morte, a invalidez), com o limite de capital de                  € 72.325,70, com início em 26.10.1998, conforme documento de fls. 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (J).

11. Tal contrato foi titulado pela Apólice n.° …, nele figurando como beneficiário o Banco …, S.A. (K).

12. O falecimento referido em 2 supra foi de imediato comunicado ao Banco credor e à ora Ré, a fim de que tomassem as necessárias providências para pagamento do capital seguro e extinção do mútuo (L).

13. Por carta de 21 de Novembro de 2000, a Ré comunicou à Autora que «ao procedermos a uma análise de todo o processo, concluímos que houve informações clínicas essenciais que foram omitidas pelo nosso cliente aquando da subscrição da apólice de vida e cujo conhecimento determinaria a não aceitação do contrato de seguro» e que «pelo exposto e de acordo com o consignado no artigo 4° das condições gerais da apólice, de que juntamos fotocópia, lamentamos informar que não poderemos proceder ao pagamento do capital da apólice de vida em epígrafe, pelo que iremos transmitir a nossa posição à respectiva entidade bancária», conforme documento de fls. 13 a 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido (M).

14. Correm termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Aveiro uns autos de Execução Ordinária, com o n.º …, em que é exequente o Banco chamado e executados a Autora e o seu marido, tendo dado entrada em 27.01.2003, conforme certidão de fls. 112, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (N).

15. Em tal Execução Ordinária o exequente peticiona o pagamento do capital em dívida, que considera imediatamente vencido em consequência da mora, que ali liquida em € 71.920,15, acrescido de juros de mora, à taxa de 5,936%, e de 4%, desde 12 de Maio de 1999 (data do início da mora) que liquida (até 02 de Abril de 2002) em € 20.596,10 (O).

16. Também peticiona € 823,84 de imposto de selo, com mais o acréscimo de despesas extrajudiciais para recebimento do crédito, que liquida em € 2.893,03 (P).

17. O Banco peticiona ainda o pagamento dos juros de mora vincendos a partir da referida data de 2 de Abril de 2002 até integral e efectivo pagamento, à referida taxa de juro de 5,936%, acrescida de 4%, tudo conforme decorre do documento junto a fls. 113 a 117, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (Q).

18. O marido da Ré esteve de baixa médica e esteve internado no Hospital da Universidade de Coimbra (R).

19. Foi no cumprimento da cláusula oitava referida em 7 supra que a Autora e o seu marido celebraram o «contrato» referido em 10 supra (1º).

20. O salário do marido da Autora era a única fonte de rendimentos do casal (2º).

21. Estando a Autora, nesse momento, desempregada (3º).

22. Não beneficiando de pensão social de viuvez (4º).

23. Tendo ficado numa situação de total carência económica (5º).

24. Pelo que deixou de efectuar os pagamentos previstos no contrato de mútuo referido em 5 supra (6º).

25. Tem a Autora vivido em permanente terror com a possibilidade de ficar sem habitação (7º).

26. Agravado quando foi citada para o processo de execução referido em 14 supra (8º).

27. Aquando da celebração do “contrato de seguro” referido em 10 supra, o marido da autora assinou uma proposta de seguro (9º).

28. Da qual constavam, entre outras, as seguintes questões: «Sofre ou sofreu de alguma doença?», «Durante o último ano teve algum período de baixa?» e «Já esteve internado ou sofreu intervenção cirúrgica?» (10º).

29. A todas estas questões o empregado da ré que atendeu a autora, seguindo informações prestadas por esta, respondeu negativamente (11º).

30. A resposta àquelas questões era essencial para a Ré averiguar do estado de saúde do proponente (12º).

31. Bem como para apreciação de quais os exames médicos a que o mesmo tinha que se apresentar (13º).

32. A aceitação do contrato de seguro, e bem assim a fixação do valor do prémio cobrado pela seguradora, estão dependentes das respostas dadas pelo proponente (14º).

33. Em virtude do referido em 29 supra, a seguradora não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, gerais ou especiais (15º e 16º).

34. Como faria se a resposta a tais questões fosse positiva (17º).

35. O marido da autora, antes da celebração do «contrato de seguro» referido em 10 supra, sofreu uma trombose venosa dos membros inferiores (18º).

