Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/07.0 JALRA.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ABUSO DE PODER
Data do Acordão: 11/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL CRIMINAL DE LEIRIA [2.º JUÍZO]
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 382º CP
Sumário: 1.- O crime de abuso de poder constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede;

2.- O crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais.

Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal.

Decisão Texto Integral: Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I. Relatório.
1.1. Após pronúncia e consequente submissão a julgamento pela indiciada prática, em co-autoria, de um crime de abuso de poder, p.p.p. art.º 382.º do Código Penal, os arguidos A... ; B... , e C... , entretanto já melhor identificados, acabaram condenados pelo cometimento do ilícito assim assacado, o primeiro, na pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de oito euros, e, cada um dos dois demais, na pena de cem dias de multa à taxa diária de doze euros.
Mais se viram todos condenados a entregarem solidariamente ao assistente E..., também mais identificado, o montante de três mil euros, acrescido de juros moratórios à taxa legal contabilizados desde 14 de Janeiro de 2009, até integral e efectivo pagamento ao mesmo.
1.2. Porque desavindos com o teor do decidido, recorrem os ditos arguidos, extraindo dos requerimentos através dos quais motivaram os dissídios, as seguintes conclusões:
(o arguido A (...))
1. A decisão recorrida padece de nulidade, tanto de excesso, quanto de omissão de pronúncia, porquanto, e respectivamente, o M.mo Juiz a quo aí tomou conhecimento de questões de que não podia conhecer e deixou de conhecer questões que devia decidir, alterando indevidamente a matéria de facto.
2. A fundamentação e análise críticas da matéria de facto constante da decisão recorrida mostram-se insuficientes e imperceptíveis por não fazerem referência a quaisquer factos concretos ou mesmo a qualquer presunção que aponte para a conclusão da falsidade do parecer dado pelo ora recorrente, o que integra nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto, de acordo com o conjugadamente estatuído nos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal.
3. Uma correcta e criteriosa apreciação da prova carreada importa que, contrariamente ao sucedido, sejam dados como não provados os factos tidos por assentes sob os n.ºs 11, 12, 13, 14 e 15 da decisão recorrida.
4. Mantendo-se tais factos como provados, conjugando-os com os demais provados, emerge da decisão recorrida não só contradição insanável, quer perante a própria fundamentação, quer perante a decisão [cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal], como igualmente erro notório na apreciação da prova [cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma].
5. Tal contradição insanável e erro na apreciação da prova verificam-se, ainda, quando se conjuga o teor do documento de fls. 71/72, com o teor dos testemunhos dados pelo próprio assistente E..., bem como pelas testemunhas F...e G....
6. Ante a imposta consideração como não provados dos elencados factos n.ºs 11 a 15 e sendo assim conforme à realidade o parecer dado, não se vislumbra que o ora recorrente tenha cometido qualquer ilícito criminal punível a título de dolo.
7. Podendo apenas, quando muito, afirmar-se tal como o fez a decisão recorrida, que, «… se falta existe que possa ser assacada ao arguido A (...) pela condução do processo e do parecer dado e posterior revogação ou suspensão da mesmo, crê-se que tais circunstâncias relevarão em sede disciplinar, enquanto erros de procedimento ou faltas de rigor ou atenção, que já não comportamentos com coloração dolosa criminal.»
8. Razão porque deve em consequência ser absolvido não só da prática do crime de abuso de poderes, p.p.p. disposto no art.º 382.º, do Código Penal, como também da condenação cível decretada, atento ainda a este respeito o carácter exíguo dos factos provados e a diminuta relevância que assumem.
9. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida violou o disposto pelos art.ºs 119.º, al. a); 120.º, n.º 2, al. d); 374.º, n.º 2; 379.º, n.º 1, als. a) e c); 410.º, n.º 2, als. b) e c); 426.º e 426.º-A, todos do Código de Processo Penal; 654.º; 730.º, n.º 1 e 731.º, n.º 2, estes do Código de Processo Civil (e aplicáveis ex vi do art.º 4.º, do Código de Processo Penal); bem como, ainda, 382.º, do Código Penal, e, por fim, 29.º; 32.º e 208.º, estes da Constituição da República Portuguesa.
(os arguidos B... e C...)
1. A inclusão na sentença ora sob censura do facto provado 25) redunda em que o Tribunal a quo tomou conhecimento de questões que lhe estava vedado conhecer, conducente à emergência da respectiva nulidade, atento o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal. Com efeito,
2. De acordo com o decidido no aresto do Tribunal ad quem, de 11 de Maio de 2011, o reenvio dos autos para novo julgamento cingia-se aos seis concretos pontos da matéria de facto aí identificados, sendo que entre os mesmos não se incluía a matéria daquele facto provado 25) que, ademais, não encontrava correspondência na sentença de 14.05.2000 (cuja apreciação fazia), nem no rol de factos provados nem no rol de factos não provados.
3. A decisão recorrida omite em absoluto da fundamentação da matéria de facto (quais) os factos conducentes à conclusão da falsidade do parecer [facto provado 11)], ao não indicar quais as concretas obras que à data deveriam estar edificadas, por obrigação/vinculação decorrente do projecto de espaços verdes, e que de facto não haviam sido construídas.
4. Se se provou que não foram executadas aquelas obras referidas em 8) e 9) da matéria de facto provada, também se deu como não provado que os arguidos estivessem obrigados a executá-las conforme ponto 1) da matéria de facto não provada. Ou seja, se não se mostravam construídos nem semeados os relvados, não havia sido construído furo artesiano ou infra-estruturas de rega, nem estavam instalados equipamentos de recreio, também é certo dos pontos 1), 2), 3) e 5) dos factos não provados que os arguidos a tal não estavam obrigados pelo licenciamento.
5. O Tribunal a quo, ao deixar de fazer esta análise quanto ao facto provado em 11), equivale a que omitiu, em absoluto, a explicitação da concreta motivação que lhe permitiu concluir que o parecer era falso e desconforme à realidade edificativa então existente, limitando-se a tecer considerações genéricas e de plausibilidade em detrimento da análise e conjugação quer com os demais elementos probatórios constantes dos autos quer também da restante matéria de facto dada como provada.
6. Tal falta de fundamentação, mediante o recurso aos elementos probatórios e à demais matéria provada para aferir de que modo ou em que medida é que o parecer referido em 10) dos factos provados era falso, estende e contamina os seus efeitos à motivação dos factos provados nos pontos 12) a 15) na medida em que estes têm como pressuposto radicarem, por consequência, numa falsidade que nunca resultou demonstrada pela concreta contraposição entre as obras a que os arguidos estavam obrigados a executar com as obras que haviam efectivamente executado àquela data.
7. Concluir pela falsidade da declaração vertida no parecer sem identificar qual a realidade fáctica em concreto desconforme, equivale a absoluta falta de fundamentação, e daí que a sentença recorrida padeça de ausência de fundamentação e de exame crítico das provas, o que acarreta a sua nulidade que expressamente se invoca nos termos do n.º 2 do art.º 374.º e da al. a) do n.º 1 do art.º 379.º, ambos do Código de Processo Penal.
8. Os factos tidos como provados de 11) a 15), ante os demais tidos como tal e também daqueles não provados, encerram uma contradição insanável da fundamentação e da decisão [cfr. al. b) do n.º 2 do art.º 410.º, do Código de Processo Penal], bem como um erro notório na apreciação da prova [cfr. al. c) do mesmo art.º 410.º, n.º 2].
9. Se o parecer é falso – facto 11) – como se concluiu na sentença sob recurso, necessário seria que os recorrentes não houvessem executado as sobreditas obras referidas nos pontos 8) e 9) dos factos provados àquela data do parecer do arguido A (...). Ao invés, resultou demonstrado exactamente o contrário, ou seja, resultou como não provado que os arguidos recorrentes não estavam obrigados à sua execução bem como resultou também como não provado que os arguidos não houvessem executado essas mesmas obras, tudo conforme decorre dos pontos 1) a 3) e 5) dos factos dados como não provados.
10. De igual modo, para que também se concluísse por tal falsidade, seria necessário que os arguidos estivessem obrigados a executar as obras referidas nos pontos 8) e 9) dos factos dados como provados, que o não estão, conforme consta dos factos 1) a 3) e 5) dos factos não provados.
11. Primeiramente, e como se referiu, porquanto tal resulta da factualidade dada como não provada e constante do respectivo rol sob os pontos 1), 2), 3) e 5) e, em segundo lugar, porque a própria motivação da sentença revela exactamente o contrário, ou seja, que tais obras constavam de um projecto de espaços verdes que nunca veio a ser aprovado e, consequentemente, não vinculava os recorrentes à sua execução.
12. Assim, é manifesta a insanável contradição entre a própria fundamentação da matéria de facto em si que claramente enuncia que os recorrentes não se encontravam obrigados à execução das obras previstas no segundo projecto (nunca aprovado) bem como de que os recorrentes haviam executado, à data do parecer do arguido A (...), a totalidade das obras a que se encontravam vinculados por conta do projecto inicial, único aprovado e legalmente vinculativo –, bem como entre aquela e a decisão de julgamento que deu como provado o facto vertido no ponto 11) – ou seja, a conclusão de que o parecer do arguido A (...) era falso quando em simultâneo deu como provado que as obras vinculativas para os arguidos estavam executadas.
13. Fundamentar a matéria de facto provada no sentido de que as obras a que os arguidos estavam vinculados a executar se encontravam efectivamente edificadas à data do parecer, é manifestamente contraditório com a decisão que deu como provado “que o arguido A (...) proferiu o parecer acima indicado que sabia ser falso e que actuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes.”
14. Tal contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quer tal erro notório na apreciação da prova, infirma e contamina igualmente, e exactamente pelas mesmas razões, qualquer pretensa solicitação de terceiros para a sua execução facto provado sob o ponto 12), quer quaisquer razões de intencionalidade – factos 13), 14) e 15) –, para a prática de um facto que não é falso (emissão do parecer conforme a realidade existente, construída e vinculativa para os promotores).
15. Os factos dados como provados de 11) a 15), conjugados com os demais já tidos como provados, mormente aqueles constantes dos pontos 1) a 3) e 5), encerram uma contradição insanável quer ante a própria fundamentação quer ante a respectiva decisão [cfr. al. b) do n.º 2 do art.º 410.º, do Código de Processo Penal], bem como um erro notório na apreciação da prova [cfr. al. c) do mesmo art.º 410.º, n.º 2].
16. Nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do n.º 3 do art.º 412.º, do Código de Processo Penal, os recorrentes entendem que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados e constantes dos pontos 11) a 15) do respectivo rol, ante a prova testemunhal produzida, toda ela gravada, bem como à prova documental junta aos autos.
17. Quanto ao facto 12), não existem quaisquer meios probatórios que possam ser renovados porquanto nenhuma testemunha respondeu quanto a tal facto; nem existe nos autos qualquer prova documental a tal respeito.
18. Quanto ao facto 11), as obras vinculativas para os recorrentes são aquelas que resultam do projecto de espaços verdes aprovado que consta da Caixa 1, Pasta 2, fls. 262, do processo camarário apenso aos presentes autos e, como do mesmo decorre, as únicas obras impostas aos recorrentes são a construção de um depósito de água bem como de um parque infantil que aí se anunciam de forma evidente.
19. Quanto ao depósito da água, será de todo desnecessária a sua referência porquanto nunca foi colocado em crise que o mesmo não haja sido executado, sequer consta da acusação pública que o mesmo não houvesse sido construído à data do parecer.
20. Quanto à construção do parque infantil ou equipamento de recreio, se resultou que apenas não estavam instalados [facto 9) do rol de provados] também resultou como não provado [no facto 1) do rol de factos não provados] que os arguidos estivessem obrigados à instalação de equipamento de recreio.
21. Desta feita, realizando os aqui recorrentes a conferência da realidade de facto edificada à data de Junho de 2006 e existente no local, logo resulta demonstrado que o parecer favorável emitido pelo arguido A (...) era conforme à realidade – vide declarações da testemunha G..., depoimento registado de 1h05m12s a 1h06m29s e 1h07m10s a 1h07m41s através do sistema integrado de gravação digital [cfr. acta de audiência de julgamento de 10.03.2010]; vide ainda declarações da testemunha F..., depoimento registado de 12m00s a 13m03s e de 42m07 a 42m25s através do sistema integrado de gravação digital [cfr. acta de audiência de julgamento de 13.04.2010].
22. Confrontando as exigências de execução decorrentes do projecto de espaços verdes aprovado e que consta da Caixa 1, Pasta 2, a fls. 262 do processo de licenciamento camarário apenso aos presentes autos, com os factos provados e factos não provados, logo se extrai que não existe qualquer obra que àquela data do parecer do arguido A (...) os recorrentes não houvessem executado.
23. Portanto, o parecer emitido não é falso, outrossim é fiel à realidade construída e exigível à data da sua emissão, donde os factos tidos como provados de 11) a 15) do respectivo rol, devem ser tidos como não provados.
24. Sendo o crime de abuso de poder um crime que depende das qualidades funcionais do seu agente, logo se extrai que os recorrentes, que não reúnem tais qualidades de funcionário, nunca poderiam ter praticado o tipo ilícito criminal pelo qual se mostram condenados.
25. Não sendo os recorrentes funcionários também não lhe estavam confiados quaisquer poderes ou deveres funcionais dos quais os mesmos pudessem, aliás por impossibilidade natural, ter abusado, violado ou omitido.
26. A tutela do bem jurídico salvaguardado pelo tipo legal de crime de abuso de poder é confiada a um funcionário, razão pela qual o sujeito activo do tipo de ilícito criminal terá de deter a qualidade de funcionário na sua definição constante do art.º 386.º, do Código Penal.
27. Ainda que à luz do disposto no art.º 28.º, n.º 1, do Código Penal, não é possível que um não funcionário seja co-autor deste tipo objectivo de ilícito na medida em que nunca lhe foram conferidos, confiados ou investidos quaisquer poderes ou deveres de funcionário dos quais possa ter abusado ou violado.
28. Sendo a culpa sempre uma vontade antijurídica individual e intransmissível, um não funcionário, tal como os aqui recorrentes, nunca poderiam ter actuado com dolo de violar os deveres ou de abusar dos poderes de funcionário quando os não detinham e nos quais não foram investidos.
29. Também não se demonstra preenchido o tipo subjectivo de ilícito exigido pelo art.º 382.º em causa, sendo certo que, e sem conceder quanto ao atrás referido, o art.º 28.º apenas poderá comunicar aos demais a ilicitude do facto e não a culpa específica e inerente à qualidade de funcionário.
30. A conduta dos recorrentes não integra a prática de qualquer tipo legal de crime, nomeadamente o crime de abuso de poder, sendo certo que qualquer outro entendimento, tal como aquele plasmado na acusação, não encontra na lei penal qualquer descrição típica alternativa que permita enquadrar penalmente a posição dos arguidos sem violar o princípio da legalidade que decorre dos art.ºs 1.º, do Código Penal, e 29.º, da Constituição da República Portuguesa.
31. Sem nunca conceder, o valor da condenação do pedido cível, atenta a exiguidade dos factos provados a tal respeito – [factos 16) a 19)] –, bem como a diminuta relevância que os mesmos assumem respeitam a um mero desgosto do assistente e, no mais, à realização de diligências próprias e inerentes a quem optou por assumir a posição processual de assistente, revela-se manifestamente excessiva.
32. A decisão recorrida preteriu ao disposto pelos já citados art.ºs 29.º; 32.º e 208.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa; 1.º; 28.º e 382.º, estes do Código Penal; 4.º, al. a); 119.º, al. d); 120.º, n.º 2; 328.º, n.º 6; 374.º, n.º 2; 379.º, n.º 1, al. a); 410.º, n.º 2, als. b) e c); 426.º e 426.º-A, todos do Código de Processo Penal; 654.º; 730.º, n.º 1 e 731.º, n.º 2, estes do Código de Processo Civil.
Terminaram pedindo cada um dos visados arguidos a sua absolvição relativamente ao sancionamento imposto pela decisão em crise, quer no que concerne à parte penal, quer no que tange ao seu segmento cível.
1.3. Notificado para o efeito, contra-alegou o Ministério Público, concluindo pelo improvimento de ambos os recursos interpostos. Fê-lo sustentado nesta síntese de razões:
1. A decisão recorrida versou sobre o rol de factos enunciados pelo aresto do Tribunal da Relação de Coimbra prolatado em 11 de Maio de 2011.
2. Daí que a inclusão na mesma do facto provado 25) não integre a tomada de conhecimento de questões que lhe estava vedada conhecer sem qualquer correspondência ou ligação com os factos anteriormente fixados. O tribunal a quo não conheceu algo de novo.
3. Por outro lado, conheceu de todas as questões que deveria apreciar e decidir.
4. Isto é, não padece de nulidade, atento o disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
5. No que respeita à fundamentação, o Tribunal recorrido, de forma suficiente, indicou os meios de prova em que alicerçou a sua convicção, e fê-lo, até, salientando, de modo suficientemente crítico, porque razão os referidos meios de prova se lhe afiguraram credíveis.
6. Na verdade, o M.mo Juiz, em sede de motivação da decisão de facto, fundamenta a sua convicção e, concretamente, explica de forma clara e precisa das razões pelas quais deu como provados os factos impugnados, enunciando a prova testemunhal, documental, relacionando-a entre si, de forma crítica e justificada.
7. Para o efeito, o M.mo Juiz descreveu os factos provados que as testemunhas identificadas na sentença revelaram conhecer, os elementos que dos mesmos depoimentos permitiram inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou, quais as razões que o levaram a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros com ele contraditório, quais as razões porque não deu relevância a determinada prova ou meio de prova, quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
8. No que concerne aos factos que levaram o M.mo Juiz a concluir pela falsidade do parecer (facto provado 11), o mesmo explicou de forma pormenorizada e justificada quais os factos em que se baseou para alcançar tal conclusão, após ter feito constar na alínea d) da motivação da matéria de facto que “É no seguimento do acórdão proferido que há de ser escalpelizada a prova documental produzida, bem como os esclarecimentos dados por G... e de E... na sequência da reabertura da audiência.”
9. Tal fundamentação em relação à falsidade do parecer consta na alínea f) da motivação da matéria de facto, para a qual se remete integralmente e se considera correctamente elaborada, resultando da sua leitura o preenchimento de todos os requisitos exigidos pelo art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se podendo confundir falta de fundamentação com discordância da fundamentação exposta pelo tribunal, parecendo ser este último o caso dos recorrentes.
10. A decisão recorrida não padece, consequentemente, de ausência de fundamentação e de exame crítico das provas, ou seja, não violou o disposto no citado art.º 374.º, n.º 2, e daí não emergiu a nulidade do falado art.º 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
11. Contrariamente ao invocado pelos recorrentes em relação aos factos 11) a 15) e 25) antes os demais tidos como tal e também daqueles não provados, da análise da letra da sentença recorrida constata-se a existência de articulação e coerência, considerando-se que, em lado algum se vislumbra o vício invocado de contradição insanável da fundamentação da matéria de facto e entre a fundamentação e a decisão, previsto no mencionado art.º 410.º, n.º 2, al. b).
12. No que concerne ao invocado erro na apreciação da prova quanto aos factos dados como provados constantes dos pontos 11) a 15) e 25), considera-se que, atendendo ao teor das conclusões, o controverso no presente recurso é a valoração da prova.
13. Pelo que importa salientar o papel primordial que desempenham nessa valoração os princípios da oralidade e da imediação, os quais são determinantes na formação da convicção do julgador e estão directamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova.
14. O art.º 127.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
15. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
16. Revertendo para a situação em apreço, dos depoimentos produzidos em audiência e examinada a restante prova constante dos autos não resulta da sua análise crítica e conjugada, razão válida para que se altere o juízo valorativo, expresso e formulado na decisão recorrida.
17. Com efeito, o M.mo Juiz, em sede de motivação da decisão de facto, fundamenta a sua convicção e, concretamente, explica de forma clara e precisa das razões pelas quais deu como provados os factos invocados pelos recorrentes.
18. Fundamenta-se ainda na aludida sentença o juízo de credibilidade extraído da prova testemunhal, bem como as regras de experiência comum e os meios de prova documentais.
19. Da fundamentação da matéria de facto provada resulta que o tribunal fundou a sua convicção numa análise global da prova produzida, conjugada entre si e ponderada criticamente.
20. Deste modo, ao considerar convincentes, pelos motivos expostos, os depoimentos prestados em julgamento, atribuindo ainda relevância à prova documental, bem decidiu o M.mo Juiz ao considerar provados os factos constante dos pontos 11) a 15) e 25), bem como os demais, dando-se aqui por integralmente reproduzida a fundamentação vertida na sentença ora recorrida, à qual se adere na sua plenitude.
21. Na verdade, sempre se teria de concluir, nomeadamente, que o arguido A (...) violou as suas funções, que o fez por solicitação dos demais arguidos e que ao proferir o parecer em apreço sabia que o mesmo era falso e que actuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes, bem como que à data do parecer favorável as obras não se encontravam executadas no local, o que era do conhecimento dos arguidos.
22. Pelo que, não se mostra violado qualquer princípio ou preceito legal e, designadamente, inexiste o apontado vício de erro na apreciação da prova.
23. Por outro lado, atenta a matéria de facto dada como provada, sempre se teria de concluir como sucedeu na peça sindicada, que os arguidos cometeram o ilícito supra-mencionado.
24. Uma leitura atenta da sentença em crise, revela a inexistência de erro notório na apreciação da prova, pois que, em momento algum, se verifica que a mesma contém conclusões ilógicas, arbitrárias ou contraditórias.
25. Também não se verifica qualquer violação das regras da experiência comum, ou ainda incompatibilidade ou contradição entre determinado facto provado com outro dado de facto contido no texto da decisão recorrida.
26. Em sede de motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo fundamenta exaustivamente a sua convicção e, concretamente, explica de forma clara, precisa e detalhada, das razões pelas quais deu como provados os factos constantes da matéria de facto provada.
27. Inexiste igualmente na sentença recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova, ut art.º 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
28. Numa primeira análise, o sujeito activo do tipo legal de crime constante do art.º 382.º do Código Penal terá necessariamente de ser um funcionário no sentido em que este se mostra definido pelo mencionado preceito legal.
29. Porém, estabelece o art.º 28.º, n.º 1, do Código Penal, que “se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidade ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora”, isto é, são comunicáveis as qualidades de funcionário.
30. Com efeito, a comunicação das qualidades ou relações especiais do agente pode verificar-se entre quaisquer comparticipantes, isto é, nomeadamente, de um co-autor/intraneus para outro co-autor extraneus, de um instigador intraneus para um autor extraneus [cfr. posição de Eduardo Correia, Teresa Beleza, Henriques Santos].
31. Por outro lado, da análise do primeiro dos citados preceitos também se extrai que o crime nele previsto se consuma através do abuso de poderes ou da violação dos deveres às suas funções, estando o agente com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, sendo certo que tais elementos se encontram preenchidos no presente caso.
32. Do que se extrai encontrarem-se comprovados os pressupostos indispensáveis ao emergir do ilícito por cuja co-autoria vêm condenados os recorrentes.
1.4. Proferido despacho admitindo os recursos, cumpridas as formalidades devidas, remeteram-se os autos para esta instância.
1.5. Aqui, com vista, nos termos do art.º 416.º, ainda do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento das impugnações apresentadas.
1.6. Acatado o subsequente art.º 417.º, n.º 2, nenhum dos arguidos exerceu o seu direito de resposta.
1.7. Aquando do exame preliminar dos autos, ut n.º 6 deste inciso, consignou-se da inverificação de qualquer fundamento conducente à apreciação sumária dos recursos, ou que obstaculizasse o seu conhecimento de meritis, donde que houvessem de prosseguir, com a recolha dos vistos pertinentes, o que sucedeu, bem como submissão dos mesmos a conferência.
É dos trabalhos desta, que, então, emerge a presente apreciação e decisão.
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II. Fundamentação de facto.
2.1. A decisão recorrida, considerou:
A. Como provada, a factualidade seguinte:
1. No ano de 2006 e anteriores, o arguido A (...) exercia funções na Câmara Municipal de (...), com a categoria de Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes.
2. Competia-lhe a coordenação funcional e gestão dos recursos humanos afetos à Divisão de Parques e Espaços Verdes, bem como a conceção, construção e manutenção dos Espaços Verdes pertencentes ao município e a emissão de pareceres nos projetos de loteamento promovidos por particulares, no tocante aos espaços verdes.
3. No âmbito do Projeto de Loteamento n.º 1/90, da Urbanização X (...), no X (...), comarca de (...), aprovado pela Câmara Municipal, na parte referente aos espaços exteriores, os promotores imobiliários apresentaram um projeto de enquadramento.
4. E nesses precisos termos foi aprovado, fazendo parte integrante do aludido projeto de loteamento.
5. Sabiam que qualquer alteração ao projeto aprovado carecia de apresentação de projeto de alteração ou proposta, a apresentar pelo loteador.
6. Que, uma vez admitido no projeto de loteamento, seria apresentado à Divisão dos Espaços Verdes para emissão de parecer.
7. O que seria presente ao Vereador do Pelouro da área dos loteamentos para despacho.
8. Em junho de 2006 não se mostravam construídos nem semeados os relvados nem havia sido construído o furo artesiano, nem quaisquer infra-estruturas de rega.
9. Nem estavam instalados os equipamentos de recreio.
10. No dia 02.06.2006, A (...) , no âmbito das suas funções públicas, e por referência ao loteamento n.º 1/90, emitiu um parecer afirmando que «Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projeto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a receção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes)».
11. O arguido A (...) proferiu o parecer acima indicado que sabia ser falso e que atuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes.
12. E que o fazia a pedido dos outros dois arguidos com o intuito de a Câmara Municipal libertar a caução prestada pela sociedade « D... , Lda.», de que aqueles arguidos são sócios e gerentes e desse modo aquela sociedade deixasse de pagar mais juros bancários relativos à caução prestada e assim obter um benefício que sabiam ilegítimo e em prejuízo dos moradores na aludida urbanização, e que ao adquirirem os seus prédios pagaram o preço também em função das envolventes físicas e infra-estruturas do mesmo, constantes do projeto de loteamento.
13. Os arguidos bem sabiam que A (...) ao emitir aquele parecer estava a violar os deveres inerentes às suas funções, o que quiseram.
14. Os arguidos sabiam que aquele não tinha sequer poderes para autorizar nem acordar com os demais arguidos qualquer alteração ao projeto aprovado.
15. Os arguidos agiram sempre consciente, livre e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas.
16. A não execução do projeto de espaços verdes projetado para a sua urbanização causou no assistente e restantes habitantes desgosto, por verem frustradas as suas expectativas.
17. O assistente encetou esforços junto das entidades competentes para conseguir que tudo o que havia sido projetado fosse concluído e solicitar junto da Câmara Municipal de (...) que fosse atendido pelo vereador competente, o que efetivamente aconteceu, e foi a várias reuniões de Câmara para poder ver o seu problema discutido.
18. Despendeu muitas horas em que não trabalhou para poder fazer valer os seus direitos.
19. E teve de se deslocar à Polícia Judiciária e ao Tribunal.
20. O arguido A (...) é engenheiro e encontra-se atualmente aposentado, auferindo uma reforma mensal no montante de € 1.607,00; suporta uma prestação bancária mensal, pela aquisição de habitação própria, no montante de € 160,00 e uma outra, pela aquisição de automóvel, no montante de € 300,00.
21. O arguido B... é construtor civil, administrador da firma D..., Lda. e aufere o vencimento mensal de € 2.500,00; a sua mulher é doméstica; tem dois filhos maiores a seu cargo, estudantes.
22. O arguido C... é construtor civil, administrador da firma D..., Lda. e aufere o vencimento mensal de € 2.500,00; tem dois filhos maiores a seu cargo.
23. O arguido A (...) foi anteriormente condenado no PS n.º 74/07.3 PTLRA do Tribunal Criminal e 2.º Juízo de Leiria, por condução em estado de embriaguez, por factos praticados em 2007, na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir por seis meses, já extintas pelo cumprimento.
24. Os arguidos B... e C... não têm antecedentes criminais.
25. Hoje o projeto está executado em conformidade.
B. E, por seu turno, como não provada, a seguinte:
1. Que os promotores do loteamento obrigaram-se, além do mais, a procederem aos trabalhos de regularização do terreno, construção de muretes, construção de áreas pavimentadas, instalação de rede de rega e drenagem, instalação de equipamento de recreio e desportivo, fornecimento de terra viva e fertilização, plantação de árvores e arbustos e sementeiras, tudo em conformidade com o Caderno Técnico de Encargos, parte integrante do projeto.
2. Que se obrigaram também a que «a dotação de água nos espaços verdes seria garantida através de um furo cuja localização surge representada na peça desenhada respeitante (Infra – estruturas – Rede de Rega), tendo sido considerado um caudal de 10m3/h e uma pressão de 4,5 Kg/cm2”.
3. Que a alimentação da rede de rega foi programada «para a funcionar com alimentação de água a 4,5 Kg, estando prevista a ligação a um furo localizado junto dos reservatórios. Do furo derivará a rede de tubagem principal do sistema de rega que percorrerá todos os espaços a regar e alimentando a tubagem secundária», como bem sabiam todos os arguidos.
4. Que nunca tenha sido apresentado qualquer projeto ou proposta de alteração ao projeto de loteamento inicialmente aprovado.
5. Que em junho de 2006 não tinham sido plantadas quaisquer árvores ou arbustos em conformidade com o projeto, nem estavam construídos equipamentos desportivos.
6. Que de momento, apenas se encontra concluído, e parcialmente, o parque infantil e o circuito de manutenção.
7. Que todos os habitantes da urbanização convivem, há cerca de três anos com pousios e brita, não podendo o assistente e todos os habitantes da referida urbanização utilizar em lazer as zonas de jardim, nem utilizar o parque infantil para recreio das crianças e os espaços desportivos.
8. Que o assistente convivia com mato alto que atraía todo o tipo de bichos, e no verão com cobras na entrada dos prédios, cães vadios a correr no meio das ervas altas que deixavam junto dos prédios todo o tipo de parasitas, como pulgas.
9. Que os moradores não arriscavam em deixar as suas crianças brincar na rua.
10. Que o imóvel adquirido pelo demandante e restantes moradores da urbanização vale hoje muito menos do que o preço que foi pago, uma vez que o espaço envolvente tem grande peso neste valor e alguns dos moradores já equacionaram vender a fração pois estão desgostosos por morarem numa urbanização cercada de mato sem qualquer espaço verde.
11. Que o demandante se sinta desgastado física e moralmente por todos os esforços por se ver privado do uso do espaço projetado para a sua urbanização.
2.2. Por fim, é como segue o teor da motivação probatória constante da questionada decisão recorrida:
a) Os arguidos esclareceram com credibilidade a sua situação económica e de vida, exercendo, contudo, validamente, quanto aos factos imputados, o seu direito legal ao silêncio.
b) G..., vereadora da CML no pelouro do desenvolvimento económico, ambiente e espaços verdes desde 2002 a 2009, esclareceu em síntese, que se realizou em 2004 uma reunião entre um morador da Urbanização X (...), (...) – o assistente E... – em que este se “queixou” que os espaços verdes da urbanização não condiziam com o previsto no projeto de loteamento (que este munícipe julgava que tinha “direito”); consultou o processo e constatou a existência de um projeto de espaços verdes pouco pormenorizado que efetivamente contemplava uma zona de espaços verdes e uma ligação á rede de águas públicas, ligação essa que veio a revelar-se inexequível em face da orientação seguida pelo SMAS (serviço de águas e saneamento da Câmara), o que implicava a redução da área de espaços verdes da urbanização em causa; esclareceu que o projeto de espaços verdes inicialmente aprovado e constante do processo de loteamento camarário n.º 1/90 não foi o projeto de espaços verdes que o munícipe E... viu depois, mais tarde, já que aqueloutro inicial, efetivamente aprovado e legalmente em vigor, previa uma área de relva muito menor e era globalmente um projeto muito incipiente e rudimentar (pouco densificado ou pormenorizado, o qual, em rigor, como precisou, nem sequer tinha projeto de rega), sendo certo que o projeto que esse munícipe consultou era outro projeto que surgiu mais tarde e que “entrou” no processo de loteamento da Câmara, mas que nunca foi aprovado, não estando nem tendo de estar em vigor, nem vincular ninguém; referiu que os arguidos B... e C... eram os promotores do loteamento e que ao arguido A (...) cabia acompanhar o projeto, bem como por uma equipa de técnicos da CML (espaços verdes, infra-estruturas, etc.) e que quando o arguido A (...) deu parecer, estava necessariamente a reportar-se ao projeto de espaços verdes inicial, primitivo e aprovado que o promotor realizou no local, sendo certo que, apesar desse parecer, a caução bancária não chegou a ser logo libertada, mais explicitando que os passeios e espaços verdes, tal como constava desse projeto, foram efetivamente feitos (já que se deslocou ao local e viu espécies arbóreas e brita; tudo cuja execução precede o rececionamento da obra pela CML, como precisou), porque o promotor só é obrigado a entregar o espaço tal como decorre do projeto e não qualquer outro (sendo certo que o que acabou, mais tarde, por ser executado, decorre de outro projeto e que nada tem a ver com o projeto a que o parecer do arguido A (...) se reporta); mais tarde os promotores do loteamento acabaram por fazer o que o município quis e exigiu (e que acabou por ficar, contra o previsto no projeto inicialmente aprovado, muito mais oneroso e dispendioso para os arguidos B... e C... e a que estes não estavam obrigados a cumprir), na sequência de exigências feitas pelos moradores, embora sem correspondência com o projeto de espaços verdes legal e aprovado; esclareceu as suas afirmações com a análise dos sucessivos projetos de espaços verdes juntos aos autos e, em especial, esclareceu o primitivo projeto de espaços verdes aprovado constante do processo de loteamento constante na Pasta 2 a fls. 262 da Caixa 1 do Apenso, explicando que, à altura, eram muito menores as exigências urbanísticas quanto a espaços verdes, os quais não têm necessariamente de ser relva, podendo ser também brita decorativa, como hoje se vê pelo país; conferiu que o equipamento para parque infantil foi rececionado no estaleiro da CML e não foi logo aplicado no respetivo espaço existente, previsto para o efeito, para não ser vandalizado, o que só é feito com a receção da obra, sendo certo que é o empreiteiro e não o promotor que faz a manutenção dos espaços verdes e só após a receção da obra é que essa manutenção passa a ser assegurada pelo Município, não podendo – precisou – confundir-se falta de manutenção (que admite ter existido) com falta de execução de espaços verdes (existentes e executados).
c) O assistente E... esclareceu com credibilidade que enquanto morador na urbanização em causa desde 2005 se deslocou à CML para consultar o processo de loteamento e viu que “nada do que estava no projeto estava feito no local” quanto a relvados, espaço infantil, rega, circuito de manutenção, etc., tendo-lhe sido dito na Câmara que “houve um erro porque havia um despacho que não devia ter sido dado e um erro na apreciação do projeto”; esclareceu que, quanto a espaços verdes, existia um projeto inicial, menos completo e que depois surgiu outro projeto, mais completo, mas “disseram-lhe” que o segundo projeto é que estava em vigor, daí protestar por querer que o projeto fosse executado no local onde vive por se tratar de um direito que lhe assiste enquanto morador e daí constituiu uma comissão de moradores para exigir o cumprimento desse segundo projeto, esclarecendo que o arguido A (...) lhe chegou a verbalizar que não tinha de cumprir esse segundo projeto; referiu que, por consenso, foi elaborado um terceiro projeto de espaços verdes em 2007 e que nada tem a ver com o projeto a que se reporta o parecer de 2006 do arguido A (...). J..., anterior morador na urbanização em causa, referiu que chegou a deslocar-se à CML com o assistente onde lhe foi mostrado o projeto de espaços verdes e constatou que não coincidia com o que estava executado no local, referindo que chegou à fala com o arguido A (...) e que este lhe disse que o que estava feito era o possível por haver problemas de água e que “tinha de ser assim”, confirmando que no local existia um espaço verde com brita e o espaço destinado ao parque infantil (e que o material/equipamento para instalação estava disponível na Câmara), embora com algum mato; confirmou que o projeto de fls. 262 da Pasta 2 da Caixa 1 do Apenso não foi o projeto de espaços verdes que lhe foi mostrado na Câmara que desconhece, mas sim um outro, diferente; referiu que houve reuniões na CML para se chegar a um consenso sobre as “coisas” a fazer na urbanização e viu um projeto de alterações nesse sentido; esclareceu que na altura dos factos os espaços verdes tinham brita preta e branca com algum mato e pequenas árvores e que soube o que era para ser feito nos espaços verdes pelo empreiteiro que lhe disse “por alto” e teve conhecimento que houve dificuldades na execução de um furo por não haver água. M..., morador na urbanização em causa referiu que em 2005 toda a envolvente era constituída por brita branca e preta e árvores, poucas, tendo-lhe sido dito pelo vendedor (que então lhe mostrou uma planta com previsão de relva, árvores e canteiros, não tendo sabido precisar, após exibidas plantas constantes dos autos, se a que lhe foi mostrada está ou não junta aos autos), quando comprou o seu apartamento que “ia haver espaço verde com relva e parque infantil”, vendo algumas ervas e mato na zona da brita em 2006 e o parque infantil não existia; referiu que o projeto de espaços verdes de 2007 foi executado no local e não existe hoje qualquer prejuízo para os moradores. L..., morador, referiu ter ido morar para o telheiro em 2005 e, nessa altura, constatar que “não havia espaços verdes, só brita e árvores espalhadas e poucas e o espaço para o parque infantil”; chegou a ir a reunião à CML para fazer um acordo sobre o que lá iria ser feito, tendo-lhe sido dito que “o que lá estava era provisório”, precisando que nunca viu o projeto de espaços verdes inicial e aprovado, mas que também nunca lhe falaram da sua existência. J (...) , morador, referiu ter ido viver para o local em agosto/setembro de 2004 e que viu lá “meia dúzia de pinheiros, brita e mato” e que “ficou tudo na mesma até 2006” e que o construtor lhe “disse que aquilo ia ter espaço verde”; na CML onde participou em reuniões discutiu-se sempre o mesmo projeto de espaços verdes e nunca soube que havia outro projeto e um erro, vendo o projeto na sua versão final em 2007, confirmando o depoimento de G... quanto à não permissão dos SMAS na ligação à rede pública de águas municipais. F..., arquiteto, referiu existir um projeto de loteamento de 1990 e um alvará emitido anos mais tarde, confirmando que o projeto aprovado para a urbanização quanto a espaços verdes era muito incipiente e, aquando da emissão do alvará de loteamento foi feito um projeto de espaços verdes por alturas de 2003/04, mais detalhado que nunca veio a ser aprovado, por se tratar de um projeto de mais difícil execução e com maiores consumos de água e, por isso, foi um projeto que “caiu” porque ia sofrer problemas futuros de consumos de água contrários à política do Município quanto a questões de água; mais referiu que o projeto de espaços verdes aprovado e que passou a constar do processo de loteamento era incipiente e que o projeto de 2000 era mais detalhado, com relvamento, arbustos e árvores e que não chegou, por e simplesmente, a ser aprovado, vindo a obra acabar por ser executada e recebida, pelo que quando o parecer do arguido A (...) foi dado não havia nenhum problema por o projeto inicial já estar executado; depois houve um acordo entre a Câmara e o promotor do loteamento para fazer melhoramentos ao projeto inicial, sendo certo que o novo projeto, nascido da proposta de 2000, que entretanto surgiu, acabou por não ser aprovado pelo Município por ser inviável; como se iniciaram conversações entre os moradores da urbanização e a Câmara, o arguido A (...) decidiu suspender o procedimento anterior, para que, como essa suspensão, se trouxesse um “valor acrescentado” ao local e por causa das reclamações e pressões dos moradores; mais referiu que, à altura do projeto inicial, “área verde” podia entender-se como uma área não construída ou zona de utilização coletiva e a existência de brita pode ser entendida como zona verde, tanto mais que o projeto inicial não pormenorizava e, pelo que viu no local, existia correspondência entre esse primeiro projeto aprovado e a realidade do local; como os serviços da Câmara entretanto foram desenvolvendo outro projeto de espaços verdes para a urbanização em causa – um terceiro projeto, portanto – tendo em conta as condicionantes do consumo de água, só este projeto é que veio a ser aprovado pelo que só muito mais tarde é que a garantia bancária veio a ser libertada e só o foi, frisou, aquando da execução do projeto novo; precisou que a “praxe” nestas situações é que a partir do momento em que a Câmara receciona a obra pela mão do promotor do loteamento, a manutenção do espaço verde passa a ser da responsabilidade do Município, razão por que só no dia da entrega é que, em regra, os promotores se limitam a limpar a zona e não antes (a manutenção é feita, por assim dizer, “ao dia”). H..., comercial da firma “I... , Lda.” referiu com credibilidade que a D... era cliente da firma onde trabalha, confirmando a entrega em 2005 de um equipamento para parque infantil para um loteamento (equipamento infantil, torres para escorregas, balouço, pavimento de borracha, equipamento desportivo para circuito de manutenção e mobiliário urbano) o que foi entregue nos estaleiros da CML e não foi logo instalado o que é habitual suceder para não se deteriorar enquanto as obras estão em curso, confirmando o teor dos documentos de fls. 228 a 240 abaixo indicados; precisou que antes do fornecimento esteve no local para aferir se o equipamento “cabia” no local e nas áreas de segurança, fazendo medições e outros cálculos, concluindo pela afirmativa. Considerou-se, ainda, em conjugação, o teor dos seguintes elementos constantes dos autos:
- fls. 5 e 24 (requerimento dos arguidos dirigido à CML para vistoria e receção definitiva da obra e para cancelamento da garantia bancária);
- fls. 6 e 25 (informação do Departamento de Obras Municipais da CML subscrito pelo respetivo diretor e por técnico);
- fls. 7 e 26 (parecer favorável à receção definitiva e libertação da caução por parte do arguido A (...), então Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes da CML);
- fls. 32 a 49 (cópia do projeto de loteamento do X (...) quanto a enquadramento de espaços exteriores e plano geral);
- fls. 50 (extrato da ata n.º 28 da CML);
- fls. 55 e 56 (teor da garantia bancária prestada pelos arguidos construtores);
- fls. 57 a 70 (teor da petição do assistente junto da CML);
- fls. 71e 72 (adenda do arguido A (...) de 27.11.2006, revogando o parecer de 02.06.2006);
- fls. 73 a 75 (planta de arranjos exteriores de abril de 2007);
- fls. 97 a 113 (extrato de conta corrente do arguido A (...) no BPI);
- fls. 115 a 123 (extrato de conta corrente do arguido A (...) na CGD);
- fls. 156 a 159 (matrícula da sociedade D..., Lda.);
- fls. 228 a 240 (orçamentos e guias de transporte de material adquirido pela firma D..., Lda. à firma I (...) para entrega no estaleiro da CML);
- fls. 609 e 610 (CRC´s dos arguidos B... e C...);
- fls. 613 e 614 (CRC do arguido A (...));
- Apenso (Processo Camarário de Projeto de Loteamento n.º 1/90, em particular a Pasta 2 da Caixa 1).
c) Importava apurar se, sabendo e conhecendo que havia um projeto de espaços verdes para cumprir em determinados e específicos termos, de cujo cumprimento dependia a libertação de uma garantia bancária prestada pelos arguidos B... e C...após parecer favorável do arguido A (...), esse projeto não foi executado tal como aprovado, levando à emissão de um parecer desconforme, com o intuito de favorecer patrimonialmente os arguidos promotores.
d) É no seguimento do acórdão proferido que há de ser escalpelizado a prova documental produzida bem como os esclarecimentos dados por G... e de E... na sequência da reabertura da audiência.
e) Importa antes de mais lembrar que julgar de facto não é uma atividade livre no sentido de arbitrária; a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros. Não significa a verdade absoluta, ontológica, própria de seres perfeitos. Antes, a verdade que seja resultado de uma logicidade que se torna apreensível a qualquer ser humano porque objetiva (isto é, que está para além do sujeito). Isto significa, por um lado, que a exigência de objetividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será legítima se for comun-icada (posta em comum para ser compreensível), já que de outro modo não poderá ser objetiva. Mas mais, impõe-se ver o resultado de cada prova, o que é que cada prova nos traz e que é permitido concluir, barrando com os dados da experiência comum, isto é, o conhecimento repetido do quotidiano e acessível a qualquer pessoa. Assim, limitados estamos ao nível decidido e caso seja outra conclusão de Direito, prosseguir com o ulterior conhecimento (aspeto jurídico).
f) Ora, ninguém põe em dúvida que foram produzidos dois pareceres pelo arguido A (...). Um, reportando-se ao processo do loteamento n.º 1/90, com data de 2 de junho de 2006 diz «Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projeto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a receção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes) À consideração superior.» O outro, com data de 27 de novembro de 2006 diz «Processo: Arranjos exteriores-espaços verdes Loteamento n.º 01/90 Local: X (...) Requerente: D... e outros Assunto: Esclarecimento-Adenda Face aos vários pedidos de esclarecimentos por parte dos moradores no loteamento n.º 01/90 sito em X (...) executado pela firma D (...) e outro e relativamente aos arranjos exteriores (zonas verdes) procedi à elaboração desta adenda, para que não fiquem dúvidas quanto á informação prestada, baseada na boa fé atendendo à garantia dada pelos proprietários de que tudo iria ser executado de acordo com o previsto, libertando assim o processo que estava em meu poder há cerca de dois anos. Assim: 1. Não foi à Divisão de Parques e Espaços Verdes pedido quaisquer pareceres relativos à análise prévia do projeto de arranjos exteriores (espaços verdes) do loteamento n.º 01/90; 2. Foi apresentado um projeto de alterações ao loteamento após a emissão do alvará; 3. Não foi pedida á Divisão de Parques e Espaços Verdes quaisquer pareceres sobre os arranjos exteriores (espaços verdes) do projeto de alterações; 4. É solicitado à divisão em 18 de março de 2004 uma vistoria ao local para que fosse feita a receção definitiva da obra relativamente aos arranjos exteriores; 5. É realizada a vistoria ao local na data mencionada tendo sido dado parecer negativo por não estarem devidamente executados todos os trabalhos relativos aos espaços verdes, conforme documento existente em processo; 6. Passados cerca de dois anos foi pedida nova vistoria; 7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a receção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10. Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidade, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo. Face ao exposto e pela falta do cumprimento do compromisso assumido pelos promotores do loteamento, solicito a anulação da minha informação de 2 de junho de 2006, mantendo-se em vigor a de 18 de março de 2004. À consideração superior.» Destes dois pareceres ressalta um dado incontornável: há contradição. Logo, neste âmbito, em que estamos no domínio de uma atividade administrativa sujeita à objetividade, se percebe que algo de errado existe.
Como é que em cinco meses se muda um parecer quando o procedimento já durava anos? Eis a questão que surpreende porque salta aos olhos.
Mais, os escritos em causa envolvem uma tecnicidade própria a que o arguido A (...) tem acesso e conhecimento para a sua emissão, e do mesmo ato surge um prejuízo ou um benefício consoante a sua decisão de avaliação. Ora, reinquirida, a testemunha G... foi clara em atribuir o resultado dos diferentes pareceres por haver falta de manutenção, sendo que o segundo parecer foi dado porque havia algo mais: as restantes obras, tendo em conta o projeto inicial. De outro modo, tudo estava executado, e daí o primeiro parecer, mas como não estava em devida manutenção nem foi a mesma realizada pelos promotores, há um segundo parecer. Reinquirido E..., o qual mostrou-se sério e espontâneo no seu depoimento e assim credível, veio dizer que a justificação que lhe deram para a emissão do parecer foi que tinha havido um acordo verbal entre o Município e os arguidos promotores no sentido de estes cumprirem o remanescente da execução dos espaços verdes. E que o segundo parecer é dado após a reclamação dos moradores, entre os quais se inclui a ora testemunha. De igual modo, reinquirido a testemunha J (...) foi clara: o primeiro parecer foi dado porque os promotores deram a garantias que iam cumprir na realização das infra-estruturas projetadas. Ora, estes dois depoimentos estão de acordo com o parecer dado em novembro, em que o arguido é categórico em dar sem efeito o parecer anterior (corroboração…o que acentua a credibilidade), sendo o depoimento de G... pura e simplesmente vago. A confusão dos conceitos precisa da vaguidade; ora, tal é inexplicável em procedimentos em que a transparência é imposta. Ora, na Administração Pública a objetividade, clareza, congruência, visibilidade do discurso são dados essenciais.
Faltando algo do projetado nunca existe manutenção, existe incumprimento.
Ora, faz sentido que alguém mude um parecer só porque os moradores reclamam? Faz, no plano puramente fáctico, caso os moradores tivessem óbvia razão para reclamarem. Do segundo parecer do arguido A (...), e que cativa a caução, resulta claro que “7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a receção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10. Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidade, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo.” Isto é, é a assunção que nada foi feito, nem cumprido, estando pois o depoimento de G... inquinado pelos dados acabados de assinalar, sendo os depoimentos de J (...) e E... aqueles que condizem com a assunção feita no segundo parecer. Mais, é o escrito de 27 de novembro de 2006, e já assinalado e descrito que se revela credível. Porquê? Porque mais concretizado, justificativo, congruente, e assim credível. Caso contrário, perguntar-se-ia: a que título alguém com o conhecimento técnico que tem se colocaria na posição de justificar, assinalando dados de facto concretos e conclusão contrária à que meses antes tomou? É da experiência comum que no domínio técnico do discurso tem de haver razões objetivas para alteração de posição. Retira-se pois que o arguido A (...) sabia da falsidade do primeiro parecer e que, atenta a posição que tinha, conhecia os seus deveres funcionais, algo que os restantes arguidos não podiam deixar de saber, atentos os seus papéis sociais, interessados no licenciamento, e ligados à construção civil, logo experientes e cientes nas questões de facto e de direito sobre o licenciamento de obras.
Mais, nunca ignorariam que dependia o ato da concreta avaliação do arguido A (...).
Mais, como assinalou a testemunha M (...) bem como E..., só em 2007 é que o devido foi realizado, e após reuniões da Câmara com os arguidos (promotores imobiliários) B... e C.... Estes, não podiam desconhecer, atenta a sua actividade na obra, do que era existente desconforme ao projecto, sabendo então que era falso o parecer dado em junho.
A ligação entre os arguidos é a nosso ver clara. É o escrito de novembro que a tal se refere.
Refere-se ao compromisso assumido, ao prometido, isto é, informalmente dado, verbalizado. Como é possível existirem conversas verbais em sede de procedimentos vinculados como seja o procedimento de licenciamento? Como é possível existirem compromissos verbalizados idóneos a fazer com que um técnico diga falsamente que o projecto foi executado? Os compromissos anteriores aos de junho, se os houve, serviriam então para o quê? E os que houve a seguir ao parecer de junho?
Ora, o que em Junho foi suficiente para dar como cumprido o projecto e liberada a caução, em Novembro assim não foi. O que mudou? Nada nos prédios...já o sabemos.
O nível probatório perante a contradição (feita documentalmente pelo arguido A (...)) e os beneficiários (os arguidos B... e C...) não tem de ter a exigência que se verifica nas relações privadas em que a regra é a desformalização (sendo múltiplas as formas de vida, as condutas ou as intenções). Nos procedimentos vinculados, como é o caso dos autos, o desvio verificado ao procedimento, a falsidade, só por si coloca a questão: quem beneficiaria? A resposta é clara: os arguidos B... e C.... A existência de um conluio entre os arguidos retira-se da única resposta plausível à questão do interesse.
O escrito de Novembro é esclarecedor e combina com a prova produzida e exteriorizada pelo assistente. É a única narrativa coerente.
É pois clara a existência do acordo entre os arguidos. Acordo esse que teve por fim a falsidade do primeiro parecer, e não fosse a acção dos moradores não haveria a reposição da verdade (em 2007).
Acordo esse agressor da objectividade e transparência da Administração Pública. Por acaso, com benefício claro para os arguidos C... e B... que assim viam liberada a caução. Por acaso?
É a partir deste escrito (o de novembro) bem como os depoimentos (quanto a reuniões com a câmara e com promotores imobiliários, os arguidos B... e C...) que se retira a intenção clara de estes últimos serem beneficiados, com necessários prejuízos para os moradores em causa. Não se trata de um acaso, ou de um efeito colateral. Não há acasos em terreno onde existe um feixe de deveres, um procedimento formalizado. Não há acasos em terreno onde por força de um saber técnico se assinala “o projecto foi executado” quando assim não foi. É também a partir das reuniões assinaladas com os moradores, com a câmara e com os promotores que estes últimos, a que acresce o facto de estarem no meio sócio-profissional, saberem da violação de deveres impróprios na Administração Pública como seja o parecer de junho. Quem beneficiava com o parecer? Os arguidos C... e B..., tanto basta para se retirar o exercício conjunto do manto de ilicitude que o tipo descreve.
De igual modo, como efeito necessário, não poderia o arguido A (...) e os restantes (principais interessados) deixar de saber que a liberação da caução trazia vantagens para os arguidos como é facto notório, bem como o assinalar estar em conformidade com a proposta trazia prejuízos para os adquirentes dos prédios uma vez que decorre da decisão tomada e que o arguido A (...) e demais arguidos não podiam deixar de conhecer e uma vez inseridos no meio negocial próprio da construção civil, conhecendo mutuamente os papeis sociais de cada um.
g) O facto de os arranjos estarem prontos adveio do depoimento claro e espontâneo, mostrando-se credível, de J (...).
h) Os demais factos acima assinalados que não se apuraram por nenhuma testemunha ou documento confirmar a sua ocorrência de forma segura e consistente.
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III. Fundamentação de Direito.
3.1. O objecto de um recurso penal define-se através das conclusões que os
recorrentes extraem das respectivas motivações, mas isto sem prejuízo das questões que assumam carácter de conhecimento oficioso [art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal].

Na realidade, de harmonia com o disposto neste n.º 1, e conforme jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ – Acs de 13.05.1998; de 25.06.1998 e de 03.02.1999, in, respectivamente, BMJ’s 477/263; 478/242 e 477/271], o âmbito dos recursos é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios e/ou as nulidades da sentença previstos/as no art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, inclusive quando o recurso se encontre cingido à matéria de direito [Acórdão do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995].
No mesmo sentido expende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, 2.ª edição, 2000, escrevendo a fls. 335: “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.”
No caso vertente, porque não intercede fundamento para qualquer intervenção oficiosa, vistas as conclusões dos recorrentes, decorre que as suas irresignações se consubstanciam em sede de facto e de direito.
Na primeira vertente, quando controvertem parte do acervo acolhido pela decisão recorrida (tanto pela nulidade que, no que concerne, descortinam na decisão recorrida; quanto pela emergência de dois dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; quanto, finalmente, pela sua indevida apreciação) e, na segunda (concedendo a improcedência daquela), no justo ponto em que os segundo e terceiro se rebelam contra a verificação dos pressupostos imprescindíveis ao emergir da responsabilização penal; com efeito, aduzem, não são funcionários; não se verifica o necessário elemento subjectivo e, last but not least, por força do convocado art.º 28.º do Código Penal, apenas poderá comunicar-se-lhes a ilicitude do facto e não a culpa específica e inerente à qualidade de funcionário.
Prima facie, e ante o exposto, estas as questões que delimitariam o objecto dos recursos. Sucede, todavia, ser distinta a abordagem que faremos acto contínuo.
Explicitemos.
3.2. Assacada aos recorrentes a co-autoria de um crime de abuso de poder p. p. p. art.º 382.º do Código Penal, nos termos seguintes:
O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes à sua função, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Neste crime [nas considerações seguintes, acompanharemos o Ac. do STJ prolatado no âmbito do recurso 07P4279, acedido em www.dgsi.pt], que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais.
Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal.
Há, com efeito, tipos de crimes em que o tipo de ilícito é construído de tal forma que uma certa intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza.
A intenção específica é um elemento subjectivo que não pertencendo ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objectivo e subjectivo.
A intenção tipicamente requerida tem por objecto uma factualidade que não pertence ao tipo objectivo de ilícito.
Doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado cortado, esta espécie de crimes supõe para além do dolo de tipo a intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo legal [cfr. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, págs. 329-330].
Nos delitos de intenção verificam-se elementos de atitude interna de agente, que são elementos subjectivos que caracterizam a vontade de acção, referidos á modalidade de acção, ao bem jurídico ou ao objecto da acção protegida pelo tipo; o autor persegue um resultado que tem em consideração para a realização do tipo, e deve querer causar com a sua própria conduta um resultado que vai para além do tipo objectivo [cfr. H. H. Jesheck e T. Weigend, “Derecho Penal”, págs. 341-342].
O crime de abuso de poder constitui um dos exemplos desta categoria dogmática.
A violação pelo funcionário dos deveres inerentes às funções em que está investido (tenha aqui o significado que tiver) constitui o campo de delimitação da tipicidade. A estrutura do crime no primeiro momento de configuração da acção típica fica integrada pela actuação contrária aos deveres da função.

Mas, para além do tipo objectivo exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, mas que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo – a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa.
A integração do crime de abuso de poder, p. no elencado art. 382.º, supõe, pois, por um lado, o preenchimento dos elementos do tipo objectivo (o mau uso ou uso desviante dos poderes da função), e, em conjugação, a verificação de uma intenção específica que está para além do tipo objectivo.
O preenchimento do tipo objectivo não se confunde, porém, com o erro de função ou com a prática e actos susceptíveis de revogação por uma instância de reapreciação, não sendo integrado, na inteira dimensão típica, sem a concorrência da atitude interna do agente que deve estar pressuposta como finalidade da acção.

Por isso, a verificação dos elementos do crime de abuso de poder não se situa num plano de instância alternativa de recurso ou reapreciação, mas tem de estar primeiramente dirigida à apreensão, por via de elementos externos, da atitude interna do agente que constitui a intenção específica.
Esta atitude interna, por seu lado, não pode ser lida sem o suporte de elementos externos e objectivos que a revelem e nos quais externamente se manifeste.
O contexto, como modo de interpretação da conjunção de elementos de ambiência, deve, aqui, revelar-se de particular importância.

A relação entre o agente, o resultado, e identificação de benefícios próprios ou a consideração intersubjectiva sobre os antecedentes e a natureza das relações entre o agente e um terceiro constituem índices pelos quais se poderá apreender a manifestação da atitude interna.
Delimitados já por esta singularidade, prossigamos:
3.3. Sobem os autos para apreciação nesta instância pela terceira vez.
A primeira delas sucedeu após a prolação da sentença de fls. 651 e segs., por cujo intermédio os arguidos foram absolvidos com o fundamento de que se não haviam comprovado em audiência os elementos objectivos e subjectivos imprescindíveis ao emergir do crime assacado.
No recurso interposto pelo Ministério Público, a tónica essencial da sua argumentação incidiu no que alegou ter sido uma inadequada interpretação do tribunal a quo sobre o conteúdo do documento de fls. 71/72 e ilações que dele era mister extrair.
Porque conducente à melhor compreensão da solução que perfilharemos infra, permitimo-nos, também e desde já, mencionar um excerto da motivação probatória que se fez constar dessa primeira sentença recorrida. Escreveu-se, nomeadamente: «Importava apurar no âmbito dos presentes autos a responsabilidade dos arguidos – do A (...) enquanto funcionário do Município de (...) e do B... e C... enquanto promotores imobiliários relativamente à legalidade da execução de uma obra, na parte tocante a espaços verdes de uma urbanização, por forma a apurar se houve algum favor, benefício, facilitação ou intenção de causar prejuízo ao Município por banda dos arguidos; dito de outro modo, se, sabendo e conhecendo que havia um projecto de espaços verdes para cumprir em determinados e específicos termos, e de cujo cumprimento dependia a libertação de uma garantia bancária prestada pelos arguidos B... e C...após parecer favorável do arguido A (...), esse projecto não foi executado tal como aprovado, levando à emissão de um parecer ilegal, com o intuito de favorecer patrimonialmente os arguidos promotores (desde logo beneficiando quanto á circunstância de cessar os pagamentos de juros bancários referentes à garantia bancária) em prejuízo do Município e dos moradores.
A versão dos factos tal como descrita na acusação não se apurou, uma vez que não se produziu prova que os arguidos tenham actuado da forma descrita; ao invés, foi produzida prova em sentido substancialmente muito diferente, indicando a discussão dos factos em audiência que involuntariamente e por ignorância, por certo – se laborou na fase de inquérito num erro de análise quanto ao apuramento da realidade juridicamente relevante.
Com efeito, foi produzida abundante prova – a isso, quer os documentos dos autos, quer as testemunhas ouvidas, se referiram de forma inequívoca no sentido de que o parecer de 02.06.2006, proferido pelo arguido A (...), não foi exarado com consciência de falsidade, antes, muito pelo contrário, foi exarado com a consciência de que o que escrevia era de boa-fé e correspondia à realidade; pelo menos, é de referir, não surgiram elementos probatórios que apontem em sentido contrário a esta conclusão.
Foi referido e debatido em audiência de julgamento que a acusação se baseou num projecto de espaços verdes elaborado por alturas do ano de 2000 (vd. fls. 48, v.º) que previa determinados trabalhos (de regularização do terreno, construção de muretes, construção de áreas pavimentadas, instalação de rede de rega e drenagem, instalação de equipamento de recreio e desportivo, fornecimento de terra viva e fertilização, plantação de árvores e arbustos e sementeiras), tendo-se apurado que esse projecto nunca foi formalmente aprovado pelo Município de (...) e a que o dito parecer do arguido A (...) não se reportava; efectivamente, era um outro, mais simples, rudimentar e incipiente o projecto de espaços verdes que havia sido aprovado pelo Município, muito mais antigo e parte integrante do projecto de loteamento (constante da Pasta 2 da Caixa 1, do Apenso), como, para além de outras, referiu com clareza e de forma inequívoca a testemunha G..., à data vereadora do pelouro dos espaços verdes da CML, pelo que, como foi referido à saciedade, era esse primitivo projecto a que o parecer se reportava e a que os promotores deviam obediência e que, legalmente, era o projecto vinculativo, que não o projecto que “apareceu” por alturas de 2000, mais pormenorizado e que, naturalmente, não se encontrava, nem tinha de se encontrar, executado no local em questão.
Decorreu, por conseguinte, da prova produzida em julgamento que se partiu de um pressuposto errado (o de que era um determinado projecto de espaços verdes que tinha sido aprovado e a que os arguidos estavam vinculados a observar), o que conduziu a conclusões naturalmente erradas (emissão de um parecer sem correspondência com a realidade e libertação indevida de uma garantia bancária beneficiando o promotor imobiliário, no caso, os arguidos B... e C... Manso), porque contaminadas por essa circunstância e que a investigação acabou por verter em acusação; com efeito, foi referido que estavam executadas as áreas para espaço verde, estavam colocadas algumas árvores, gravilha ou brita branca e preta, alguns arbustos; também foi referido pelas testemunhas que existia uma zona de manutenção e de parque infantil, bem como foi entregue o equipamento respectivo no estaleiro da Câmara, o que, face à descrição das testemunhas sobre o que era exigível pelo projecto de espaços verdes primitivo, aprovado, em vigor e, como tal, vinculativo para os arguidos, foi executado, verificando-se, consequentemente, uma correspondência efectiva entre o teor do parecer do arguido A (...) e a realidade a que o mesmo se reportava; sucede que, na sequência de a zona ficar sem manutenção ou mal mantida e de ter sido exibido aos moradores da Urbanização do X (...) um projecto de espaços verdes mais completo, aprofundado e pormenorizado – não aprovado e não constante do processo de loteamento – esses moradores acharam-se no direito (e bem, refira-se a latere) de exigir a execução dos termos desse projecto, o que despoletou a situação de se considerar ter havido uma ilegalidade neste projecto, praticada conscientemente e de má-fé pelos arguidos, em conluio entre si, do que, é seguro dizer-se, não se produziu prova em julgamento.
Também decorreu da prova produzida em audiência que, apesar de ter sido proferido o dito parecer favorável e que libertaria a garantia bancária prestada, o certo é que a “contestação” dos moradores e as sucessivas reuniões com responsáveis da Câmara, bem como a discussão de aperfeiçoamento de outro projecto de espaços verdes, entretanto “negociado”, levou a que, curiosamente, a garantia bancária não tenha chegado a ser libertada por alturas de Junho de 2006, o que só veio a suceder apenas muito mais tarde, com a execução de um terceiro projecto (continuando, por isso, os arguidos B... e C... a suportar os necessários encargos decorrentes da obrigação de juros bancários) e forçado o arguido A (...) a suspender o dito Parecer, “na ideia” de surgir um projecto executado no local, ainda que não fosse, como não era, o primitivamente aprovado, com vista a valorizar o local e a favorecer os moradores/residentes, o que são tudo circunstâncias que se mostram incompatíveis com o dolo previsto no tipo legal em apreço (aliás, se falta existe que possa ser assacada ao arguido A (...) pela “condução” do processo e do parecer dado e posterior revogação ou suspensão do mesmo, crê-se que tais circunstâncias relevarão em sede disciplinar, enquanto erros de procedimento ou de faltas de rigor ou de atenção, que não já de comportamentos com coloração dolosa criminal).
Por outro lado, foi confirmado em audiência que os espaços verdes existiam e o parecer de 2006 estava em consonância com o efectivamente executado no local, ainda que “não batesse certo” com o projecto posterior exibido ao assistente e a outros moradores, sendo certo que foi explicado a razão de ser da existência de “mato” antes e depois da recepção da obra (de referir que mesmo que se entenda que o que se encontrava executado à data do parecer, em 2006, não correspondia ao projecto primitivo, não é seguro afirmar que o parecer do arguido A (...) foi dado de má-fé, urna vez que diversas testemunhas referiram que esse primeiro projecto não estava pormenorizado ou especificado e que consistia praticamente apenas numa área não construída no qual nem sequer se previa, rigorosamente, qualquer sistema de rega); não deixa também de salientar-se que as contas bancárias do arguido A (...) não mostram qualquer movimento suspeito, o que permite inferir, também por esta via, que inexistem elementos de prova que apontem para uma actuação ilegal dos arguidos, não resultando da prova produzida que os arguidos B... e C... tenham pressionado o arguido A (...) para libertar a dita garantia bancária, embora se admita, e seja natural, que tal seja um objectivo do promotor, sem que com isso, por si só e sem mais, esteja a cometer uma ilegalidade, razão por que os factos acima destacados foram julgados como não provados, bem como os acima assinalados referentes ao pedido de indemnização que não se apuraram por nenhuma testemunha ou documento confirmar a sua ocorrência de forma segura e consistente.
Importa salientar que o procedimento camarário não foi o mais feliz porquanto “prometeu” aos residentes uma determinada realidade – a execução de um projecto de espaço verde – não coincidente com a verdade formal, já que era outro o projecto aprovado pelo Município para o local e foi exibido aos moradores outro projecto, mais interessante e rico, não aprovado, sem que tais circunstâncias tenham sido devidamente elucidadas e demorando anos a decidir e a executar o que hoje existe, frustrando as legítimas expectativas dos munícipes lá residentes, o que transmuda as considerações do plano jurídico para o plano moral ou ético e que, naturalmente, extravasa o âmbito dos presentes autos.»   
O aresto deste Tribunal que é fls. 731 e segs., incidente sobre tal sentença, precisou do relevo primacial que efectivamente se impunha atribuir ao documento de fls. 72, uma vez que o mesmo possibilitava aquilatar das contingências que rodearam a emissão do Parecer do arguido A (...), e, daí que, em congruência, haja determinado o reenvio parcial do processo quanto aos factos controvertidos pelo recorrente e, sendo o caso, relativamente aos dois demais co-arguidos, igualmente se aquilatasse da intenção subjacente à sua propalada conduta.
Realizado novo julgamento, seguiu-se a sentença de fls. 808 e segs., decretando agora a condenação dos visados co-arguidos, sendo que na motivação probatória respectiva se consignou, nomeadamente: «c) Importava apurar se, sabendo e conhecendo que havia um projecto de espaços verdes para cumprir em determinados e específicos termos, cujo cumprimento dependia a libertação de uma garantia bancária prestada pelos arguidos B... e C...após parecer favorável do arguido A (...), esse projeto não foi executado tal como aprovado, levando à emissão de um parecer desconforme, com o intuito de favorecer patrimonialmente os arguidos promotores.
d) É no seguimento do acórdão proferido que há de ser escalpelizado a prova documental produzida bem como os esclarecimentos dados por G... e de E... na sequência da reabertura da audiência.

f) Ora, ninguém põe em dúvida que foram produzidos dois pareceres pelo arguido A (...). Um, reportando-se ao processo do loteamento n.º 1/90, com data de 2 de Junho de 2006 diz Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projeto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a receção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes). À consideração superior. O outro, com data de 27 de Novembro de 2006 diz Processo: Arranjos exteriores espaços verdes Loteamento n.º 01/90 Local: X (...) Requerente: D... e outros Assunto: Esclarecimento-Adenda Face aos vários pedidos de esclarecimentos por parte dos moradores no íoteamento n° 01/90 sito em X (...) executado pela firma D (...) e outro e relativamente aos arranjos exteriores (zonas verdes) procedi à elaboração desta adenda, para que não fiquem dúvidas quanto á informação prestada, baseada na boa fé atendendo à garantia dada pelos proprietários de que tudo iria ser executado de acordo com o previsto, libertando assim o processo que estava em meu poder há cerca de dois anos. Assim: 1. Não foi à Divisão de Parques e Espaços Verdes pedidos quaisquer pareceres relativos à análise prévia do projeto de arranjos exteriores (espaços verdes) do loteamento n.º 01/90; 2. Foi apresentado um projeto de alterações ao loteamento após a emissão cio alvará; 3. Não foi pedida á Divisão de Parques e Espaços Verdes quaisquer pareceres sobre os arranjos exteriores (espaços verdes) do projeto de alterações; 4. É solicitado à divisão em 18 de Março de 2004 uma vistoria ao local para que fosse juta a receção definitiva da obra relativamente aos arranjos exteriores; 5. É realizada a vistoria ao local na data mencionada tendo sido dado parecer negativo por não estarem devidamente executados todos os trabalhos relativos aos espaços verdes, conforme documento existente em processo; 6. Passados cerca de dois anos foi pedida nova vistoria; 7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a receção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10. Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidades, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo. Face ao exposto e pela falta do cumprimento do compromisso assumido pelos promotores do loteamento, solicito a anulação da minha informação de 2 de Junho de 2006, mantendo-se em vigor a de 18 de Março de 2004. À consideração superior. Destes dois pareceres ressalta um dado incontornável: há contradição. Logo, neste âmbito, em que estamos no domínio de uma atividade administrativa sujeita à objetividade, se percebe que algo de errado existe. Como é que em cinco meses se muda um parecer quando o procedimento já durava anos? Eis a questão objetiva e que salta aos olhos. Mais, os escritos em causa envolvem uma tecnicidade própria a que o arguido A (...) tem acesso e conhecimento para a sua emissão, e do mesmo até surge um prejuízo ou um benefício consoante a sua decisão de avaliação. Ora, reinquirida, a testemunha G... foi clara em atribuir o resultado dos diferentes pareceres por haver falta de manutenção, sendo que o segundo parecer foi dado porque havia algo mais: as restantes obras, tendo em conta o projeto inicial. De outro modo, tudo estava executado, e daí o primeiro parecer, mas como não estava em devida manutenção nem foi a mesma realizada pelos promotores, há um segundo parecer. Reinquirido E..., o qual mostrou-se sério e espontâneo no seu depoimento e assim credível, veio dizer que a justificação que lhe deram para a emissão do parecer foi que tinha havido um acordo verbal entre o Município e os arguidos promotores no sentido de estes cumprirem o remanescente da execução dos espaços verdes. E que o segundo parecer é dado após a reclamação dos moradores, entre os quais se inclui a ora testemunha. De igual modo, reinquirido a testemunha J (...) foi clara: o primeiro parecer foi dado porque os promotores deram a garantia que iam cumprir na realização das infra-estruturas projetadas. Ora, estes dois depoimentos estão de acordo com o parecer dado em Novembro, em que o arguido é categórico em dar sem efeito o parecer anterior (corroboração… o que acentua a credibilidade), sendo o depoimento de G... pura e simplesmente vago. A confusão dos conceitos precisa da vaguidade; ora, tal é inexplicável em procedimentos em que a transparência é imposta. Ora, na Administração Pública a objetividade, clareza, congruência, visibilidade do discurso são dados essenciais. Faltando algo do projetado nunca existe manutenção, existe incumprimento. Ora, faz sentido que alguém mude um parecer só porque os moradores reclamam? Faz, no plano puramente fáctico, caso os moradores tivessem óbvia razão para reclamarem. Mais, do segundo parecer do arguido A (...), e que cativa a caução, resulta claro que “7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a receção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10. Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidade, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo.” Isto é, é a assunção que nada foi feito, nem cumprido, estando pois o depoimento de G... inquinado pelos dados acabados de assinalar, sendo os depoimentos de J (...) e E... aqueles que condizem com a assunção feita no segundo parecer. Mais, é o escrito de 27 de Novembro de 2006, e já assinalado e descrito que se revela credível. Porquê? Porque mais concretizado, justificativo, congruente, e assim credível. Caso contrário, perguntar-se-ia: a que título alguém com o conhecimento técnico que tem se colocaria na posição de justificar, assinalando dados de facto concretos e conclusão contraria à que meses antes tomou? É da experiência comum que no domínio técnico do discurso tem de haver razões objetivas para alteração de posição. Retira-se pois que o arguido A (...) sabia da falsidade do primeiro parecer e que, atenta a posição que tinha, conhecia os seus deveres funcionais, algo que os restantes arguidos não podiam deixar de saber, atentos os seus papéis sociais e ligados à construção civil, logo experientes nas questões de licenciamento de obras. Mais nunca ignorariam que dependia o ato da concreta avaliação do arguido A (...). De igual modo como efeito necessário, não poderia o arguido A (...) deixar de saber que a liberação da caução trazia vantagens para os arguidos como é facto notório, bem como o assinalar estar em conformidade com a proposta trazia prejuízos para os adquirentes dos prédios uma vez que decorre da decisão tomada e que o arguido A (...) e demais arguidos não podiam deixar de conhecer e uma vez inseridos no meio negocial próprio da construção civil, conhecendo mutuamente os papeis sociais de cada um.»
Foi então a vez de os arguidos se insurgirem contra o sentenciado pretextando da errada valoração da prova produzida. Conhecendo destas impugnações, de acordo com o aresto de fls. 923 e segs., descortinou-se padecer a decisão recorrida de nulidades decorrentes quer de excesso de pronúncia, quanto de falta de fundamentação, donde que a impôr-se nova peça que suprisse tais vícios.
Na sequência do que foi proferida a decisão ora em crise.
3.4. A menção vinda de fazer-se e nuances que é possível descortinar em todas as peças referidas, pela exaustão que já contêm, mostra-se curial no sentido de adjuvar à exacta percepção do que cabe ajuizar.
Relembre-se, entretanto e também, que, de acordo com a acusação deduzida, acolhida in totum na ulterior pronúncia a que houve lugar nos autos, se impunha apurar se o arguido A (...), no exercício das suas funções de Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes da Câmara Municipal de (...), emitiu o Parecer que se encontra junto a fls. 26 dos autos, no intuito de permitir aos dois demais, enquanto sócios e gerentes de uma pessoa colectiva, obterem o levantamento da caução prestada no âmbito de um processo de loteamento por si encetado e, desta forma, deixarem de suportar os inerentes encargos bancários, todos sabendo do carácter falso daquele Parecer e agindo no intuito de assim obter a sociedade um benefício ilegítimo, em prejuízo do Município e dos moradores da urbanização a que se referia tal loteamento.
Findo o contraditório, atenta a decantação que a produção de prova entretanto ocorrida permite fixar, podemos afoitamente dizer que elementos decisivos a valorizar nesta sede são, i) o documento de fls. 26, isto é, o Parecer emitido pelo arguido A (...), no âmbito das suas funções profissionais na CML, no dia 2 de Junho de 2006, exarando que, e por referência ao loteamento n.º 1/90, «Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projeto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a receção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes)»; ii) o documento de fls. 71/72, igualmente subscrito por esse mesmo arguido, no dia 27 de Novembro de 2006, e assim redigido: Processo: Arrranjos exteriores-espaços-verdes Loteamento n.º 01/90 Local: X (...) Requerente: D... e outros Assunto: Esclarecimento-Adenda Face aos vários pedidos de esclarecimentos por parte dos moradores no loteamento n.º 01/90 sito em X (...) executado pela firma D (...) e outro e relativamente aos arranjos exteriores (zonas verdes) procedi à elaboração desta adenda, para que não fiquem dúvidas quanto á informação prestada, baseada na boa fé atendendo à garantia dada pelos proprietários de que tudo iria ser executado de acordo com o previsto, libertando assim o processo que estava em meu poder há cerca de dois anos. Assim: 1. Não foi à Divisão de Parques e Espaços Verdes pedido quaisquer pareceres relativos à análise prévia do projeto de arranjos exteriores (espaços verdes) do loteamento n.º 01/90; 2. Foi apresentado um projeto de alterações ao loteamento após a emissão do alvará; 3. Não foi pedida á Divisão de Parques e Espaços Verdes quaisquer pareceres sobre os arranjos exteriores (espaços verdes) do projeto de alterações; 4. É solicitado à divisão em 18 de março de 2004 uma vistoria ao local para que fosse feita a receção definitiva da obra relativamente aos arranjos exteriores; 5. É realizada a vistoria ao local na data mencionada tendo sido dado parecer negativo por não estarem devidamente executados todos os trabalhos relativos aos espaços verdes, conforme documento existente em processo; 6. Passados cerca de dois anos foi pedida nova vistoria; 7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a receção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10. Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidades, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo. Face ao exposto e pela falta do cumprimento do compromisso assumido pelos promotores do loteamento, solicito a anulação da minha informação de 2 de junho de 2006, mantendo-se em vigor a de 18 de março de 2004. À consideração superior.»; iii) a pasta apensa, contendo o processo de loteamento em questão; iv) à míngua de declarações dos arguidos, que usaram do seu direito ao silêncio, os depoimentos das testemunhas G... [vereadora do pelouro do Desenvolvimento económico, ambiente e espaços verdes, da CML, no período compreendido entre 2002 e 2009], E...e J (...) [ambos adquirentes de imóveis no loteamento em causa e, respectivamente, presidente e vice-presidente da comissão de moradores constituída para dilucidação das questões decorrentes das infra-estruturas de jardins e espaços verdes atinentes ao aludido loteamento], e, por fim, F... [Chefe da Divisão de Loteamentos na CML, desde 1994, cujo depoimento auditámos ao abrigo do art.º 412.º, n.º 6, do Código de Processo Penal].
Todos eles sopesados, primeira conclusão e inquestionável é a de que, findo o julgamento, emerge, fora de dúvida, a prova dos factos conducentes à verificação do tipo objectivo do crime ajuizado.
Na verdade, como vem assente, no ano de 2006 e anteriores, o primeiro dos arguidos exercia funções na Câmara Municipal de (...), com a categoria de Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes, competindo-lhe nessa veste a coordenação funcional e gestão dos recursos humanos afectos à Divisão de Parques e Espaços Verdes, bem como a concepção, construção e manutenção dos Espaços Verdes pertencentes ao município e a emissão de pareceres nos projectos de loteamento promovidos por particulares, no tocante aos espaços verdes.
De acordo com o Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Local então vigente [Decreto-Lei n.º 28/84, seu art.º 3.º, n.º 4, al. b)], incumbia-lhe, por isso e nomeadamente, acatar o dever de zelo, cujo conteúdo é densificado no n.º 6 seguinte, agindo de modo a exercer com verdade as suas funções.
Como vem provado redigiu o Parecer de fls. 26. Escassos meses volvidos, redigiu o documento que é fls. 71/2.
Do respectivo confronto sobressai á exuberância, por assumpção aliás do próprio subscritor, que aquele primitivo parecer de Junho de 2006, era falso, isto no sentido em que dava como realizadas obras cuja prossecução incumbia aos promotores do loteamento, que efectivamente ainda não o estavam. Na verdade, e como escrito, se em Junho de 2006, o dito arguido anotou que após análise ao processo de loteamento 1/90 e vistoria do local o projeto se encontrava executado, tanto que poderia ser feita a sua recepção definitiva e libertação da caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes), já em Novembro do mesmo ano reconheceu que tais arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados, apresentando várias não conformidades, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo, donde que se justificar a anulação da informação de 2 de Junho de 2006!
Seja, consequentemente, a constatação de que, nos termos sobreditos, o arguido A (...) violou dever funcional que lhe incumbia acatar.
Mas, e punctum saliens, assente também, como mister, a proclamada intenção específica, a concorrência da atitude interna do agente que deve estar pressuposta como finalidade da acção?
Resposta que não pode olvidar a circunstância de, dissemo-lo já, o ilícito em crise assumir a natureza de um crime de resultado cortado ou parcial, isto é, em que o elemento subjectivo do tipo vai para além do seu elemento objectivo. Noutras palavras, objectivamente comprovado que o arguido, enquanto funcionário da CML, violou dever funcional, exige-se algo mais, ou seja, a prova de que existiu intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo, ou de causar prejuízo a outrem.
Imputação que redunda, in casu, na circunstância de a construtora deixar de pagar encargos pela manutenção da caução, e o Município e moradores da urbanização ficarem prejudicados pela não realização das infra-estruturas de espaços verde e equipamentos colectivos devidos.
A discussão mantida ao longo da prova oralmente produzida, que auditámos, permite configurar, e ao que ora releva, este quadro factual:   
D..., Lda., de que os ora 2.º e 3.º arguidos são sócios e gerentes, propôs-se levar a cabo o loteamento da Urbanização X (...), no X (...), em (...), tendo apresentado para o efeito o competente projecto a que coube o n.º 1/90.
Na parte referente aos espaços verdes e de utilização colectiva, os promotores apresentaram o projecto que é fls. 262 e segs. da Pasta 2 da Caixa 1 junta por apenso, aprovado pela CML, e, mais tarde, em Agosto de 2000, um projecto da alterações ao mesmo, junto a fls. 275 e segs., este todavia nunca aprovado pela CML.  
Em Junho de 2006, pese embora não se mostrasse efectivado o projecto de loteamento, espaços verdes e infra-estruturas de acordo com o previsto (no local previsto para o parque desportivo encontravam-se instalados os serviços do SMAS; não estava plantada relva; não estava implantado o parque infantil; existiam apenas alguns pinheiros; brita e alguns equipamentos do circuito de manutenção), o arguido A (...) elaborou o parecer de fls. 26.
O assistente, adquirente de um imóvel na urbanização em causa, porque convicto de que se não mostravam realizados trabalhos nos espaços verdes e de utilização colectiva que aos promotores cabia implementar, dirigiu-se à CML reclamando do facto.
Fê-lo, porém, fundado (facto que todavia desconhecia) em que o projecto aprovado era o entretanto apresentado em Agosto de 2000.
Após sucessivas diligências da CML e acordos estabelecidos entre promotores e residentes na urbanização de 2000, a CML acabou por a recepcionar definitivamente, sendo apenas nesta altura que foi permitido o levantamento da caução prestada pela construtora.
O contraditório então exercitado, recaiu sobremaneira na imprecisão sobre aquilo a que efectivamente se reportavam os depoentes. Com efeito, ao passo que a testemunha G... sobretudo enfatizou (porque assim era, na realidade) que projecto a considerar aquando das reclamações na CML dos moradores era o primitivo (de fls. 262 e segs.) e que era a ela que se ateve o parecer do arguido A (...), linha em que seguiu o depoente F..., já o assistente e testemunha J (...) comprovaram que as suas reclamações tinham por base antes o projecto de alterações apresentado em Agosto de 2000 (desconhecendo a anterioridade de um outro), cujo procedimento e estado desconheciam, mas que tinham como sendo o que continha as obrigações que aos promotores imobiliários incumbia cumprir.
Toda a polémica dirimida, e ressalvado o devido respeito, sem deixarmos por claro que o procedimento assumido pelo primeiro dos arguidos ao menos era susceptível de justificar um procedimento disciplinar, já contudo não podemos concluir pela emergência de factos capazes de fundamentar a emergência do imprescindível requisito subjectivo.
A convicção do tribunal haveria então de assentar na identificação de elementos objectivos e externos que permitissem revelar uma atitude interna desse arguido, susceptíveis de traduzir a intenção específica de obtenção de benefícios pela construtora ou de causação de prejuízo à CML ou aos munícipes adquirentes de imóveis na urbanização. O que não sucede.
O parecer de fls. 26 do arguido não redundava, automaticamente, no deferimento ao pretendido levantamento da caução e correspectivo benefício da construtora que deixava de pagar os juros bancários que por via dela a oneravam. Na verdade, como resulta do depoimento da testemunha G..., a caução prestada era global e daí que somente pudesse ser levantada quando estivessem emitidos todos os pareceres das entidades envolvidas, sucedendo que após a sua recepção haveria que proceder-se, ainda, a uma vistoria final e só depois, eventualmente, era deferido o levantamento. Certo que do documento de fls. 6 se extrai que apenas faltava obter o atinente aos arranjos exteriores, e neste sentido surpreende-se a idoneidade que poderia assumir no intuito dos demais arguidos o parecer em causa.
Como consignou no documento de fls. 71/2, o arguido A (...) actuou convencido que os demais arguidos, como lhe prometeram, acabariam por fazer as obras a que estavam adstritos, conforme o projecto de loteamento.
Ora, é exactamente nesta perspectiva, e à míngua de outros dados, que não sejam aqueles que decorrem das normais regras da experiência comum que da sua singeleza se pode extrair, além da imposta intercedência do princípio do in dúbio pro reo, que caberá concluir pela inverificação do almejado elemento subjectivo da infracção.
A incúria do arguido A (...) é, reitera-se, de refutar, mas isto somente no que deveria ter sido uma sede disciplinar. Crente na promessa dos promotores imobiliários, não anteviu um prejuízo para o Município e para os moradores adquirentes de imóveis no loteamento, pois que eles acatariam a realização das obras definidas no projecto de loteamento.
Outro tanto não sucedeu relativamente ao benefício que para eles resultaria do levantamento da caução, pois, urge perguntar, percebeu-o como ilegítimo? Sabendo que a finalidade da caução era apenas o de garantir a realização do projecto tal como aprovado, perante o falado compromisso não se cingiu somente a descurar o alcance que poderia sobrevir do seu incumprimento?
As conjecturas mostravam-se possíveis e, prima facie, no sentido da responsabilização, desde logo, do primeiro dos arguidos. O desvalor que todavia se busca no domínio processual penal é o de ultima ratio, sabemos. Por isso que houvessem de alicerçar-se numa sequência de factos objectivos e de modo a imporem-se como id quod para integrar o elemento subjectivo do crime assacado. O que não acontece.
Corolário, o da não consideração como provado do facto descrito como provado em 12. e com ele da pronúncia relativamente ao primeiro dos arguidos.
Por outro lado, inverificado tal ilícito quanto ao mesmo, a impor-se também a absolvição dos dois demais.
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IV. Dispositivo.
São termos em que pelos fundamentos expostos, concedemos provimento aos recursos interpostos e, consequentemente, absolvemos os arguidos, tanto da condenação penal, quanto da condenação cível decretadas na 1.ª instância.
Sem custas o recurso penal.
Sem custas também o recurso cível, aqui atenta a não oposição do assistente.
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Coimbra, 27 de Novembro de 2013

Brizida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves