Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1788/12.1TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
PROVA DOCUMENTAL
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.607, 615, 662, 703 Nº1 C) CPC, 1, 2 LUC
Sumário: 1- O não pagamento e a devolução de cheques, por motivo de falta ou vício na formação da vontade do sacador, apontado por este, não lhes retira o cariz de títulos cambiários e a sua idoneidade para constituírem títulos executivos.

2- O cheque, a que faltem condições legais, pode valer, no domínio das relações imediatas, como título executivo, enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular assinado pelo devedor, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC anterior e artº 703º nº1 al. c) do NCPC, desde que o mesmo contenha a causa da sua subscrição ou que a mesma causa seja alegada no requerimento executivo.

3 - A fundamentação da sentença, «tout court», não deve confundir-se com a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sendo que, para esta ser tida como fundamentada, não é exigível uma minuciosa escalpelização/dissecação da prova produzida, bastando a sua indicação e análise critica que, objetivamente, permitam controlar a (i)razoabilidade da convicção do juiz.

4 - Considerando os princípios da imediação e da oralidade, únicos que permitem uma apreciação ética da prova pessoal, o tribunal ad quem apenas pode censurar a convicção da 1ªinstancia, máxime se tal prova é díspare, quando, com margem de segurança muito elevada, conclua por erro notório na sua apreciação, vg. porque tal prova foi inequivocamente contrariada por outra.

5 - A prova do recebimento de uma carta alegadamente enviada sob registo, tem, tendencialmente, de ser efetivada pela junção aos autos do documento atinente.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

R (…), Ldª. deduziu oposição à execução contra si instaurada por C (…)

Alegou:

Celebrou, verbalmente, contrato com a oponida, mediante o qual esta se obrigou a dar-lhe  exclusividade de venda das suas marcas em Portugal continental.

A referida venda entre a executada e a exequente deu origem a diversas faturas, tendo, para pagamento, emitido diversos cheques, entre os quais, os cheques juntos na execução.

A exequente, porém, não cumpriu com a obrigação de exclusividade sem a qual a executada não teria celebrado qualquer contrato com a mesma.

Devido à violação por parte da exequente do referido contrato, resolveu-o através de carta registada com aviso de receção.

E procedeu à devolução da mercadoria que, por culpa exclusiva da exequente, não conseguiu vender.

Emitiu a respetiva nota de devolução.

E, sentindo-se enganada apresentou queixa crime por burla contra a exequente.

E requereu o cancelamento de todos os cheques pós-datados que entregou à exequente e que correspondiam ao pagamento da mercadoria que foi devolvida.

Os cheques revogados por justa causa não espelham a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária pelo facto de do próprio cheque resultar a não obrigação de pagamento – ordem de pagamento revogada.

Com a conta bancária penhorada nos autos executivos a executada ficou com vários prejuízos.

Pediu:

Seja a oposição julgada procedente e a exequente condenada como litigante de má fé em multa e indemnização.

Contestou a exequente/oponida.

Negou que o acordo de fornecimento tenha sido feito com exclusividade para Portugal continental.

Não recebeu qualquer carta registada com aviso de receção a informar ou comunicar a resolução do contrato acima referido, embora tenha rececionado, sem aviso prévio ou justificação, 84 caixas de mercadoria.

Só após o contacto do seu agente em Portugal e a devolução pelo Banco do cheque emitido pela executada para a data de 15.11.2011, é que a teve conhecimento de que se tratava de uma devolução de mercadoria.

Também, através do seu agente, comunicou à opoente que não aceitaria essa devolução e que esta teria de proceder ao seu levantamento.

Pediu:

 A improcedência da oposição e a condenação da executada como litigante de má fé em multa e indemnização.

2.

Prosseguiu os processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

« julgar totalmente improcedente, por totalmente não provada, a presente oposição à execução, determinando-se o  prosseguimento da execução, rejeitando-se parcialmente o requerimento executivo na parte em que contabiliza juros às taxas de 8,25% e 8%, os quais devem ser contabilizados e incidir sobre o capital pedido, à taxa de 4% ao ano, a partir das datas de emissão de cada um dos cheques.».

3.

Inconformada recorreu a opoente.