36. O que levou a período de baixa referido em 18 supra (19º).

37. Que decorreu entre 09.10.98 e 16.10.98 (20º).

38. E ao internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra referido em 18 supra (21º).

39. No Serviço de Medicina 1 (22º).

40. Para tratamento da citada trombose (23º).

41. Factos de que a Ré tomou, conhecimento após a morte daquele (24º).

42. O conhecimento deste quadro clínico do falecido R… era essencial à Ré para a celebração do «contrato de seguro» (25º).

43. A autora deslocou-se ao escritório da ré, em Aveiro (28º).

44. O empregado da delegação de Aveiro da ré que atendeu a autora fez o preenchimento dos dados pessoais constantes do formulário da proposta de seguro referente ao marido daquela, R…, ela levou-o para casa, o marido assinou-o e, quando ela regressou à dita delegação o mencionado empregado preencheu os dados médicos de acordo com as informações prestadas pela autora (34°, 35°, 36°, 37° e 38°).

45. Só depois da celebração do «contrato de seguro» com a Ré e da outorga da escritura de mútuo com hipoteca da casa é que foi diagnosticada a doença que levaria à morte do marido da Autora (50º).


***


            Reproduzidos os factos a ter presentes na nossa apreciação, dos mesmos resulta, desde logo, que nessa apreciação se deverá ter presente que o Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04, que reformou o chamado “Regime Jurídico do Contrato de Seguro”, revogando os artºs 425º a 462º do Código Comercial, não tem aplicação ao presente caso, uma vez que, nos termos dos artºs 2º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 4º e 7º desse dito diploma, que entrou em vigor em 1/01/2009, as normas do citado regime não se aplicam ao presente caso, uma vez que o início da vigência do contrato de seguro em causa ocorreu em 26/10/1998 e que o óbito do segurado R… teve lugar em 24/04/1999 (ver pontos 2 e 10 supra: 2 – R… faleceu em 24 de Abril de 1999, conforme resulta fotocópia autenticada da certidão de assento de óbito junta a fls. 155, cujo teor se dá aqui por reproduzido; 10 - A Autora e o seu marido celebraram com a Ré um «contrato de seguro de vida», cobrindo, para além da morte, a invalidez, com o limite de capital de € 72.325,70, com início em 26.10.1998, conforme documento de fls. 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

            Isto sem prejuízo de se poder fazer alguma referência a tal regime jurídico para melhor compreensão do assunto a tratar, se e quando tal se justificar.

            Assim, nos termos dos artºs 426º e 427º do citado Código Comercial, o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito, num instrumento que constituirá a apólice de seguro…, cujo contrato se regulará pelas estipulações dessa apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do C. Comercial.

            De entre as modalidades de seguros admitidas conta-se o chamado “seguro de vidas”, conforme artºs 455º a 462º do C. Comercial, que é o caso que temos em mãos – ver supra pontos 10 e 11 (10. A Autora e o seu marido celebraram com a Ré um «contrato de seguro de vida» (cobrindo, para além da morte, a invalidez), com o limite de capital de € 72.325,70, com início em 26.10.1998, conforme documento de fls. 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 11. Tal contrato foi titulado pela Apólice n.° …, nele figurando como beneficiário o Banco …, S.A.).

            Mediante tal tipo contratual e face ao concreto contrato de seguro outorgado entre as partes, a Autora e o seu marido celebraram com a Ré um «contrato de seguro de vida» (cobrindo, para além da morte, a invalidez), com o limite de capital de                  € 72.325,70, com início em 26.10.1998, conforme documento de fls. 35, sendo tal contrato titulado pela Apólice n.° …, nele figurando como beneficiário o Banco …, S.A.” - conforme pontos 10 e 11 supra.

            Ora, aquando da celebração do “contrato de seguro” em causa, o marido da autora assinou uma proposta de seguro – ponto 27 supra -, da qual constavam, entre outras, as seguintes questões (sob a forma de questionário): «Sofre ou sofreu de alguma doença?», «Durante o último ano teve algum período de baixa?» e «Já esteve internado ou sofreu intervenção cirúrgica?» - ponto 28 supra -, cujas respostas eram essenciais para a Ré averiguar do estado de saúde do proponente – ponto 30 supra -, bem como para apreciação de quais os exames médicos a que o mesmo tinha que se apresentar – ponto 31 supra.

A aceitação do referido contrato de seguro, e bem assim a fixação do valor do prémio cobrado pela seguradora, estavam dependentes das respostas dadas pelo proponente – ponto 32 supra.

