Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
153/15.3GBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE NELAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 25.º E 31.º DO DL 15/93, DE 22-01
Sumário: A previsão do artigo 31.º do DL 15/93, de 22-01, ao prever, no condicionalismo descrito na norma, a atenuação especial da pena ou a dispensa de pena, é extensível ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade tipificado no artigo 25.º do diploma legal referido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1 - No processo comum singular n.º 153/15.3GBNLS, do Tribunal Judicial da comarca de Viseu, Juízo de competência genérica de Nelas, foram pronunciados A... , filho de (...) , natural de (...) , nascido (...) 1977, (...) residente (...) e B... , filha (...) , natural de (...) , nascida (...) 1971, (...) , residente na Rua (...) , pela prática dos descritos na acusação pública de fls. 132 e seguintes dos autos, com a imputação ao arguido A... , em concurso efectivo:

- em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C daquele diploma;

- em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) e 4.º, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

- a arguida B... :

- em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C daquele diploma.


*

2. - Realizado o julgamento foi proferida sentença em 8-06-2017, que decidiu (transcrição parcial):

“a) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º e 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-C desse Decreto-Lei, na pena de 15 (quinze) meses de prisão;

b) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) e 4.º, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros); c) Condenar o arguido A... na pena única de 15 (quinze) meses e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

d) Proceder ao desconto de 1 (um) dia na pena de multa aplicada, ficando por cumprir 15 (quinze) meses de prisão e 79 (setenta e nove) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 553,00 (quinhentos e cinquenta e três euros), fixando-se a prisão subsidiária em 52 (cinquenta e dois) dias;

e) Suspender a execução da pena de prisão referida em c) e d), pelo período de 15 (quinze) meses, após trânsito da presente decisão;

f) Condenar a arguida B... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º e 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-C desse Decreto-Lei, na pena de 15 (quinze) meses de prisão; g) Proceder ao desconto de 1 (um) dia na pena de prisão aplicada à arguida, ficando por cumprir 14 (catorze) meses e 29 (vinte e nove) dias; h) Suspender a execução da pena de prisão referida em g), pelo período de 14 (catorze) meses e 29 (vinte e nove) dias, após trânsito da presente decisão; i) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e ordenar a sua destruição, à excepção da arma; j) Declarar perdida a favor do Estado a arma apreendida à ordem dos presentes autos, nos termos do artigo 109.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, cumprindo-se o preceituado no artigo 78.º do Regime Jurídico das Armas e Munições;

k) Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, bem como os encargos com o processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Unidades de Conta, para cada um dos arguidos, e nas demais custas do processo, tudo nos termos do disposto nos artigos 513.° e 374.°, n.º 4, do Código de Processo Penal, artigo 8.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

(…)”

3 – Inconformado com a sentença o arguido A... interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:

“A) Não coloca o arguido em causa os factos dados como provados na sentença condenatória nos pontos 1 a 7 e 11 a 23 no que ao seu comportamento respeita;

B) Sempre o recorrente assumiu o seu erro e os seus comportamentos que ali se descrevem, começando por cooperar com as autoridades na data dos factos, na apreensão dos bens, sempre com uma postura de educação e de colaboração, e autorizando mesmo buscas a um barracão na propriedade rustica e buscas à sua residência;

C) Em sede de primeiro interrogatório e na audiência de julgamento confessou os factos por si praticados, tal como os praticou na verdade, e revelou uma postura de reconhecimento do erro e de 15/22 arrependimento;

D) Sempre com simplicidade e verdade, assumiu o seu comportamento errado;

E) Dos autos resulta que os factos que estão dados como provados integram o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade tal como configurado pela nossa legislação mas não pode deixar de se considerar todos os elementos que foram dados como provados;

F) A forma como se desenrolou esta intervenção policial conduziu a que se encontrasse a plantação de cannabis do arguido, num local ermo com silvas, sem que houvesse efeito estufa e as condições ideais para o desenvolvimento de grande plantação, e da intervenção resultaram apenas e tão só a apreensão de doze plantas de cannabis;

G) Provado ficou também que o arguido não é pessoa referenciada pela GNR ou por outros consumidores como indivíduo que ceda produtos a quem quer que seja;

H) Resulta da sentença que o arguido não chegou a usufruir de qualquer produto da sua plantação e que destinava aquele produto a futuro consumo próprio e como expressamente se refere na sentença para ceder a algum amigo que aparecesse;

i) Não consumiu o arguido qualquer produto da plantação, não cedeu qualquer produto da plantação, e ficou a sua actuação nesse mundo dos estupefacientes limitada à plantação e cuidado daquelas doze plantas que não colocaram no consumo ou no mercado qualquer tipo de produto;

J) O arguido não consome neste momento produtos estupefacientes e na altura era consumidor;

L) Está inserido profissional e socialmente e sempre teve bom comportamento, sendo pai de três filhos menores;

M) Seguramente, lendo a letra da lei, o Julgador deveria ter considerado que in casu estão reunidos os requisitos para que se faça justiça com a dispensa de pena, porquanto as exigências de prevenção geral e de prevenção especial são diminutas, pois que na sociedade onde se insere não o identificam – nem as próprias autoridades o fazem – como ligado ao mundo dos estupefacientes e está com a vida estabilizada e organizada com um total afastamento desse tipo de comportamentos;

N) Trata-se de um arguido primário, colaborante, educado, e com as circunstâncias concretas da sua actuação e tipo e quantidade de produtos em causa sem colocação de qualquer produto sequer para consumo do arguido e muito menos para cedência a quem quer que fosse, merecedor da aplicação do instituto da dispensa de pena;

O) O Legislador deixou a nobre e importante decisão de analisar os factos e o tipo de arguido que em concreto é julgado em cada processo, para que o decisor na sua inteligência e sabedoria possa apreciar da forma mais justa e eficaz de fazer justiça;

P) Não deixou imposições ao decisor, por se tratar de pessoas com capacidade de bem decidir e de fazer a boa aplicação do direito aos factos, e no caso concreto estamos perante um caso em que deve e tem de operar a tal válvula de segurança de que fala o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011 citado na sentença recorrida;

 Q) A dispensa de pena é a decisão certa e adequada por se revelar demasiado penoso para o arguido pessoa integrada na sociedade, primária, colaborante e que teve um comportamento errado e de que muito se arrepende mas que não teve consequências para terceiros nem para si em termos de consumo ou de cedência, e que merece não ficar com o peso de um registo criminal com um crime tão marcante e estigmatizante como o que ora está em causa;

R) Quando assim se não entender, deverá considerar-se que estão reunidos os pressupostos para a aplicação da atenuação especial da pena;

 S) E ainda que assim não se considere – sempre sem prescindir – sempre no caso concreto deverá aplicar-se a pena no seu limite mínimo;

T) Quanto ao crime de detenção de arma proibida o recorrente entende que no caso concreto se impõe a sua absolvição porquanto não se encontra provado o comportamento doloso do arguido, uma vez que o objecto em causa foi adquirido em país estrangeiro, tem as letras identificadoras no rótulo em língua francesa e estava o arguido como motorista de longo curso convicto de que como arma de defesa lhe era permitido em Portugal e no estrangeiro ser portador desse objecto;

U) Nunca usou o mesmo e a abertura do frasco que foi referida só pode ter ocorrido em momento posterior à apreensão e ter sido feita pela GNR ou pela Policia Judiciária;

V) A não se considerar desse modo, sempre a pena a aplicar deverá ser fixada no limite mínimo;

 X) Por fim, a condenação no pagamento de custas deve ser proporcional e adequada ao trabalho que foi produzido no processo, sendo de todo exorbitante a condenação feita em 6 UCs – 3 para cada arguido – num tipo de crime como o dos autos e com o tipo de contestação e de prova que foi produzida em audiência de julgamento;

Z ) Pelo que decidindo pela dispensa de pena do crime de trafico de estupefaciente de menor gravidade, pela absolvição do arguido quanto ao crime de detenção de arma proibida e alterando-se a condenação feita em termos de custas, se fará como sempre nesse Tribunal Superior inteira justiça.

NESTES TERMOS, E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DANDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E REVOGANDO-SE A DECISÃO NOS TERMOS SUPRA REFERIDOS E RECLAMADOS, FAR-SE-Á COMO SEMPRE INTEIRA JUSTIÇA.

4 – O Ministério Público na 1.ª instância, em resposta, concluiu:

“a) O arguido A... pela prática dos seguintes crimes:

-   em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.° e 25.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-C desse Decreto-Lei, na pena de 15 (quinze) meses de prisão;

-   em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2.°, n.º 1, alínea a), 3.°, n.ºs 1 e 2, alínea h) e 4.°, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, á taxa diária de € 7,00 (sete euros);

-   e em cúmulo foi o arguido condenado na pena única de 15 (quinze) meses e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

b)  Em nosso entendimento, a sentença recorrida é exímia em todos os seus aspectos, analisando minuciosamente todas as questões suscitadas como também na apreciação da prova produzida em julgamento;

c)  E, nessa medida, não é de aplicar o instituto da dispensa de pena o 31.° do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, por não se encontrarem verificados os pressupostos legais;

d)  De igual modo, entendemos que não é de aplicar, no caso em apreço, o instituto da atenuação especial da pena;

e)  Por outro lado, entendemos que a pena aplicada quanto ao crime de tráfico de estupefacientes é adequada, necessária e proporcional à gravidade objectiva dos factos dados como provados e à moldura penal aplicável, bem como ao seu certificado de registo criminal; e no que se refere à culpa do agente, atentas as exigências de prevenção geral e especial, e todas as circunstâncias mencionadas na douta sentença recorrida, afigura-se-nos justa e adequada a pena que foi aplicada ao identificado arguido;

f)  Quanto à condenação do arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida, entendemos que o Tribunal ad quo bem andou ao considerar que os elementos objectivos e subjectivos se encontram preenchidos;

g)  E, a condenação em custas, tendo em conta a complexidade da causa, o número de sessões de audiência de julgamento realizadas, o número de testemunhas inquiridas, espelhados nas respectivas actas de audiência de julgamento, em nada se tem por desajustada a referida condenação em custas, a qual deverá manter-se;

h) Impondo-se, por isso, a manutenção da sentença recorrida.


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Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela apelante e mantida a decisão recorrida.

Deste modo, farão Vossas Excelências como habitualmente, JUSTIÇA!”

5 - Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que:

“(…)

“1.            Visa o recorrente com o seu recurso apenas matéria de direito, pugnando pela diminuição das custas, pela absolvição do crime de detenção de arma proibida ou pela diminuição da pena de multa, e, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pugnando pela aplicação da dispensa de pena, ou pela atenuação especial de pena ou diminuição da pena de prisão aplicada.

O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade é punível, pelo art.° 25.°, alínea a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, com pena de prisão de 1 a 5 anos e, o crime de detenção de arma proibida, é punível, pelos art.° 86.°, n.º 1, alínea d), do RJAM com pena de 1 mês a 4 anos ou com multa de 10 a 480 dias (artigos 41.°, n.º 1 e 47.°, n.º 1 do CP).

Como diz a douta decisão recorrida a favor do arguido pende a sua inserção social e profissional, o facto de não estar referenciado pela venda e cedência de produtos estupefacientes, a ausência de antecedentes criminais, o facto de ter colaborado com as autoridades policias, o concreto tipo de estupefaciente apreendido (cannabis), o facto de ter sido apreendida apenas uma arma e ser uma pessoa habitualmente bem comportada.

E, contra si, pende a quantidade concreta do produto apreendido, com o peso líquido de 440,700 gramas, com o grau de pureza de 2,4% (THC), suficiente para 83 doses individuais médias de consumo, que já é significativa, e que agiu com dolo directo, uma vez que representou os factos que preenchem os tipos de crime.

Quanto a custas foi levada em conta a complexidade da causa, traduzida no número de testemunhas inquiridas e no número de sessões de audiência de discussão e julgamento realizadas.

O art.° 31.° do Dec. Lei n.º 15/93, prevê a atenuação especial e a dispensa de pena, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações.

Exige-se, pois uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, ou seja, que as circunstâncias concretas da conduta do agente justifique uma punição menos severa daquela que resulta da norma incriminadora.

Não me parece que seja o caso, já que a colaboração do arguido com a autoridade policial foi a normal, perante a evidência da apreensão do produto estupefaciente que resultou apenas da investigação levada a cabo pela GNR.

Por outro lado, o facto de ter praticado o crime em co-autoria com a arguida B... a e que, para além dos 440,700 gramas de cannabis já recolhidos, as plantas continuavam com apetência para produzirem colheitas posteriores, não são circunstâncias que façam supor uma diminuição acentuada da culpa e da ilicitude do arguido, parecendo-me que a pena aplicada de 15 meses de prisão se encontra bem determinada de acordo com o disposto nos artigos 40.° e 71.° do Código Penal, em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida, encontrando-se preenchido o elemento objectivo do crime, a detenção de um aerossol de defesa, bem assim o elemento subjectivo, traduzido na sua conduta voluntária, livre e consciente da punibilidade criminal, a sua condenação pela prática deste crime é correcta.

Na verdade, o arguido, embora sendo camionista internacional de longo curso, é cidadão português e como qualquer cidadão deste país sabe que em Portugal é crime deter um aerossol contendo gás pimenta.

A pena de 80 dias de multa, também me parece que se encontra bem fixada, dentro dos limites fixados na lei e em função da culpa do arguido e das grandes exigências de prevenção geral.

As custas também me parecem que se encontram bem fixadas, de acordo com a complexidade do processo, de acordo com o art.° 8.°, n.° 9 e Tabela anexa III, do Regulamento das Custas Judiciais, que fixa as custas pela condenação em 1.a instância em processo comum entre 2 e 6 UC, considerando as fases de inquérito, instrução e julgamento, o número de testemunhas nelas inquiridas e as 4 sessões de audiência de discussão e julgamento realizadas.

2.  Nesta conformidade, sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a douta decisão recorrida.”


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Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO


1. Dispõe o art. 412º, nº 1, do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, e como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).

     Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir são:

- Saber se estão verificados os pressupostos que determinam a admissibilidade de dispensa da pena nos termos do art 31º do DL assim como os requisitos, cumulativos, vertidos no artigo 74° do Código Penal.

- Consciência da ilicitude – crime de detenção de arma proibida.

- Medida concreta da pena - atenuação especial; aplicação do mínimo legal.

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2. A sentença recorrida

2.1. Factos Provados

“Factos Provados

Discutida a causa, resultaram provados com interesse para a decisão a proferir os factos seguintes: Da acusação e pronúncia

1) Desde data não concretamente apurada, os arguidos A... e B... vêm-se dedicando à cultura de, pelo menos, doze plantas de canabis, tendo atingido uma altura média de 0,85 metros, as quais se encontravam plantadas perto de uma linha de água e em local dissimulado por vegetação composta por ervas silvestres e silvas, num terreno rústico denominado « x (...) », sito junto à variante de y (...) , outrora cultivado pelos pais do primeiro arguido.

2) E, efectivamente, em data indeterminada, mas anterior ao dia 21 de Outubro de 2015, os arguidos deslocaram-se ao terreno rústico acima mencionado, onde se encontravam plantadas as referidas doze plantas de canabis, e procederam ao corte das suas pontas, tendo-as colocado num recipiente que deixaram no referido local.

3) Após, em hora não concretamente apurada, mas compreendida entre o dia 21 de Outubro e as 15h00 do dia 22 de Outubro de 2015, os arguidos regressaram de novo ao referido local e retiraram as pontas do mencionado recipiente, com o peso líquido de 440,700 gramas, possuindo o grau de pureza de 2,4% (THC), suficientes para 83 (oitenta e três) doses individuais médias de consumo, tendo-as colocado num saco de compras, assim as dissimulando de forma a possibilitar o seu transporte para outro local.

4) E, no dia 22 de Outubro de 2015, cerca das 15h00, os arguidos dirigiram-se novamente àquele terreno rústico e procederam à retirada dos sacos que envolviam os vasos onde as plantas estavam acondicionadas, a fim de estas ficarem directamente em contacto com a terra, permitindo, desse modo, obter colheitas posteriores.

5) No mesmo dia, encontrava-se naquele sítio um bidon de cor azul, um balde de cor cinzenta e uma enxada.

6) Ainda no referido dia 22 de Outubro de 2015, os arguidos detinham na sua residência, sita na Rua (...) , no interior da gaveta de um móvel da sala, 92 (noventa e duas) sementes de canabis, com o peso líquido de 1,220 gramas.

7) Naquela ocasião e lugar, o arguido A... detinha também, na sala da residência, um recipiente em metal de cor preta, de marca SAM 7 ACTION 70, contendo no seu interior gás neutralizante (vulgo gás pimenta), contendo 2-clorobenzalmalononitrilo (CS), o qual possui propriedades lacrimogéneas.

8) Os arguidos agiram de forma concertada e em comunhão de esforços e vontades, e, não obstante conhecerem a natureza estupefaciente das referidas plantas e não possuírem licença para proceder ao cultivo das mesmas, quiseram cultivá-las no terreno rústico denominado « x (...) », destinando as respectivas colheitas à cedência a terceiros.

 9) O arguido A... quis ainda agir do modo descrito, com o propósito concretizado de guardar e deter o identificado aerossol, ciente das mencionadas características e aptidão para ser utilizado como instrumento de agressão, bem sabendo que lhe era proibido guardá-lo ou detê-lo.

10) Em todas as circunstâncias, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Da audiência de julgamento

11) Os arguidos colaboraram nas diligências de busca e apreensão. Das condições pessoais dos arguidos

12) O arguido é motorista internacional, auferindo mensalmente a quantia de cerca de €750,00. 13) Vive sozinho, em casa arrendada, pagando € 150,00 de renda.

14) Paga pensão de alimentos dos seus três filhos menores, no valor de € 300,00.

15) O arguido já teve contacto com drogas, não consumindo actualmente tais substâncias.

16) O arguido é pessoa habitualmente bem comportada.

 17) Não tem antecedentes criminais.

18) Tem o 4.º ano de escolaridade, sabendo usar a internet.

19) A arguida é vendedora, auferindo mensalmente a quantia de € 700,00.

20) Vive sozinha, em casa arrendada, pagando € 300,00 de renda.

21) Não tem antecedentes criminais.

22) Tem o 6.º ano de escolaridade.

23) Os arguidos não estão referenciados pela venda ou cedência de droga.

Factos não provados:

Não ficaram por apurar quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente:

A) Que a arguida não praticou os factos que lhe foram imputados;

B) Que a arguida não se tinha apercebido da plantação de cannabis;

C) Que, na altura dos factos, a arguida estava a plantar cedros;

D) Que a arguida apenas se limitou a ajudar o arguido a deitar as plantas de cannabis ao lixo;

E) Que a arguida desconhecia que, na sala da sua residência, nomeadamente no móvel da sala, se encontravam escondidas sementes de cannabis.


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Não ficaram ainda apurados os factos constantes das contestações que fossem uma repetição do constante da acusação, que fossem conclusivos ou que fossem irrelevantes para a boa decisão da causa.

6 - Fundamentação da Convicção do Tribunal

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade acima apurada com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e criticamente analisada. Assim, para a prova dos factos constantes do libelo acusatório/pronúncia, a convicção do Tribunal formou-se com base nos documentos juntos aos autos, designadamente:

- Auto de Notícia, a fls. 5 a 8, que pode ser ponderado enquanto documento intraprocessual (cf. artigo 164.º do Código de Processo Penal e ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 05 de Janeiro de 2011, in www.dgsi.pt), dos quais resultam corroborados os factos apurados, mais concretamente que os arguidos, na altura da detenção, encontravam-se a executar trabalhos de manutenção das plantas de cannabis e que, quando confrontados pela polícia, reconheceram estar a fazer essa manutenção;

-Autos de Busca e Apreensão, a fls. 9 e 14, da qual decorre a apreensão de vários itens, entre os quais o cannabis;

 - Relatório Fotográfico, a fls. 10 a 11 e 13, da qual resulta a implementação das plantas de cannabis no terreno em causa;

- Auto de Exame Directo, a fls. 15, do qual decorre a análise ao gás pimenta apreendido;

 - Envio de Vestígios Toxicológicos, a fls. 54, do qual resulta o envio do produto estupefaciente apreendido nos autos e do spray ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária para análise;

 - Guia de Depósito, a fls. 62 a 63, respeitante à droga apreendida nos presentes autos; - Termo de Entrega, a fls. 68, referente à entrega no Tribunal do gás pimenta;

- Guias de Entrega, a fls. 86 e 87, respeitante à entrega da droga apreendida à GNR;

- Formulário de Cadeia de Custódia da Prova, a fls. 89, relativo à entrega do spray e da droga apreendidos à GNR;

- Relatório Pericial, a fls. 56 a 58, do qual resulta a classificação como arma do spray apreendido;

- Relatório Pericial, a fls. 59 a 61, do qual decorre a análise feita ao produto estupefaciente apreendido, com a indicação, para além do mais, do peso e do número de doses resultantes desse produto.

Relativamente ao cultivo da droga, o próprio arguido acabou por admitir o mesmo. Procurou, no entanto, a defesa do arguido propugnar que esta teria sido uma mera má «experiência», de todo o modo, inconsequente. Isso, porém, não se afigura credível.

De facto, por um lado, o arguido assumiu-se como consumidor e confirmou que o produto estupefaciente seria para o seu consumo e para um eventual amigo que aparecesse. Ora, este aspecto é incompatível com uma experiência sem consequências, já que a droga cultivada tinha uma finalidade. A plantação da droga não seria, pois, tão só para uma contemplação da planta, o que seria até ingénuo pensar. Havia um concreto fim para as plantas cultivadas, que aliás, como C... (militar da GNR, que tomou conhecimento dos factos, no exercício das suas funções) indicou de molde espontâneo, «estavam prontas para venda». E nem se diga que o arguido pretendia pôr fim a esta «experiência» no dia da sua detenção. Com efeito, D... , igualmente militar da GNR, que, nessa medida, tomou conhecimento dos eventos, referiu, de modo seguro e logo credível, que, no dia da detenção, o arguido «transplantava a planta do vaso» para a terra. Se assim era, e este Tribunal acredita que sim, o arguido não queria acabar com as plantas, mas, ao invés, tencionava continuar com o cultivo das mesmas. Por outro lado, foram ainda apreendidas sementes, tudo indicando que as plantas cultivadas seriam as primeiras de muitas. A este propósito, é certo que um dos Senhores Peritos que elaborou o relatório de análise à droga apreendida, E... , explicou não ser possível precisar se as sementes apreendidas eram aptas a gerar produto estupefaciente ou se serviriam para fins têxteis. No caso, não há, porém, dúvidas que o objectivo das sementes era para gerar produto estupefaciente, nada havendo nos autos que contradiga este entendimento, tanto mais que o arguido é ou foi consumidor, não estando de alguma forma ligado ao ramo têxtil. Relativamente à arguida, ambos os arguidos procuraram afastar a responsabilidade da arguida no cultivo das plantas. Defenderam que a arguida nada sabia sobre essa plantação.

No entanto, mais uma vez, a versão dos arguidos não se afigura credível e isso por várias ordens de razões. Em primeiro lugar, os arguidos viviam, na altura dos factos, em União de Facto, não sendo verosímil que, comungando em conjunto de uma vida, não soubesse a arguida o que o arguido fazia. Em segundo lugar, a arguida deslocou-se várias vezes ao local, o que leva a crer que a arguida, numa dessas vezes, se terá apercebido das plantas. Referiu, no entanto, a arguida que, no dia da detenção, teria ido plantar cedros no terreno e que, quanto aos demais dias anteriores à detenção, não há elementos que permitam sustentar que cultivava as plantas de cannabis. Ora, no que se reporta ao dia da detenção, H... , militar da GNR, que, no exercício de funções, teve conhecimento dos factos, não viu cedros no local, afastando-se a hipótese de a arguida estar nesse momento a cultivar cedros. Claro que tal não significa que não possam haver actualmente cedros no sítio em causa, o que é corroborado pelas fotografias de fls. 294 a 300. Por um lado, não se sabe quando é que as fotos foram tiradas e quando é que esses cedros existiam, se antes ou se depois da detenção da arguida. Por outro lado, o que importa saber é se a arguida, no dia da detenção, estava a plantar cedros, o que não aconteceu, pois se isso sucedesse, certamente que os militares da GNR teriam dado conta desse facto. Além disso, no dia da detenção, dúvidas não subsistem de que a arguida estava a cultivar as plantas de cannabis, porquanto D... viu a arguida «bem no interior da plantação» de cannabis, tendo esta descido o desnível existente no terreno, para as plantas. E o mesmo se diga relativamente aos dias anteriores, pois, pelas regras de experiência, se a arguida se deslocava várias vezes ao local e se sabia da existência das plantas, como se apurou que sabia, até porque estava, no dia da detenção, no interior da plantação, então certamente que terá cuidado das plantas antes da detenção. Até mesmo porque, como salientou D... «não há plantação agrícola» próxima do local. Assim, se a arguida se deslocava ao local, logicamente que não estaria alheada da existência das plantas, desde logo por não haver, à partida, outro fim para essa deslocação que não fosse tratar das plantas. E se outro fim existia para essa deslocação, então ainda assim a arguida é responsável, quanto mais não seja, por no dia da detenção estar a cuidar das plantas. Ou seja, se a arguida não é responsável pelos dias anteriores, então é-o pelo menos pelo dia da detenção. Procurou a defesa da arguida defender que, no dia da detenção, o que a arguida estava a fazer era a ajudar o arguido a destruir as plantas de cannabis. Não colhe, no entanto, esta versão. Com efeito, como vimos, o arguido não estava, no dia da detenção, a destruir as plantas, mas antes a transplantá-las para o solo. Acresce que, se a arguida se apercebeu, só nesse dia, da existência das plantas de cannabis, então a atitude correcta da arguida teria sido afastar-se do terreno e procurar as autoridades para denunciar a situação. Ao ter auxiliado o arguido, ainda que na destruição das plantas, o que, de qualquer forma, não se acredita, a arguida comprometeu-se com o ilícito, agindo incorrectamente. Sem prejuízo, o que se crê realmente é que a arguida sabia da existência das plantas, tendo ajudado no cultivo das mesmas. Em terceiro lugar, as sementes de cannabis foram encontradas numa gaveta de um móvel da sala, juntamente com outros objectos da arguida. Isto mesmo foi confirmado por I... , que, enquanto militar da GNR, participou nas buscas realizadas. Por aqui uma vez mais se vê que a arguida não podia desconhecer a plantação de cannabis, porquanto a gaveta era sua, estando as sementes na disponibilidade da arguida. Afirmou, contudo, a arguida que não usava a gaveta. Mais uma vez esta versão não afasta o conhecimento da arguida da plantação e das sementes, já que, se o arguido estivesse a ocultar as sementes da arguida, obviamente que não as ia guardar num local ao qual a arguida tinha livre acesso e ao qual a arguida podia facilmente ir para buscar um qualquer objecto pessoal. Por estas razões, entendeu o Tribunal que a arguida deve ser responsabilizada pelo crime que lhe foi imputado. Quanto ao spray, referiu o arguido que o tinha adquirido legalmente no estrangeiro, desconhecendo que era proibido em Portugal. Ainda que se conceba que o spray foi comprado no estrangeiro, já que, como se retira das fotografias de fls. 58, o recipiente do spray contém indicações em francês, entende-se que o comportamento do arguido é censurável. De facto, e como o arguido foi reconhecendo, muito embora tenha apenas o 4.º ano de escolaridade, sabia e sabe usar a internet, tendo recorrido à mesma até para fazer o cultivo da cannabis. De uma simples e rápida pesquisa na internet, é possível conhecer a proibição existente sobre a utilização, sem licença, do gás pimenta. Podia, pois, o arguido facilmente conhecer que a utilização do spray lhe estava vedada. E, note-se, o spray foi utilizado, como confirmaram F... e G... , Senhores Peritos responsáveis pelo relatório elaborado ao gás pimenta, nos presentes autos. Isto é, o arguido utilizou o spray sem se certificar, até mesmo por uma simples pesquisa na net, se o seu uso era ou não era permitido. Sabendo-se que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém e tendo o arguido todas as condições para conhecer a ilicitude da sua conduta, não poderá este Tribunal deixar de responsabilizar o arguido pelo crime de detenção de arma proibida que lhe foi imputado. Além disso, importa ainda realçar que o arguido, sendo um motorista internacional, terá de estar ciente da diversidade de legislação existente nos vários países que vai percorrendo, mais que não seja estradal, devendo ter essa sensibilidade, percebendo que o que é legal em alguns Estados, poderá ser ilegal em outros. Daí que, quanto ao spray, o arguido, até mesmo pela sua profissão, deveria estar mais alerta para a possibilidade de a legislação dos vários países ser diversa, nesta matéria. Apurada a responsabilidade criminal dos arguidos, cumpre ainda salientar que no que concerne ao aspecto subjectivo das incriminações, ponderou-se o iter criminis dos arguidos, ou seja, a acção objectivamente apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência comum, da qual se extrai as suas intenções. Quanto à colaboração dos arguidos com as autoridades policiais, a mesma foi confirmada de molde consentâneo entre si por H... , I... e D... . Claro que esta colaboração não significa que os arguidos não têm responsabilidade criminal. De facto, e ainda que este factor possa influir na determinação da pena, não é por esta cooperação que se retira uma possível inocência dos arguidos. Desta atitude apenas deriva um arrepiar caminho na ilicitude dos seus actos. Quanto às condições pessoais dos arguidos, foram tidas em conta as declarações dos arguidos, que, ao contrário do circunstancialismo da acusação, surgiram de forma sincera e espontânea, de molde a merecerem credibilidade. Foram ainda levados em conta os relatórios sociais, juntos a fls. 334 a 335 (quanto ao arguido), e a fls. 360 a 363 (quanto à arguida).

Relativamente ao bom comportamento habitualmente assumido pelo arguido, foram considerados os depoimentos de J... , irmã do arguido, e L... , amiga do arguido, que, de molde congruente entre si, confirmaram este aspecto.

Foram ainda valorados os teores dos certificados de registo criminal juntos aos autos disponível ainda antes da audiência de julgamento, de molde a estar sujeito ao respectivo exame contraditório, nos termos do n.º 2 do artigo 327.º do Código de Processo Penal.

Quanto ao ponto de os arguidos não estarem referenciados de venda ou cedência de droga, este aspecto foi confirmado de modo isento e firme por Liodoro Simões Rodrigues, militar da GNR.

Os factos não apurados, designadamente o facto de a arguida não ter alegadamente praticado os factos, não se provaram, pelo já anteriormente explicitado.”

3 – Questão prévia

Na motivação do recurso o arguido alude à matéria de facto nos seguintes termos:

“5. Não coloca o arguido em causa a matéria de facto que foi dada como provada, no que a si diz respeito, quanto aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 a 23, reafirmando que a co-arguida não tinha conhecimento dos factos praticados pelo arguido e não agiram em comunhão de esforços e vontades, sendo uma actuação apenas do recorrente e não da sua então companheira;

 6. Quanto ao ponto 8 dos factos dados como provados e na conduta a si imputada apenas refuta da parte final deste ponto onde se diz “ DESTINANDO AS RESPECTIVAS COLHEITAS À CEDÊNCIA A TERCEIROS;

7. E quanto ao ponto 9 reafirma que desconhecia que aquele tipo de objecto não podia ser detido em Portugal, pois que o comprou em França de forma legal e usava o mesmo apenas por razões de segurança na sua actividade de motorista de longo curso;

8. No que se refere ao ponto 10, a conduta do arguido apenas deve assim ser considerada no que toca aos factos dados como provados nos pontos 1 a 6 e não no que se refere ao ponto 7;”

É manifesto que relativamente aos pontos 8, 9 e 10 o recorrente discorda da factualidade considerada provada pelo tribunal a quo.

Contudo omite tal pretensão nas conclusões e na motivação não desenvolveu as afirmações supra assinaladas.

Porém, a desejada alteração da matéria de facto não pode ser atendida.

Explicando:

A impugnação da matéria de facto impõe o cumprimento do formalismo consignado no Código de Processo Penal no art 412º, nºs 3 e 4, formalismo que se mostra totalmente ausente, não só nas conclusões, mas também na motivação “stricto sensu”, o que conduz à impossibilidade desta Relação apreciar a decisão recorrida nesta vertente.

Sobre os ónus que recaem sobre o recorrente e que não observou cfr Ac desta Relação de 28 de Fevereiro de 2018, relator Des. Heitor Vasques Osório, www.dgsi.pt

A impossibilidade de reapreciação da prova fica pois a dever-se exclusivamente ao recorrente.


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3 – Da dispensa da pena

A dispensa da pena está prevista Artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe:

“Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.”

Embora o preceito se não refira directamente ao art 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cientes de que o tipo previsto na norma constitui o tipo privilegiado do tipo fundamental previsto no art 21º do mencionado diploma, impõe-se considerar aplicável a dispensa de pena ao tráfico de menor gravidade. Repare-se que a redacção do art 25º, pressupõe o tipo fundamental de tráfico:

“Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”

Neste sentido o ac do STJ de 11-07-2013, proc. n.º 1690/10.1JAPRT.L1.S1 onde a propósito da aplicação do art 31 do Decreto-Lei nº 15/93 se escreveu: “Na verdade, ao enumerar os casos em que pode haver atenuação ou dispensa de pena, o legislador do Decreto-Lei nº 15/93 faz referência aos tipos de crime, tráfico e outras actividades ilícitas (art. 21º), precursores (art. 22º) conversão, transferência ou dissimulação de bens ou serviços (art. 23º) e associação criminosa (art. 28º). No art. 24º procede-se à previsão de um conjunto de circunstâncias que determina a agravação dos crimes-base dos arts. 21º e 22; por seu turno, no art. 25º, embora epigrafado de “tráfico de menor gravidade” não está previsto um novo tipo de crime, mas uma diminuição da moldura penal abstracta das penas dos crimes dos arts. 21º e 22º, em função da ilicitude do facto consideravelmente diminuída, ou seja em que os factos enquadráveis nos arts. 21º e 22º revelam um menor desvalor da acção a aferir, segundo o texto legal, nomeadamente através dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias. Tal entendimento corresponde à afirmação jurisprudencial de que o art. 21.º do DL 15/93 contém, no n.º 1, a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo e cuja tipicidade, de largo espectro, abrange qualquer contacto com produto estupefaciente de modo a compreender todos os momentos relevantes do ciclo da droga, enquanto nos arts. 24º e 25º estão legalmente previstas situações de agravamento e de privilegiamento.

            Deste modo, para efeitos da aplicação da atenuação especial da pena prevista no art. 31º do Decreto-Lei nº 15/93, ao crime agravado previsto nos art. 21º nº 1 e 24º, não tinha o legislador necessidade de fazer referência a este último preceito.”

Revertendo ao caso concreto, afigura-se-nos insuficiente para preencher os pressupostos da dispensa da pena prevista no citado art 31º, o facto de os arguidos terem colaborado nas diligências de busca e apreensão – facto provado nº 11, - já que daquela norma resulta que o auxílio prestado às autoridades na recolha de provas necessariamente tem de conduzir à identificação ou a captura de outros responsáveis. O que no caso nem se pode verificar, atento o quadro fáctico apurado.

Também não se verificam os restantes pressupostos indicados na norma:

- abandono voluntario da actividade,

- afastamento ou diminuição por forma considerável do perigo produzido pela conduta,

- impedimento - ou sério esforço nesse sentido, - do resultado que a lei quer evitar.

Assim sendo, restaria averiguar se por aplicação do disposto no art 74.º, do C.Penal, o recorrente obtinha a pretendida dispensa da pena.

Ora, basta atentar no que dispõe o nº 1 de tal preceito legal, para se concluir de imediato que a medida da pena aí mencionada constitui desde logo obstáculo inultrapassável à pretensão do recorrente:

“1 - Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;

b) O dano tiver sido reparado; e

c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.

2 - Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de 1 ano, em dia que logo marcará.

3 - Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1.” (sublinhado nosso).

Com efeito, o crime cometido pelo recorrente é punível com «pena de prisão de 1 a 5 anos».

Improcede neste segmento o recurso interposto pelo arguido A... .

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4 – Da falta de consciência da ilicitude

Defende o recorrente quanto ao crime de detenção de arma proibida - gás pimenta - que no caso concreto se impõe a sua absolvição porque o objecto em causa foi adquirido em país estrangeiro, tem as letras identificadoras no rótulo em língua francesa e como motorista de longo curso estava convicto de que como arma de defesa lhe era permitido ser portador desse objecto em Portugal e no estrangeiro.

Entende pois o arguido ter actuado em erro sobre a ilicitude do facto de deter a referida arma, pois que efectivamente não tinha consciência de que tal conduta seria ilícita, erro, não censurável, pugnando por isso, pela sua não punição, por força da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 17.º C Penal.

Como é sabido, elementos constitutivos dos diversos tipos legais de crime, são por um lado, o objectivo, que se traduz na descrição objectiva da acção ou omissão proibida – e, por outro lado, o subjectivo, relativo à atitude - aos conhecimentos - que o agente deve apresentar em relação à realização do tipo penal. Sem a sua verificação cumulativa, não se pode afirmar o preenchimento do tipo.

No ponto 4 do preambulo do código penal o legislador português fez questão de salientar “Característico de toda a filosofia deste diploma é o modo como se consagra a problemática do erro. Na verdade, este ponto pode perspectivar-se como charneira de toda a problemática da culpa, já que é nele - quer se considere o erro sobre as circunstâncias do facto (artigo 16.º) quer o erro sobre a ilicitude (artigo 17.º) - que o direito penal encontra o verdadeiro sentido para ser considerado como direito penal da culpa. Torna-se assim evidente, à luz deste diploma, que o agente só pode merecer um juízo de censura ética se tiver actuado com consciência da ilicitude do facto. Porém, se tiver agido sem consciência da ilicitude e se o erro lhe for censurável, o agente "será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada" (artigo 17.º, n.º 2). Ficam, deste modo, protegidos não só determinados fins da prevenção, como também o valor que todo o direito prossegue: a ideia de justiça.”

É de conhecimento geral que a ignorância da lei a ninguém aproveita, pelo que em princípio o erro é censurável.

A este propósito ensina o Prof Figueiredo Dias, in Direito Penal, parte geral, I, 585/587, que “o critério que nos permitirá dizer quando e onde pode falar-se de uma falta de consciência do ilícito não censurável há-de decorrer, na sua expressão mais geral, do que se entender sobre o conteúdo material do conceito de culpa jurídico-penal e do sentido da falta de consciência do ilícito àquela luz.

O erro excluirá o dolo sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência-ética do agente para o desvalor do ilícito. Caso em que estaremos perante uma deficiência da consciência-psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o tipo específico de censura da negligência”.

Em regra nas situações tipificadas criminalmente, pela relevância axiológica da conduta – desde logo, para os tipos previstos no C Penal - será simples determinar a existência de uma atitude pessoal juridicamente desvaliosa que impede a consciência ética de decidir correctamente a questão do desvalor jurídico do facto - o que forçosamente impõe se conclua pela censurabilidade da falta de consciência do ilícito.

“A circunstância, porém, de não ser em muitos casos possível - sobretudo nas, cada vez mais frequentes, neo-criminalizações, avulsas e muitas vezes, ainda, em face da irrelevância ou ténue relevância axiológica da conduta nestes campos ou quando o bem jurídico protegido pela norma não tenha ainda sido nitidamente aceite pela comunidade e pela consciência de valores - determinar positivamente a existência de uma qualidade pessoal censurável na origem da falta de consciência do ilícito não significa que, por isso, deva logo concluir-se pela negação da culpa.” - Ac da Rel Porto, 25-02-2015 relator Ernesto Nascimento.

Segundo Teresa P. Beleza e Frederico Costa Pinto, O Regime Legal do Erro e as Normas Penais em Branco (Ubi lex distinguit …), p. 56, “… no sistema penal português a questão da ignorância da proibição pode ter duas soluções distintas, consoante se trate de um erro de conhecimento sobre proibições novas que incriminam condutas axiologicamente neutras (art. 16º nº1 in fine) ou seja, diversamente, um erro de valoração sobre proibições já vigentes no tecido social e que valoram condutas axiologicamente relevantes.” - apud Ac Rel Évora, 13 de julho de 2017.

Quando o agente desconhece a proibição legal devido a uma falta de informação ou de esclarecimento deverá ser punido a título de negligência se, podendo e devendo fazê-lo, se desleixou na recolha da informação. Se a ignorância resulta de uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever-ser, então há uma deficiência da própria consciência-ética do agente, que lhe não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais e, por isso, deve o agente ser punido a título de dolo.

De todo o modo, a censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material ainda não esteja devidamente sedimentada na consciência ético-social, quando a concreta questão “se revele discutível e controvertida”, cfr. Ac Rel Porto de 7.11.2002 in site da dgsi.

Porém, de acordo com a previsão do art. 17º nº1, do CP só a falta de consciência da ilicitude não censurável exclui a culpa.

O que não ocorre no caso em apreço, pois que a conduta não é axiologicamente neutra e a proibição é de conhecimento geral - incluindo o motorista internacional - desde há muito. É, pois, manifesto que não se verifica o estado de ignorância alegado pelo arguido.

Consequentemente o tribunal recorrido não merece censura na valoração da prova que realizou e consequente fixação dos factos. Não ocorre pois o vicio do erro notório na apreciação da prova previsto no art 410º, n.º 2,  al c), do CPP.

A simples análise da matéria de facto fixada revela que a conduta do arguido preencheu todos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito em apreço, tendo o arguido atuado com dolo directo.

Em suma, dos factos apurados não resulta a existência de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa do arguido, pelo que o mesmo incorreu na prática de um crime de detenção de arma proibida, por que foi condenado.

Improcede também neste segmento o recurso interposto.


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5 - Da medida da pena

 

O arguido A... foi condenado:

-   em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.° e 25.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-C desse Decreto-Lei, na pena de 15 (quinze) meses de prisão;

-   em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2.°, n.º 1, alínea a), 3.°, n.ºs 1 e 2, alínea h) e 4.°, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

-   e em cúmulo foi condenado na pena única de 15 (quinze) meses e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

Sobre a medida da pena escreveu-se na sentença recorrida:

“Determinação da Medida da Pena

De acordo com o disposto no artigo 25.º, alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade é punível com «pena de prisão de 1 a 5 anos». O crime de detenção de arma proibida, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e Munições, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 4 (quatro) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias (cf. artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias.

Cumpre, assim, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, escolher a pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que, nos termos do artigo 70.º do Código Penal «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente às finalidades de punição».

São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, que subjazem à preferência por uma das penas alternativas, sendo, neste momento, alheias considerações relativas à culpa, já que esta apenas funciona, na determinação da medida concreta da pena já escolhida, como limite e não como fundamento. Assim, havendo um juízo de prognose social favorável, face a considerações de prevenção especial de socialização, só deve negar-se a aplicação da medida não detentiva quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico, da tutela dos bens jurídicos e para a estabilização contrafáctica das expectativas na validade da norma violada, ou seja, atendendo a considerações de prevenção geral de integração. Nestes termos, a prevenção geral constitui o «conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização» (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral II, Lisboa, 1993).

Cumpre, assim, numa primeira aproximação, enfatizar que as exigências de prevenção geral são elevadas, dado a excessiva frequência da prática do tipo de crime e o uso de armas ilegalmente detidas como instrumento de outros crimes. Por outro lado, as exigências de prevenção especial não são particularmente elevadas, já que o arguido se encontra socialmente inserido, não possuindo antecedentes criminais. Assim, entende-se ser possível ao Tribunal formular um juízo positivo quanto à conformação futura da conduta do arguido ao dever ser jurídico-penal, acreditando este Tribunal que a pena de multa será bastante para dissuadir o arguido da prática de novas infracções, mostrando-se adequada e suficiente para promover a recuperação social do arguido e estabilizar as expectativas comunitárias na validade da norma.


*

Considerando a aplicação no caso da pena de multa, no caso do crime de detenção de arma proibida, e de prisão, no caso do tráfico de menor gravidade, é necessário determinar os seus quantitativos no caso concreto.

De acordo com o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.» Na verdade, a referida eliminação da culpa das finalidades das penas permitiu dissociar a culpa das discussões irresolúveis sobre o livre-arbítrio e do dogma da «culpa da vontade», para o ancorar na exigência de respeito pela dignidade humana, ligadas à necessidade de garantia dos direitos e liberdade do cidadão e impostas pela vertente liberal e democrática do Estado de Direito (cf. FIGUEIREDO DIAS, in última obra citada, páginas 216 a 219). Por isso, a culpa é fundamento inarredável da pena e limite, como impõe o n.º 2 do artigo 40.º transcrito. Este n.º 2 consagra, pois, o princípio da culpa na sua dimensão unilateral de limite: não há pena sem culpa, a medida de pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Por outro lado, o artigo 71.º n.º 1, do mesmo diploma, estabelece que a determinação da medida da pena é feita não só em função da culpa do agente, mas também das exigências de prevenção. Antes da determinação da medida concreta da pena aplicável ao caso, convém ainda referir que o legislador no n.º 2 do artigo 71.º determina que o Tribunal deverá atender, na fixação da medida concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele» e que se referem à ilicitude da conduta, à culpa e à influência que a pena terá sobre o agente. No que diz respeito às circunstâncias que são enunciadas no n.º 2 do referido preceito legal, há que ter ainda em consideração aquilo que a doutrina considera como a sua ambivalência. Significa, portanto, que, por um lado, algumas das circunstâncias em análise podem relevar não só para a culpa, como também para a prevenção, e, por outro lado, que o mesmo elemento, quando duplamente relevante, pode ter significado antinómico, consoante seja valorado para efeitos de culpa ou de prevenção. Neste âmbito, saliente-se que não podem ser atendidos, para efeitos do artigo 71.º n.º 2, as circunstâncias qualificativas ou integrantes do tipo de ilícito, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração.

Depois deste enquadramento da questão, importa passar à análise das circunstâncias relevantes no caso.

Na situação em apreço, a favor do arguido A... depõem: - a sua inserção social e profissional; - o facto de não estar referenciado pela venda e cedência de produto estupefaciente; - a ausência de antecedentes criminais; - o facto de ter colaborado com as autoridades policiais; - o tipo de droga concretamente apreendida, tratando-se de cannabis e não, o que seria mais grave, heroína; - o facto de ter sido apreendida apenas uma arma; - o arguido é pessoa habitualmente bem comportada;

Contra o arguido, tem de se ter em conta:

- a quantidade concreta do produto estupefaciente apreendido, que pese determine que a modalidade e as circunstâncias da acção não são de especial desvalor (de molde a integrar a conduta no artigo 25.º e não no artigo 21.º do já citado Decreto-lei) é já significativa; - o dolo directo com que actuou o arguido, uma vez que o mesmo representou os factos que preenchem o tipo de crime e actuou com intenção de o realizar, o que intensifica a culpa do agente; A favor da arguida B... depõem: - a sua inserção social e profissional; - o facto de não estar referenciada pela venda e cedência de produto estupefaciente; - a ausência de antecedentes criminais; - o facto de ter colaborado com as autoridades policiais; - o tipo de droga concretamente apreendida, tratando-se de cannabis e não, o que seria mais grave, heroína;

Contra a arguida, tem de se ter em conta: - a quantidade concreta do produto estupefaciente apreendido, que pese determine que a modalidade e as circunstâncias da acção não são de especial desvalor (de molde a integrar a conduta no artigo 25.º e não no artigo 21.º do já citado Decreto-lei) é já significativa; - o dolo directo com que actuou a arguida, uma vez que a mesma representou os factos que preenchem o tipo de crime e actuou com intenção de o realizar, o que intensifica a culpa do agente. Em face dos factores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação:

Ao arguido, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, a pena de 15 (quinze meses) de prisão;

Ao arguido, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, a pena de 80 (oitenta) dias de multa.

À arguida, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, a pena de 15 (quinze meses) de prisão.


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Cumpre agora determinar o quantitativo diário da multa, que corresponderá a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, fixando-se o mesmo atendendo à situação económica do agente, bem como aos seus encargos pessoais (cf. artigo 47°, n° 2, do Código Penal).

Deste modo se procura realizar o princípio da igualdade de ónus e sacrifícios. Neste aspecto importa salientar que «como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade» (ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 2 de Outubro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, Ano V, tomo 3, páginas 183 a 184).

No caso, resultou apurado que o arguido é motorista internacional, auferindo mensalmente a quantia de cerca de €750,00. Vive sozinho, em casa arrendada, pagando € 150,00 de renda. Paga pensão de alimentos dos seus três filhos menores, no valor de € 300,00. Ora, como se viu, há a necessidade de representação da multa como um sacrifício e que o arguido, pela sua data de nascimento, ainda é jovem, tendo, ao que tudo indica, pelo normal acontecer, capacidade para trabalhar. Ponderando todo o exposto, julga o Tribunal adequado o montante de € 7,00 (sete euros).

Do concurso

Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, o concurso de crimes é punível com uma pena única, que tem como limite máximo a somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão, e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

 No caso, constata-se que ao arguido foi aplicada uma pena de multa e uma pena de prisão. Ora, quanto a esta diversidade das penas aplicadas, tal como explicita PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, página 244, em caso de concurso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena Assim, a pena única a considerar, no caso, do arguido é de 15 (quinze) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).


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Da dispensa de pena

Nos termos do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, «Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.» Sobre a atenuação especial da pena, refere-se no ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 16 de Março de 2011, in www.dgsi.pt, que funciona como uma válvula de segurança do sistema, no caso de se verificar uma acentuada diminuição da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena. A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Como resulta da hermenêutica do preceito, o regime de favor pelo mesmo concedido não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal. Com efeito, a lei ao falar em pode quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada. No caso, atenta a grande quantidade de produto estupefaciente apreendido, considera-se que a imagem global do facto não assume uma gravidade tão diminuída que justifique a aplicação desta válvula de segurança. Está, pois, afastada a dispensa ou atenuação especial da pena.

Desconto -  Como decorre de fls. 17, 22, 38 a 48 destes autos, os arguidos foram detidos por um dia, o que terá de ser descontado por inteiro nos termos do artigo 80.º do Código Penal, nas penas aplicadas.

Quanto ao arguido, esse desconto será na pena de multa, já que, como refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in obra citada, página 250, se «for aplicada (…) pena de prisão e multa em quantia o desconto a que se refere o artigo 80.º deve incidir sobre a pena de multa.» Quanto à arguida, a questão já não se coloca, já que só lhe foi aplicada uma pena, que é a de prisão. Será pois efectuado o desconto de um dia, sendo que, em relação ao arguido, fica por cumprir 15 (quinze) meses de prisão e 79 (setenta e nove) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), e, em relação à arguida, fica por cumprir 14 (catorze) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão. Substituição da Pena de Prisão Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma delas, as diferentes penas substitutivas devem ser apreciadas pela ordem seguinte: suspensão da execução da pena, regime de permanência na habitação, prisão por dias livres e regime de semidetenção (neste sentido, cf. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 23 de Abril de 2008, in www.dgsi.pt).

Trabalho a favor da comunidade Dispõe o artigo 58.º do Código Penal que se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o Tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Neste domínio refere FIGUEIREDO DIAS, in «Direito Penal Português - Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra Editora, 2009, página 371, que a «pena de trabalho a favor da comunidade surge como pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes ela é, em si mesma e por si mesma, uma pena».

Na situação em apreço, pese embora se reconheça as potencialidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, considera-se que a comunidade não aceita a aplicação daquela pena, tendo em consideração o número crescente de situações de tráfico de estupefacientes, os malefícios que de tal actividade decorrem para a saúde dos jovens e para toda a sociedade, o aproveitamento económico que surge associado a este fenómeno bem como o aumento da criminalidade a ele associado. Suspensão da execução da pena Resta, então, apreciar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos.

Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Assim, quando o Tribunal aplica uma pena de prisão não superior a cinco anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido. Este juízo de prognose não tem de assentar necessariamente numa certeza; basta que haja uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição, e consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido (cf. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 08 de Julho de 1998, in Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo II, página 251). Todavia, há um limite inultrapassável que o tribunal deve respeitar na consideração sobre o comportamento futuro do arguido: a defesa do ordenamento jurídico. Como escreve FIGUEIREDO DIAS, «apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.» (cf. in obra citada, página 344). No caso vertente, nem as exigências de prevenção geral nem as exigências de prevenção especial são acentuadas de forma a justificar a aplicação de uma pena de prisão efectiva e, face aos contornos concretos do caso aqui em apreço, é de concluir que a suspensão da pena de prisão aplicada aos arguidos será muito mais vantajosa para a sua reintegração do que o efectivo cumprimento da pena. Veja-se até que os arguidos estão integrados socialmente. Entende-se, assim que a suspensão da execução da pena de prisão em que os arguidos foram condenados assegura as finalidades da punição, quer em termos de prevenção geral, quer em termos de prevenção especial, pelo que se decide suspender a execução da pena de prisão aplicada aos arguidos.

 Dispõe o artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, nºs 1 e 5, do Código Penal, deverá este Tribunal suspender a execução da pena de prisão aplicada aos arguidos, pelo mesmo período de 15 (quinze) meses, para o caso do arguido, e de 14 (catorze) meses e 29 (vinte e nove) dias, para o caso da arguida. Face às condições pessoais dos arguidos, entende-se não ser necessário que a suspensão seja acompanhada de deveres.”

Vejamos.

A fixação da medida concreta da pena envolve uma certa margem de liberdade individual, não podendo o juiz no entanto, esquecer-se que ela é estruturalmente aplicação do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP .

A redução da pena pretendida pelo recorrente impõe se pondere, dentro da moldura do citado art. 25º, se a pena concreta poderá ser atenuada, tendo em conta os critérios de determinação da medida da pena estabelecidos nos arts. 40º e 71º do Código Penal.

Desde logo, há que ter em conta a ilicitude é acentuada pela quantidade do produto não poder ser considerada irrelevante. Também o dolo é intenso.

Por outro lado, foram ponderadas as atenuantes que beneficiam o arguido - a confissão dos factos, a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção social, familiar e profissional, reproduzidas na matéria de facto.

Por outro lado, há que frisar as fortes exigências de prevenção geral, neste tipo de criminalidade, ainda que se trate de plantação ao ar livre.

 Numa ponderação global, a pena fixada (15 meses e prisão), numa moldura de 1 a 5 anos de prisão, situa-se no mínimo exigível pela prevenção e não excede a medida da culpa.

O crime de detenção de arma proibida, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e Munições, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 4 (quatro) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias (cf. artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias.

Assim também a pena de 80 dias de multa se nos afigura justa e adequada.

A punição do concurso não foi objecto de contestação no recurso.

Por isso, a decisão não merece censura.


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A atenuação especial da pena é aplicável apenas a casos extraordinários ou excepcionais, ou seja, a casos em que razoavelmente se possa supor que o legislador neles não pensou quando estatuiu moldura punitiva respectiva. Impõe-se pois que só possa ser aplicada quando no caso concreto ocorram circunstâncias tais que justificam uma punição distinta da que é prevista para a generalidade das situações.

O caso presente não configura uma situação de excepção, já que se trata de uma situação enquadrável na “normalidade” atendida pelo legislador quando fixou a moldura punitiva.

E neste âmbito, nenhuma circunstância se vislumbra que diminua acentuadamente a culpa ou a ilicitude ou reduza marcadamente a necessidade da pena.

De igual modo, entendemos que não é de aplicar, no caso em apreço, a atenuação especial da pena previsto no art 31º do DL 15/93 pelas mesmas razões supra assinaladas no ponto 3.

Improcede este segmento do recurso.

6 - Das custas

A condenação em custas, não obstante o número de sessões de audiência de julgamento realizadas e o número de testemunhas inquiridas, conforme actas de audiência de julgamento, revela-se elevada, afigurando-se mais ajustado fixá-la em 4 Ucs.

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III - DISPOSITIVO

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em conceder parcial provimento ao recurso reduzindo a condenação em custas para 4 Ucs, mantendo no mais a sentença recorrida.

Sem tributação.

Coimbra, 21 de Março de 2018

(Processado e revisto pela relatora)

Isabel Valongo (relatora)



Jorge França (adjunto)