Rematando as suas alegações com as seguintes, prolixas, conclusões:

(…)

Contra alegou a recorrida pugnando pala manutenção do decidido com os seguintes, outrossim prolixos, argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 608º nº2, 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença por falta de fundamentação.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª – Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Nas primeira 24 conclusões a  recorrente insurge-se contra os factos dados como provados  e invoca a nulidade da sentença, por falta de fundamentação; tudo com base nos artºs 655º, 659º e 668º nº1 al. b) do CPC.

 Fá-lo, porém, misturada e entrelaçadamente, confundindo conceitos e realidades jurídicas distintas: deficiente  apreciação da prova produzida, que pode acarretar a censura dos factos dados como provados e não provados, e nulidade da sentença, por falta de fundamentação.

Neste particular parece ainda misturar a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto com a falta de fundamentação da sentença final.

Não se dando conta, mais uma vez que, nos encontramos perante decisões distintas, cuja falta de fundamentação se reporta a quids diversos e assume natureza própria: na decisão sobre a matéria de facto importa apurar se a convicção que acarreta  a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzidos; na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes.

Este entendimento ressuma, no caso presente, com especial evidência, pois que nele se tramitaram ainda os autos em obediência ao CPC pretérito no qual existia uma autonomia processual das duas decisões: a da matéria de facto e a da sentença final.

Já então se entendendo que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e a al. b) do nº 1 do artº 668º.

Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004  dgsi.pt.p. 04B3896.

Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e  a decisão final -  são,  na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleologicamente diferentes, e, por isso, obedecendo  a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, (d)os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento do vício da falta de fundamentação.

A falta de fundamentação da sentença acarreta a sua nulidade – al. b) do nº1 do artº 615º.

A falta ou insuficiente fundamentação da decisão de facto implica o reenvio do processo à 1ª instância para que esta a efetive – al. d) do nº2 do artº 662º do CPC.

Já no que tange ao vício da omissão de pronúncia ele reporta-se à sentença na sua vertente final.

No caso sub judice, e cabalmente escalpelizada a confusa argumentação da recorrente, conclui-se que o vício da falta de fundamentação apenas pode ser assacado à decisão sobre a matéria de facto.

Na verdade, quanto à sentença final, e como se viu, tal vício apenas ocorre se faltarem, de todo, os factos que devem alicerçar a subsunção jurídica e o chamamento e interpretação de certas normas.

Ora, in casu, considerando que na sentença constam certos e determinados factos em função dos quais foi decidido, é evidente que tal vício nela inexiste.

Sendo assim, completamente descabida a asserção de que ela «Não faz correr um único pingo de tinta quanto à fundamentação de facto».

Os factos, bem ou mal fixados – o que infra se apreciará – estão lá.

E não há fundamentação, porque não devia haver, já que ela  foi produzida na decisão anterior na qual se fixaram os factos.

Nesta conformidade, apreciemos quanto aquela decisão sobre os factos.

5.1.2.

O dever de fundamentação da decisão sobre os factos é a decorrência lógica do disposto nos artºs 205º nº 1 da Constituição e 154º nº 1 do CPC que impõem  o dever  de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.

A motivação tem, essencialmente, uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção  da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.

Assim, e por um lado, a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se ao mero enunciado  genérico dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.

O que poderia descambar num mero juízo arbitrário de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.

Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise crítica e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta, o como e o porquê dessa convicção – cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs. e Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.

Mas, por outro lado, esta exigência não deve ser levada a limites de exagero.

Até porque uma fundamentação exaustiva e perfeita é de muito difícil e, por vezes, impossível, consecução.

Destarte, o julgador não é obrigado a descrever, de modo minucioso, o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respetivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu – cfr. Ac. da RC de 28.03.2000, CJ 2º, 22 e Acs. do STJ de 06.12.2004, dgsi.pt, ps. 04B3896, de 02.10.2008, p. 07B1829 e de 14.01.2009, p.08S934 .

Assim: «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta…» -  Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º.

Ou seja: «o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão…» - M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348.

 Decorrentemente, pode considerar-se que se cumpriu a exigência do segmento normativo do nº4 do artº 607º do CPC quando o juiz procedeu a uma explicitação dos diversos meios de prova que serviram para formar a  sua convicção, bem como da sua valoração, o que passa pela menção da sua relevância e da razão da credibilidade que lhe  mereceram.