Em virtude do referido em 29 supra (a todas estas questões o empregado da ré que atendeu a autora, seguindo informações prestadas por esta, respondeu negativamente), a seguradora não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, gerais ou especiais – ponto 33 supra -, como faria se a resposta a tais questões fosse positiva – ponto 34 supra.

Contudo, está provado que o marido da autora, antes da celebração do “contrato de seguro” referido em 10 supra, sofreu uma trombose venosa dos membros inferiores (ponto 35 supra), o que o levou a período de baixa, que decorreu entre 09.10.98 e 16.10.98 (pontos supra 35, 36 e 37), e ao internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra (ponto 38), para tratamento da citada trombose (ponto 40 supra).

Também consta das chamadas “Condições Gerais” do contrato de seguro de vida celebrado entre as partes, seu artigo 4º, que “1. As declarações prestadas pelo Tomador de Seguro e pela Pessoa Segura na respectiva proposta, servem de base à aceitação deste contrato pela C… Vida, a qual não o pode denunciar após a sua entrada em vigor, salvo nos casos e circunstâncias previstos na lei. 2. As omissões e as declarações inexactas ou incompletas, feitas pelo Tomador de Seguro ou Pessoa Segura, que alterem a apreciação do risco, tornam nulas, nos termos legais, as garantias do contrato susceptíveis de por elas serem influenciadas, não tendo o Tomador de Seguro/pessoa Segura, em caso de má fé, direito a qualquer restituição dos prémios”- conforme fls. 14 dos autos.   

            Terão tais factos e a omissão dos mesmos nas respostas dadas ao dito questionário relevância para a pretendida invalidade (nulidade ou anulabilidade) do referido contrato de seguro de vida, como defende a Recorrente, nos termos do artº 429º do C. Comercial?

            Neste preceito dispõe-se que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”, disposição que alguma doutrina e a uniformidade da jurisprudência têm interpretado como reportando-se ao vício da anulabilidade do contrato, não há sua nulidade, solução que já foi adoptada no vigente Regime Jurídico do Contrato de Seguro, supra citado, conforme seu artº 25º, nº 1, para os casos de verificação de omissões ou inexactidões dolosas.

            Também temos como provado que “a autora deslocou-se ao escritório da ré, em Aveiro (ponto 43 supra), tendo sido o empregado da delegação de Aveiro da ré que atendeu a autora quem fez o preenchimento dos dados pessoais constantes do formulário da proposta de seguro referente ao marido daquela, R…, que a Autora levou para casa, onde o marido o assinou e que, quando ela regressou à dita delegação, o mencionado empregado preencheu os dados médicos de acordo com as informações prestadas pela autora (ponto 44 supra)”.

            Isto é, embora o referido preenchimento tenha sido materialmente efectuado por um empregado da seguradora, este limitou-se a referir/escrever os dados afirmados/respondidos pela Autora, nada mais, pelo que é esta e o seu falecido marido quem apenas responde e é responsável pelas informações ou falta delas constantes desse preenchimento.

            Porém, como resulta dos factos provados, foi omitido pela Autora, aquando do preenchimento do dito questionário médico relativo ao seu marido, que: “18 - o marido da Ré esteve de baixa médica e esteve internado no Hospital da Universidade de Coimbra; 35 - o marido da autora, antes da celebração do «contrato de seguro» referido em 10 supra, sofreu uma trombose venosa dos membros inferiores; 36 - o que o levou ao período de baixa referido em 18 supra; 37 - que decorreu entre 09.10.98 e 16.10.98”.

            Tal omissão terá influído sobre a existência ou condições do contrato em causa, por parte da Seguradora?

            Dos factos apurados também resulta provado que: “32. A aceitação do contrato de seguro, e bem assim a fixação do valor do prémio cobrado pela seguradora, estavam dependentes das respostas dadas pelo proponente; 33. Em virtude do referido em 29 supra, a seguradora não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, gerais ou especiais; 34. Como faria se a resposta a tais questões fosse positiva; 42. O conhecimento deste quadro clínico do falecido R… era essencial à Ré para a celebração do «contrato de seguro»”.

            Embora tais factos, aparentemente conclusivos ou opinativos, tenham de (ou devam) ser relevados e tidos como provados, também se nos afigura que, conceptualmente, também não se pode deixar de assim o entender.

            Com efeito, tal como já o escrevemos em anterior acórdão nosso, resulta do artº 426º, § único, nº 8, do Código Comercial, legislação que vigorava à data (tais disposições sobre seguros foram revogadas pelo D. L. nº 72/2008, de 16/04, mas apenas com entrada em vigor em 1/01/2009), que “a apólice de seguro deve ser datada, assinada pelo segurador e enunciar, além do mais, e em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes”.
            O artº 429º preceitua que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.

Os factos supra referidos eram, à data da outorga do contrato de seguro, do perfeito conhecimento da Autora e seu marido, tudo indicando, pois, que se quis, deliberada ou negligentemente, ocultar os ditos factos à seguradora, dado que os mesmos eram muito recentes à data da referida outorga e uma vez que ficou provado que “44. O empregado da delegação de Aveiro da ré que atendeu a autora fez o preenchimento dos dados pessoais constantes do formulário da proposta de seguro referente ao marido daquela, R…, ela levou-o para casa, o marido assinou-o e, quando ela regressou à dita delegação o mencionado empregado preencheu os dados médicos de acordo com as informações prestadas pela autora “.
 
            Sendo assim, afigura-se-nos que se verifica a previsão do citado artº 429º do C. Comercial, o que torna nulo ou anulável o dito seguro.
No apontado sentido pode ver-se José Vasques, in “Contrato de Seguros”, da Coimbra Editora, 1999, onde escreve: «…o contrato de seguro é normalmente caracterizado como bilateral, oneroso, aleatório, de mera administração, consensual, formal, de execução continuada, de adesão, típico e de boa fé» – pg. 103.
 «O contrato de seguro é definido como bilateral porque dele resultam obrigações para ambas as partes, tendo cada um dos contraentes a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe…- pg. 103 -; e de boa fé porque se baseia nas declarações prestadas pelo segurado, referindo alguns autores a uma uberrimae bona fidei, máxima boa fé, considerando-o o elemento peculiar do contrato de seguro; a caracterização do seguro como contrato de boa fé não pretende reforçar a ideia de que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé (artº 227º, nº 1, do C. Civ.), mas sublinhar a necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição. Naturalmente que esta característica do contrato de seguro motivou o legislador a acautelar a relação contratual, prevendo que toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único – se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio (artº 429º do Código Comercial), não requerendo a lei a existência de má fé para determinar a invalidade do seguro, bastando-se com declarações reticentes ou inexactas» – pg. 110.
«Impendendo sobre o tomador do seguro a obrigação de declarar todos os factos e circunstâncias que tenham influência sobre o contrato de seguro, coloca-se a questão de saber como deverá ele desempenhar essa missão» – pg. 219.
«…Com o objectivo de auxiliar o tomador do seguro a evidenciar os factos relevantes para a apreciação do risco, usam as seguradoras fornecer-lhe um questionário que o guie nas suas declarações. No entanto, a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador do seguro da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco…há o dever do tomador do seguro declarar todos os factos e circunstâncias dele conhecidas e cuja relevância para a formação do contrato esteja ao alcance de um segurado diligente com capacidade normal. E com estas considerações há-de conjugar-se o facto de a boa fé do tomador do seguro não validar o seguro se o segurado (mandante) estava de má fé» – pgs. 219/220.
«As declarações inexactas ou reticentes são pesadamente sancionadas (artº 429º C. Comercial) e consistem na declaração de factos ou circunstâncias que não correspondem à realidade. A reticência consiste em silenciar o que se sabia e se tinha o dever de dizer, é a omissão de factos e circunstâncias que servem para a exacta apreciação do risco. A lei sanciona expressamente a omissão ou inexactidão da declaração do proponente com a nulidade, independentemente de ter ou não existido má fé de quem fez o seguro…O fundamento dessa sanção encontra-se no facto de que o segurador tem de confiar nas declarações do tomador para fixar as condições do contrato e o alcance das suas obrigações, não podendo o segurador comprovar a sua exactidão para efeitos da estimação do risco em virtude do volume de declarações que recebe normalmente e pela dispersão geográfica dos riscos.
Defende alguma doutrina e jurisprudência que o artigo 429º do Código Comercial não prescreve a nulidade mas apenas a anulabilidade do contrato. 
 As declarações inexactas e a reticência de factos ou circunstâncias implicam a nulidade do contrato quando forem conhecidas pelo proponente e tenham podido influenciar a existência ou condições do contrato… no mínimo, deverão ser consideradas como influenciando a avaliação do risco as questões relativamente às quais existiam na proposta de seguro perguntas específicas» – pgs. 222/223/225.
«…A nulidade prevista no artº 429º do C. Comercial representa um traço essencial do regime do contrato de seguro. O preceito mais não faz do que assumir-se como corolário sancionatório da necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição. O regime aplicável foi, assim, severo, prescindindo o legislador da má fé do declarante para dela extrair a invalidade do negócio…Há quem entenda, no entanto, que, atenta a graduação admitida pelo legislador, quer quanto à gravidade das declarações que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, quer quanto à existência ou inexistência de má fé, o preceito em análise consagraria apenas a anulabilidade… O artº 429º do Código Comercial constitui um afloramento do erro vício da vontade…Efectivamente, quando o segurador aceitar contratar nos termos inexactos ou reticentes declarados pelo proponente, a sua declaração negocial está viciada por um erro. Nos termos gerais, essa declaração torna o negócio anulável, não se vendo razões para, tendo classificado a situação prevista pelo citado artigo 429º como de erro vício da vontade, lhe associar uma sanção diferente e mais grave que aquela que o legislador fixou quando tratou a figura nos seus contornos basilares» – pg. 379/380.

Veja-se, também, Pedro Romano Martinez, in “Direito dos Seguros”, pg.70/71, onde escreve: “O legislador rodeia de especiais cautelas a eventualidade de o tomador do seguro prestar falsas informações à seguradora, e o artº 429º do CCom. Sanciona com a nulidade as declarações inexactas e as meras reticências de factos ou circunstâncias conhecidos pelo segurado…As designadas «reticências» correspondem a omissões negligentes ou dolosas de factos relevantes para a determinação do risco. Apesar de se aludir ao termo «nulidade», a invalidade em causa, por força da interpretação actualista, deverá ser entendida como anulabilidade”.  
Veja-se, ainda, o Ac. Rel. Po. de 14/06/1988, C. J. 1988, tomo III, pg. 239, onde se escreve: “A necessidade da proposta-questionário resulta da circunstância de o segurador não poder proceder a minuciosas indagações, sempre que efectua qualquer seguro, sendo por isso levado a confiar na lealdade do segurado e ficando aquela a fazer parte integrante do contrato.
Por virtude dessa confiança, o contrato assenta, essencialmente, na boa fé, e este é o principal critério de interpretação das suas cláusulas.
O ponto fundamental é o de saber quando a declaração teria podido influir sobre a existência ou condições do contrato.
Resulta desta expressão, desde logo, não se exigir que a inexactidão tenha sido determinante para a celebração do negócio, bastando que ela, pela sua natureza, assumisse relevância no sentido de, normalmente, poder ter exercido alguma influência.
…o elemento decisivo, para este efeito, é o questionário apresentado ao segurado, na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador quem indica quais as circunstâncias que…julga terem influência no contrato.
As questões aí postas ao segurado devem, assim, considerar-se como susceptíveis de terem podido influir…, a não ser que o segurado faça prova da sua irrelevância ou esta resulte, sem qualquer dúvida, dos seus próprios termos”.
 Também podemos debruçar-nos sobre o muito recente regime jurídico do contrato de seguro, que resulta do D. L. nº 72/2008, de 16/04, já antes referido, onde também se prevê, no artº 24º, que “1 - o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito”. 
Sancionando a violação de tal obrigação, os artºs 25º, nºs 1 e 3, e 26º, nº 4, al. b) dispõem que “em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro, não estando o segurador obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no nº 1 ou, se antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro, cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes, o segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio”.    
Tratando casos muito idênticos ao presente, ainda se podem ver, no mesmo  sentido e entre outros, o Ac. da Relação de Guimarães de 9/03/2005, in Col. Jur. Ano XXX, tomo II, pg. 279, onde, além do mais, se escreve: “para efeitos do artº 429º C. Comercial, uma declaração só será inexacta ou reticente se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou o prémio aplicável… Está-se perante declarações inexactas uma vez que há afirmações de factos ou circunstâncias que não correspondem à realidade e perante declarações reticentes, já que houve por parte do segurado, …, omissão de factos e circunstâncias que servem para a exacta apreciação do risco”; e o Ac. STJ de 27/05/2008, in C. J. STJ, ano XVI, tomo II, pg. 81, em cujo sumário (e texto respectivo) também se escreve: “Só é imprescindível à anulabilidade do contrato de seguro a omissão ou falsa declaração que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na sua decisão de contratar. O tomador do seguro que tem conhecimento de doença de que padece tem obrigação de a declarar ao subscrever a proposta de contrato de seguro de vida, para possibilitar à seguradora uma decisão consciente. Sabendo-se que o elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado, é irrelevante saber do nexo causal entre a doença que foi omitida e a morte posterior do segurado”.
Ainda no apontado sentido pode ver-se o muito recente acórdão desta Relação, de 21/09/2010, proferido no Recurso de Apelação nº 337/08.0TBALB.C1 (Secção Cível), relatado pelo Desembargador Teles Pereira, e disponível em www,trc.pt, em cujo sumário consta que “II – Um contrato de seguro cuja concreta incidência (o particular risco assumido pela seguradora) se traduz na garantia de satisfação ao Banco (tomador do seguro e beneficiário) do valor subsistente de um crédito à habitação por este Banco concedido, corresponde, fundamentalmente, a um “seguro de vida” do mutuário visando a satisfação da respectiva dívida (é usualmente designado por apólice “Vida Risco – Crédito à Habitação”).

