Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FEITAS NETO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO LEGITIMIDADE HERDEIRO MASSA INSOLVENTE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL | ||
Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 1085.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL ARTIGO 81.º, N.º 1, DO C.I.R.E. | ||
Sumário: | I) A massa insolvente do herdeiro para a qual foi apreendido o respectivo quinhão hereditário de uma determinada herança não tem legitimidade para requer inventário visando a partilha dessa herança. II) Se for requerido o inventário por quem tenha legitimidade para o efeito, o herdeiro será processualmente substituído pela massa insolvente representada pelo administrador da insolvência. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
No Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, Comarca de Coimbra, veio a MASSA INSOVENTE DE J… requerer inventário para partilha da herança aberta por óbito de Isaura de Jesus Pais, alegando que por sentença já transitada foi declarada a insolvência de J… e mulher M…, tendo sido aí apreendido para a massa falida o quinhão hereditário que na aludida herança cabe ao aludido insolvente J…; dado que existem outros herdeiros, irmãos do insolvente, pretende a Requerente a partilha da herança em causa cujo acervo é composto por diversos bens móveis.
Por despacho de 20.07.2021 foi este requerimento indeferido por à Requerente faltar legitimidade processual parar requerer inventário uma vez não se poder considerar interessada directa na partilha da herança em causa.
Inconformada, recorreu a Requerente, recurso admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
Os únicos dados de facto a ter em conta são os elementos processuais constantes do relatório que antecede.
A apelação.
Nas conclusões com que encerra o recurso a apelante Massa Insolvente levanta como única questão a de saber se, ao invés do que foi entendido na decisão recorrida, é uma interessada directa na partilha do quinhão hereditário do insolvente, dado os poderes de administração e disposição dos bens de que o devedor fica privado se transferirem para o administrador da insolvência.
Não houve contra-alegações.
Apreciando.
É exacto que, como observa a apelante, o nº 1 do art.º 81 do CIRE estatui que “Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”. Complementarmente, o nº 4 do mesmo artigo dispõe que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”. Mas o que está em apreço no presente recurso é a possibilidade/legitimidade da massa insolvente de um determinado herdeiro requerer inventário para partilha da herança. Ora afigura-se-nos que ela não ocorre. Se não vejamos.
A legitimidade para requerer inventário e nele intervir como parte consta expressamente da previsão do art.º 1085, nº 1 do CPC, norma que a atribui a quem seja interessado directo na partilha. Neste conceito compreendem-se os herdeiros directamente beneficiados com a partilha, o cônjuge que seja igualmente meeiro (art.º 2101 do CC) e os interessados na elaboração da relação de bens a qua alude a al.ª b) do art.º 1082 do CPC. Porquanto visa apenas desencadear o processo que conduzirá ao acertamento dos bens ou valores que haverão de compor a quota ideal em que se traduz o quinhão hereditário de devedor, esta legitimidade não se confunde de modo algum com o exercício dos poderes de disposição e administração a que alude o já citado nº 1 do art.º 81 do CIRE. Na verdade, enquanto mero titular de um quinhão ou quota ideal, o herdeiro não administra ou dispõe de bens da herança certos e determinados até que se defina a concreta composição do seu quinhão. No entanto, o quinhão hereditário é um direito com um valor patrimonial objectivo. Por isso, foi o quinhão do insolvente apreendido para a respectiva massa, com a finalidade primária de aí vir a ser vendido na fase da liquidação e o produto daí resultante reverter a favor dos credores. Esta finalidade – que, aliás, consta do art.º 1º do CIRE – é a única que importa à insolvência, sem prejuízo de a ela se poder sobrepor um eventual plano de insolvência aprovado e homologado nos termos da lei. Ou seja, não é essencial à satisfação dos credores da insolvência a concretização do quinhão hereditário do herdeiro insolvente em bens determinados através da partilha. De resto, se fosse permitido ao administrador da insolvência requerer a partilha durante a tramitação do processo de insolvência isso só serviria para retardar inutilmente a satisfação desses mesmos credores. Por estar orientado para a imediata satisfação dos créditos sobre a insolvência, o interesse da massa insolvente do herdeiro é, por conseguinte, diferente do interesse do herdeiro. Como é natural, este quer ver definida a composição concreta do respectivo quinhão, porquanto só então os bens ou valores provenientes dessa composição podem ser por ele fruídos, usados ou aproveitados sem prejuízo da sua alienação. Daí que a massa insolvente do herdeiro não seja interessada directa ou sequer indirecta na partilha da herança. Por força da distinção de interesses enunciada, os direitos da massa insolvente “recaem sobre o quinhão hereditário, não sobre o preenchimento do quinhão com determinados bens”[1], preenchimento no qual aquela massa não tem sequer uma real vantagem prática. Isto não obsta à substituição processual do herdeiro insolvente em inventário requerido por quem tenha legitimidade para tanto. Em tal circunstância já a intervenção da massa insolvente através do administrador da insolvência – numa posição que a lei indevidamente qualifica de representação do devedor quando se trata de uma simples substituição processual ope legis [2] – passa a ser imprescindível pelo facto de, com o inventário, estarem inexoravelmente em jogo “efeitos patrimoniais” que se repercutem na insolvência (nº 4 do art.º 81 do CIRE). Em suma, a decisão recorrida não merece censura.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida. Custas pela apelante.
Coimbra, 9 de Novembro de 2021 (…)
(Freitas Neto – Relator) (Paulo Brandão) (Carlos Barreira)
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