Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1336/12.3T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: SEGURO DE VIDA
CONTRATO DE MÚTUO
PRÉMIO DE SEGURO
RESOLUÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 176/95 DE 26/7, DL Nº 142/00 DE 15/7, ART. 808 CC
Sumário: 1- O dever de informação do Banco perante os seus clientes ocorre não só quando o Banco o tenha assumido mas, igualmente quando, nas circunstâncias concretas, a boa-fé o exija.

2- Incumbe à seguradora o ónus da prova de que o contrato de seguro não estava em vigor por ter sido validamente resolvido, quando a resolução é invocada em defesa, por via de excepção - art. 342 nº 2 do Código Civil.

3- O regime de resolução «automática» de contratos de seguro por falta de pagamento de prémios, que veio a constituir o sistema que o Decreto-Lei n.º 142/00 de 15 de Julho definiu para a generalidade dos seguros (artigo 8, n. 1), não é aplicável ao contrato de seguro do ramo «Vida» (artigo 1, nºs 1 e 2).

4- A simples falta de pagamento de prémio de contrato de seguro (de vida) não confere só por si à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, o qual depende ainda, da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do artigo 808 do Código Civil.

5 - Por se tratar de uma obrigação indivisível, sendo duas as pessoas seguradas, devem ambas ser alvo de tal notificação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I

J (…),  viúvo, residente na Rua (...), Vagos, intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra O (...), S.A., com sede na Rua (...), Porto, e contra M (...), S.A., com sede na Praça (...), Porto, pedindo:

a) a condenação da Ré O(...) a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice nº 00038059, celebrado com o ora A. e sua falecida esposa se mantinha em vigor à data do óbito desta (10/03/2012) e, consequentemente, pagar ao A. as mensalidades que, após essa data e até ser proferida decisão final, o A. pagar ao M(...), no valor de € 242,24 cada uma, e a pagar ao mesmo Banco a quantia que, na mesma data, se encontrar em dívida com referência ao seguro em análise;

b) em alternativa, para o caso de se demonstrar que houve falha dos serviços do R. M(...), a condenação deste Banco a suportar os custos dessa falha, correspondentes ao valor que este deveria receber da seguradora, caso o contrato de seguro se mantivesse em vigor.

Alega, para o efeito que, a 09/04/2003, ele e a sua (ora) falecida esposa contraíram no M(...) um empréstimo, no valor de € 40.000,00, com vista ao acabamento da casa de habitação que estavam a construir num terreno que possuíam na Rua (...), (...). O empréstimo foi contraído pelo prazo de 240 meses, devendo ser amortizado em prestações mensais, de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês. Os pagamentos eram efetuados por débito na conta de depósito à ordem onde fora creditada a quantia mutuada ou em qualquer outra de que os mutuários fossem titulares no M(...). O A. possuía uma outra conta no M(...), a chamada conta ordenado. Por imposição do Banco mutuante os mutuários celebraram contrato de seguro do ramo vida com a ora Ré O(...), cujo beneficiário era o ora R. M(...), com início em 09/04/2003. Os prémios deste seguro eram igualmente pagos por débito nas contas de depósito de que o A. era titular no M(...). Nunca este Banco comunicou ao ora A. e à falecida esposa que as referidas contas não tinham provisão suficiente para amortização da quantia mutuada e pagamento dos prémios de seguro.

O A. participou ao M(...) o falecimento da esposa com vista a que fosse acionado o seguro e pago ao M(...) o valor então em dívida, que era de € 28.106,94. O Banco informou-o, então, de que o contrato de vida se encontrava resolvido, desde 01/05/2007, por falta de pagamento do respetivo prémio, pelo que o A. se tem mantido a suportar as mensalidades do reembolso do dito empréstimo.

O A. desconhecia por completo o cancelamento do seguro, não tendo recebido da Ré O(...) a carta que esta alega ter-lhe endereçado a comunicar tal cancelamento. Nem tal comunicação recebeu a sua falecida esposa.

A Ré seguradora não enviou ao A. qualquer carta a comunicar a referida resolução, caso não procedesse ao pagamento do prémio em dívida.

Igualmente não receberam, A. ou falecida esposa, qualquer informação do Banco beneficiário do seguro dando a mesma informação, tal como nunca foram alertados de que as contas de que o A. era titular não tinham provisão para o efeito de pagamento do prémio. O A. e sua esposa sempre tiveram fundos suficientes ao pagamento do prémio nas duas contas de que eram titulares do R. M(...), pelo que, qualquer informação de falta de provisão só poderá ser devida a falha nos serviços deste.

O R. M(...), contestou, defendendo que o ora A. e sua falecida esposa, a partir de Junho de 2006 até Fevereiro de 2007, deixaram de provisionar, de forma regular, a sua conta de depósito à ordem, na qual haviam domiciliado os pagamentos, sendo que, a mesma, por vezes, apresentava saldos negativos aquando do cumprimento das ordens de pagamento. O Banco remeteu-lhes sempre, com a periodicidade convencionada, os respetivos extratos informativos, pelo que o A. e esposa tinham à sua disposição todos os elementos necessários para controlar o saldo da conta e para se aperceberem de que o Contrato de Seguro do Ramo Vida se encontrava resolvido. O Réu banco podia, nos termos do contrato de mútuo, ter procedido a tais pagamentos, debitando-os a seu favor, mas não estava obrigado a isso. Pede, a final que a ação seja julgada improcedente.

 A O(...)igualmente contestou, alegando ter procedido ao cancelamento da apólice, por falta de pagamento do prémio, com efeito a partir de 01/05/2007. Esta factualidade foi transmitida ao A., através de carta, para a morada que os segurados indicaram na proposta de seguro, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos. Os segurados não liquidaram qualquer outro prémio a partir desta data. O contrato de seguro encontra-se, por isso, validamente resolvido com data de 01/05/2007. Trata-se de uma situação de manifesto abuso de direito, o pedido feito pelo A. nos presentes autos, uma vez que, tendo a resolução do contrato  operado por falta de pagamento tempestivo do prémio, passaram mais de 60 meses durante os quais os prémios não foram liquidados, estando em causa a tutela da confiança gerada com tal omissão.

Termina pedindo que a ação seja julgada improcedente e ainda, que seja o A. condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.

O A. replicou negando o abuso de direito e pedindo, por sua vez, a condenação da Ré O(...) como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00, uma vez que não foi comunicada ao Autor qualquer resolução contratual.

Procedeu-se a julgamento após o que, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em resultado disso, absolveu as RR. O(...), S.A., e M(...), S.A., dos pedidos.

Inconformado com tal decisão veio o A. recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

1ª O A. e a falecida esposa, C (…) celebraram, por escritura de 9 de Abril de 2003, um contrato de mútuo com hipoteca com o M(...), constante de fls. 21/31, sujeito, entre outras às seguintes condições:

a) O Banco concedeu ao A. e falecida esposa o empréstimo de € 40.000,00, para construção de uma moradia;

b) Os mutuários obrigaram-se a subscrever um seguro multirrisco do imóvel;

c) Os mutuários obrigaram-se a contratar um seguro de vida;

d) Os mutuários obrigaram-se a trazer pontualmente pagos os referidos seguros;

e) Os mutuários autorizaram, desde já, com expressa sub-rogação, que em caso de incumprimento de tais obrigações, o Banco as cumpra, efetuando, por conta dos mutuários, todos os pagamentos necessários;

f) Se o Banco efetuar, na falta e por conta dos mutuários, o pagamento dos prémios e contribuições em dívida, nos termos do disposto no número anterior, os mutuários autorizam desde já o Banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos mutuários, junto do M(...);

g) O M(...) cancelou, a partir de Maio de 2007, o débito direto mensal dos prémios de Seguro Vida, na conta bancária nº 45229625116, associada a este contrato de seguro.

h) O A., para além da conta DO nº 45229625116, era titular, no M(...), da conta ordenado nº 17180015878.

2ª Por virtude da cláusula contratual supra reproduzida em 1, c) o M(...) deveria ter pago os prémios do Seguro Vida, que a conta à ordem do A. e falecida esposa, associada ao dito contrato porventura não suportasse pontualmente, por insuficiente provisão, debitando, esses pagamentos nas demais contas de que eram titulares no mesmo banco, designadamente a conta ordenado do A. acima identificada.

3ª Não podia, assim, o mesmo Banco ter cancelado o débito direto de tais prémios com o fundamento de que tal conta não apresentasse, algumas vezes, insuficiente provisão.

4ª Caso o contrato de seguro vida tivesse sido regular e validamente resolvido, essa resolução decorreria do dito incumprimento contratual por parte do M(...), pelo que deverá o mesmo suportar as consequências desse incumprimento, designadamente a perda do direito a ser reembolsado do capital em dívida, à data do óbito da esposa do A.

5ª O A. e falecida esposa celebraram com a Ré O(...), S.A. um contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice nº 89454090, associado ao crédito nº 531697753, concedido de M(...);

6ª Os prémios deste contrato eram pagos, mensalmente, por débito direto na conta dos segurados nº 45229625116, no M(...).

7ª Entre as Condições Gerais que regiam essa apólice consta uma que concedia à seguradora a faculdade de proceder à resolução do contrato, ou fazer cessar as garantias concedidas, em caso de não pagamento dos prémios, nos trinta dias posteriores à data do seu vencimento, nos termos legais.

8ª Em matéria de resolução o contrato referido supra em 5ª, era regulado pelo artigo 33º do Decreto de 21.10.1907.

9ª Dispunha tal disposição legal que “o contrato de seguro de vida somente poderá considerar-se insubsistente por falta de pagamento do prémio, quando o segurado, depois de avisado por meio de carta registada, não satisfaça a quantia em dívida no prazo de oito dias ou noutro, nunca inferior a este, que porventura se ache estipulado na apólice.”

10ª A Ré O(...) alegou ter enviado ao A. a carta de fls 34, para a direção constante do dito contrato se seguro, a operar a resolução do contrato de seguro supra identificado.

11ª A mesma Ré não alegou, e consequentemente não provou, que tal carta tenha chegado ao conhecimento do A. e de sua falecida esposa.

12ª A mesma Ré também não alegou e consequentemente, não provou ter notificado o A. e a falecida esposa, para converter a mora no pagamento dos prémios em incumprimento definitivo, com vista a poder resolver o dito contrato.

13º Os fatos que integram a resolução constituem matéria extintiva cuja prova competia à Ré O(...).

14ª Essa prova não foi feita.

15ª Porque não foi corretamente realizada, (uma vez que se não provou ter chegado ao conhecimento dos destinatários, nem foi precedida de notificação admonitória que convertesse a mora no pagamento dos prémios em incumprimento definitivo) a pretendida resolução do contrato de seguro é inoperante.

16ª O contrato de seguro vida celebrado pelo A e falecida esposa com a Ré O(...) S.A. estava, assim, em vigor à data do óbito desta.

17ª Pelo que deveria esta ter pago ao banco credor o valor do contrato de mútuo em dívida, à data desse óbito.

18ª Decidindo em contrário o douto Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 224º, 324º nº 2, 436º e 808º do CC, e no artigo 33º do Decreto de 21.10.1907.

A final requer que seja a decisão revogada condenando-se a Ré O(...), S.A. a suportar o valor em dívida do contrato de mútuo a que o contrato de seguro de vida dava suporte, à data do óbito da esposa do A., restituindo a este as prestações que tem vindo a pagar ao M(...) desde a mesma data e, a entender-se que assiste esse direito ao M(...), a pagar-lhe o restante valor em dívida na mesma data.

Contra-alegou a Ré O(...), S.A., pugnando pela manutenção do decidido, na defesa de que, o contrato de seguro foi anulado em 01.05.2007 por falta de pagamento do respetivo prémio. Prémio este, cuja periodicidade e forma de pagamento, havia sido acordada entre os segurados e a Recorrida aquando da celebração do contrato de seguro.

Os segurados tinham autorizado o débito direto dos valores dos prémios na conta de depósitos à ordem indicada pelos mesmos, conta esta devidamente identificada na Proposta de Seguro.

A partir do momento em que ocorreu uma anulação da operação de débito direto por recusa da operação junto da conta bancária associada ao contrato e o débito não teve êxito, o contrato, nos termos em que fora acordado entre as partes, foi anulado por falta de pagamento de prémio.

Ao não ser liquidado o prémio referente ao período posterior a 01.05.2007 a apólice ficou automaticamente resolvida a partir daquela data, o que foi transmitido ao Recorrente, através de carta, que tinha por “Assunto” “Anulação da apólice por falta de pagamento de prémios”. Carta essa que foi remetida pela Recorrida, ao cuidado do Recorrente – primeiro subscritor do contrato de seguro e titular do Certificado Individual –, para a morada que os segurados haviam indicado na Proposta de Seguro, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos.

Requer, assim, que o recurso seja julgado totalmente improcedente.

Contra-alegou igualmente o M(...), S.A., defendendo a manutenção do decidido.

Nega qualquer responsabilidade do Banco no facto de a Companhia Seguradora ter procedido à resolução do Contrato de Seguro, pois que, o Banco não ficou com a obrigação, perante a Companhia de Seguradora, de pagar os prémios devidos pelo Seguro efetuado e onde o Banco figurava como “Tomador do Seguro”. O Banco poderia ou não usar da faculdade concedida pelos Mutuários, de proceder ao pagamento dos prémios devidos à Companhia Seguradora, debitando em seguida a conta dos Mutuários pelos montantes efetivamente pagos (naquela conta e não na outra que o apelante era titular no mesmo Banco, pois que, esta outra não era titulada por ambos os mutuários).

Sabiam os Mutuários (ou tinha a obrigação de saber) que deixaram de ser debitados mensalmente os prémios de Seguro na conta bancária indicada.

Assim, o que determinou o efetivo incumprimento, e levou ao cancelamento do débito direto foi a falta de provisionamento da conta dos Mutuários.

Invoca ainda não se perceber porque só decorridos cerca de 5 anos tenha vindo o apelante tentar exercer tal direito.

A final requer que seja o recurso julgado improcedente.

                                                                        II

É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo:

1 - No dia 12/07/2003, contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, J (…) e C (…) (A).

2 - No dia 10/03/2012, faleceu C (…), no estado de casada com J (…) (B).

3 - Por escritura de 9 de Abril de 2003, J (…) e C (…)solteiros, celebraram com o M(...), S.A. ( M(...)) o contrato de mútuo com hipoteca constante de fls. 21/31, nos termos do qual (ao que mais interessa):

a) - o Banco concedeu ao J (…) e à C (…) o empréstimo de € 40.000,00 para construção de uma moradia;

b) - estes aceitam o empréstimo, confessam-se solidariamente devedores das quantias recebida e a receber do Banco até ao montante do empréstimo e respetivos juros;

c) - o empréstimo devia ser amortizado em 240 prestações de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês;

d) - os mutuários obrigam-se a subscrever um seguro multirrisco do imóvel hipotecado;

e) – “os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respetiva apólice, serão indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco”- nº 2 da Cláusula l0ª do Documento Complementar (fls. 29/30);

f) – “as apólices e atas adicionais dos seguros referidos ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário. Só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito os seguros poderão ser alterados ou anulados” – nº 3 da Cláusula 10ª do Documento Complementar (fls. 30);

g) – “os mutuários obrigam-se a trazer pontualmente pagos os seguros referidos na cláusula anterior”- nº 1 da Cláusula 11ª do Documento Complementar (fls. 30);

h) – “os mutuários autorizam desde já, com expressa sub-rogação, que, em caso de incumprimento de tais obrigações, o Banco as cumpra, efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários” (…) – nº 2 da Cláusula l1ª do Documento Complementar (fls.30);

i)- “se o Banco efetuar, na falta e por conta dos MUTUÁRIOS, o pagamento dos prémios e contribuições em dívida, nos termos do disposto no número anterior, os MUTUÁRIOS autorizam desde já o Banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos MUTUÁRIOS junto do M(...), S.A.” – nº 3 da Clausula 11ª do Documento Complementar (fls. 30) (C).

4 - O Banco entregou, aos mutuários, por depósito na Conta DO nº 45229625116, € 20.000,00, na data da escritura, e os restantes € 20.000,00 em várias parcelas, à medida da evolução das obras na moradia (D).

5 – J (…) e C (…) celebraram, a 19/02/2003, com “ O(...), S.A.” um contrato de seguro, ramo vida, titulado pela Apólice nº 89454090, associado ao crédito nº 531697753, concedido pelo M(...) ao ora A. e à C (…) (E).

6 - Nos termos das Condições Gerais da respetiva Apólice:

a) - a seguradora pode facultar o fracionamento dos prémios e utilizar meios apropriados que facilitem a cobrança dos créditos – nºs. 2. e 3. do artigo 12.º (fls. 148);

b) – “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras” – nº 1 do artigo l3.º (fls. 148) (F).

7 - No contrato de seguro figuram, como tomador do seguro e entidade credora, o M(...) e, como proponentes J (…) e C (…), os quais deram como sua residência a Rua (...), 202, (...), 3840 – 312 Vagos (G).

8 - Capital seguro é o de € 40.000,00 para cada proponente (H).

9 - O seguro é válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até final do contrato de empréstimo - 240 meses -, com início na data da escritura e a periodicidade mensal (I).

10 - O ora A. e C (…) autorizaram o M(...) a debitar, na sua Conta DO nº 45229625116 junto deste ( M(...)), os prémios do Seguro Vida e multirriscos contratados, na periodicidade mensal acordada (J).

11 - A O(...)- M(...)s - Grupo Segurador remeteu ao ora A. J (..), endereçada para a Rua (...) 202, (...) 3840 Vagos, a Ata Adicional de fls. 142/143, datada de 20/01/2007, respeitante a Apólice nº 89454090, a fixar, com data de início a 2003/04/09, as seguintes condições particulares:

a) - o prémio do seguro é de € 13,87, vence no dia 1 do mês correspondente; b) - o capital seguro é de € 37.710,11 (K).

12 - O ora A. participou à R. Seguradora, dias depois da sua ocorrência, o falecimento da esposa (L).

13 - Até 01/05/2007, durante 48 meses, os prémios de seguro da Apólice nº 89454090 foram integralmente liquidados pelo ora A. e pela Carla Patrícia por desconto bancário mensal na Conta DO nº 45229625116 que aqueles tinham no M(...) (M).

14 - A partir de 01/05/2007, o A. e sua (ora) falecida mulher não efetuaram o pagamento dos prémios do Seguro Vida (N).

15 - O M(...) cancelou, a partir de Maio de 2007, o débito direto mensal dos prémios do Seguro Vida na conta bancária nº 45229625116 associada a este contrato de seguro (O).

16 - Todos os extratos da Conta DO, antes referida, constantes de fls. 64/114 foram enviados pelo M(...) para C (…), Rua (...) 220, (...), 3840 - 382 – Vagos (P).

17 - Os extratos de Junho, Julho, Setembro e Novembro de 2006 e de Janeiro e Fevereiro de 2007 (respetivamente, de fls. 101/102, 103/104, 105/106 e 107) da antes referida conta acusaram saldo negativo (Q).

18 - À data da celebração do contrato de seguro ramo Vida, o ora A. vivia na Rua (...), nº 202, (...) – Vagos (R).

19 - Mudou de residência para a Rua (...) 220 - (...) – Vagos quando casou (S).

20 - O A., para além da Conta DO nº 45229625116, era titular, no M(...), da Conta Ordenado nº 17180015878 (1º).

21-  Na data do falecimento da esposa, o valor do mútuo em dívida era de € 28.106,94 (3º).

22 - O A. e (ora) falecida esposa nunca comunicaram à seguradora a alteração da sua residência para a Rua (...) n.º 220 - (...) – Vagos (10º).

23 - A residência que consta do contrato de seguro é a dos pais do ora A., com quem ele vivia (11º).

24 - A partir de meados de 2006, a Conta DO nº 45229625116 apresentou algumas vezes, por períodos curtos, saldos negativos por falta de aprovisionamento (12º).

25 - O Banco sempre remeteu, posteriormente a 2007, aos titulares da antes referida conta, com a regularidade convencionada, os respetivos extratos informativos desta conta (13º).

26 - Dos mesmos extratos constaram sempre todos os movimentos efetuados na mesma conta e, ainda, a informação concreta quanto aos movimentos aprazados para o mês seguinte e, bem assim, os respetivos montantes, justificativos e respetivos beneficiários (14º).

27 – O A. e a (ora) sua falecida esposa poder-se-iam ter apercebido desse facto (de que os prémios do seguro Vida não estavam a ser descontados mensalmente na mesma conta) se examinassem com cuidado e atenção os mesmos extratos (16º).

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 635º nº 4 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608º nº 2 do mesmo, in fine), são as seguintes as questões a decidir:

1º - Se o fundamento de resolução do contrato de seguro teve por base um incumprimento contratual do tomador M(...), devendo o mesmo suportar as respetivas consequências.

2º - Ainda que não tenha ocorrido tal incumprimento, o contrato de seguro-vida mantém-se válido porque não foi (regular e validamente) resolvido.

Não questionam as partes o julgamento de facto, pelo que, sem prejuízo da prerrogativa que a este tribunal assiste de o alterar, nos termos do art. 662 do CPC, será com base na factualidade assente que se procederá ao julgamento de direito.

I - Se o fundamento de resolução do contrato de seguro teve por base um incumprimento contratual do tomador M(...), devendo o mesmo suportar as respetivas consequências.

Resulta da factualidade assente que:

Por escritura de 9/4/2003, o Autor/apelante e C (…) celebraram com o M(...), S.A. ( M(...)) um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual o Banco concedeu ao A. e à C (…) o empréstimo de € 40.000,00 para construção de uma moradia; tal empréstimo devia ser amortizado em 240 prestações de capital e juros, obrigando-se os mutuários, entre o mais, a contratar um seguro de vida, cujas condições seriam indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco; a pagar atempadamente os respetivos prémios; a fazer inserir na respetiva apólice que o Banco era o credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que viessem a ser devidas em caso de sinistro, reverteriam para o Banco.

Tal contrato de seguro, vulgarmente conhecido como contrato de seguro-vida, é normalmente associado ao empréstimo bancário destinado à aquisição ou reconstrução dum imóvel, cujo pagamento se prolonga por vários anos.

O contrato de seguro de vida constitui, muitas vezes na prática bancária, condição para a realização de um empréstimo para habitação, tendo por finalidade, por parte do segurado, a de prevenir o risco de ocorrência do acontecimento – morte – que lhe não permita ou que dificulte aos seus herdeiros o pagamento das prestações em dívida.

No respeitante ao contrato de mútuo em análise ficou, ainda provado que os mutuários autorizaram, com expressa sub-rogação, que, em caso de incumprimento da obrigação de pagar atempadamente os respetivos prémios, o Banco o fizesse efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários, ficando, este, em consequência, autorizado a debitar tais quantias em qualquer conta aberta em nome dos mutuários.

No cumprimento das obrigações de mutuários, a que se vincularam, o A. e C (…) celebraram, a 19/02/2003, com a seguradora “O O(...), S.A.”, por indicação do Banco, um contrato de seguro, ramo vida, associado ao crédito concedido pelo M(...).

Nesse contrato de seguro figuram, como tomador do seguro e entidade credora, o M(...) e, como proponentes J (…) e C (…), sendo o capital seguro de € 40.000,00 para cada proponente.

O seguro seria válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até final do contrato de empréstimo - 240 meses -, com início na data da escritura e uma periodicidade mensal. O A. e C (…) autorizaram, assim, o M(...) a debitar, na sua Conta DO nº 45229625116 junto deste, quer os prémios do Seguro Vida quer os prémios de seguro e multirriscos contratados, na periodicidade mensal acordada.

Consta da Ata Adicional a tal contrato, datada de 20-01-2007 que o prémio do seguro era de € 13,87, vencendo no dia 1 do mês correspondente.

Até 01/05/2007, durante 48 meses, os prémios de seguro respeitantes à apólice do seguro vida foram integralmente liquidados pelo ora A. e pela C (…), por desconto bancário mensal na Conta DO nº 45229625116 que aqueles tinham no M(...).

A partir de 01/05/2007, o A. e sua (ora) falecida mulher não efetuaram o pagamento dos prémios do Seguro Vida. O M(...) cancelou, a partir daquele mês de Maio de 2007, o débito direto mensal dos prémios do Seguro Vida na conta bancária associada a este contrato de seguro.

Todos os extratos de tal conta foram enviados pelo M(...) para C (…)Rua (...) 220, (...), 3840 - 382 – Vagos, que é a atual morada do A. e, era igualmente a morada da falecida sua esposa.

Os extratos de Junho, Julho, Setembro e Novembro de 2006 e de Janeiro e Fevereiro de 2007 da antes referida conta acusaram saldo negativo, por períodos curtos, e devido a falta de aprovisionamento

O A., para além daquela conta associada ao contrato de mútuo era igualmente titular, no M(...), duma Conta Ordenado sedeada no mesmo banco.

Está ainda provado que, posteriormente a 2007 o Banco sempre remeteu aos titulares da antes referida conta, com a regularidade convencionada, os respetivos extratos informativos desta conta, constando dos mesmos todos os movimentos efetuados na mesma conta e, ainda, a informação concreta quanto aos movimentos aprazados para o mês seguinte e, bem assim, os respetivos montantes, justificativos e respetivos beneficiários.

Pretende o apelante que, perante a autorização prévia dada ao Banco pelos segurados A. e falecida esposa, no sentido de o Banco se substituir a estes no pagamento dos prémios de seguro, debitando depois os respetivos valores nas contas possuídas pelo segurado no Banco, prémios que eram de pequena monta, nomeadamente para uma entidade bancária e, porque, apenas em curtos períodos, a conta, onde se procediam aos pagamentos dos prémios, apresentou saldos negativos e, porque subsistia, em paralelo, uma outra conta do Autor com as caraterísticas de conta-ordenado, devia o Banco, em respeito a um dever de lealdade para com os seus clientes, não proceder ao cancelamento imediato do débito direto alusivo ao pagamento do prémio de seguro em causa, sem informar previamente os clientes das razões desse cancelamento, a fim de prevenirem a provisão necessária.

Aludindo à responsabilidade bancária por informações ao cliente escreveu Menezes Cordeiro in Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, p. 332 que: «À partida não há qualquer dever geral, por parte do banqueiro, de prestar informações: o banco não é, por profissão, uma agência de informações e mesmo esta teria de ser contratada, para informar. Por isso o dever de informação só ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa-fé o exija» (sublinhado nosso).

Na ponderação de tal questão importa ter presente que, o seguro contratado fora não só condição do empréstimo como fora estabelecido igualmente do interesse do Banco, o beneficiário da indemnização em caso de sinistro. Só assim se explica que o Banco pudesse substituir-se aos segurados no pagamento do prémio do seguro, e que só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito, o seguro pudesse ser alterado ou anulado, de acordo com as cláusulas estipuladas no contrato de mútuo.

Importa ainda ter presente que, o seguro devia ser pago por débito direto através de uma conta-bancária. Não se trata, por isso, de uma situação em que alguém está obrigado a, todos os meses, ir pagar uma dada prestação pecuniária a um credor, situação em que a falta de pagamento não poderia deixar de ser conhecida. Quando se estabelece o pagamento através de débito direto, visa-se precisamente obter um estado de despreocupação com a realização dos pagamentos respetivos.

Ora, podendo o banco substituir-se ao mutuário, com direito de sub-rogação, sendo o banco, beneficiário do seguro, tendo a falta de provisão que determinou o cancelamento do débito direto sido pontual, sendo o prémio, na perspetiva dum banco, de valor reduzido e, tendo o banco um reforço de solvabilidade que lhe era dado pela coexistência duma conta ordenado titulada pelo Autor, o que aumentava as garantias do banco no ressarcimento, seria não só expectável, para um cliente comum, que o Banco usasse tal prorrogativa de pagamento com sub-rogação em vez de cancelar pura e simplesmente a ordem de débito de direto, como, num imperativo de boa-fé, era obrigação do Banco, em respeito de tal expectativa e ao abrigo dum dever específico de lealdade para com os seus clientes, informá-los, antes de cancelar o débito direto, da possibilidade dessa situação ocorrer se não regularizassem a provisão.

Efetivamente, o valor a reter ou descontar seria de cerca de 13 €uros, por isso, pequeno e facilmente recuperável para o banco, o que se confirma com a análise dos extratos no período temporal posterior ao cancelamento.

Por outro lado, embora se tivesse dado como provado que (27) – “O A. e a (ora) sua falecida esposa poder-se-iam ter apercebido desse facto (de que os prémios do seguro Vida não estavam a ser descontados mensalmente na mesma conta) se examinassem com cuidado e atenção os mesmos extratos …” - tal facto, só por si, não só não é apto a afirmar que o A. e falecida podiam saber de forma fácil e prática, ou seja, mediante uma interpretação acessível para o comum dos cidadãos – o que se espera duma informação bancária – que o prémio de tal seguro de vida deixou de ser pago a partir de determinada data, como deixa a dúvida sobre qual o grau de atenção e cuidado que haveriam o A. e esposa de ter, para chegarem a tal informação.

Por outro lado, ainda que se tenha provado que o Banco sempre remeteu, mas posteriormente a 2007, aos titulares da antes referida conta, com a regularidade convencionada, os respetivos extratos informativos desta conta, constando dos mesmos todos os movimentos efetuados na mesma conta e, ainda, a informação concreta quanto aos movimentos aprazados para o mês seguinte e, bem assim, os respetivos montantes, justificativos e respetivos beneficiários, quanto aos extratos anteriores, desconhece-se com que regularidade e pontualidade foram concretamente enviados.

Importava nomeadamente saber se tal remessa de cariz informativo já ocorria com regularidade,  à data do cancelamento do desconto do prémio de seguro vida por débito direto (Maio de 2007), o que aquele facto não resolve.

O que, a bem dizer, também não será questão relevante, pois que, à primeira insuficiência de provisão, ocorrida em Maio de 2007, o M(...) cancelou de imediato o débito direto, podendo tal informação posterior ter apenas a utilidade de interromper os efeitos reflexos que se vieram a verificar na dinâmica do contrato de seguro.

Importa, assim, questionar se, na circunstância concreta estava o Banco obrigado a um dever de informar os clientes, ou seja, se a boa-fé exigia que o banco informasse previamente os titulares da conta de que iria cancelar o débito direto.

A nossa resposta é afirmativa.

Considerando a confiança depositada pelos clientes motivada por todo o circunstancialismo contemporâneo à formação do contrato bancário e à sua vigência, acima referidos, a atuação do Banco ao cancelar o débito direto sem prévia informação aos titulares da conta de que o ia fazer, é enquadrável numa situação de incumprimento contratual, pois que. traduz a violação dum dever geral de boa-fé, subjacente a um dever ético de lealdade para com os seus clientes, que no caso, se impunha.

Se de tal incumprimento, ocorre ou não responsabilidade contratual é questão cuja resolução se prende com a segunda questão do recurso, respeitante à sorte do contrato de seguro.

           

I - Se o contrato de seguro vida mantém-se válido porque não foi regular e validamente resolvido.

O contrato de seguro foi celebrado em 19/02/2003.

Nos termos das Condições Gerais da respetiva Apólice:

b) – “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras” – nº 1 do artigo l3.º (fls. 148) (F).

O regime legal aplicável é o do Dec-Lei nº 176/95 de 26 de Julho (que veio definir regras de transparência na atividade seguradora), pois que, está em causa a subsistência do contrato de seguro a partir de Maio de 2006, quando, ainda não estava em vigor o atual Dec-Lei 72/2008 de 16 de Abril, que veio reformar o regime jurídico do contrato de seguros.

Na análise da subsistência ou não do contrato, ou noutros termos, na apreciação da eficácia e validade da resolução importa ter presente não apenas os termos contratuais, mas igualmente o Dec-Lei nº 176/95 de 26 de Julho, o qual dispõe na secção IV alusiva à celebração e execução do contrato de seguro, que:

Art. 18º - “1- A resolução do contrato de seguro, a sua não renovação ou a proposta de renovação em condições diferentes das contratadas devem ser comunicadas por escrito por uma das partes à outra parte com antecedência mínima de 30 dias em relação à data da resolução ou do vencimento”.

Ora, sendo a presente ação destinada a condenar a Ré O(...) a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice nº 00038059, celebrado com o A. e sua falecida esposa, se mantinha em vigor à data do óbito desta (10/03/2012), a prova de que tal contrato não estava em vigor por ter sido validamente resolvido –facto extintivo do direito do Autor - incumbia às Rés, nos termos do art. 342 nº 2 do Código Civil.

«Invocada a resolução (do contrato de seguro-vida), isto é, os respetivos factos integradores, em defesa, por via de exceção, a título de factos extintivos do direito, como é o nosso caso, compete ao réu a prova dos mesmos, nos termos do n.º 2 do artigo 342» - lê-se no Ac. do STJ de 10/02/2005, P. 04B4775 (Relator: Lucas Coelho) in www.dgsi.pt.

Para o efeito, haveria de ter sido feita prova de que a ambos os tomadores de seguro,  porque ambos eram responsáveis pelo pagamento do prémio – o Autor e sua falecida esposa Carla Patrícia – havia sido enviada carta dando conta do incumprimento e estabelecendo uma interpelação admonitória, concedendo-lhes o prazo legal de 30 dias para regularizarem a(s) prestação(ões) em falta, sob pena de ser resolvido o contrato.

Facto que não se mostra provado.

De resto apenas foi alegado que ao A. foi enviada uma carta resolutiva. Tal facto, não só não resulta provado como, ainda que o fosse com base na cópia que se mostra junta aos autos a fls. 34[1], mostra-se insuficiente para produzir o efeito pretendido, pois que, tal carta não contém qualquer interpelação admonitória, sendo o seu teor de cariz apenas resolutivo e, tendo apenas como destinatário o Autor.

É certo que, nos termos das Condições Gerais da respetiva Apólice: “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras” – nº 1 do artigo l3.º (fls. 148), o que sugere a dispensa de interpelação admonitória, podendo a seguradora optar por um procedimento de resolução automático.

Mas essa dispensa não se mostra permitida pela Lei.

Como se colhe dos ensinamentos de Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª edição (Reimpressão da 7.ª edição - 1997), Almedina, pág. 121, nota 2, «a resolução do contrato, quando a obrigação do faltoso se integre num contrato bilateral, não é um efeito da mora», emergindo para o credor tão-somente «quando a mora se converta, por qualquer das vias já apontadas [e, de entre estas, justamente, a notificação admonitória a que aludimos], em não cumprimento definitivo da obrigação».

Por isso, a simples falta de pagamento de prémio de contrato de seguro de vida não confere só por si à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, o qual depende ainda da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do artigo 808 do Código Civil.

Mais se diga que, o regime de resolução «automática» de contratos de seguro por falta de pagamento de prémios, que veio a constituir grosso modo o sistema que o Decreto-Lei n.º 142/00, de 15 de Julho, veio inaugurar para a generalidade dos seguros (artigo 8, n. 1)[2], não é aplicável ao caso concreto, pois que, tal regime excetua, expressamente da sua aplicação, entre outros, o ramo «Vida» (artigo 1, nºs 1 e 2)[3], em que se integra o contrato sub iudicio.

Nesse sentido pronunciou-se o Ac. do STJ de 10-02-2005, P.nº04B4775, (Relator: Lucas Coelho) in www.dgsi.pt.

            Ora, ainda que o A. tivesse recebido a carta supra referida, o que não foi dado como provado, ainda assim, não se lhe podia atribuir a eficácia resolutiva pretendida pelas apeladas. O conteúdo da mesma não cobre a finalidade de interpelação admonitória.

Além do mais o destinatário é apenas um, sendo duas as pessoas seguradas, devendo ambas ser alvo de tal notificação (à data a segurada C (…) era viva).

Como se refere no Ac. do TRL de 08/11/2012, P. 428/11.0TVLSB.L1-2 (Relator: Pedro Martins) in www.dgsi.pt, que resolve uma situação idêntica:

“Estamos perante um contrato indivisível, ou seja, uma vez que ambos os cônjuges eram segurados na mesma apólice, não era possível resolver o contrato apenas em relação a um deles. Neste conspecto haveria a ré de enviar uma carta de interpelação com a cominação de resolução, também à autora. Ora, a ré não alegou que o tivesse feito, pelo que a resolução do contrato nunca operaria.”

Incumbia à Ré O(...) a prova de ter procedido à resolução válida do contrato, quer pela interpelação admonitória prévia, quer pela remessa a ambos os segurados de tal interpelação, o que não logrou fazer.

Assim, não provaram as Rés, como lhes incumbia, que o contrato de seguro vida não estava em vigor à data do sinistro, por ter sido objeto duma resolução válida e eficaz.

Por falta de prova de resolução contratual válida não pode deixar de se considerar que a apólice se manteve em vigor, apesar do não pagamento dos prémios, tendo-se por subsistente o contrato de seguro vida celebrado com a apelada O(...) e eficaz a participação do sinistro (morte) por parte do A., respeitante ao falecimento da segunda segurada, sua esposa.

Desse modo, deve a apelada Seguradora pagar ao apelado Banco a quantia necessária para amortização do empréstimo à data do falecimento da segurada C (…), devendo o segurado A. assumir o pagamento dos prémios até à participação do sinistro, sem qualquer agravamento, considerando o incumprimento bancário supra referido no concernente ao não avisado cancelamento do pagamento por débito bancário.

Em suma:

- O dever de informação do Banco perante os seus clientes ocorre não só quando o Banco o tenha assumido mas, igualmente quando, nas circunstâncias concretas, a boa-fé o exija.

- Incumbe à seguradora o ónus da prova de que o contrato de seguro não estava em vigor por ter sido validamente resolvido, quando a resolução é invocada em defesa, por via de exceção - art. 342 nº 2 do Código Civil.

- O regime de resolução «automática» de contratos de seguro por falta de pagamento de prémios, que veio a constituir o sistema que o Decreto-Lei n.º 142/00 de 15 de Julho definiu para a generalidade dos seguros (artigo 8, n. 1), não é aplicável ao contrato de seguro do ramo «Vida» (artigo 1, nºs 1 e 2).

- A simples falta de pagamento de prémio de contrato de seguro (de vida) não confere só por si à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, o qual depende ainda, da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do artigo 808 do Código Civil.

- Por se tratar de uma obrigação indivisível, sendo duas as pessoas seguradas, devem ambas ser alvo de tal notificação.

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra, condenando-se a apelada seguradora O(...), SA a pagar ao apelado banco M(...) a quantia necessária para amortização do empréstimo celebrado com o A. e falecida esposa C (…) por referência à data da participação do sinistro, descontado do valor dos prémios de seguro que os segurados deviam ter pago até àquela data, e a assumir por estes sem agravamento, tudo a liquidar em incidente próprio.

Custas pelas apeladas, em partes iguais.

Coimbra,

Anabela Luna de Carvalho ( relatora )

João Moreira do Carmo ( com declaração de voto)

José Fonte Ramos

Em relação ao projecto, concordo com a fundamentação jurídica da 1ª questão, atinente ao Banco.

Em relação à 2ª questão, atinente à Seguradora, também acho que não tendo ficado provado o envio e a recepção da carta pelo marido, bem como o não envio da carta à falecida, não há lugar à resolução. Por isso, concordo com a solução a que se chegou.

Onde tenho as maiores reservas é na argumentação de que a falta de pagamento do prémio gera a necessidade de interpelar admonitoriamente o devedor. Efectivamente, nos casos de resolução convencional basta a ocorrência do facto previsto pelas partes para dar lugar à resolução imediata do contrato ( caso o credor assim o queira ).

            Ora, a cláusula 13ª das condições gerais da apólice de seguro prevê um facto-não pagamento do prémio após 30 dias da data do seus vencimento – que permitiria desencadear a dita resolução de imediato. Trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória.

O DL 142/00 não interessa para o caso.

Articulando a cláusula 13ª nº1 das condições gerais, com o art. 18ºnº1 do DL 176/95, resulta que aquela é uma cláusula resolutiva expressa, mas que só produz efeitos resolutivos se a seguradora fizer a devida comunicação ao segurado/tomador do seguro, com respeito pelos 30 dias indicados no referido DL:

No nosso caso, não é ´preciso, portanto, qualquer interpelação admonitória. O Ac STJ citado fala em interpelação admonitória porque a seguradora, aí recorrente, seguiu por esse caminho, mas incorrectamente como diz o acórdão, em vez de seguir a estipulação prevista no art. 5º nº1 b) das condições gerais, mencionado no dito acórdão. A referência a interpelação admonitória nesse acórdão é portanto marginal.

Pelo exposto, não é necessária qualquer interpelação admonitória na situação em análise no nosso caso.

Por isso, divirjo nessa parte da fundamentação.

( João Moreira do Carmo )


[1] Dirigida a J (…) e com o seguinte teor:
“Data de efeito de anulação: 2007/05/01
Assunto: Anulação da apólice por falta de pagamento de prémios.
Estimado(s) cliente(s)
Vimos pelo presente informar V. Exª(s) que, nos termos da legislação em vigor e das condições contratuais aplicáveis, procedemos ao cancelamento da apólice de seguro acima identificada, por falta de pagamento dos respetivos prémios e com efeitos a partir da data também acima mencionada.
Assim, desde aquela data deixámos de garantir as coberturas previstas nas Condições Gerais, Especiais se as houver, e Particulares da respetiva apólice”
[2] Art. 8º Falta de pagamento de prémio ou frações subsequentes
1. Na falta de pagamento de prémio ou fração na data indicada no aviso referido no artigo anterior, o tomador do seguro constitui-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor.
[3] Art. 1º - Objeto e âmbito de aplicação
1. O presente diploma estabelece o regime jurídico do pagamento dos prémios do seguro
2. O presente diploma é aplicável a todos s contratos de seguro com exceção dos respeitantes aos seguros dos ramos colheitas, ao ramo «Vida», bem como aos seguros temporários celebrados por períodos inferiores a 90 dias.