III – O mutuário do crédito à habitação concedido pelo Banco tomador corresponde a um interessado segurado, participante no contrato que subscreve e para cujo processo de formação concorre.

IV – A questão do risco assumido pela seguradora, no quadro de um contrato deste tipo, tem na sua base um processo preliminar de recolha de informação pela seguradora, através do preenchimento de questionários pelo mutuário/segurado, destinando-se estes à aferição dos elementos relevantes para a decisão de contratar e para a repercussão probabilística do risco assumido pela seguradora na contrapartida representada pelo prémio.

V – A consequência, relativamente ao contrato, da existência de desvalores não atribuíveis à seguradora no processo de recolha de informação conducente à celebração do contrato, enquanto elemento induzido pelo próprio beneficiário ou por quem faz o seguro através da prestação activa ou omissiva de informações não conformes à realidade, conduz a que o negócio assente, face à seguradora, numa base falseada.

VI – Este desvalor acarreta a anulabilidade do contrato, no regime do Código Comercial, por aplicação, terminologicamente actualizada, do artigo 429º deste Diploma”.
  
           Donde resulta a nossa discordância relativamente à sentença recorrida, na qual se entendeu, além do mais, que “… Todavia, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que pode tornar anulável o contrato de seguro. É indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições. As simples inexactidões anódinas não produzem a consequência jurídica de anular o contrato. Para efeitos do mencionado art. 429.º, uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou o prémio aplicável.

A ré não alega, expressa ou implicitamente, que, caso soubesse que o segurado tinha sofrido a mencionada trombose venosa dos membros inferiores e que tinha estado de baixa, internado nos HUC, durante sete dias, para tratamento da mesma não teria aceite celebrar o contrato de seguro. O que alega é que em virtude da resposta negativa não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, como faria se a resposta fosse positiva. Aliás, se tais questões fossem essenciais ao ponto de determinar a decisão por parte da ré de não celebrar o contrato de seguro não se compreende que o seu funcionário aceitasse preencher o questionário com base nas indicações da esposa do segurado que não do próprio. Igualmente há que considerar que a ré não logrou demonstrar que informou e esclareceu o segurado da essencialidade destas questões ou o alcance e abrangência das mesmas. Ademais, conquanto o segurado tenha estado internado durante sete dias nos HUC, o problema de saúde que ele apresentava é aquilo que vulgarmente é conhecido como “varizes” nas pernas, problema que afecta grande parte da população e que não assume, em regra, grande gravidade e, muito menos, indicia risco de vida ou de incapacidade física. Importa ainda equacionar a controversa questão de saber se é imprescindível à invalidade do contrato a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e/ou omissão de elementos essenciais e o sinistro. Com a devida vénia, subscrevemos o entendimento perfilhado no acórdão que vimos mencionando – ou seja, afigura-se-nos mais defensável a resposta positiva, já que seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou omitidos (…). Esta é precisamente a situação dos autos. Apesar de terem sido omitidos os mencionados internamento e baixa médica, para tratamento da trombose venosa dos membros inferiores, antes da celebração do contrato de seguro, de que o segurado tinha necessariamente que ter conhecimento, provou-se que só depois da celebração do contrato de seguro com a Ré e da outorga da escritura de mútuo com hipoteca da casa é que foi diagnosticada a doença – «neoplasia pulmonar» – que levaria à sua morte. Ou seja, o segurado morreu em virtude de doença cancerosa, que nenhuma relação teve com a trombose venosa dos membros inferiores que determinaram o seu internamento antes da celebração do contrato de seguro. E tal doença, que foi a causa directa da morte do segurado, infelizmente, apenas foi diagnosticada após a celebração do contrato de seguro em causa nos autos. Conclui-se, deste modo, que a omissão de elementos relevantes com influência sobre as condições do contrato de seguro – a trombose venosa dos membros inferiores e internamento para o respectivo tratamento – não está conexionada com o evento danoso. Assim sendo, entendemos não haver lugar à anulabilidade do contrato de seguro, o qual se mantém válido”.

Afigura-se-nos que esta posição seria admissível à luz do actual Regime Jurídico do Contrato de Seguro, em cujo preâmbulo, ponto V, se escreve: “No que respeita à declaração inicial de risco, teve-se em vista evitar as dúvidas resultantes do disposto no artº 429º do Código Comercial, reduzindo a incerteza das soluções jurídicas. Mantendo-se a regra que dá preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador, são introduzidas exigências ao segurador, nomeadamente impondo-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco… Neste âmbito, cabe ainda realçar a introdução do parâmetro da causalidade para aferir a invalidade do contrato de seguro e do já mencionado dever específico, por parte do segurador, de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco. Quanto à causalidade, importa a sua verificação para ser invocado pelo segurador o regime da inexactidão na declaração inicial de risco e a consequente invalidade do contrato de seguro”.

            Mas não é admissível à luz do disposto no artº 429º do C. Comercial, como é entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência.

            Di-lo expressamente o já citado Ac. do STJ de 27/05/2008, entre outros, e assim o refere José Vasques, in loc. cit., pg. 227, a propósito da doutrina em geral, reproduzindo jurisprudência no mesmo sentido a pg. 229.

            E entende-se que assim seja, na medida em que a sanção da invalidade (por nulidade ou anulabilidade) do contrato de seguro prevista no artº 429º do C. Comercial reporta-se à previsão de um caso de erro como vício de vontade – declarações falsas ou omissões relevantes -, incidindo sobre a própria formação do contrato, na medida em que impedem a formação da vontade real da seguradora, uma vez que tal formação se baseia em factos ou circunstâncias ignorados (que lhe foram omitidos ou escondidos), por não terem sido devidamente indicados pelo segurado, pelo que se entende que não é necessário que as declarações ou omissões tenham efectivamente influído na celebração do contrato de seguro ou relativamente às condições contratuais acordadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato por parte da seguradora – ver o citado Ac. STJ de 27/05/2008.

            Donde também se dever entender que não existe nem se torna necessário que exista um nexo de causalidade entre a doença/hospitalização omitida e a razão da morte do segurado para que possa ter-se como verificada a invalidade do contrato de seguro, em caso de falsas ou incompletas declarações/informações prestadas pelo segurado ao contratar o seguro de vida (ao contrário do entendimento seguido na sentença recorrida).

            Para o efeito apenas se torna necessário que o segurado soubesse que sofria de alguma doença/esteve hospitalizado, o que seria susceptível de influenciar a seguradora quanto à aceitação do seguro, à data da outorga do contrato de seguro.

            Ora, como já antes demos notícia, à data da outorga do contrato de seguro em causa os segurados/contratantes sabiam perfeitamente que o marido da autora, antes da celebração do «contrato de seguro», sofreu uma trombose venosa dos membros inferiores, o que o levou a um período de baixa, que decorreu entre 09.10.98 e 16.10.98, e ao internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra, para tratamento da citada trombose, pelo que, ao terem omitido tais factos aquando do preenchimento do questionário médico – em 26/10/1998 -, deram lugar à anulabilidade do contrato de seguro, nos termos do artº 429º do C. Comercial, assim devendo proceder o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a presente acção, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos.


***

            Por último, apenas importa referir que, perante a sobredita conclusão, fica prejudicada a abordagem da segunda questão suscitada pela Recorrente: “apurar, caso se conclua pela validade do dito contrato, qual o montante ou montantes pelos quais deve responder a Ré Seguradora”.
X
            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, declarando-se a anulação do contrato de seguro em causa (titulado pela apólice nº…) e julgando-se improcedente a presente acção, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos.

            Custas pela Autora/recorrida.


***
Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua