Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/16.4GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
FACTOS RELEVANTES
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 358.º E 359.º DO CPP
Sumário: I – A “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

II - Já a “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para determinar a moldura penal.

III – Todavia, o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP apenas se efectuará quando se tratar de uma modificação relevante, o que sucede quando a alteração divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.

Decisão Texto Integral:








                I - RELATÓRIO
               
1. O ACÓRDÃO RECORRIDO

No processo comum colectivo n.º 509/16.4GCVIS do Juízo Central Criminal da Comarca de Viseu (Juiz 3), por acórdão datado de 9 de Julho de 2021, foi – e na parte que importa à decisão[1] deste recurso – decidido: 
A. Condenar o arguido AC. pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de seis anos e seis meses de prisão;
                         B. Condenar o arguido AJ.

b.1. pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;
b.2. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art.º 86.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de dois anos de prisão;
b.3. em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos de prisão.




                2. OS RECURSOS

2.1. Inconformado, o arguido AJ recorreu – RECURSO A – do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição[2]):

1. Por doutoAcórdãoprolatadonestes autos, na procedência parcial da AcusaçãoPública deduzida contra os arguidos, foi o Arguido/Recorrente AJ (….) condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), daLei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, aplicando-lhe, em cúmulo jurídico, a pena de 6 (seis) anos de prisão, não se conformando o Arguido com o teor dessa decisão condenatória, daí interpor o presente recurso.
2. Conforme se extrai do confronto entre o Acórdão recorrido (cfr. factos provados 73 a 87) e a Acusação (cfr. pontos a) a d), f), h) a p), e t) referentes ao Arguido, a pp. 19 e ss. da referida), o Tribunal a quo condenou o aqui Recorrente por factos diversos dos descritos na Acusação, nomeadamente quanto a alegadas datas e períodos em causa, quantidades vendidas, valores envolvidos, número de transacções e sua periodicidade, locais onde as mesmas ocorreram, e nalguns casos até o tipo de substância cedida e o “modus operandi” e circunstâncias da acção variam.
3. Tal condenação aconteceu fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º (alteração não substancial dos factos descritos na acusação) e 359.º (alteração substancial dos factos descritos na acusação), os quais permitiriam uma condenação por factos diversos, desde que observado o procedimento previsto em cada uma dessas normas – o que não sucedeu.
4. Mesmo que se considere que os factos diversos pelos quais o arguido AJ foi condenado não tenham importado alteração substancial da factualidade descrita na Acusação, entende-se, ainda assim, que tais alterações sempre teriam interesse para a decisão da causa (v.g., para aferir os graus de ilicitude e de culpa do agente), pelo que entendemos, ressalvada melhor opinião, que na Audiência de Julgamento o Tribunal a quo deveria ter seguido o procedimento descrito no n.º 1 do artigo 358.º. do CPP: oficiosamente, comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa – o que não aconteceu.
5. Por assim ser, e salvo melhor entendimento, o Acórdão recorrido é nulo por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do atrigo 379.º do CPP, com os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir,
6. Da análise do douto Acórdão recorrido resulta que o mesmo contém erros, lapsos, obscuridades e ambiguidades, conforme melhor resulta da nossa motivação (para a qual se remete), impondo-se a sua correcção, por forma a eliminar em conformidade os vícios existentes no mesmo cuja eliminação não importe modificação essencial, nos termos do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, sendo que, uma vez efectuada a rectificação, entende-se que o Acórdão, corrigido, deverá ser novamente notificado ao Arguido para este poder exercer plenamente o seu direito de recurso sem qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Sem prescindir,
7. O Arguido/Recorrente considera incorrectamente julgados, entreoutros, os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, os quais expressamente se impugnam para todos os devidos e legais efeitos: factos provados vertidos nos pontos 19 e 20 (no que diz respeito ao Arguido/Recorrente), 23, 26 (igualmente no que lhe concerne), 72 a 87, 90 e 91 do Acórdão recorrido.
8. Da arguiçãoda nulidade por condenaçãopor factos diversos dos descritos na Acusaçãoresulta uma inevitável impugnação da matéria de facto dos pontos 72 a 87 do Acórdão, dado que do vício determinante da nulidade também acaba por resultar a incorrecção de julgamento quanto a esses concretos pontos.
9. Acrescem ainda as seguintes razões para a incorrecção de julgamento destes e dos demais pontosreferidos:
i. existe uma insuficiênciaparaadecisãodamatériadefactoprovada quanto aos pontos 20, 23, 26, 72 a 87, 90 e 91 do Acórdão (conforme os argumentos que se referiram na motivação, para onde se remete), vício previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e que resulta do texto da própria decisão recorrida.
10. A decisão recorrida não fica suficientemente esclarecida, em virtude da contradição entre os pontos 19 e 72 da factualidade provada e os pontos 73 a 87 (conforme os argumentos que se referiram na motivação, para onde se remete), pelo que padece o Acórdão recorrido do vício de contradição insanável da fundamentação probatória da matéria de facto (quanto aos pontos 19 (na parte respeitante ao ora Recorrente), 72 e 73 a 87 do Acórdão recorrido), previsto na al. b) do n.º do art.º 410.º do CPP, o qual resulta do texto da própria decisão recorrida.
11. Nos pontos 72 a 87 do Acórdão recorrido foram imputados ao Arguido/Recorrente e considerados provados factos indefinidos, genéricos, conclusivos, não concretizados temporal, espacial ou circunstancialmente, tendo-o colocado numa posição em que simplesmente deles não se pode eficazmente defender, pelo que tais factos devem ter-se como não escritos (não provados) por violação irreparável das garantias de defesa em processo penal, do princípio da presunção de inocência, e do princípio do contraditório, nos termos dos nºs 1, 2 e 5 do art.º 32 da CRP, revogando-se o Acórdão recorrido.
12. Salvo melhor entendimento, com a alteração da matéria de facto dada como provada, em conformidade com a impugnação factual do Arguido/Recorrente resultará uma inevitável diminuição do número de consumidores que se provou comprarem ao Arguido (que passariama inexistirou,pelomenos,a ser inferiores aonúmero que o Tribunal a quo apurou); a quantidade de estupefacientes relevante para o tipo de crime de tráfico seria igualmente reduzida, podendo ser relevante apenas a detida e apreendida; deixa de poder ser considerado que o Arguido/Recorrente usou terceiros [os arguidos (…) e (…)] – embora se entenda que a utilização dos mesmos já tenha resultado não provada, senão o Acórdão recorrido não tinha referido nesses pontos que “não se logrou apurar” a intervenção dos mesmos nas alegadas entregas de estupefaciente, o que, crê-se, equivale a dizer que isso não se provou!
13. Atendendo que, na própria concepção do douto Tribunal a quo, foram estas 3  circunstâncias que agravaram a ilicitude do arguido AJ e, por isso (a nosso ver mal, com o devido respeito), arredaram a qualificação dos factos como um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do DL 15/93, de 22/01 (cfr., pontos 199, ii), e 220, i) do Acórdão), somos levados a acreditar que da alteração da factualidade proposta se impõe, justamente e por maioria de razão, uma decisão diversa da manifestada no douto Acórdão recorrido – embora consideremos que a alteração da decisão recorrida se imponha mesmo pela mera aplicação do direito à factualidade provada.
14. Evidentemente que não se defende que, com a alteração da factualidade proposta pelo Arguido/Recorrente, a decisão recorrida deva passar a ser absolutória em vez de condenatória, no entanto, com essa alteração, pensamos que deverá necessariamente considerar-se uma diminuição do grau de ilicitude e da culpa do agente, reflectindo-se de forma ainda mais ponderosa quanto à alteração, quer da qualificação jurídica do crime em causa, quer da escolha e da medida da pena concretamente aplicada.
Sem prescindir,
15. Subsidiariamente, ainda que se mantenha a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido, o que não se concede e por mera hipótese académica se coloca, entende-se, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o Tribunal a quo fez uma errada subsunção da factualidade provada no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art.º 21.º do DL 15/93, de 22/01, para além de que a medida da pena concretamente aplicada pela prática desse crime (5 anos e 6 meses de prisão) e pela prática do crime de detenção de arma proibida (2 anos de prisão), p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, ultrapassa a medida da culpa e as exigências de prevenção.
16. Nos termos do art. 25.º do DL 15/93, de 22/01, para existir uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, é preciso ter “em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
17. Considerando o reduzido raio de acção (limitado a uma localidade: cidade de Viseu e áreas limítrofes), o reduzido número de consumidores (apenas – permita-se considerar – 15 consumidores), o reduzido número de transações, o reduzido período em que as mesmas tiveram lugar (3 meses), a reduzida quantidade fornecida (eram fornecidas doses individuais a cada consumidor), o “modus operandi” (simples e com recurso a meios sem sofisticação, com encontros previamente combinados, via telemóvel, para a entrega do estupefaciente), entendemos que estamos perante circunstâncias atenuantes da acção e da ilicitude que revelam um tráfico com pouca expressão e muita rudimentaridade dos meios empregues, conforme decorre da factualidade provada.
18. Acresce que, não se provou que o Arguido/Recorrente tenha vendido qualquer substância estupefaciente a menores, não se demonstrando, ainda, quaisquer sinais de exteriorização de riqueza da sua parte, também não se podendo dizer que possuísse uma estrutura organizativa, não sendo a alegada utilização dos seus filhos, Q e P, entendida como tal, como o próprio Acórdão recorrido assinala no ponto 143, pelo que, ficcionando um circuito de tráfico, o Arguido AJ era necessariamente um elo de última ordem, pois que se provou que vendia directamente ao consumidor final, num raio municipal.
19. Todos estes factos devem considerar-se atenuantes e subsumir-se numa ilicitude consideravelmente diminuída, subsumindo-se no artigo 25.º do DL 15/93, de 22/01, por isso, ao assim não decidir, o douto Tribunal a quo violou esta norma (por omissão) e opróprio art.º 21.º (por incorrecção de aplicação in casu).
20. Não só a ilicitude do facto se revela consideravelmente diminuída, como existem outras circunstâncias que depõema favor doArguido/Recorrentepara reduzir a medida da suapena, bem como para fundamentar a aplicação, in casu, do regime da suspensão da execução da pena de prisão.
21. É certo que ao crime de tráfico de estupefacientes estão associadas ponderosas finalidades de prevenção geral, em virtude do flagelo social que é droga. No entanto, no caso concreto, não podemos deixar de assinalar que o decurso do tempo desde a prática dos factos até esta parte (cerca de 5 anos) e o facto de os mesmos serem desconhecidos do meio e da sociedade em geral, mitigam de certa forma as exigências de prevenção geral, sendo que não deixou o Arguido de sofrer o seu castigo logo numa fase inicial do processo, uma vez que esteve preso preventivamente à ordem destes autos durante 1 ano e 6 meses (mais precisamente, de 14-09-2017 a 14-03.2019).
22. Acresce que, o Arguido/Recorrente é primário em crimes com natureza idêntica aos dos autos, e não existindo em concreto exigências preventivas em termos de prevenção especial que reclamem uma prisão efectiva.
23. A prisão preventiva que cumpriu à ordem destes autos já inculcaram no Arguido AJ efeitos integrativos, ressocializadores e de conduta conforme com o Direito: após ser colocado em liberdade, passou a trabalhar para a Junta de Freguesia de Silgueiros, em Viseu, executando tarefas de limpeza, emprego que presentemente mantém e lhe permite ter um salário mensal regular, rendimento a que acresce ao que obtém da venda de cestos – que ele próprio fabrica – e de roupa nas feiras, o que afasta o risco de procurar rendimentos por via de actividade criminosa semelhante à destes autos (ou outra qualquer), e cremos que diminui flagrantemente as exigências de prevenção especial in casu.
24. Um eventual regresso do Arguido/Recorrente ao mundo carcerário para cumprimento de uma pena de prisão efectiva, volvido o tempo em que foi colocado em liberdade (há quase 2 anos e meio) e atenta a patente e actual integração profissional, social e familiar de que goza, será manifestamente prejudicial às finalidades preventivas na vertente da reintegração, as quais já estão a ser cumpridas no presente, em liberdade.
25. Acresce ainda que, o Arguido AJ prestou declarações em Audiência de Julgamento, onde assumiu parcialmente os factos, não deixando, assim, de colaborar com a justiça e para a descoberta da verdade, bem como interiorizou o desvalor da sua conduta adoptando uma nova postura de vida em conformidade com as regras normativas e sociais, pretendendo continuar esse caminho conforme com o Direito.
26. Atendendo à personalidade do Arguido/Recorrente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste – sendo neste campo de relevar uma ilicitude consideravelmente diminuída –, é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do n.º 1 art.º 50.º do CP.
27. Em respeito pelo grau de ilicitude do facto (consideravelmente diminuído), pela medida da culpa do agente e pelas concretas exigências de prevenção (diminuídas em termos de prevenção especial) –conforme se demonstrou supra –, entende-se, salvo o devido respeito por melhor opinião, que pena não superior a 4 anos de prisão se revela ajustada in casu, devendo ser suspensa na sua execução por igual período e eventualmente subordinada ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta.
28. Ao assim não decidir, o Tribunal a quo violou os arts. 40.º, 71.º e 50.º do Código Penal.
29. Subsidiariamente e sem conceder, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que o Arguido/Recorrente foi correctamente condenado pelo crime previsto no art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, mesmo assim, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, porquanto a pena concretamente aplicada foi excessiva, atendendo aos critérios previstos nos arts. 40.º e 71.º do CP (culpa e exigências de prevenção).
30. Nesse pressuposto, embora se considerasse que a ilicitude não era “consideravelmente” diminuída para a factualidade se subsumir ao art.º 25.º do DL 15/93, em todo o caso não deixava de ser diminuída, atentos os elementos e circunstâncias atenuantes da ilicitude do facto que se encontram provados nos autos, pelo que a pena de prisão de 5 anos e 6 meses aplicada não é condizente com os mesmos.
31. Ao fixar a medida da pena também não teve o Tribunal a quo devidamente em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente, pelo que, tudo sopesado, mesmo condenando pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, o Tribunal a quo deveria ter aplicado pena não superior 4 anos e 6 meses de prisão, a qual cremos, salvo melhor entendimento, se revelaria mais harmoniosa, justa e proporcional in casu, o que permitiria que beneficiasse da suspensão da execução da pena de prisão, por estarem cumpridos os seus pressupostos.
32. Por assim ser, também aqui, com a decisão recorrida não deixou o Tribunal a quo de violar o disposto nos arts. 40.º, 71.º e 50.º, todos do CP.
Acresce que,
33. Determinando-se queoArguidocometeu umcrime de detençãode armaproibida nos moldes supra expostos, prevê-se, em abstracto, a condenação uma pena de prisão de 1 a 5 anos, ou em alternativa, pena de multa até 600 dias, nos termos do artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
34. Dispõe o artigo 70° do Código Penal que, "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
35. Atenta a escolha (prisão em alternativa à multa) e a medida da pena (2 anos de prisão) – que nos parece desajustada e excessiva, respectivamente – parece que o Tribunal a quo de algum modo associou o crime de detenção de arma proibida com o do tráfico de estupefacientes, embora sem suporte em qualquer prova que fosse.
36. O Arguido AJ não se pode conformar com tal associação, pois a mesma não só não corresponde à verdade, como nestes autos não foi produzida qualquer prova (muito menos o Acórdão recorrido diz que foi) no sentido de se poder dizer que o mesmo alguma vez tenha tido alguma conduta violenta, empunhando qualquer arma que fosse, para com asua alegada clientela. Antes pelo contrário, nenhum dos depoentes lhe apontou a mínima conduta agressiva!
37. Doque resulta provadonosautos, oArguido/Recorrentenãotemuma personalidade violenta e agressiva, antes pelo contrário, não tendo usado as armas ilicitamente detidas, pelo que com elas também não praticou qualquer crime.
38. No nosso entender, o que pode relevar para efeitos de avaliar a conduta do agente é a detenção ilícita (porque sem licença) das armas, detenção, essa, que foi meramente “passiva”, porquanto as armas se encontravam guardadas no seu domicílio quando foram apreendidas, não se tendo provado a sua utilização na prática de qualquer crime.
39. Destarte, entendemos que o crime de detenção de arma proibida deve ser considerado de forma completamente autónoma e afastada do crime de tráfico de estupefacientes. Tratou-se de um mero acaso os crimes serem julgados no mesmo processo.
40. Neste sentido, a ilicitude e a culpa pela prática do crime de detenção de arma proibida deveriamter sidoavaliadoscomtotal abstracçãodocrime de tráfico, como se de umprocesso apenas por detenção de arma proibida se tratasse, o que pensamos que não sucedeu.
41. Atendendo que consideramos – salvo melhor entendimento – o desvalor do ilícito algo diminuto ou médio (no máximo); que do acto ilícito não resultaram consequências gravosas; que o arguido não tem uma personalidade violenta, nem agressiva; que não tem antecedentes criminais por crime de idêntica natureza e desde a data da prática destes factos até ao momento não lhe ser conhecida actividade ilícita; que o arguido se encontra integrado profissional, social e familiarmente; e que se verificam, ainda, as demais circunstâncias, supra expostas, que depõem a favor do Arguido/Recorrente; tendo em conta estes requisitos e condicionantes, entende-se que o se deverá optar por uma pena não privativa da liberdade, considerando-se adequada a satisfazer as necessidades da punição uma pena de multa à taxa diária a determinar por V. Exas.
42. Subsidiariamente e sem conceder, caso V. Exas. entendam que deve ser aplicada pena de prisão pela prática do crime, entendemos, salvo melhor entendimento, que a mesma não deverá ser superior a 6 meses, sendo feito o cúmulo jurídico com a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade, de forma principal, ou de tráfico simples, de forma subsidiária e sem conceder), do qual, de forma adequada, justa e proporcional, deverá resultar pena única de prisão não superior a 5 anos, a qual deve ficar suspensa na sua execução, atento o preenchimento dos seus pressupostos, e eventualmente subordinada ao cumprimento dedeterminados deveres e regrasde conduta, tudo conformedecorre dosupra exposto.
43. Por assim não decidir, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 50.º, todos do Código Penal.
44. Por tudo quanto exposto, acreditamos que a eventual privação da liberdade do ora Recorrente, no caso concreto, apenas conduzirá à degradação dos seus laços familiares, sociológicos e afectivos e ao prejuízo do seu desenvolvimento pessoal, profissional e familiar, em nada contribuindo para qualquer reintegração social do mesmo, que, aliás, a realidade já demonstra existir e que só se poderá manter caso o Arguido/Recorrente permaneça em liberdade.
*
Nestes termos, e nos do douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência:
1. Declarar-se a nulidade do Acórdão recorrido, por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do atrigo 379.º do CPP, com os devidos e legais efeitos;
2. Proceder-se à correcção do Acórdão recorrido, em virtude existência das invocadas ambiguidades e erros, o qual, uma vez rectificado, deverá ser novamente notificado ao arguido para poder exercer plenamente o seu direito de recurso;
3. Alterar-se a matéria de facto e a matéria de direito da decisão recorrida em conformidade com a impugnação do Arguido/Recorrente e com a procedência da nulidade e dos vícios invocados;
4. Revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que:
· condene o Arguido/Recorrente por um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena não superior a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, eventualmente subordinada ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta; ou, subsidiariamente, condenar-se o Arguido/Recorrente por um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, eventualmente subordinada ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta.
· condene o Arguido/Recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de multa a determinar por V. Exas.; ou, subsidiariamente, condenar-se o arguido em pena de prisão não superior a 6 meses, cumulada juridicamente com a pena aplicada pela condenação em i), numa pena única de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução e eventualmente subordinada ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta».

2.2. Inconformado, o arguido AC recorreu – RECURSO B – do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

1. «A condenação do recorrente na pena única de seis anos e seis meses de prisão é manifestamente excessiva.
2. Uma condenação numa pena igual ou ligeiramente inferior a cinco anos seria mais consentânea com as exigências de prevenção especial que neste momento se encontram particularmente esbatidas por força do investimento em competências pessoais e profissionais feito pelo arguido (frequência de cursos profissionais nos últimos quarenta e sete meses).
3. Neste período esteve privado da liberdade entre o cumprimento de pequenas penas de prisão e o tempo que leva de prisão preventiva.
4. A circunstância de, embora de uma forma genérica, o arguido ter admitido as vendas de substâncias estupefacientes ilícitas desde a sua primeira intervenção processual e desde o início da audiência de discussão e julgamento, não pode ser despicienda para a fixação da pena a aplicar ao arguido.
5. A indigência económica e social à altura da prática dos factos (a viver numa barraca, sem água, luz ou saneamento) a que acrescia um estado de penúria intelectual e alcoolismo, o facto de ter obtido lucros fragrantemente reduzidos na venda das substâncias referidas concorrem também para que se afigure como uma evidência que os cinco anos de prisão seriam suficientes e adequados para a realização das finalidades previstas no artigo 40º do CP.
6. O mesmo sucede com o teor do certificado de registo criminal do arguido que, conquanto seja em si mesmo exuberante, grande parte das condenações aí averbadas têm a ver com ilícitos estradais, não havendo uma única condenação por ilícitos da natureza do ilícito objecto dos autos.
7. Face ao conspecto em que ocorreram os actos de trafico praticados pelo arguido,aosdiminutoslucros por esteobtidoseàformarudimentar,arcaica, e porque não dizer, até fandanga, como ocorreram os actos de trafico praticados pelo arguido, no mínimo inculcou-se-nos no nosso espirito, a duvida sobre se a subsunção mais correcta dos factos julgados provados ao direito, é aquela efectuada pelo douto tribunal em sede de acórdão, ou uma outra que passaria por subsumir aqueles factos ao disposto no art.º 25 n.º 1, alínea a ).
8. Até porque ambas as subsunções se nos apresentam como aceitáveis.
9. Confiamos e agradecemos a V. Ex. nos dissipem esta dúvida legítima.
*
Normas violadas: Art. 40º e 71º do Cód. Penal; Art. 21º e 25º do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01
*
Termos em que deve o presente recurso ser admitido, alterando-se a decisão em conformidade com o exposto em sede de Motivação»

                3. AS RESPOSTAS AOS RECURSOS

3.1. O Ministério Público em 1ª instância respondeu aos dois recursos, opinando que eles não merecem provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

3.2. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, a fls. 4669-4671, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento aos recursos.

4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
                A competência para o processamento dos dois recursos pertence a esta Relação, por força do comando do artigo 414º, n.º 8 do CPP que estipula: «Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto».
Ora, existem dois recursos do acórdão do Colectivo de Viseu:
RECURSO A – RECURSO da matéria de facto e de direito relativamente a uma pena de seis anos de prisão efectiva (dirigido a esta Relação);
RECURSO B - RECURSO da matéria de direito relativamente a uma pena de seis anos e seis meses de prisão efectiva (dirigido ao STJ).
Como tal, é esta Relação que deve julgar os dois recursos, sendo um como é de facto.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
               
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
                 Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso (muito desorganizadas, diga-se de passagem), são estas as questões a decidir por este Tribunal:

RECURSO A – de AJ
· Há nulidade de acórdão nos termos do artigo 379º/1 b) do CPP?
· Há ambiguidades e erros no texto do acórdão a carecer de correcção?
· Existem vícios do artigo 410º/2 do CPP, nomeadamente, os previstos nas alíneas a) e b) do CPP?
· Houve violação do princípio de presunção de inocência e do princípio do contraditório previsto no artigo 32º/5 da CRP?
· Há erro de qualificação jurídica dos factos, devendo ser imputado ao arguido AJ o crime de tráfico de menor gravidade p.e p. pelo artigo 25º/1 do DL 15/93, de 22/1?
· As penas parcelares e de cúmulo foram excessivas?
· É de ponderar a aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão?

RECURSO B – DE AC
· É de convolar o crime praticado pelo arguido AC para o previsto no artigo 25º/1 do DL 15/93, de 22/1?
· A pena de seis anos e seis meses de prisão é excessiva?
· Caso venha a ser fixada em 5 anos ou menos, poderá vir a ser suspensa na sua execução?
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                2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

                2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso[3] (transcrição):

«Fundamentação de facto


Factos provados (Comuns)

(13)                              AJ e AC são irmãos.

(14)                              AA é filho de AC.

(15)                              O D reside em condições análogas às dos cônjuges com uma pessoa do sexo feminino, filha de AC.

(16)                              AJ é casado com uma irmã de JC.

(17)                              P. e Q. são irmãos e filhos de AJ.

(18)                              Em datas que não foi possível apurar, motivados pelo propósito de obter rendimentos e proventos económicos para prover ao seu sustento e da respetiva família e para fazer face aos seus encargos pessoais, os arguidos JC, AC e AJ decidiram vender heroína e cocaína a consumidores dessas substâncias mediante um preço superior ao da sua compra.
(19)                 Mais decidiram os arguidos AC e AJ empreender essa atividade, quer diretamente, quer por intermedio, respetivamente, dos arguidos AA e D (filho e "genro" do arguido AC), e Q e P.
(20)                             Para contactarem e serem contactos pelos consumidores, os arguidos fizeram uso de telemóveis através dos quais encetaram as necessárias conversações com os potenciais consumidores para a consumação das vendas.
(21)                              O arguido JC utilizou, para o efeito, os números de telemóvel (…), (…), (…) e (…),
(22)                             Após o n.º (…) passou a ser utilizado pelos arguidos AC, AA e D.
(23)                             E, de seguida, passou a ser utilizado pelos arguidos AJ, P e Q.
(24)                             Por sua vez, o número (…) passou a ser utlizado pelos arguidos AC, AA e D.
(25)                             Os arguidos AC, AA e D, para além dos números acima identificados, contactavam e foram contactados através dos números de telemóvel (…) e (…).
(26)                             O uso dos números de telemóvel nestes termos foi feito voluntariamente pelos arguidos com o objetivo de iludir as autoridades policiais e a dificultar a sua deteção e a investigação.
                                  relativos à atividade do arguido João Cardoso

(27)                             Na execução do seu propósito JC vendeu:

(28)                              A DJ, em datas que não foi possível, em concreto, determinar, mas situadas no verão do ano 2017, vendeu-lhe, pelo menos por três vezes, singular ou cumulativamente, heroína e cocaína, e, por cada vez, entre 2 a 4 doses de um ou outro estupefaciente, ou de um e outro estupefaciente, ao preço de 10,00€ cada dose. Assim fez depois de, para esse efeito, ser contactado telefonicamente por este consumidor, vindo a consumar-se as anteditas vendas ora nas imediações do “Macdonalds” de (…) ora em (…).
(29)                             A MS que, pelo menos durante meio ano, até o verão do ano 2017, pacotes de heroína e de cocaína, a 10€ cada, com uma frequência quase diária, deslocando-se para o efeito tendo as vendas ocorrido ora nas imediações da residência do arguido, em (…), ora nas imediações do Hospital de (…).
(30)                             A VM, em datas concretas que não foi possível apurar, mas entre os anos 2016 e 2017, após prévio contacto telefónico, na Rua do (…), e em cada ocasião, uma dose de cocaína, pelo preço de 10€ a dose.
(31)                              A AC, no dia 07 de julho de 2017, pelas 16h25m, na rotunda junto à  (…), em (…), onde o arguido se deslocou, na companhia do arguido AC, no veiculo da marca BMW, modelo 318 TDS, com a matricula (…), vendeu-lhe uma quantidade não concretamente apurada de cocaína por 10€ a dose.
(32)                             A RJ, no dia 25 de Julho de 2017, após contacto telefónico, pelas 19:32, uma dose de Heroína e uma dose de cocaína, ao preço de 10,00€ a dose, vindo a entrega a consumar-se nas imediações da estação de correios da quinta do (…), nesta cidade de (…).
(33)                             A PJ, pelo menos nos dois meses anteriores à detenção, em 2017 vendeu, em média, três pacotes de heroína por semana e ocasionalmente cocaína, ao preço de 10,00€ por pacote, vendas essas que se consumaram nas imediações da residência do arguido.
(34)                             Em data não concretamente apurada, mas em novembro de 2016, vendeu ao arguido o veiculo da marca Alfa Romeo, com matricula (…), pelo valor de 700€.
(35)                             A JP, em datas não concretamente apuradas, mas próximas da detenção do arguido, no ano 2017, vendeu-lhe por duas ou três vezes, pelo menos um pacote de heroína de cada vez, ao preço de 10,00€ por pacote. A vendas consumaram-se após o contacto telefónico de JP, nas imediações do estabelecimento “…..”, em (…).
(36)                             A MP, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre 17 de Marco de 2017 e 26 de setembro de 2017, vendeu pelo menos por três vezes e em cada uma das ocasiões, duas ou três doses de heroína pelo preço de 10€ a dose junto ao cemitério de (…),
(37)                             A RN, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o inicio de 2017 e até data não concretamente apurada entre os meses de julho e agosto de 2017, muitas vezes diariamente, em (…), na Rua do (…) e nas imediações da Rotunda de (…), o arguido vendeu-lhe, em cada uma das ocasiões, um numero não determinado de doses de heroína e cocaína ao preço de 10€ a dose.
(38)                             A CM, no dia 07 de julho de 2017, no parque da (…), sito na Quinta de (…), nesta cidade de (…), onde o arguido se deslocou no veiculo marca BMW, modelo 318 TDS, com matricula (…) e lhe vendeu uma quantidade não determinada de cocaína por valor que não foi possível apurar mas não inferior a 10,00€.

                                  relativos à atividade dos arguidos AC, D e AA

(39)                             Como havia decidido, AC assumiu a “gestão” da atividade de venda, sendo ele quem procedia à compra do estupefaciente junto dos fornecedores de tal produto e quem, por regra, atendia os telefonemas dos consumidores, sendo sobretudo os arguidos AF e D os responsáveis pelas entregas estupefaciente aos indivíduos interessados na sua aquisição, não obstante também o arguido AF procedesse a algumas entregas e os arguidos AF e D também atendessem os telefonemas dos consumidores interessados na compra do estupefaciente (n.º 18 da acusação).
(40)                             Na execução do seu propósito, AC, por si e/ou através do filho AA e do "genro" D, vieram a estabelecer contacto com:
(41)                              CM que, pelo menos entre junho de 2017 e 5 de agosto de 2017 depois de contacto telefónico, adquiriu cocaína a AC, durante cerca de um mês, com frequência quase diária, e até 26 de julho, pelo menos uma dose por dia ao preço de 10,00€ cada dose, tenso as entregas sido feitas, por regra, nas imediações da residência dos arguidos. E, no dia 05 de agosto de 2017, pelas 20h52m, depois de um contacto telefónico prévio, deslocou-se ao Intermarché de (…), onde o arguido AC lhe vendeu duas doses de cocaína pelo preço de 10€ a dose;
(42)                             RR que, entre os meses de maio de 2017 e setembro de 2017, depois contacto telefónico, por um número de vezes não concretamente apuradas, mas, pelo menos, dia sim-dia não, entre uma a duas semanas, recebeu de AC, um pacote de cocaína, pelo preço de 5€ cada pacote o que sucedeu, nomeadamente no dia 21 de julho de 2017, pelas 13h06, e dia 01 de agosto de 2017, pelas 20h46m, tendo as entregas ocorrido nas imediações do café (…) em (…);
(43)                             JA desde o início do ano 2017 até 12 de setembro de 2017, depois contacto telefónico adquiriu estupefaciente a AC, com uma frequência quase diária. Para o efeito, JA deslocava-se para as imediações da residência dos arguidos onde ora o arguido AF ora arguido D lhe entregavam por regra, dois pacotes de heroína de cada vez, a 10€ a dose.
(44)                            RN em 26 de agosto de 2017 e outras demais datas não concretamente apuradas, mas situadas entre aquele mês de agosto e setembro de 2017, após contacto telefónico, pelo menos por seis vezes, adquiriu estupefaciente a AC. Por cada vez que o fez, deslocou- se para as imediações da residência dos arguidos onde o arguido AC lhe vendeu, em cada uma dessas vezes, uma dose de heroína e uma dose de cocaína ao preço unitário de 10€ cada uma;
(45)                             VM, no verão de 2017, após contacto telefónico com os arguidos, adquiriu por 7 ou 8 vezes pelo menos uma dose de cocaína, por cada vez ao preço de 10€ a dose, não se tendo logrado apurar por qual dos arguidos.
(46)                             PC no dia 05 de agosto de 2017, pelas 22h56m, após contacto telefónico, adquiriu heroína ou cocaína ao arguido AC, qualidade que não foi possível apurar, mas pelo menos um pacote, por 10,00€. De seguida, deslocou-se para as imediações da residência dos arguidos, onde os arguidos D e AA lhe entregaram o estupefaciente.
(47)                             No dia 12 de setembro de 2017, pelas 12h28m, após contacto telefónico, o arguido AC vendeu-lhe duas doses de heroína com o peso liquido de 0,23 gramas, sendo o seu grau de pureza de 11,2% suficiente para <1 dose individual diária, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03, pelo preço de 10€ a dose. De seguida, PC deslocou-se para as imediações das antigas instalações da (…), onde aqueles arguidos D e AA lhe entregaram o estupefaciente;
(48)                             LM em data não concretamente apurada situada entre os meses de agosto e setembro, após contacto telefónico, adquiriu, pela primeira vez ao arguido AC um pacote de heroína, pelo preço de 10€. De seguida, deslocou-se para as imediações da casa dos arguidos, onde lhe foi entregue o estupefaciente, não se tendo logrado apurar por qual dos arguidos.
(49)                             Novamente, no dia 12 de setembro de 2017, pelas 13h42, depois de contacto telefónico, adquiriu duas doses de cocaína e duas doses de heroína ao arguido AC, deslocando-se para o local combinado onde a entrega se deveria realizar através dos arguidos D e o arguido AA ao encontro do consumidor, para debaixo do viaduto da A25. Aí chegados, por volta das 14h47, quando o arguido D se preparava para entregar o estupefaciente e receber a quantia de 40€, foram abordados por elementos da GNR vindo a ser apreendidas aquelas doses, sendo as de heroína com o peso liquido de 0,229 gramas, com grau de pureza de 9,9% suficiente para <1 dose individual diária, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03 e duas de cocaína com o peso liquido de 0,162 gramas, sendo o seu grau de pureza de 36,7% suficiente para 1 dose individual diária, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03.
(50)                             CD entre os meses de agosto e setembro de 2017, depois de contacto telefónico adquiriu pelo menos por três vezes, 3 ou 4 doses de cocaína, de cada vez, ao preço de 10€ a dose, ao arguido AC que lhas entregou em locais que, em concreto não se lograram apurar, nesta cidade de (…). E, no dia no dia 12 de setembro de 2017, depois de contacto telefónico deslocou-se às imediações da residência do arguido AC, onde não conseguiu adquirir estupefaciente por ser, a essa data, devedora da quantia 30€ de aquisições anteriores ao arguido AC;
(51)                              DP, em data que não se logrou apurar entre os meses de julho e agosto de 2017, foi abordado pelo arguido AC, o qual lhe perguntou se pretendia comprar heroína ou cocaína. Nessa ocasião, porque DP mostrou interesse em adquirir, AC deu-lhe um pacote de cada tipo de estupefaciente para que pudesse experimentar e um número de telemóvel para onde ligar.
(52)                             Posteriormente, em datas situadas no mesmo período temporal após contacto telefónico, adquiriu pelo menos por três vezes e, pelo menos, uma dose de cada tipo de estupefaciente, ao preço de 10,00€ cada dose, ao arguido AC. Após, em cada uma dessas ocasiões, deslocou-se para as imediações da residência dos arguidos, onde o estupefaciente lhe foi entregue, não se tendo logrado apurar por qual dos arguidos:
(53)                             RD, em data não concretamente apurada, mas situada em julho de 2017, deslocou-se na companhia do PC de JA, conhecido por “….”, ao Intermarché sito na (…), local onde o arguido AC lhe vendeu uma dose de heroína pelo preço de 10€.
(54)                             Depois desta primeira vez, após contacto telefónico com o arguido, por mais duas vezes, cerca de 15 dias depois deslocou-se para debaixo do viaduto da A.25, em (…), onde o arguido lhe vendeu, em cada uma dessas vezes, uma dose de heroína pelo preço de 10€ a dose;
(55)                             AJ, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o início de agosto e setembro de 2017 e durante o período aproximado de um mês, após contacto telefónico com o arguido AC, adquiriu pelo menos duas vezes por semana heroína ao preço de 10€. Em cada uma dessas vezes, depois deslocou-se às imediações da residência dos arguidos, onde lhe era entregue o estupefaciente, não se tendo logrado apurar se sempre pelos arguidos AA e D e se singular ou juntamente;
(56)                             AA em datas que não foi possível, em concreto, apurar entre os meses de julho e agosto de 2017, depois de contacto telefónico com os arguidos, adquiriu pelo menos por 3 vezes um pacote de heroína de cada vez ao arguido AC. Em cada uma dessas vezes, deslocou-se para as imediações da casa dos arguidos, onde lhe era entregue o estupefaciente, não se tendo logrado apurar se sempre pelos arguidos AA e D e se singular ou juntamente;
(57)                             GA, em datas que, em concreto, não foi possível apurar, mas situadas entre os meses julho e agosto de 2017, na sequência contactos telefónicos com os arguidos, pelo menos por cinco vezes, deslocou-se para as imediações da residência destes. Uma vez aí, ora o arguido AA, ora o arguido D venderam-lhe, pelo menos, uma dose de cada vez de cocaína, pelo valor unitário de 10,00€.
(58)                             JP em datas que, em concreto, não foi possível apurar do mês de agosto de 2017, após prévio contacto telefónico com os arguidos, deslocou-se, juntamente com um amigo que se encontrava emigrado na Suíça e que à data se encontrava de férias em Portugal, pelo menos umas seis vezes, uma vez para junto do cemitério de (…) e outras para as antigas instalações da (…), sitas em (…), onde o arguido AA lhes vendeu cocaína e heroína, por preço que não foi possível em concreto determinar, mas não inferior a 10€ de cada vez, sendo que numa dessas vezes vendeu ao V 100€ de cocaína e heroína. E, sozinho, pelo menos por mais duas vezes adquiriu heroína e Cocaína a AA, depois de novos contatos telefónicos e encontros, pelo preço de 10€ a dose, de cada vez entre 10€ a 20€ de cada vez;
(59)                             GF, por um período de tempo que, em concreto não foi possível apurar, mas, pelo menos, durante um mês, na primeira metade do ano 2017, após contactos telefónicos com os arguidos veio a encontrar-se com o arguido AA, com uma frequência quase diária, maioritariamente nas imediações da residência deste, onde, por cada vez, lhe adquiriu entre 20,00€ a 50,00€ de estupefacientes, Heroína e cocaína, ao valor unitário de 10,00€ a dose;
(60)                         DJ durante um período temporal que, em concreto, não foi possível delimitar, mas pelo menos durante 3 meses do ano 2017, com uma frequência quase diária, singular ou cumulativamente, adquiriu heroína e cocaína, e, por cada vez, 5 doses de um ou outro estupefaciente ou ambos, ao preço de 10,00€ cada dose. Assim o fez depois de, para esse efeito, serem os arguidos contactados telefonicamente por este consumidor, vindo as entregas a consumar-se em lugares diferenciados na cidade de (…) e nas imediações da residência dos arguidos, pelos arguidos AA e D,
(61)                              ED, em datas que em concreto não foi possível apurar, mas situadas no período do verão 2017, após contacto telefónico com os arguidos, adquiriu pelo menos por oito vezes cocaína, ao preço de 10,00€ cada dose, e pelo menos duas doses de cada vez. Depois dos contactos telefónicos, deslocou-se para as imediações da casa dos arguidos onde as entregas lhe foram feitas, ora pelo arguido AA ora pelo arguido D.
(62)                             PJ, em datas que em concreto não foi possível apurar, do verão de 2017, e durante cerca de dois meses, até à detenção do AA, após contacto telefónico com os arguidos contactou, adquiriu pelo menos uma vez por semana três pacotes de heroína, ao preço de 10,00€ cada dose, vindo as entregas a ser feitas pelos arguidos nas imediações da sua casa, quer pelo AC, quer pelos arguidos AA e D.
(63)                             PR no dia 12 de setembro de 2017, contactou telefonicamente o arguido AC tendo combinado encontrar-se para aquisição de heroína, nas imediações da resistência deste. Tal encontro não se concretizou, contudo, porque o consumidor foi abordado pela GNR, pelas 14h43m, quando já se encontrava naquele local.
(64)                             AL, em datas que em concreto não se lograram apurar, mas pelo verão do ano 2017, após prévio contacto telefónico com os arguidos, deslocou-se pelo menos por 3 vezes a (…) e junto ao cemitério de (…), onde os arguidos AA e D lhe entregaram, de cada vez, entre uma a três doses de cocaína ao preço de 10€ a dose.
(65)                             RJ, pelo menos nos dias 18 de julho, por duas vezes, e do dia 14 de Agosto, por três o arguido deslocou-se às imediações da residência dos arguidos onde, por cada vez adquiriu heroína e /ou cocaína em quantidades que não foi possível apurar, mas pelo menos uma dose de cada vez, ao preço de 10,00€ a dose, não se tendo logrado apurar qual dos arguidos, e se singular ou juntamente, lhe entregaram os estupefacientes.
(66)                             JP em datas que em concreto não foi possível apurar, mas situadas no verão de 2017, após contacto telefónico com o arguido AC este vendeu-lhe, menos seis vezes, um pacote de heroína e um pacote de cocaína, pelo preço unitário de 10,00€ a dose, vindo as entregas a consumar-se na zona de (…).
(67)                             A de A, em datas que em concreto não foi possível apurar mas durante cerca de dois meses no período do verão do ano 2017, após contacto telefónico com os arguidos, cerca de 8 vezes, adquiriu cocaína, e m cada vez, pelo menos 5 doses, ao preço unitário de 10,00€, vindo as entregas a consumar-se nas imediações da residência dos arguidos e do estabelecimento comercial denominado (…), quer pelo arguido AC, quer pelo arguido AA.
(68)                             AC em datas que concretamente não foi possível apurar, mas situadas entre julho de 2017 e 7 ou 8 de setembro de 2017, após contacto telefónico com os arguidos pelo menos por seis vezes, ao preço de 10,00€ cada dose, vindo as entregas a consumar-se pelo deslocou-se durante o período de um mês, pelo menos uma vez por semana, junto a um poste localizado próximo do viaduto da A25, em (…) e junto às antigas instalações da (…), também em (…), onde o arguido AF lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, uma dose de heroína ao preço de 10€.
(69)                             MS, em datas que em concreto não foi possível apurar, mas pelo menos durante meio ano, até Setembro de 2017, após contacto telefónico, em média de dois em dois dias, adquiriu de cada vez pelo menos 4 doses, de heroína e/ ou cocaína, ao preço unitário de 10,00€ dose, que lhe foram entregues pelos arguidos: ora pelo arguido AC, ora pelos arguidos AA e D, singular ou conjuntamente, nas imediações das residência destes no referido estabelecimento (…).
(70)                             PA Igreja em datas que não foi possível apurar, mas situadas no período do Verão de 2017, após contacto telefónico com os arguidos, veio a adquirir, pelo menos por duas vezes, cocaína, ao valor unitário de 10,00€ a dose, vindo as entregas a consumar-se na zona de (…), não se logrando apurar por qual dos arguidos.
(71)                              No dia 12/09/2017, pelas 15h20, o arguido AC detinha no interior da sua residência, sita no Acampamento da E.N. 231, Rotunda de (…), junto ao acesso da A25, (…), e na sua esfera de disponibilidade, os seguintes objetos, que foram encontrados e apreendidos:
um telemóvel NOS, com IMEI 014301003366990;
um telemóvel NOS, com IMEI 014301003875008;
um telemóvel ZTE, com IMEI 353550035252888;

                                   relativos à atividade dos arguidos AJ, Q e P

(72)                             Na execução do seu propósito, AJ, por si e/ou através dos seus filhos, Q e P veio a estabelecer contactos com:
(73)                             RJ, este quem em datas não concretamente apuradas, mas durante cerca de dois meses seguidos, incluindo o dia 31 de Julho de 2017, após contactos telefónicos, dia sim, dia não, veio a adquirir Heroína e cocaína, ao preço unitário de 10,00€ a dose e, por cada vez, quantidade variável entre 2 a 3 doses e, pelo menos por uma vez, cinco doses. As entregas vieram a consumar-se pelo arguido AJ, nas localidades de (…), (…) e, pelo menos por uma vez, nas imediações do cemitério de (…), desta cidade de (…) não se tendo logrado apurar se o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(74)                             MS, esta que desde data que não foi possível apurar, mas durante, pelo menos nos dois meses que antecederam a detenção de AJ à ordem destes autos, em setembro de 2017, após contacto telefónico veio a adquirir com uma periodicidade diária e por cada dia, em média, 5 doses de heroína e/ ou cocaína, embora tenha chegado a comprar, por mais que uma vez, 10 doses. As entregas vieram a consumar-se pelo arguido AJ, na localidade de (…) e nesta cidade de (…), nomeadamente nas imediações de uma pastelaria denominada "…." não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles
(75)                             CD, esta que desde data não concretamente apurada, mas pelos meses de junho ou julho de 2017, após contacto telefónico, veio a adquirir Cocaína por um número de vezes que não se logrou apurar, mas de cada vez entre duas a três doses, ao preço unitário de 10,00€. As entregas vieram a consumar-se junto aos correios da Quinta do (…), junto ao Hospital, ambos nesta cidade e quantidade não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(76)                             NA, este que em datas não concretamente apuradas, mas situadas no verão de 2017, após contacto telefónico e durante um período de 15 dias, adquiriu a AJ pelo menos por três vezes, e de cada vez duas doses de heroína e /ou cocaína, ao preço unitário de 10,00€ cada dose. As entregas vieram a consumar-se na localidade de (…) pelo arguido AJ.
(77)                             PA, este que em datas que em concreto não foi possível apurar, nas situadas por meados no ano 2017, após contacto telefónico, adquiriu por três ou quatro vezes, cocaína, e pelo menos duas doses de cada vez ao preço de 10,00€ cada dose. As entregas vieram a consumar-se nas imediações do estabelecimento denominado "…" não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(78)                             AA, este que, em datas que não foi possível apurar, mas situadas pelo verão de 2017, após contacto telefónico, pelo menos por quatro vezes, adquiriu em cada vez um pacote de Heroína, ao preço de 10 euros por pacote. As entregas vieram a consumar-se nas imediações do referido estabelecimento (…), não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(79)                             GA, este que, em datas que não foi possível apurar, mas pelo verão do ano de 2017, após contacto telefónico, pelo menos por três vezes, adquiriu pelo menos um pacote de cocaína de cada vez, ao preço de 10,00€. As entregas vieram a consumar-se nas imediações de estabelecimentos de café nas zonas de (…) e (…), não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(80)                             MF, este que, em datas que não foi possível concretamente apurar, mas situadas entre o início do mês de agosto de 2017 e 12 de setembro de 2017, após contacto telefónico, uma frequência quase diária, adquiriu pelo menos um pacote de cocaína de cada vez, ao preço de 10,00€ cada pacote. As entregas vieram a consumar-se na estrada que liga as localidades de (…) não se tendo logrado apurar se AJ o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles.
(81)                              DJ, este que, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os 3 a 4 meses anteriores à detenção do arguido, em 12 de setembro de 2017, após contacto telefónico, pelo menos duas vezes por semana adquiriu heroína e cocaína, em quantidades variantes, consoante o dinheiro disponível, entre 20,00€ a 50,00€, sendo cada dose de estupefaciente no valor de 10,00€. As entregas vieram a ser feitas pelo arguido AJ, embora não se lograsse apurar se o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles, bem assim o local onde essas entregas se consumaram.
(82)                             JA, este que, em datas que, em concreto, Não foi possível apurar, mas durante pelo menos um mês, anterior a 12 de setembro de 2017, após contacto telefónico, em média duas vezes por semana adquiriu pelo menos um pacote de heroína ou cocaína, no valor de 10,00€ por cada dose. As entregas vieram a ser feitas pelo arguido AJ, embora não se lograsse apurar se o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles, bem assim o local onde essas entregas se consumaram.
(83)                             RR, este que, em datas que não foi possível, em concreto apurar, mas pelo menos durante cerca de dois meses, entre junho e agosto 2017, com uma frequência quase diária, após contato telefónico, adquiria para si, pelo menos uma dose de cocaína por dia e, pelo menos uma vez por semana, 5 a 6 doses, para si e para amigos seus, sempre ao preço de 10,00€ cada dose.
(84)                             PM, este que, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados de junho de 2017 e meados de agosto de 2017, após contacto telefónico, deslocou-se por três ou quatro vezes ao recinto da feira semanal e às imediações dos Correios da (…), onde AJ lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, uma quantidade não determinada de cocaína e heroína cujos valores variaram entre 10€ e 20€.
(85)                             A de A, em datas que não possível apurar em concreto, mas situadas entre julho de 2017 e 12 de setembro de 2017, depois de contacto telefónico com o arguido AJ, deslocou-se, uma ou duas vezes por semana, junto ao pinheiro localizado próximo do viaduto da A25, em (…), na (…) e ao pé da ponte, na Rotunda de (…), onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, entre duas a três doses de cocaína a 10€ a dose
(86)                             AC, em datas que, em concreto, não foi possível apurar durante cerca de um mês e meio 2017 e o inicio de setembro de 2017, após contacto telefónico, deslocou-se, por regra uma vez por semana, à pastelaria sita junto ao (…) e uma vez no posto de abastecimento de combustível de (…), onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, uma dose de heroína, ao preço de 10€ a dose
(87)                             VM, este que, pelo menos por cinco vezes, em datas que em concreto não foi possível apurar do verão do ano 2017 e antes do mês de setembro, após contacto telefónico, adquiriu de cada vez uma dose de cocaína, pelo valor de 10,00€ a dose. As entregas vieram a ser feitas pelo arguido AJ, embora não se lograsse apurar se o fez em conjunto com ambos os filhos ou se apenas algum deles, na ponte do (…) e na (…), nas imediações da residência dos arguidos.
(88)                             No dia 12 de setembro de 2017, pelas 14h50m, AJ, detinha na sua residência, sita no Acampamento na Rua do (…), (…) e na sua disponibilidade, os seguintes objetos/produtos, que foram encontrados e apreendidos:
(….).
no quarto, junto porta
27.       Uma caçadeira com a coronha partida, de um cano calibre 12, marca B.F.P, com n.º 1911;

num canto do quarto (lado esquerdo)
28.       Uma caçadeira de dois canos calibre 12, marca Saint-Etienn com o n.º 222;
29.       Uma arma de fogo de caça calibre 9mm, com marca não visível (raspada) e com o cano n.º 85;
30.       Um estojo de transporte de arma de caça.
na 1.ª gaveta da cómoda
31.        Quatro cartuchos calibre 12.
32.       Um revolver calibre 11 mm “Lefauchex” sem marcas ou números visíveis.
33.       Duas caixas de munições marca “GEVELOT” calibre 9mm, tendo uma 50 munições e outra com 26 munições.
(….).

Na gaveta da cómoda - A5 Um estojo em rede de cor verde contendo:
38.       um saco plástico com sessenta e seis pacotes de cocaína, substância inscrita na Tabela I-B anexa ao Decreto Lei n.o 15/93, de 22/01, com o peso líquido de 4,515 gramas, sendo o seu grau de pureza de 51,4% suficiente para 77 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03;
39.       um outro com quarenta e oito pacotes de heroína, substância inscrita na Tabela I-A anexa ao Decreto Lei n.o 15/93, de 22/01, com o peso líquido de 4,553 gramas, sendo o seu grau de pureza de 11,0% suficiente para 5 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03;
40.       um pacote de cocaína, substancia inscrita na Tabela I-B anexa ao Decreto Lei n.º 15/93, de 22/01, com o peso líquido de 1,035 gramas, sendo o seu grau de pureza de 55,5% suficiente para 19 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03;
41.        Uma carteira em pele de cor preta contendo um saco com cento e vinte e três pacotes de heroína, substancia inscrita na Tabela I- A anexa ao Decreto Lei n.º 15/93, de 22/01, com o peso líquido de 12,281 gramas, sendo o seu grau de pureza de 9,9% suficiente para 12 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03;
42.       Um saco com cento e dezanove pacotes de cocaína, substancia inscrita na Tabela I-B anexa ao Decreto Lei n.o 15/93, de 22/01, com o peso líquido de 8,808 gramas, sendo o seu grau de pureza de 51,6% suficiente para 151 doses individuais diárias, segundo os limites estabelecidos pela Portaria 97/96, de 26/03;
na gaveta da mesinha de cabeceira - A6
43.       Uma munição por percutir, calibre 9 mm.
(…).
(89)                             Os produtos estupefacientes eram propriedade do arguido AJ e destinavam-se a ser vendidos, por ele e pelos arguidos P e Q, a consumidores que para o efeito os contactassem e por preço superior ao da sua aquisição.
(90)                             Os telemóveis e os cartões (SIM, papel e cartão com anotações numéricas) apreendidos eram propriedade dos arguidos AC e AJ e serviam para contactar com os consumidores e fornecedor dos aludidos produtos estupefacientes.
(91)                              O dinheiro apreendido ao arguido AJ, excluindo o que estava na posse da companheira, de 280€, foi adquirido através da venda dos estupefacientes.
(92)                             Todos os arguidos atuaram livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a natureza e características estupefacientes da heroína e cocaína, que sabiam não poder transportar, comprar, deter, vender ou ceder a qualquer título, sem para tal estarem autorizados.
(93)                             Todos os arguidos sabiam que, por isso, a aquisição, detenção, transporte, venda e cedência a terceiros daqueles estupefacientes, nos termos em que o fizeram, é proibido e punido por lei como crime e que, ao empreenderem qualquer uma dessas condutas, incorriam em responsabilidade criminal. Não obstante, decidiram atuar nos anteditos termos.
(94)                             Todos os arguidos atuaram com o propósito de obter, pela venda, proventos de valor económico, consubstanciado na diferença entre o custo de aquisição e valor de revenda, que sabiam ilícitos por provenientes de uma atividade que constituía crime de tráfico de estupefacientes.
(95)                             O arguido AJ não possuía qualquer licença de uso e porte de armas que lhe permitisse a respetiva detenção e/ou uso das armas de fogo e das munições de que era proprietário nem as mesmas se encontravam registadas e/ou manifestadas.
(96)                             O arguido AJ agiu livre, volutaria e conscientemente, conhecendo as características das armas e munições, sabendo que para delas ser proprietário, as deter, guardar, usar ou trazer consigo era necessário obter previamente a respetiva licença e que, ao agir nos anteditos termos, incorria em responsabilidade criminal.
(97)                             (…)

(….).


2.2. No acórdão recorrido, enumeraram-se os seguintes FACTOS NÃO PROVADOS (transcrição):

(….).


2.3. Motivou-se a matéria dada como provada e não provada da seguinte forma (transcrição):

              (…)
               
              3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

            3.1. RECURSO A – DE AJ

3.1.1. Nulidade do acórdão nos termos do artigo 379º/1 b) do CPP
3.1.1.1. Entende o recorrente que foi condenado com base em factualidade não constante da pronúncia/acusação, sem que tivesse sido dado cumprimento ao disposto nos artigos 358º e 359º do CPP, o que configura uma nulidade de sentença nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea b) do CPP.
3.1.1.2. De acordo com o princípio acusatório, a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão., traduzindo-se tal correlação na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal.
Depois de fixado na acusação, o objecto do processo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença – é o chamado princípio da identidade.
A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido. Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido – que se presume inocente – que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
Contudo, como refere Germano Marques da Silva, “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo” (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
«O processo penal não é um processo acusatório puro e o legislador não deixou o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente ao esclarecimento dos factos. Ao processo penal estão subjacentes preocupações de justiça que impõem uma mais completa indagação da verdade permitindo que a versão dos factos construída no processo e a realidade se aproximem.
O que aponta para a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio que resolva a tensão entre princípios aparentemente em litígio, remetendo-nos para a magna questão da definição do objecto do processo e das condições em que a conformação dos factos constantes da acusação pode ser alterada» (Acórdão da Relação de Coimbra de 17/6/2009, in Pº 122/07.7GCACB.C1).
O CPP de 1987 distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial.
O artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P. de 1987, define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359.º do CPP.
Ouçamos a lei.
Estatui o artigo 358.º, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia:
«1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia».
Por seu lado, o artigo 359.º reporta-se à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis.
Salienta o STJ, em acórdão de 21 de Março de 2007 (processo 07P024, www.dgsi.pt):
«Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa.
É este o sentido da definição constante do artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal para “alteração substancial dos factos”, que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.»
Sobre o alcance do conceito de “alteração substancial dos factos” pronunciou-se também a Relação do Porto, em acórdão de 23 de Maio de 2007 (processo 0513936, www.dgsi.pt), nos seguintes moldes:
«Fixemo-nos na imputação de crime diverso.
Como se referiu, o objecto do processo, melhor diríamos, da acusação, que vincula tematicamente o tribunal, é constituído por aquele facto naturalístico que se discute, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o agente é alvo de censura.
No conceito há uma relação dialéctica entre facto e crime.
Por outro lado, nos termos do n.º 4 do art.º 339.º, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação; os factos alegados pela defesa; os factos que resultarem da prova produzida em audiência; as soluções jurídicas pertinentes, em obediência ao princípio da verdade material.
Tendo a discussão da causa esta amplitude, pode acontecer que:
a) Da discussão da causa resulte adição ou modificação dos factos constantes da acusação, sem intervenção da entidade acusadora;
b) O arguido não tenha oportunidade de se defender de todos os factos apurados, violando-se o princípio que lhe consagra todas as garantias de defesa.
Ora, conhecido o conceito de facto e a sua relação dialéctica com o tipo legal; conhecido o thema decidendum; conhecido o objecto do processo; e conhecidas ainda as razões porque não pode ser modificado o objecto do processo, cremos estar em condições de encontrar critérios que nos permitam afirmar se há ou não alteração substancial dos factos.
Cremos poder afirmar que se imputa ao arguido um crime diverso quando:
1. Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;
2. Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;
3. Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.
O critério normativo – é disso que se trata – encontrado só fica completo quando se fizer a previsão das situações em que o arguido não teve oportunidade de se defender dos novos factos, com relevância jurídico-penal.
Assim, importa acrescentar que, para efeitos de alteração substancial dos factos, imputa-se ao arguido um crime diverso quando:
4. O arguido não teve oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos.
Nos termos da 2ª parte da alínea f) do n.º 1 do art.º 1º, estamos ainda perante uma alteração substancial dos factos quando:
5. Por força da modificação ou aditamento de novos factos, resulte o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ao arguido (…)»
Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º, n.º1, do CPP.
Diga-se ainda que a lei fulmine com nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do C. Processo Penal (art. 379º, nº 1, b), do mesmo código).
3.1.1.3. Ora, no nosso caso, não há qualquer alteração substancial de factos pois o crime não é diverso e a moldura penal abstracta permanece a mesma (estava pronunciado pelo artigo 21º e as variações que foram feitas não chegam para agravar o tipo para o artigo 24º do diploma de 1993).
Mas haverá uma alteração não substancial?
Diremos nós que não estamos perante qualquer facto novo relevante que apenas tenha surgido por ocasião da audiência.
Além disso, dir-se-á que, mesmo considerando que são novos factos, e que estamos perante uma alteração não substancial dos mesmos, não haveria nunca necessidade de fazer a comunicação a que alude o artigo 358º/1 do CPP – de facto, apenas se fez uma pormenorização e clarificação mais rigorosa do tipo de transacção feita entre o arguido e o específico comprador, sendo certo que esta novas nuances não consubstanciam qualquer alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido.
De facto, importa distinguir, em função dos casos concretos, aquelas situações em que a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, daquelas outras em que tal omissão não tem qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido.
Como se afere no Acórdão da Relação do Porto de 12/1/2011, «há uma razão lógica e substantiva para o legislador impor a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e a alteração da qualificação jurídica dos mesmos: está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava.
A própria Lei ressalva que a comunicação só tem lugar se a alteração tiver “relevo para a decisão da causa” e se não tiver “derivado de factos alegados pela defesa” [n.º 1 e 2 do citado art.]. Compreende-se: tanto num caso como no outro, a alteração (dos factos ou da sua qualificação jurídica) não tem uma repercussão negativa na estratégia de defesa do arguido».
É esse interesse de salvaguarda dos direitos de defesa do arguido que justifica a imposição da comunicação, não sendo algo de formal ou automático.
Como já alguém rezou, «na constante procura do equilíbrio entre o interesse público da aplicação do direito criminal – mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos – e o direito impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de defesa vinga a leitura atenta e racional da Lei que dê sentido útil à afirmação dos direitos consagrados e eficácia ao sistema processual implantado».
Deste modo, há que ser razoável na leitura dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal - como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/99: “(…) erige-se assim em critério orientador a defesa eficaz do arguido, permitindo que ele tome conhecimento das alterações de factos que sejam relevantes do ponto de vista daquela defesa (...)”.
Tem a jurisprudência e a doutrina apontado alguns casos em que se dá conta da irrelevância negativa de certas alterações para os direitos de defesa do arguido – falamos das situações em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado [Ac.STJ de 7.11.2002]: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
A nossa situação nem a isso chega.
A unidade criminosa mantém-se intocada, a realidade fáctica é aquela, embora com algumas nuances de pormenor que não agudizam, nem de longe nem de perto, a situação do arguido.
Tem-se, de facto, entendido, com alguma margem de consenso, que a comunicação do artigo 358º/3 do CPP, apenas se efectuará quando se tratar de uma modificação relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa [Ac. T. C. n.º 330/97 (DR II 1997/Jul./03), 387/2005, (DR II 2005/Out./19); Ac. STJ de 1991/Abr./03, 1992/Nov./11, 1995/Out./16, 2006/Abr./06 (BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt, CJ II(S), 161)].
No que concerne à alteração da qualificação jurídica, encontra-se actualmente ultrapassado aquele posicionamento de plena liberdade de qualificação jurídica sem haver comunicação prévia, pois impõe-se que esta se realize [Ac. TC 173/92; 279/95; 16/97, 445/97], tanto em 1.ª instância, aqui em audiência de julgamento, [Ac. TC 518/98; Ac STJ n.º 3/2000, de 15/12/1999], como nos tribunais superiores.
Tanto mais que actualmente a lei é expressa nesse sentido [358.º, n.º 3, 424.º, n.º 3].
Continuamos a opinar que, a par da alteração não substancial dos factos, a alteração da qualificação jurídica que impõe a obrigatoriedade dessa comunicação deverá ser igualmente relevante, pois só estas são susceptíveis de integrar situações de “indefesa constitucionalmente relevante”.
Retomando a jurisprudência anteriormente traçada que conduziu à consagração expressa do dever de comunicação da alteração da qualificação jurídica, temos como denominador comum de todas elas que se tratava sempre de incriminações cuja moldura penal abstracta da condenação era sempre mais grave do que aquela pela qual o arguido tinha sido acusado.
Nestes casos, a inobservância do contraditório resultava num manifesto e grave prejuízo para a defesa.
O mesmo não se passa se persistir uma homogeneidade da factualidade, o que sucede sempre que esta permanece íntegra, ou então se ocorrer uma homogeneidade descendente, em que aquela se vê amputada de circunstâncias agravativas da conduta do arguido, que permitem uma mais benevolente qualificação jurídica dos factos, em virtude destes passarem a integrar um tipo de crime menos grave.
Nestas situações, não surgem vulneradas as garantias de defesa do arguido, na vertente do princípio do contraditório, porquanto não existe uma heterogeneidade da qualificação jurídica que o apanhe de surpresa e lhe cause um prejuízo grave – e isto porque o núcleo essencial do tipo base persiste, havendo antes um deslizamento da qualificação jurídica para um tipo legal de crime “inferior”, tendo sempre a sua defesa abrangido o centro irredutível da qualificação jurídica que identifica o tipo base.
Voltando ao Acórdão de 15/6/2011, «a ideia do “favor defensionis” não fica assim atingida quando se mantém a prática do mesmíssimo tipo de crime, passando-se apenas do seu cometimento em co-autoria para autoria [Ac. STJ 2005/Nov./09 CJ (S) III/205] ou então, estando-se numa relação de hierarquia no âmbito da tutela do mesmo bem jurídico, se desce de um crime mais grave para um outro menos grave [Ac. STJ de 1991/Abr./03, CJ II/17; Ac. TC 330/97; Ac. R. P. 2011/Jan./12, 2011/Mar./02(12)]».
No nosso caso, o sentido da acusação mantém-se o mesmo.
É o mesmo pedaço de vida que se discute.
Os alegados factos diversos são factos que formam uma unidade necessária, indissociáveis dos que constam da acusação/pronúncia.
Não é descoberta outra diversa “realidade” factual, porque ocorrida noutras circunstâncias ou praticada por outras pessoas (seria dramático se tivesse sido o arguido condenado com base no tráfico de droga relativamente a novos compradores não constantes da pronúncia – ora, aqui nestes autos, os compradores que constam do rol de factos provados já constavam da peça acusatória/pronúncia, não havendo um novo).
Nem todos os 26 compradores da acusação, no que tange à actividade de tráfico do arguido AJ, constam do rol de factos provados mas temos um número de transacções que é mais do que suficiente – em número de 15 (cfr. factos 73 a 87[4]) - para a subsunção do comportamento do arguido à ilicitude do artigo 21º.
Ou seja, os factos que o recorrente alega serem diversos são os mesmos factos, juridicamente falando, o mesmo pedaço da vida que o Ministério Público fez constar na acusação.
Seguimos de perto a nossa jurisprudência que tem defendido que:
· não existe uma alteração dos factos integradora do artigo 358.º do CPP, quando a factualidade dada como provada na sentença consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos [cf. Ac. TC n.º 330/97, in DR II, 1997/Jul./03];
· Não tal existe também quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes [cf. Ac. STJ de 1991//Abr./03, de 1992/Nov./11 e de 1995/Out./16, in BMJ n.º 406/287, n.º 421/309 e em www.dgsi.pt];
· Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a ação do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia [Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR II, 2005/Out./19];
· Da mesma forma, não se poderá falar de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta «exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem [cf. o Ac. STJ de 23/06/2005, processo n.º 1301/05, CJ, Tomo 2/2005);
· Daí que se possa dizer, que "só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstrata mais grave.
· A modificação dos restantes factos que constem da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa" e que "(... ) não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias da execução do crime (incluindo o dia, hora, local, modo de execução e instrumento do crime), desde que essas circunstâncias não constituam elementos do tipo legal, nem constituam um outro facto histórico unitário" [Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Lisboa, 2007, pp. 41].
Dito de outra forma: a “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Já a “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.
No nosso caso, as alterações pontuais introduzidas pelo Tribunal na descrição dos factos resultantes das transacções de droga entre o arguido AJ e os seus compradores, revelam-se, aos nossos olhos, como inócuas e absolutamente irrelevantes para a decisão da causa, que nem sequer atinge o patamar de uma alteração não substancial, que devesse ser comunicada ao arguido/recorrente, nos termos previstos no art. 358.º do CPP.
Na realidade, falamos de aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica.
Veja-se o aresto do STJ de 20/12/2006 que decidiu em caso algo paralelo que:
«A circunstância de terem sido dados como provados «dois casos concretos de transação de droga com indivíduos não identificados» não integra a noção de «alteração não substancial», pois, mesmo a existir, não modificaria o quadro factual da acusação, nem teria qualquer relevância para a qualificação ou para a determinação da moldura penal, não assumindo, assim, interesse para a decisão da causa, pelo que não se verifica violação do procedimento - tributário do princípio do acusatório - previsto nos arts. 358.° ou 359.°, do CPP».
Ou seja, a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.
Não havendo, in casu, factualidade nova relevante capaz de surpreender a defesa, não haveria, pois, de fazer qualquer comunicação ínsita no único artigo do CPP que aqui poderia ser invocado – o artigo 358º do CPP, pois nunca seria de convocar o artigo 359º do CPP pelas razões já expostas.
 Como tal, improcede a arguição de nulidade nos termos expostos, não ocorrendo qualquer supressão dos direitos da defesa.
Assim sendo, improcede a alegada nulidade de sentença.
*
3.1.2. Há ambiguidades e erros no texto do acórdão a carecer de correcção?
(….).

3.1.3. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(….).
(….).

3.1.4.  SOBRE A MEDIDA DA PENA
(…).


3.2. RECURSO B (intentado por AC)

(….).


                III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em:
1º- corrigir o texto do Acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 380º, n.º 2 do CPP [e porque estas alterações não desvirtuam o «sentir» do aresto, sendo ostensivos erros materiais, lamentáveis mas compreensíveis face à extensão do aresto], nos seguintes pontos:
· determinando-se que, a fls 4593-v do mesmo, a linhas 15-16 (ponto E do facto não provado n.º 111) quando se lê
«(E) – Quanto aos arguidos AC, D e AA, que:»
dever-se-á ler:
«(E) – Quanto aos arguidos AJ, Q e P, que:»
· determinando-se que, a fls 4602-v a 4603-v (ponto 160 da motivação de facto dos factos provados) quando se lê «72 a 86», nas várias identificações das vendas a consumidores, dever-se-á ler a cadência de «73 a 87»;
· determinando-se que, a fls 4605-v, no ponto 173 referente à motivação dos factos não provados, quando se lê
«Em (E) relativas aos arguidos AC, D e AA, que:»
dever-se-á ler:
«Em (E) relativas aos arguidos AJ, Q e P, que:»
· determinando-se que, a fls 4604, no ponto 168 quando se lê
«Quanto aos factos não provados elencados em (110), (…)»
dever-se-á ler:
«Quanto aos factos não provados elencados em (111), (…)»
· determinando-se que, a fls 4606-4607, no ponto 173.3 em vez de «(168.3)», dever-se-á ler «171.3», no ponto 173.5 em vez de «(166,.5,.6,.7,.8. e .9)», dever-se-á ler «169,.5,.6,.7,.8, e .9»; no ponto 173.6 em vez de «(166,.5,.6,.7,.8 e .9)», dever-se-á ler «169,.5,.6,.7,.8, e .9»; e no ponto 173.8.9.10 em vez de «(166,.5,.6,.7,.8. e .9)», dever-se-á ler «169,.5,.6,.7,.8, e .9».

· determinando-se que, a fls 4613, a linha 5, quando se lê
«.1 pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 25º, n.º 1 do…»
dever-se-á ler:
«.1 pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, n.º 1 do…»
· determinando-se que, a fls 4612, a linhas 9 e 14, quando se lê
«recetação»
dever-se-á ler:
«detenção de arma proibida».
· determinando-se que, a fls 4618-v, nos pontos 4, 5, 6 e 7, onde se escreve, a propósito de quatro arguidos não recorrentes D, AA, Q e P, «p. e p. pelo n.º 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01»
dever-se-á ler:
«p. e p. pelo artº 25º[5], n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01» [cfr. fls 4613 – ponto 221 (g)]
· determinando-se que, a fls 4618, a linhas 19 e 20, quando se lê
«operando a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos JC, AJ, Q e P»
dever-se-á ler:
«operando a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos JC, D, Q e P»
*
2º- julgar não providos os recursos – A e B - intentados por
o AJ e
o AC,
 mantendo na íntegra o acórdão recorrido.

Comunique de imediato ao tribunal de 1ª instância, com nota de não trânsito em julgado (cfr. artigo 215º, n.º 6 do CPP).
                Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça – individual - em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].

Coimbra, 10 de Novembro de 2021
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo – artigo 94.º, n.º2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)


 Paulo Guerra (relator)
Alexandra Guiné (ajunta)


[1] Foram ainda julgados e condenados neste processo, no mesmo acórdão recorrido, os arguidos JC, D, AA, Q e P, não tendo nenhum destes cinco arguidos recorrido do acórdão.
[2] Opta-se pela numeração árabe em vez da romana para melhor sistematização e formatação do texto.
[3] Retiram-se os factos referentes aos antecedentes criminais e condições pessoais dos 5 arguidos não recorrentes.
[4] (…).


[5] Veja-se a motivação de Direito a fls 4613, ponto 221, (d), (e), (f) e (g), onde constam as tipificações correctas.