Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/16.1PFCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DECISÃO PROFERIDA CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA PELO STJ
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JL CRIMINAL-J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 445.º DO CPP
Sumário: I – Quando o tribunal judicial diverge de jurisprudência fixada, não pode limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada baseado tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal.

II – Ao consignar na sentença recorrida não concordar com o teor do acórdão de uniformização de jurisprudência, mas antes com a declaração de voto de vencido, o Tribunal a quo não apresentou qualquer argumento novo relevante não ponderado ainda, nem indicou qualquer perceção de alteração notória no sentido de se mostrar ultrapassada a ponderação feita.

III – Perante a evidente falta de fundamentação relevante para divergir relativamente à jurisprudência uniformizada naquele acórdão, mais não resta que aplicar a jurisprudência fixada ao presente caso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

                          

     Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco - Juízo Local Criminal de Castelo Branco - Juiz 2, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido , casado, …, nascido em …, residente em Rua …, Castelo Branco, imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º, n.º1, do Código Penal, e correspondente pena acessória de proibição de conduzir nos termos do disposto no artigo 69°, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 15 de maio de 2018, decidiu:

- Condenar o arguido …, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de € 300,00;

- Condenar o arguido nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na sanção acessória de proibição de condução de veículos pelo período de 4 meses;

- Proceder a desconto, nos termos do art.80.º do Código Penal, das injunções cumpridas em sede de suspensão provisória de processo de 2 meses de inibição de condução e € 200,00 de injunção prestada aos … de Castelo Branco, liquidando-se a pena e sanção acessória a cumprir em respetivamente 2 meses de inibição de condução e € 100.00 a título de pena de multa.

          Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. O arguido …, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.º1, do Código Penal, e com a correspondente pena acessória de proibição de conduzir nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 5€ (sete euros), num total de 300,00€ (trezentos);

2. Mais foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos pelo período de 4 (quatro meses);

3. Porém a sentença recorrida afastou a jurisprudência fixada no AC. do STJ 4/2017 publicado no Diário da República n.º 115/2017, Série I de 2017-06­16 e procedeu a desconto, nos termos do art.80° do Código Penal, das injunções cumpridas em sede de suspensão provisória de processo de 2 (dois) meses de inibição de condução e 200,00€ (duzentos euros) de injunção prestada aos … de Castelo Branco, liquidando­-se a pena e sanção acessória a cumprir em respectivamente 2 (dois) meses de inibição de condução e 100.00€ (cem euros) a título de pena de multa;

4. A Mma. Juiz além de ser conhecedora da jurisprudência fixada ignorou a diferente natureza das injunções aplicadas em sede de suspensão provisória do processo e das penas, principais e acessórias aplicadas em direito penal.

5. Além disso, de acordo com o art.282.°, n.º 4 do Código de Processo Penal:

“O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta;”

6. Ora, o arguido não cumpriu uma das injunções que lhe foi imposta, como tal as injunções que cumpriu não pode ser repetida, sendo o desconto que o arguido pretende, precisamente essa repetição.

7. Assim, deverá a sentença recorrida ser corrigida e determinado o cumprimento integral por parte do arguido das penas em que foi condenado, alterando a decisão recorrida e determinando o cumprimento integral das penas principal e acessória por parte do arguido.

O arguido … respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão que liquidou a pena e sanção acessória a cumprir respetivamente em 2 meses de inibição de condução e € 100,00 a título de multa.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido na resposta ao douto parecer renovado o entendimento de que o recurso não deve ser julgado procedente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos não provados

Da Culpabilidade

1 - No dia 22 de Maio de 2016, cerca das 03 horas e 15 minutos, na Rua …de Castelo Branco, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ….

2 - O arguido conduzia naquelas circunstâncias de tempo, lugar e modo quando foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue.

3 - Ao ser-lhe efectuado o teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolimetro de marca DRAGER, modelo 7110 MK1II P, com o número de série AREN-0022, o arguido apresentou a taxa de álcool de pelo menos 1,380 gramas por litro de sangue, correspondente à taxa de álcool no sangue de 1,51 gramas por litro de sangue, deduzido o valor do erro máximo admissível.

4 - O arguido … desejou efetuar contraprova através de análise de sangue, tendo sido transportado pelos agentes da P.S.P. ao Hospital (...) onde lhe foi efetuada uma colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue.

5 - Tal colheita de sangue foi posteriormente entregue pelos serviços Hospitalares no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto Nacional Medicina Legal Delegação do Centro, para análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue.

6 - Efetuada a análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto Nacional Medicina Legal, Delegação do Centro, o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,53 gramas/litro.

7 - Ao proceder conforme o descrito tinha o arguido perfeito conhecimento de que não podia circular, na via pública, conduzindo o mencionado veículo, sob a influência do álcool, mas não obstante essa cognição, ingeriu, antes de iniciar a condução, bebidas alcoólicas necessárias e suficientes para acusar a supra referida taxa de alcoolemia.

8 - O arguido actuou de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, não se tendo, mesmo, assim, abstido de a concretizar.

Da Determinação da Sanção

   a) O arguido não tem antecedentes criminais.

   b) O arguido processo no âmbito dos presentes autos, na fase de suspensão provisória do processo, a entrega do título de condução em 01-03-2017, para cumprimento de sanção acessória de proibição de condução pelo prazo de 5 (cinco meses).

   c) O arguido procedeu a entrega da quantia de 200.00€ a título de injunção no âmbito da suspensão provisória do processo;

   d) O arguido não tem rendimentos;

   e) O arguido vive com a esposa e filha menor, sendo que a esposa é trabalhadora por conta própria;

    f) O arguido vive com o seu agregado familiar em casa própria pela qual paga cerca de

400.00€ a titulo de prestação mensal a instituição bancária;

Factos não provados

Inexistem factos não provados.

Motivação de Facto:

Relativamente à matéria da culpabilidade o tribunal fundou a sua convicção na confissão prestada pelo arguido, dando cumprimento ao disposto no art.? 344°, n02°, alínea a) do CPP, conforme consta da acta.

No que concerne á matéria relativa à determinação da sanção a convicção do tribunal adveio das declarações do arguido, sendo que a ausência de antecedentes criminais resulta do teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

A prova dos factos relativos à fase de suspensão provisória dos autos resultou da análise do teor de fls, 56 e 84.


  *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou o disposto no art.80.º do Código Penal ao proceder ao desconto, nas penas principal e acessória fixadas, das injunções cumpridas pelo arguido em sede de suspensão provisória de processo.


-

            Passemos ao seu conhecimento.

O Ministério Público defende que o Tribunal a quo violou o disposto no art.80.º do Código Penal ao proceder desconto, nas penas principal e acessória fixadas, das injunções cumpridas pelo arguido em sede de suspensão provisória de processo, pelo que se impõe alterar a sentença recorrida e determinar o cumprimento integral, por parte do arguido, das penas em que foi condenado.

 Alega para o efeito, e no essencial, o seguinte:

- De acordo com o art.282.º, n.º4, al. a), do Código de Processo Penal, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta;

- O arguido …não cumpriu uma das injunções que lhe foi imposta e, como tal, a injunção que cumpriu não pode ser repetida, assumindo a natureza de obrigação natural sendo o desconto efetuado, precisamente essa repetição;

- Por outro lado, as consequências do incumprimento da injunção de não conduzir e da pena acessória são distintas, no primeiro caso determinando a prossecução dos autos para julgamento e no segundo o cometimento do crime de violação de proibições, p. e p. nos termos do art.353.° do Código Penal;

- A estes argumentos acresce o acórdão de fixação de jurisprudência, do STJ de 04/2017, que decidiu que «Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.° do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art.282.°, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.»;  

- Não obstante a Mma. Juiz conhecer esta jurisprudência fixada, decidiu em sentido contrário à mesma e procedeu ao desconto na pena principal e acessória fixada, das injunções cumpridas pelo arguido em sede de suspensão provisória do processo.

Vejamos.

O Código de Processo Penal, no Capítulo II, epigrafado «Da fixação de jurisprudência» - do Título II « Dos recursos extraordinários», do Livro IX « Dos recursos» -, estabelece um conjunto de normas sobre a finalidade, objeto, fundamentos e eficácia da fixação de jurisprudência (artigos 437.º a 448.º).

A finalidade específica do recurso de fixação de jurisprudência é evitar contradições entre acórdãos dos tribunais superiores.

O objeto do recurso para uniformização de jurisprudência é uma decisão de última instância, quando no domínio da mesma legislação, o STJ proferir dois acórdãos relativamente à mesma questão de direito, com soluções opostas ou de um acórdão do Tribunal da Relação quando dele não seja já admitido recurso ordinário e esteja em oposição com outro acórdão da mesma ou de diferente Relação, ou do STJ, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ (art.437.º do C.P.P.).

Os fundamentos do recurso de jurisprudência são a existência de um conflito de jurisprudência entre dois acórdãos (o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento) e a afirmação da ilegalidade da decisão recorrida. 

A decisão sobre o recurso de fixação da jurisprudência é tomada em conferência, pelo pleno das secções criminais (art.443.º do C.P.P.), com publicação do acórdão de fixação da jurisprudência na I Série do Diário da República (art.444.º, n.º1 do C.P.P.).

Se de acordo com o art.445.º, n.º1, do Código de Processo Penal, a decisão tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do art.441.º, n.º 2, sem prejuízo da reformatio in pejus, já de acordo com o seu n.º 3 «A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão».

Quebrada a força vinculativa do acórdão de fixação da jurisprudência pelo n.º 3 deste art.445.º, prima facie, poderia entender-se que basta uma qualquer fundamentação divergente sobre a jurisprudência fixada pelo acórdão uniformizador, para se afastar a sua observância.

Mas assim não é, como deixam logo antever os artigos 446.º e 447.º do Código de Processo Penal, que estabelecem, respetiva e designadamente, com interesse para a presente questão:

Artigo 446.º: 

«1- É admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

   2- O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

   3- O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.».

Artigo 447.º:

  «1- O Procurador-Geral da República pode determinar que seja interposto recurso para fixação da jurisprudência de decisão transitada em julgado há mais de 30 dias.

   2- Sempre que tiver razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada, o Procurador-Geral da República pode interpor recurso do acórdão que firmou essa jurisprudência no sentido do seu reexame. Nas alegações o Procurador-Geral da República indica logo as razões e o sentido em que jurisprudência anteriormente fixada deve ser modificada.

   3 - (…)».[4]

Como esclarece, entre outros, o acórdão do STJ de 5-11-2009, “ A lei indica com suficiente clareza, assim, que os Acórdãos para fixação de jurisprudência têm um peso próprio, que lhes é dado pelo facto de provirem do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Há, pois, que lhes conceder o benefício, para não dizer a presunção, de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existentes sobre o assunto.

Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, já que o STJ não “faz lei”, parece estultice tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada.».[5]

Também o Conselheiro Maia Gonçalves, entende que o segundo período do n.º3 do art.445.º do C.P.P., ao conter uma particular chamada de atenção para o dever de fundamentar as divergências relativamente à jurisprudência que se encontra fixada, impõe “… que os argumentos invocados para o efeito, além de ponderosos, sejam novos, no sentido de não terem sido considerados no acórdão uniformizador, e suscetíveis de criar algum desequilíbrio na avaliação do peso de argumentos a favor do reexame e alteração da doutrina fixada no acórdão uniformizador.”[6]

Ainda no mesmo sentido, e seguindo o acórdão do STJ de 13 -11-2003 (in SASTJ, n.º 75, 100), refere o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, que “Os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isto é, quando a) o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na atualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou finalmente c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada.”.[7]      

Em suma, como tem enfatizado o STJ, o tribunal judicial divergente não pode limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada baseado tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal.[8]

O acórdão do STJ n.º 04/2017 fixou jurisprudência no sentido de que «Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art.281.° do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art.282.°, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.».

No caso em apreciação, o Tribunal a quo ao decidir proceder a desconto, nos termos do art.80.º do Código Penal, das injunções cumpridas em sede de suspensão provisória de processo, de 2 meses de inibição de condução e € 200,00 de injunção prestada … de Castelo Branco, liquidando-se a pena e sanção acessória a cumprir em respetivamente 2 meses de inibição de condução e € 100.00 a título de pena de multa, violou, de modo declarado, aquele acórdão uniformizador de jurisprudência.

Ao consignar na sentença recorrida não concordar com o teor daquele acórdão de uniformização de jurisprudência, mas antes com a declaração de voto subscrita pelo Conselheiro António Pires Henriques da Graça, que passou a transcrever, porquanto em seu entender “…aborda todas as questões passiveis de serem abordadas e de forma exaustiva e completa…”, o Tribunal a quo não apresentou qualquer argumento novo relevante não ponderado ainda, nem indicou qualquer perceção de alteração notória no sentido de se mostrar ultrapassada a ponderação feita no acórdão do STJ n.º 04/2017.    

Assim, perante a evidente falta de fundamentação relevante para divergir relativamente à jurisprudência uniformizada naquele acórdão, mais não resta que aplicar a jurisprudência fixada ao presente caso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida quando decide proceder a desconto, nos termos do art.80.º do Código Penal, da injunção cumprida pelo arguido … em sede de suspensão provisória de processo, de 2 meses de inibição de condução.

Tal como a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, também a pena de 60 dias de multa aplicada ao arguido …, á taxa diária de € 5,00, tem uma natureza diferente da injunção aplicada em sede de suspensão provisória de processo.

Além do mais, o art.282.º, n.º 4, do C.P.P. é claro no sentido de que, se o processo houver de prosseguir, porque o arguido não cumpriu as injunções e as regras de conduta impostas, as “prestações” já feitas não podem ser repetidas.

As “prestações” a que ali se alude são, entre outras, as previstas na alínea c), n.º 2, do art.º 281.º, do Código de Processo Penal, ou seja, a entrega de certa quantia ao Estado ou instituição privada de solidariedade social.

Assim, os € 200,00 de injunção prestada pelo arguido … aos … Castelo Branco, não deviam, salvo o devido respeito, ser descontados ao abrigo do disposto no art.80.º do Código Penal, na pena de multa de € 300,00 (60 dias x € 5,00) em que foi condenado na sentença recorrida.

Perante o exposto mais não resta que conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e determinar o cumprimento integral das penas, principal e acessória, aplicadas ao arguido na sentença condenatória.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogar a douta sentença recorrida na parte em que procede ao desconto das injunções cumpridas em sede de suspensão provisória de processo de 2 meses de inibição de condução e € 200,00 de injunção prestada aos … de Castelo Branco e liquida a pena e sanção acessória a cumprir, em respetivamente, 2 meses de inibição de condução e € 100.00 a título de pena de multa e, consequentemente, determina-se que o arguido … cumpra integralmente a pena de multa e a sanção acessória de inibição de conduzir, fixadas na sentença recorrida. 

  Sem custas.


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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                            


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Coimbra, 05 de dezembro de 2018

Orlando Gonçalves (relator)

           Inácio Monteiro (adjunto)

 


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Sublinhado nosso.

[5] Proc. n.º418/07.8PSBCL-A.S1, in www.dgsi.pt
[6] Código de Processo Penal anotado, Almedina, 17.ª edição, pág.s 1045 e 1046

[7] In "Comentário do Código de Processo Penal", UCE, edição de 2007, pág.s 1202 e 1203 
[8] Cf. ainda, Cons. Pereira Madeira , in “Código de Processo Penal comentado”, obra coletiva de Conselheiros do STJ,  Almedina , 2014, pág.1591.