Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8473/18.9T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 06/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.220, 230, 233 Nº2 B) CIRE
Sumário: I - O encerramento do processo de insolvência após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência não determina a extinção da instância dos processos de verificação, ainda que neles não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
II - os processos cujo prosseguimento depois do encerramento do processo de insolvência dependem de requerimento dos seus autores ou da devedora, são os de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 8473/18.9T8CBR-B.C1

Insolvência

Efeitos do encerramento do processo de insolvência

Sumário:

I - O encerramento do processo de insolvência após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência não determina a extinção da instância dos processos de verificação, ainda que neles não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos

II - os processos cujo prosseguimento depois do encerramento do processo de insolvência dependem de requerimento dos seus autores ou da devedora, são os de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes.

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida em 21 de Novembro de 2018, foi declarada a insolvência do I (…).

A insolvente apresentou plano de insolvência que foi aprovado pela maioria dos credores.

Por decisão proferida em 20 de Setembro de 2019, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo homologou o plano de insolvência apresentado pela devedora com as alterações introduzidas na assembleia de credores.

O plano previa que a sua execução fosse fiscalizada pelo administrador da insolvência.

Por decisão proferida em 5-11-2019, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo declarou encerrado o processo de insolvência, ao abrigo do disposto nos artigos 220.º e 230.º, n.º 1, alínea b) do CIRE.

Por decisão proferida em 8 de Janeiro de 2020 declarou extinto processo de verificação de créditos. Justificou a decisão nos seguintes termos:

O processo de insolvência do I (…)RL, (…), foi declarado encerrado após trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, nos termos do artigo 230.º, n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

De acordo com a previsão contida no artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos, exceto se já tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos destas sentenças e as ações cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.

“No sentido de que o apenso de verificação de créditos se deve extinguir no caso de o processo de insolvência terminar na decorrência da aprovação de um plano se pronunciaram Carvalho Fernandes e João Labareda, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, págs. 887 e 888, e, na jurisprudência, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.02.2013 e 14.06.2013, proc. n.º 1808/12.0TBBRG-F, acessíveis em www.dgsi.pt.

O recurso:

I (…) não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão e se ordenasse o processo de verificação e graduação de créditos até ao trânsito em julgado da sentença.

Os fundamentos do recurso foram os seguintes:
1. Antes da prolação da sentença “sub judice”, que extinguiu a instância do processo de verificação de créditos, transitou em julgado a homologação do plano de insolvência;
2. Plano de Insolvência este que, em concreto, faz depender a execução, o cumprimento e o pagamento do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, máxime dos créditos laborais/privilegiados;
3. A sentença “sub judice” inviabiliza a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos, pelo que, na prática, torna inútil e viola o caso julgado anterior formado pelo trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de insolvência, o que é manifestamente defeso;
4. Tanto mais que o plano de insolvência aprovado e homologado judicialmente não prevê o tratamento dos créditos privilegiados/laborais para o caso de não existir sentença de verificação e graduação de créditos, bem pelo contrário, pois exige a prolação da decisão a proferir nos termos do artigo 140.º do CIRE, mormente no ponto introdutório e nos pontos A3) e A4);
5. Sem prescindir, o tribunal não notificou as partes (credores reclamantes e ou devedora) para, no prazo de 30 dias, querendo, requererem o prosseguimento do apenso de verificação de créditos, tudo nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE;
6. As partes não puderam assim, exercer o direito processual previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE, tendo sido omitido um ato que a lei prevê e que tem influência na decisão da causa (verificando-se assim uma nulidade, que se argui) e tendo sido postergado o dever de gestão processual e o princípio da cooperação, deverá sempre ser revogada a decisão “sub judice”, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

 Não houve resposta ao recurso.


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Questões suscitadas pelo recurso:

Saber se, ao declarar extinta a instância do processo de verificação e graduação de créditos, a decisão recorrida incorreu em erro.


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Os factos relevantes para a decisão são constituídos pelos respectivos antecedentes relatados no relatório deste acórdão e ainda pelos seguintes aspectos do conteúdo do plano de insolvência:
1. O plano de insolvência homologado propunha a venda do imóvel, propriedade do I (…), nos termos e condições melhor consagradas infra, sendo que o produto da venda seria aplicado no pagamento dos créditos privilegiados, tal como a consignação da indemnização a receber do Estado Português/Ministério da Educação no âmbito do processo n.º 2697/16.0BELSB, tudo de acordo com a sentença de graduação e verificação de créditos que venha a transitar em julgado, considerando o seguinte:
A) Créditos Laborais: Venda do imóvel do I (…), em regime de leaseback, ou vendido mediante celebração de contrato de arrendamento pelo adquirente com o I (…), tendo em vista a prossecução nas instalações da sua normal actividade, por valor não inferior a € 1 200 000,00 (um milhão e duzentos mil euros), destinando o produto da venda ao pagamento dos créditos laborais, e consignação da indemnização a receber do Estado Português/Ministério da Educação no âmbito do processo n.º 2697/16.0BELSB (Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa), avaliada num valor de € 483 000,00 e € 966 000,00, também a afectar ao pagamento dos créditos laborais do seguinte modo:
· A1) Pagamento de 100% do capital dos créditos laborais, com perdão implícito dos juros vencidos e vincendos;
· A2) Venda, sob a égide do administrador da insolvência, assessorado por uma comissão de três elementos designados pelos titulares dos créditos laborais, a qual processar-se-á nos termos do artigo 164.º do CIRE com as normas do processo executivo devidamente adaptadas;
· A3) Até que a venda seja consumada e os pagamentos dos créditos laborais privilegiados sejam concretizados na íntegra (sem prejuízo do perdão implícito dos juros vencidos e vincendos), o I (…) disponibilizará mensalmente da quantia de € 15 000,00 (quinze mil euros), que será distribuída rateadamente pelos créditos laborais tal como vierem a ser reconhecidos na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos;
· A4) A eficácia ou a entrada em vigor da presente medida descrita na alínea A3) terá lugar no último dia do mês seguinte ao da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Insolvência e de Recuperação do I (…) e/ou da data do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, consoante o que ocorra em último lugar.    

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Passemos à resolução dos fundamentos do recurso.

O recorrente começa por censurar a decisão recorrida com a alegação de que a prolação da sentença de verificação de créditos é essencial para o cumprimento do plano de insolvência, na medida em que o plano faz depender o pagamento dos créditos laborais da sentença de verificação e graduação de créditos. E assim, se não for proferida tal decisão não será viável a execução do plano.

A apreciação deste fundamento do recuso remete-nos para a questão dos efeitos do encerramento do processo de insolvência decorrente da homologação de um plano de insolvência. A resposta a esta questão é dada pela alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE.

Segundo esta norma “o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação e graduação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores ou a devedora assim o requeiram no prazo de 30 dias”.

Como se vê pela transcrição que se acaba de fazer, o preceito dispõe sobre os efeitos do encerramento do processo de insolvência, antes do rateio final, em relação aos seguintes processos pendentes que correm por apenso ao processo de insolvência: 1) processo de verificação de créditos; 2) processo de restituição e separação de bens já liquidados.     

Centrando a nossa atenção no segmento da norma que versa sobre os efeitos do encerramento do processo em relação à instância dos processos de verificação de créditos, vemos que ele comporta uma regra e duas excepções.

A regra é a de que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos.

As excepções são as seguintes:
1. O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final não determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º;
2. O encerramento do processo antes do rateio final não determina a extinção da instância dos processos de verificação e graduação de créditos se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência.

Esta segunda excepção – relevante para o caso - tem suscitado a questão de saber se a subsistência da instância dos processos de verificação de créditos depende de, no momento do encerramento do processo de insolvência, já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

A questão tem obtido respostas divergentes por parte jurisprudência.

Assim, e a título de exemplo, decidiu que o encerramento do processo resultante da aprovação do plano de insolvência determinava a extinção do processo de verificação, salvo se já tivesse sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, um dos acórdãos citados pela decisão recorrida, a saber o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 19-02-2013, no processo n.º 1808/12.0TBBRG-D, publicado no sítio www.dgsi.pt [em relação ao outro acórdão, proferido em 14-06-2013, pelo tribunal da Relação de Guimarães no processo n.º 1808/12.0TBBRG-F, não o conseguimos localizar na base de dados da dgsi].  

Decidiram em sentido contrário, ou seja, que o encerramento do processo não determinava a extinção da instância ainda que não tivesse sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos os seguintes acórdãos: o acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 15/10/2013, no processo n.º 1881/12.0TBPNF, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-04-2014, proferido no processo n.º 2609/11.8TBPDL-K, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 5-05-2016, no processo n.º 3091/15.6TBSTB, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 22-11-2016, no processo n.º 297/12.3TYLSB-B, e o acórdão do STJ proferido em 22-11-2016, no processo n.º 4843/10.9TBFVN-B, todos pulicados em www.dgsi.pt.

Na doutrina, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, página 233] escrevem, em anotação à alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º o seguinte: “… cremos que, no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de 30 dias”.

Pelas razões a seguir expostas, este tribunal entende que o encerramento do processo de insolvência após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência não determina a extinção da instância dos processos de verificação, ainda que neles não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos

Para bem se perceber o sentido a dar à alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE importa ter em conta os seus antecedentes.

A alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE, na redacção saída do Decreto-lei n.º 53/2004 de 18 de Março [diploma que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] afirmava a regra de que o encerramento do processo antes do rateio final determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos. A única excepção a tal regra era constituída pela hipótese de já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º.

Em tal hipótese, se já houvesse recursos interpostos, estes prosseguiriam; se não existissem ainda, aguardar-se-ia o decurso do prazo do recurso.

A alínea b) não procedia a qualquer distinção, em matéria de efeitos do encerramento antes do rateio final, em função do facto que lhe servisse de fundo. E como resultava – e resulta - das alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE podiam ser várias as causas do encerramento antes do rateio final. E assim não dispunha de modo especial sobre os efeitos do encerramento, em consequência do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, sobre o processo de verificação de créditos [hipótese prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE].

Esta solução era compreensível visto que o plano de insolvência nunca era aprovado antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos. Era o que resultava do n.º 2 do artigo 209.º do CIRE [redacção dada pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março], ao dispor que a assembleia de credores convocada para discutir e votar a proposta do plano de insolvência não se podia reunir antes do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, de proferida sentença de verificação e graduação de créditos, de esgotado o prazo para a interposição de recursos desta sentença. E era o que resultava também do n.º 1 do artigo 212.º do CIRE [ainda na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 53/2004], ao dispor que a proposta de plano de insolvência considerava-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituíssem, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, segundo a sentença de verificação e graduação de créditos, recolhesse mais de dois terços da totalidade dos emitidos, não se considerando como tal as abstenções.

Assim, quando o juiz declarava encerrado o processo após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano, se a isso se não opusesse o conteúdo dele [o que cumpria fazer por aplicação da alínea b), do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE], já havia sido proferida, no processo, sentença de verificação e graduação de créditos. O que podia não haver era sentença com trânsito em julgado. Porém, a inexistência de trânsito em julgado nem impedia a aprovação do plano de insolvência, como o atestava o n.º 3 do artigo 209.º, do CIRE, nem impedia o encerramento do processo de insolvência.

Deste modo, o encerramento do processo em consequência da aprovação de plano de insolvência (que era sempre um encerramento anterior ao rateio final) nunca determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, no caso de existirem recursos pendentes. Em tal caso, prosseguiam até final os recursos interpostos dessas sentenças. Era o que resultava da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º na redacção saída do Decreto-lei n.º 53/2004.

Sucede que o Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto de 2004 – que alterou o Decreto-lei n.º 53/2004, - modificou esta situação, alterando o n.º 2 do artigo 209.º e o n.º 1 do artigo 212.º.

Com a alteração do n.º 2 do artigo 209.º do CIRE, a assembleia de credores, convocada para discutir e votar a proposta de plano de insolvência, passou a poder reunir antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos. A reunião da assembleia apenas não podia ter lugar antes do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência nem antes de esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos e da realização da assembleia de apreciação do relatório. 

A nova redacção do n.º 1 do artigo 212.º, ao dispor sobre o quórum constitutivo e sobre o quórum deliberativo necessários à aprovação do plano, deixou de fazer referência aos créditos com direito de voto, segundo a sentença de verificação e graduação de créditos.

Não havendo sentença de verificação de créditos, na altura da deliberação da assembleia sobre o plano de insolvência, a questão dos direitos de voto passou a ser regulada pelo artigo 73.º, do CIRE, n.º 1 (2.ª parte), alíneas a) e b), e n.º 4 do mesmo preceito.

Com as alterações expostas, o processo de insolvência passou a poder encerrar-se com fundamento no trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência [alínea b), do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE] sem que no processo de verificação de créditos tivesse sido proferida a sentença prevista no artigo 140.º.

Observe-se que o facto de o Decreto-lei n.º 200/2004 ter admitido que o plano de insolvência fosse aprovado sem haver sentença de verificação de créditos não se ficou a dever ao facto de esta ser inútil para a aprovação. Prescindiu-se dessa exigência por razões de celeridade e por se entender que tal favorecia a recuperação das empresas. É o que afirma o seguinte trecho do preâmbulo de tal diploma: “… permite-se que a assembleia de credores reúna para aprovação do plano de insolvência logo após o termo do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos, o que claramente favorece as perspectivas de recuperação das empresas”.

Como é bom de ver se se mantivesse a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE que lhe foi dada inicialmente [redacção do Decreto-lei n.º 53/2004], o encerramento do processo de insolvência após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, quando neles não tivesse sido proferida sentença. É que – repete-se – a única hipótese prevista em tal alínea que fugia à regra de que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final levava à extinção dos processos de verificação de créditos era a de já existir sentença de verificação e graduação de créditos.

Sucede que não foi o que aconteceu. O Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, ao mesmo tempo que alterou o n.º 2 do artigo 209.º e o n.º 1 do artigo 212.º, no sentido acima exposto, modificou também a redacção do n.º 3 do artigo 209.º e a alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE.

Assim: o n.º 3 do artigo 209.º além de estabelecer – como sucedia anteriormente - que “o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos acautelava os efeitos da eventual procedência dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido”, passou a dispor que o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos acautelava também os “efeitos da eventual procedência da impugnação da lista de credores reconhecidos”.

Por sua vez a nova redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE passou a incluir o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação de plano de insolvência como excepção à regra de que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos. 

Estas alterações apontam claramente no sentido de que o encerramento do processo de insolvência em consequência da homologação do plano de insolvência não arrasta o encerramento do processo de verificação de créditos. Com efeito, se, segundo a nova redacção do n.º 3 do artigo 209.º, o plano aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos tem o dever de acautelar o resultado das impugnações e dos recursos interpostos contra a sentença, é legítimo inferir que o pensamento legislativo é o de que a aprovação do plano não retira razão de ser nem à impugnação nem à decisão sobre a verificação e graduação de créditos.

De resto, as alterações introduzidas no n.º 3 do artigo 209.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º são concordantes com outras soluções constantes do CIRE que apontam igualmente no sentido de que o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação de plano de insolvência não torna inútil o prosseguimento do processo de verificação de créditos. Assim:

Em primeiro lugar, são concordantes com alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º do CIRE combinada com o n.º 2 do mesmo preceito, de onde resulta que, em caso de incumprimento do plano, apenas podem prevalecer-se de alguns dos efeitos que o CIRE assinala a esse incumprimento os credores cujos créditos estivessem reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitada em julgado.

Em segundo lugar, são concordantes com a alínea c) do n.º 2 do artigo 220.º do CIRE do qual resulta que, no caso de o plano prever que a sua execução seja fiscalizada pelo administrador da insolvência – como sucede no caso presente -  apenas os titulares de créditos reconhecidos são informados pelo administrador da insolvência da existência ou inevitabilidade de situações de incumprimento.

Em terceiro lugar, são concordantes com a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE na medida em que este prevê, como título executivo especial, a sentença de verificação e graduação de créditos conjugada com a sentença homologatória do plano de insolvência.

Segue-se do exposto que, quando o processo de insolvência for encerrado em consequência da homologação do plano de insolvência, tal encerramento não determina a extinção do processo de verificação de créditos, ainda que nele ainda não tenha sido proferida sentença prevista no artigo 140.º.

De resto, só para esta hipótese – a de não haver sentença de verificação de créditos no momento do encerramento do processo de insolvência em consequência da homologação do plano de insolvência - é que tinha sentido alterar a alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º, dizendo que o encerramento com base na homologação do plano de insolvência não implicava a extinção do processo de verificação de créditos. Com efeito, na hipótese de existir sentença no momento do encerramento do processo de insolvência, a extinção do processo de verificação de créditos já não se verificava porque a 1.ª parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE já dizia precisamente que o encerramento do processo antes do rateio final não determinava a extinção do processo de verificação de créditos pendente se já tivesse sido proferido a sentença de verificação e graduação prevista no artigo 140.º.

Interpretada a alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE, na parte em que dispõe que “o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos excepto … se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência…”, com o sentido acima exposto, é bom de ver que não pode subsistir a decisão recorrida. Vejamos. 

O quadro de facto que se deparava ao tribunal a quo era o seguinte:
1. Encerramento do processo de insolvência em consequência do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência;
2. Pendência, na altura do encerramento, da instância do processo de verificação de créditos.

Com este quadro, a decisão que era imposta pela lei era a de ordenar o prosseguimento da instância do processo de verificação de créditos. E era de declarar esta continuação independentemente da manifestação de vontade nesse sentido dos credores.

Como se escreveu acima, o preceito em causa dispõe sobre os efeitos do encerramento do processo de insolvência, antes do rateio final, em relação aos seguintes processos pendentes que correm por apenso ao processo de insolvência: 1) processo de verificação de créditos; 2) processo de restituição e separação de bens já liquidados.    

No entender deste tribunal, a letra do preceito aponta claramente no sentido de que os processos, cujo prosseguimento depois do encerramento do processo de insolvência, dependem de requerimento dos seus autores ou da devedora – depois da alteração de redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º pelo Decreto-lei n.º 79/2017, de 30 de Junho – são os de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes. O destino destes é que depende do interesse dos autores ou da devedora.

Quanto aos processos de verificação de créditos que estiverem pendentes aquando do encerramento do processo de insolvência, o seu destino não está dependente da vontade dos credores reclamantes.

Daí que não colhesse contra a decisão recorrida a alegação – feita a título subsidiário pelo recorrente – de que era dever do tribunal notificar as partes (devedora e ou os credores reclamantes/impugnados) para no prazo de 30 dias requererem o prosseguimento do apenso de verificação de créditos.

A favor do prosseguimento do processo de verificação depõe ainda a circunstância de, como alegou o recorrente, a prolação da sentença de verificação de créditos ser essencial à execução de alguns aspectos do conteúdo do plano.

Com efeito, o plano prevê:
1. Que o produto da venda do imóvel, propriedade do I (…), seja aplicado no pagamento dos créditos dos trabalhadores de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, que venha a transitar em julgado;
2. Que até à concretização da venda do imóvel, o I (…)disponibilizará mensalmente uma verba de € 15 000,00 que será distribuída rateadamente pelos créditos laborais tal como vierem a ser reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos;
3. Que a medida prevista anteriormente comece a ser aplicada no último dia do mês seguinte ao da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência ou da data do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, consoante o que ocorra em último lugar.

Vê-se, assim, que o plano, no que diz respeito ao pagamento dos créditos laborais, contempla apenas os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado.  Em relação a tal categoria de créditos, o plano não se afasta do princípio enunciado no artigo 173.º do CIRE, segundo o qual o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado.

Por outro lado, a dependência da execução do plano em relação à sentença de verificação verifica-se ainda no seguinte aspecto. Segundo a cláusula A3 acima transcrita, até à concretização da venda do imóvel, propriedade da ora recorrente, o plano prevê pagamentos parciais aos credores laborais. Sucede que estes pagamentos, além de só contemplarem os créditos que forem reconhecidos em sentença de verificação de créditos, só se iniciariam, segundo a cláusula A4) acima transcrita, depois do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação ou da sentença de verificação de créditos, consoante a que ocorra em último lugar.

É, assim, inequívoco que a execução do plano, no que diz respeito aos créditos laborais, pressupõe a prolação de sentença de verificação de créditos e, nesta medida, opõe-se à extinção do processo de verificação de créditos.


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Decisão:

Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se e substitui-se a decisão recorrida por outra a ordenar o prosseguimento do processo de verificação de créditos.

Responsabilidade quanto a custas:

Sem custas.

Coimbra, 1 de Junho de 2020

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

Maria João Areias