 O que, repete-se, pode efetivar de uma  forma não  necessariamente exaustiva, mas suficientemente convincente, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica.

Podendo entender-se que estão satisfeitas as exigências legais de fundamentação quando, vg., é indicada a razão de ciência das testemunhas, são referidos os motivos por que mereceram a credibilidade do Tribunal, e é feita a articulação dos depoimentos prestados com os outros meios de prova – cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004  cit.

Pois que, nestes casos -  e mesmo que na decisão exista alguma deficiência ou insuficiência - ela não poderá taxar-se de arbitraria e será, em todo o caso, e que é o que realmente interessa, sindicável.

Acresce que já no domínio do CPC anterior a doutrina entendia  que o então artº 712º nº5 do CPC apenas tinha aplicação: «…quando a resposta não fundamentada seja essencial para a decisão da causa e não hajam, sequer, sido indicados os meios concretos de prova que serviram para formar a convicção do julgador…» - A. Neto, ob. cit. p.214.

Ou seja, este segmento – que hoje tem correspondência no artº 662º nº2 al.d) – tinha um campo de aplicação e abrangência ainda mais restritos do que o então artº 653º nº2 – hoje 607º nº 4 -, apenas emergindo quando inexistisse fundamentação ou esta fosse notória e concludentemente escassa, de tal sorte que, meridianamente, não permitisse a mínima sindicância sobre a formação da convicção do juiz.

Esta doutrina, dada a correspondência dos preceitos citados, contínua válida.

Ademais, importa considerar que não é de boa técnica nem satisfaz a exigência legal, uma motivação em bloco, reportada a todos os factos objeto da prova, mediante mera indicação das provas relevantes para a formação da convicção do juiz.

Mas o preceito em análise não exige que a fundamentação das respostas aos quesitos seja indicada separadamente em relação a cada um deles - cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004, dgsi.pt, p.02B4702.

Esta discriminação/autonomização é, porém, e por obvias razões de ordenamento e cabal esclarecimento, preferível.

E sendo que a possibilidade de fundamentação conjunta de mais que um facto é possível e, até, aconselhável, nos casos em que os factos se encontrem ligados entre si e tenham sido objeto, no seu núcleo essencial, dos mesmos meios de prova - cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004, dgsi.pt, p.02B4702 e Ac. da RC de 7.11.2012, p. 781/09.6TBMGR.C1.

5.1.3.

No caso vertente a Srª Juíza fundamentou a decisão nos seguintes, nucleares, termos:

Os artºs 12 a 21 da BI assentaram nos depoimentos de (…)conjugados com os documentos juntos aos autos.

Seguidamente, a  julgadora expôs o teor dos depoimentos das testemunha.

Mais relevou o depoimento do (…), um dos dois agentes da exequente em Portugal, no que à questão da exclusividade concerne, por contraponto ao afirmado pela testemunha (…),  afirmando que ficou convencida da falta desta pois que aquela testemunha ganha uma comissão sobre as vendas da recorrida, pelo que, quanto maior for o volume das vendas,  mais ganha de comissões, e que esta testemunha não assistiu ao negócio, ou aos seus preparativos, apenas sabendo o que o Rogério lhe transmitiu.

Quanto aos factos não provados, entendeu não ter sido feita prova suficiente sobre os mesmos, pelo que, incumbindo sobre a autora tal prova, e se alguma dúvida ficou, ela se resolve contra esta, nos termos do artº 516º do CPC.

Perante este discurso argumentativo conclui-se que a decisão não se mostra infundamentada.

Na verdade, foram invocados meios probatórios que, escalpelizados e criticamente valorados pela  Srª. Juíza, no  seu entender a alicerçam.

Questão diversa, é saber se tal invocação e análise probatória se mostram as mais conformes à prova produzida.

Tal quid não é  meramente formal, atinente à elementar postergação de uma exigência legal, mas antes substancial, ou seja, respeitante a saber se a atuação indagatória da julgadora e os argumentos probatórios por ela aduzidos são os mais conformes e curiais.

O que infra se apreciará.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Por outro lado e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem tem poder/dever de julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr.neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1 e de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 in dgsi.pt; e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito.

5.2.3.

(…)

5.2.4.

Por conseguinte, os factos a considerar são os provados na 1ª instância, a saber:

1. A exequente é portadora dos seguintes cheques, emitidos pela executada, e sacados sobre o «Banco Espírito Santo»:

- cheque nº 4600353443, no montante de € 4.943,00, com data de 15/11/2011;

- cheque nº 7100353451, no montante de € 4.943,00, com data de 30/11/2011;

- cheque nº 8700353460, no montante de € 4.943,00, com data de 15/12/2011;

- cheque nº 2200353478, no montante de € 4.943,00, com data de 30/12/2011 (docs. juntos com o requerimento executivo e constantes dos autos apensos de execução) – al. A) da matéria assente.

2. Estes cheques foram apresentados a pagamento e devolvidos, por motivo de falta ou vício na formação da vontade (docs.  juntos com o requerimento executivo e constantes dos autos apensos de execução) – al. B) da matéria assente.

3. No dia 14/11/2011, a exequente rececionou, da executada/oponente, 84 caixas de mercadoria (acordo das partes) – al. C), da matéria assente.

BASE INSTRUTÓRIA:

4. A exequente, no exercício da respetiva atividade comercial, vendeu à executada os artigos de vestuário constantes das faturas nºs 1110019751 e 110023950 – resposta ao artº. 1, da B.I..

5. Para pagamento destas faturas, a executada emitiu vários cheques, entre os quais os identificados em 1., dos factos provados – resposta ao artº. 2, da B.I..

6. Os montantes titulados pelos cheques aludidos em 1. não foram pagos pelos motivos constantes em 2. – resposta ao artº. 3, da B.I..

7. A mercadoria aludida em 3. foi remetida pela executada/oponente à exequente, sem qualquer aviso prévio ou justificação – resposta ao artº. 12, da B.I..

8. Desconhecendo a exequente o conteúdo das caixas, quando as recebeu – resposta ao artº. 13, da B.I..

9. Assim que recebeu as referidas caixas, a exequente contactou o seu agente em Portugal, para que o mesmo se dirigisse, à executada, e soubesse os motivos de tal envio – resposta ao artº. 14, da B.I..

10. A exequente, somente após o contacto do seu agente com a executada/oponente e a devolução pelo banco do cheque datado de 15/11/2011, é que teve conhecimento de que se tratava de uma devolução de mercadoria – resposta ao artº. 15, da B.I..

11. Após, a exequente, através do seu agente, tentou comunicar de imediato via telefone com a executada, de modo a dizer-lhe que a devolução da mercadoria não seria aceite e que a “RCP” teria de proceder ao seu levantamento – resposta aos artºs. 16 e 17, da B.I..

12. Face à impossibilidade de contactar telefonicamente com a executada, através do Sr. Rogério ou outro funcionário, a exequente enviou à executada/oponente uma carta registada com aviso de receção, em 29/11/2011, informando que não aceitava a mercadoria e que a mesma se encontrava à sua disposição para o seu levantamento – resposta ao artº. 18, da B.I..

13. As caixas aludidas em 3. encontram-se intactas e acondicionadas em paletes, no armazém da exequente, desde a data da sua receção – resposta ao artº. 20, da B.I..

14. A exequente só teve conhecimento do cancelamento dos cheques aludidos em 1., após a apresentação dos mesmos a pagamento e respetiva devolução – resposta ao artº. 21, da B.I..

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

A recorrente, funda, de jure, a sua pretensão, nos seguintes termos:

«…refere a douta decisão recorrida o seguinte:

 “A executada alega insuficiência dos títulos dados à execução, pelo que deveriam ter sido rejeitados. Isto porque não espelham a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, já que foram revogados por justa causa.

Esquece-se a executada que a exequente intentou a ação executiva com fundamento em ser portadora de quatro cheques - que identificou e juntou após ter sido notificada expressamente para esse efeito -, emitidos pela Executada e por esta àquela entregues, os quais apresentados a pagamento foram devolvidos por revogação por falta ou vício na formação da vontade e que se encontram totalmente por pagar.

Por isso, lançou a exequente “mão” da ação cambiária ou cartular, diretamente emergente dos cheques.

Desse modo, não faz qualquer sentido a invocação da executada no sentido da rejeição do requerimento executivo por insuficiência de títulos.

Eles – títulos executivos – existem e são suficientes para suportar o pedido executivo; ou seja, a execução baseia-se nos títulos cambiários: cheques, sem necessidade de se alegar a relação subjacente, pois são dotados das características da abstração, incorporação e literalidade.”

Ora a Douta Decisão Recorrida pouco disse no que toca a esta matéria, mais uma vez olvidando o dever de fundamentação.

…Os cheques apresentados na presente execução como títulos executivos enquanto documentos particulares, não valem enquanto tal, não constituindo, portanto, título executivo válido e eficaz, quer nos termos do art.º 46º alínea c), quer nos termos da alínea d) do CPC.

De facto, o cheque é, tendencialmente, título executivo, ora como documento cartular, ora como documento particular.

Contudo, não o é se da respetiva literalidade resultar claramente ter sido oportunamente revogado, como é o caso dos presentes autos.

Ora os cheques em causa na presente execução foram revogados por justa causa com fundamento em vício e erro na formação da vontade pelos factos já supra expostos e que na opinião da ora Recorrente resultaram provados em sede de Audiência de discussão e julgamento.

É entendimento de alguma Doutrina e Jurisprudência, que Nestes casos, em que o cheque é revogado por justa causa, o eventual/hipotético credor, antes de mais, deverá recorrer à Acão causal de condenação, para obter título suficiente para executar o eventual/hipotético devedor.

Que os cheques revogados, por justa causa não espelham a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, pelo  facto de, do próprio cheque resultar, a não obrigação de pagamento – ordem de pagamento revogada.

No que toca a esta matéria (exceção de incumprimento do contrato) refere a Douta Decisão Recorrida o seguinte:

“Foi alegado, nesta oposição à execução, que entre a executada e a exequente (foi celebrado contrato que) deu origem a diversas faturas, tendo a executada, para esse efeito, emitido diversos cheques, entre os quais, os cheques juntos na execução de que estes autos são apenso.

Esse contrato – conforme alegação da executada - foi celebrado verbalmente entre as partes, obrigando-se a exequente a dar à executada exclusividade de venda das suas marcas em Portugal continental. Porém, a exequente não cumpriu com essa obrigação, sem a qual a executada não teria celebrado qualquer contrato com a mesma.

E foi devido à violação por parte da exequente do referido contrato …a executada resolveu o contrato, através de carta registada com aviso de receção; e procedeu à devolução da mercadoria que, por culpa exclusiva da exequente, não conseguiu vender…

Consultada a matéria dada como provada, facilmente podemos concluir que a executada não conseguiu demonstrar, de forma clara, credível e circunstanciada, que o  contrato firmado com a exequente previa expressamente que as vendas seriam exclusivas em Portugal continental.

…o certo é que a versão da exequente saiu reforçada porque ficou patenteado que o contrato de compra e venda foi formalizado sem regime de exclusividade, que a exequente não recebeu a carta de resolução e que não incumpriu qualquer parte desse mesmo contrato.

Assim sendo, apresentando-se a obrigação exequenda como uma obrigação abstrata, assente e consubstanciada na relação cambiária documentada no título (os 4 cheques), para a procedência dessa pretensão apenas necessário se lhe tornava evidenciar a validade e eficácia dessa relação, desiderato essencialmente função da comprovação da assinatura dos cheques (como sacadora) pela Executada e da verificação dos requisitos plasmados nos arts. 29º, 40º e 41º, da LUCH.

À executada/oponente, por sua vez - e dado que a obrigação cambiária se configura ainda no domínio das relações jurídicas imediatas -, é que lhe competia o ónus de alegar, para depois provar – a título de facto impeditivo ou extintivo do direito cartular da exequente/oponida (cfr. art. 342º, nº 2, do Cód. Civil) -, que subjacente à constituição dessa relação cambiária a exequente não cumpriu…”

«…da prova produzida em Julgamento resultou provado quer o contrato de exclusividade quer a resolução através de carta registada, nesta medida e tendo em conta tudo o que já se alegou deve a exceção invocada ser julgada totalmente procedente e em consequência ter necessariamente de se considerar que a Recorrente não é obrigada ao pagamento da quantia peticionada na execução que deu origem aos presentes autos.»

5.3.2.

Perscrutemos.

O título executivo é condição necessária e suficiente da ação.

Necessária porque não há execução sem título.

Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.

O título executivo é um pressuposto da ação executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal ação.

Na verdade «…a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.  O fundamento substantivo da ação executiva… é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas» - Ac. do STJ de 18.10.2007, dgsi.pt, p.07B3616.

Por outro lado e como é consabido, o regime jurídico especial que vigora para os títulos cambiários consubstancia-se pela:

incorporação da obrigação no título (ambos constituem uma unidade);

-  literalidade da obrigação (para a sua reconstituição, análise e valoração deve bastar a simples inspecção da letra: quod non est in cambio non est in mundo);

-  abstração da obrigação (a letra é independente da causa debendi);

-  independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma não se comunica às demais).

Tal regime caracteriza-se pela preocupação de defender os interesses de terceiros de boa fé imposta pela necessidade de facilitar a circulação de tais títulos e o tráfego jurídico-comercial em geral.

Porém ele e os seus efeitos apenas emergem plenamente quando o título se encontra no domínio das relações mediatas, ou seja, quando na posse duma pessoa estranha às convenções extra cartulares.

Já quando ela se encontra no domínio das relações imediatas, isto é, quando os subscritores cambiários o são concomitantemente das convenções extra cartulares, pode o devedor demandado com base em tais títulos deduzir livremente qualquer meio de defesa em direito permitido.

Na verdade: «O executado, subscritor do documento particular dado à execução, pode alegar, como fundamentos de oposição à execução, além dos especificados no art. 814.º do CPC, quaisquer outros que lhe seja lícito deduzir como defesa no processo de declaração - designadamente, os factos atinentes à relação subjacente»- cfr. Ac. do STJ de 16-11-2006, dgsi.pt, p. 06B3459.

Sendo que, neste caso, a nulidade da obrigação causal produz a nulidade da obrigação cartular. – cfr. Abel Delgado, LULL, 5ª ed. p.115 e segs.

Nos termos dos artºs 1º e 2 da  Lei Uniforme Relativa ao Cheque –LURC - ele apenas deixa de produzir efeitos como como cheque, ou seja, como titulo cambiário abstrato, se, afora as exceções do artº 2º, não contiver os requisitos do artº 1º, a saber:

 1. A palavra"cheque" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título; 2. O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; 3. O nome de quem deve pagar (sacado); 4. A indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar; 5. A indicação da data em que e do lugar onde o cheque é passado; 6. A assinatura de quem passa o cheque (sacador).

Ou, ainda, se a obrigação/ação cambiária tiveram prescrito: já porque o cheque foi apresentado a pagamento no prazo de oito dias previsto no artº 29º  da LURC; já porque  a execução foi instaurada para além do prazo de seis meses após o termo do prazo da apresentação – artº 52º.

Mas, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o cheque, mesmo que fenecido como na sua vertente cambiária, pode valer, no domínio das relações imediatas,  como título executivo, enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular assinado pelo devedor, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do  CPC pretérito e artº 703º nº1 al. c) do NCPC – cfr. inter alia, Acs. do STJ de  21.10.2010, p. 172/08.6TBGRD-A.S1, de 10.11.2011, p. 124/07.3TBMTRA.L1.S1, de 18.10.2012, p. 4661/07.1TBLRA.C1.S, e de 27.05.2014, p. 780/13.3TBEPS.G1.S1, in dgsi.pt.

Neste caso, e versus o que sucederia se o cheque fosse dado como título cambiário e nessa qualidade válido perante a LURC - e salvo se dele se puder retirar um reconhecimento de dívida com aplicação do regime do artº 458º do CC -, o exequente, pelo menos se estiver no domínio das relações imediatas com o executado, tem de invocar a relação causal que esteve na génese da sua emissão e  alegar os respetivos factos constitutivos.

Pois que, neste caso, já não  emerge a força da  obrigação cambiária, com as consabidas características da abstração, autonomia e literalidade que constituem, de per se, a causa de pedir da execução, sendo assim de exigir a concreta e substancial obrigação causal ou subjacente.

Efetivamente: «O cheque a que faltem as condições legais para valer como título cambiário, pode servir como título executivo, nos termos do art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC – na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, desde que o mesmo contenha a causa da sua subscrição ou que a mesma causa seja alegada no requerimento executivo e que esta não tenha natureza formal ou que, tendo-a, não exija forma mais solene da que o título cambiário observa» - Ac. do STJ de 15.10.2013, p. 1138/11.4TBBCL-A.S1 .

5.3.3.

No caso vertente, e não obstante terem sido apresentados a pagamento e devolvidos, por motivo de falta ou vício na formação da vontade, os cheques valem como título executivo, desde logo como títulos cambiários.

Na verdade, este impedimento não consta na lista legal supra referida que retiram aos cheques tal cariz.

É que tal quid alegadamente obstaculizante emerge apenas de uma declaração unilateral da emitente/sacadora, o qual, assim e no limite, apenas poderia ter alguma relevância se fosse suficientemente investigado e escrutinado pelo banco sacado, concluindo ele pela sua veracidade e relevância.

Afora esta situação, o banco, e independentemente de tal declaração, estava até obrigado a descontar os cheques, incorrendo em responsabilidade para com o seu beneficiário em caso de prejuízo deste.

Neste sentido se tem pronunciado o nosso mais Alto Tribunal – cfr- Acs. de 20.11.2014, p. 707/09.7TBPVZ.P1.S1, de 04.12.2014, p. 1024/10.5TVPRT.P1.S1 e de 15.04.2015, p. 1025/10.3TVLSB.P2.S1, in dgsi.pt.

Explanando-se neste último aresto, expressis verbis:

«É de qualificar como culposa a conduta do banco que aceita, sem mais, a revogação de cheques pelo sacador dos mesmos, indicando como fundamento de tal revogação uma expressão puramente conceptual falta/vício de vontade, sem qualquer concretização factual de tais conceitos e durante o prazo de apresentação dos mesmos a pagamento.

Como resulta do AUJ n.º 4/2008, a devolução de cheques ao tomador, com fundamento exclusivo na sua revogação pelo sacador sem a indicação de qualquer facto concreto justificativo, apesar de apresentados a pagamento dentro do prazo legal, constitui uma revogação ad nutum ilícita, culposa e causadora de dano ao portador do cheque.»

Temos assim, desde logo, e versus o defendido pela recorrente, que o título executivo existe, pois que os cheques em causa assumem tal  jaez, porque títulos cambiários, com as aludidas caraterísticas que lho atribuem.

E, se assim não fosse, porque estamos no domínio das relações imediatas e porque a recorrente não provou o incumprimento por banda da recorrida, da relação jurídica subjacente, e o seu consequente direito ao não pagamento, antes tendo esta provado os factos atinentes à sua existência e validade, sempre os cheques poderiam constituir títulos executivos como meros quirógrafos, nos termos dos citados artºs 46º e 703º do CPC nas redações pertinentes.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I - A fundamentação da sentença, «tout court», não deve confundir-se com a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sendo que, para esta ser tida como fundamentada, não é exigível uma minuciosa escalpelização/dissecação  da prova produzida, bastando a sua indicação e análise critica que, objetivamente, permitam controlar a (i)razoabilidade da convicção do juiz.

II - Considerando os princípios da imediação e da oralidade, únicos que permitem uma apreciação ética da prova pessoal, o tribunal ad quem apenas pode censurar a convicção da 1ªinstancia, máxime se tal prova é díspare, quando, com margem de segurança muito elevada, conclua por erro notório na sua apreciação, vg. porque tal prova foi inequivocamente contrariada  por outra.

III - A prova do recebimento de uma carta alegadamente enviada sob registo, tem, tendencialmente, de ser efetivada pela junção aos autos do documento atinente.

IV - O não pagamento e a devolução de cheques,  por motivo de falta ou vício na formação da vontade do sacador, apontado por este, não lhes retira o cariz de títulos cambiários e a sua idoneidade para constituírem títulos executivos, desde logo nesta sua qualidade.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2015.12.16.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos