Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1148/16.5T8GRD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTA JUSTIFICATIVA
NATUREZA DO PRAZO DE APRESENTAÇÃO DA NOTA
CONSEQUÊNCIAS DO DECURSO DO PRAZO DE APRESENTAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 25.º, N.º 1, E 37.º, N.º 1, AMBOS DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: I - O prazo previsto no art.º 25º do RCP não é um prazo de caducidade, mas um prazo de disciplina processual; transcorrido, a parte vencedora continua a poder fazer valer o seu crédito de custas de parte em sede executiva, só não podendo operar a liquidação nos termos ali regulamentados.

II - O título executivo é composto pela sentença condenatória nas custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a elaborar nos termos previstos no RCP, independentemente de estar esgotado o prazo do n.º 1 do art.º 25º.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

           

            I. Na execução movida por Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA contra L..., S. A., esta opôs-se à execução, mediante embargos, pugnando pela sua extinção, invocando a caducidade do direito da exequente por extemporaneidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte dada à execução.

            Alegou, em síntese: atenta a data do trânsito em julgado do acórdão do STJ proferido nos autos e o disposto no art.º 25º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é manifestamente extemporânea e, como tal, inadmissível, a apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte dada à presente execução; a exequente teria de ter apresentado a nota discriminativa e justificativa de custas de parte em causa até ao dia 19.02.2018; como praticou o ato em causa em 04.9.2018, conclui-se que o fez extemporaneamente, pois o prazo previsto no citado normativo constitui um prazo perentório - o seu decurso implica a perda do direito de praticar o ato.

            A exequente contestou, impugnando o alegado e afirmando o exercício atempado do seu direito de crédito, porquanto respeitado o prazo que a lei prevê  para a apresentação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, sendo que, ainda que transcorrido tal prazo, sempre a mesma seria tempestiva, atenta a natureza do prazo do art.º 25º do RCP, o qual não é de caducidade ou de prescrição do direito, mas de disciplina processual do incidente de liquidação e pagamento das custas no âmbito do próprio processo previsto nos art.ºs 25º do RCP e 31º a 33º da Portaria n.º 419-A/2009, podendo o direito de crédito correspondente poder ser exercido nos termos gerais da legislação processual, ou seja, pela via executiva. Concluiu pela improcedência dos embargos, prosseguindo a execução.

            Observado o contraditório, por saneador-sentença de 19.01.2022 o Tribunal a quo julgou os embargos de executado parcialmente procedentes, determinando o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 7 528 e juros vencidos, devida a título de custas de parte, julgando caducado o demais reclamado a título de custas de parte e, nessa medida, extinta a execução.

Inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - As custas de parte estão abrangidas na condenação a título de custas, em conformidade com o disposto nos art.ºs 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), e 26º, n.º 1, do RCP e, envolvem, não só, a constituição na obrigação de pagamento das custas ainda eventualmente em dívida no processo, como ainda todas as importâncias que a parte vencedora tenha adiantado ao longo da lide: taxas de justiça, encargos e despesas compensatórias dos gastos com o mandatário judicial e com o agente de execução, e que integram as denominadas custas de parte.

            2ª - O direito ao reembolso das custas de parte a favor de quem tenha ganho de causa e a inerente obrigação de pagamento das custas de parte à parte vencedora, nasce no exato momento em que a sentença que condene a parte em custas é proferida.

            3ª - Tal obrigação, tem de ser posteriormente liquidada através do incidente ou mecanismo previsto no artigo 533º, n.º 2 do CPC - a parte credora deverá elaborar uma nota discriminativa e justificativa, onde sejam consignadas todas as rubricas a serem alvo de reembolso, remetendo-a ao tribunal da causa bem como à parte vencida, até ao momento previsto no n.º 1 do artigo 25º do RCP - art.ºs 25º, do RCP e 30º a 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-4.

            4ª - O prazo legal de dez dias, estabelecido no art.º 25 do RCP, não é um prazo de caducidade ou de prescrição do direito (de crédito) às custas de parte, mas somente um prazo de disciplina processual do incidente de liquidação e pagamento das custas no âmbito do próprio processo previsto nos art.ºs 25º do RCP e 31º a 33º da Portaria n.º 419-A/2009.

            5ª - Se para exigir o pagamento das custas de parte o credor não necessita de instaurar qualquer ação para obter a condenação do devedor a pagá-las, já que a condenação consta da sentença do próprio processo a que respeitam as custas, não há qualquer fundamento para entender que o prazo de 10 dias seja um prazo de caducidade do direito de exigir judicialmente o pagamento das custas.

            6ª - Estatuindo a lei que o crédito por custas (que compreende as custas de parte) prescreve no prazo de 5 anos (art.º 37º do RCP), seria incongruente e não faria sentido sujeitar esse crédito a um curtíssimo prazo (10 dias), fulminando a sua extinção, quando a condenação consta da própria sentença.

            7ª - Tal entendimento, violaria claramente o disposto no art.º 311º, n.º 2[1] do Código Civil (CC), segundo o qual o direito sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário, fica sujeito a este último se existir sentença transitada em julgado que reconheça o crédito.

            8ª - A submissão do crédito de custas a um prazo extintivo do direito (de caducidade) de apenas 10 dias, contados a partir de um evento alheio ao credor (o trânsito em julgado da sentença), seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio do estado de direito, na dimensão da proibição do excesso, da violação da proporcionalidade e adequação e da ofensa ao valor da segurança jurídica.

            9º - A preclusão do prazo de 10 dias, previsto no art.º 25 RCP, não impede o credor das custas de parte poder reclamar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma ação executiva.

            10ª - O título executivo dessa execução será composto pela sentença condenatória nas custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a qual deve ser elaborada, nos termos previsto no art.º 25º do RCP.

            11ª - Esgotado o prazo previsto no art.º 25º do RCP, a obrigação é ilíquida.

            12ª - Sendo ilíquida a obrigação, a sentença pode ser executada nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea a) do CPC e, inicia-se pelas diligências previstas no art.º 716º, n.ºs 4 e 5 do CPC.

            13ª - Foram violados, entre outros, os art.ºs 529º, 729º, 731º e 732º, n.º 1, c), do CPC, 25º, 26º, 35º e 37º do RCP e 29º e 31º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-4.

            Não houve resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se o direito às custas de parte reclamadas pela exequente caducou - máxime, se o prazo para apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte previsto no art.º 25º, n.º 1, do RCP é um prazo perentório, de caducidade, ou se a parte vencedora pode reclamar o crédito de custas de parte decorrido esse prazo, nomeadamente em sede executiva - e, assim, se existe, ou não, título executivo válido e eficaz.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos

            1) Nos autos de ação de processo comum de que dependem os presentes autos, instaurados por AA contra L..., S. A., por sentença proferida no dia 01.6.2018, notificada às partes a 04.6.2018 e transitada em julgado a 07.7.2018, o tribunal julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, tendo condenado a Ré nas custas da causa.

            2) O tribunal procedeu à elaboração da conta, para liquidação do remanescente da taxa de justiça, tendo liquidado o remanescente da taxa de justiça devida pelo A. em € 2 550 e notificado o A. por notificação expedida no dia 19.7.2018 para pagamento de tal valor até 17.9.2018.

            3) Através de carta datada de 04.9.2018, registada a 07.9.2018, e requerimento entrado nos autos no dia 07.9.2018, o A., AA, reclamou junto da executada e do respetivo Mandatário as custas de parte, devidamente discriminadas no valor de € 7 528.

            4) Em face da liquidação adicional da quantia de € 2 550, a título de remanescente da taxa de justiça, o A., AA, através de carta de 07.10.2019, registada a 08.10.2019, e requerimento entrado nos autos no dia 14.10.2018, reclamou junto da executada e do respetivo mandatário as custas de parte, devidamente retificadas e discriminadas no valor de € 12 348.[2]

            2. No requerimento executivo, de 11.9.2021,[3] alegou-se, nomeadamente:

            a) Por sentença de 01.6.2018, transitada em julgado, proferida no processo 1148/16.... intentado por AA contra L..., S. A.., foram os autos declarados extintos, por inutilidade superveniente da lide, e a executada condenada no pagamento da totalidade das custas processuais.

            b) Tal sentença foi proferida na sequência do acórdão do STJ de 09.01.2018 que concedeu revista ao A. e determinou o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido.           

            c) Por carta de 04.9.2018, o A. reclamou junto da executada e do respetivo mandatário as custas de parte, devidamente discriminadas no valor de € 7 528, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 25º e 26º do RCP.

            d) Em face da liquidação adicional da quantia de € 2 550, a título de remanescente da taxa de justiça, o A. por carta de 07.10.2019, reclamou junto da executada e do respetivo mandatário as custas de parte, devidamente retificadas e discriminadas no valor de € 12 348, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 25º e 26º do RCP.

            e) No dia 11.7.2020 faleceu AA.

            f) A Herança encontra-se ilíquida e indivisa.

            g) A dívida da executada à exequente é de € 12 348; acrescem juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde 01.6.2018 a 08.10.2019, sobre o capital de € 7 528 e, desde 09.10.2019 até à presente data, sobre o capital de € 12 348 (juros vencidos de € 1 354,78), e os juros vincendos até efetivo pagamento.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

       A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito (art.º 527º, n.º 1 do CPC).

       As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 529º, n.º 1 do CPC). As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (n.º 4).

       As custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais -art.º 533º, n.º 1 do CPC. Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as despesas mencionadas no n.º 2 do mesmo art.º (v. g., as taxas de justiça pagas, os encargos suportados pela parte e os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas). Tais despesas/quantias são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes (n.º 3).

            4. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 3º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais/RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).[4]

            Até 10 dias após o trânsito em julgado (…) as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida (…), a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas (art.º 25º, n.º 1, na redação conferida pelo DL n.º 86/2018, de 29.10[5]).  Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução; b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça; c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução; d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução; e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento (n.º 2).

             As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas (art.º 26º, n.º 1 do RCP). As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (n.º 2). A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução (n.º 3).

            A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes (art.º 26º-A, n.º 1). Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31º (n.º 4).

           A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final (art.º 29º, n.º 1 do RCP).

            Compete à administração tributária promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial (art.º 35º, n.º 1 do RCP). Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas (n.º 2). A execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626 º do Código de Processo Civil (n.º 5).

            O crédito por custas prescreve no prazo de cinco anos (art.º 37º, n.º 1 do RCP).

            5. De harmonia com a Portaria n.° 419-A/2009, de 17.4 (que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades):

            - Nos casos em que haja lugar à devolução de valores pagos, esta é efetuada apenas após o trânsito em julgado e depois de saldadas todas as dívidas da parte ao processo, nomeadamente: a) Multas, taxa sancionatória excecional e outras penalidades; b) Pagamentos a terceiras entidades; c) Custas de parte (art.º 29º, n.º 1). A parte vencedora pode requerer que as custas de parte a que tenha direito sejam liquidadas através do remanescente a devolver à parte vencida, bastando para o efeito que expressamente o solicite na nota justificativa referida no artigo 25º do RCP (n.º 2). Findo o prazo para reclamação da nota justificativa ou pagamento voluntário das custas de parte o requerimento é tacitamente deferido (n.º 3).

            - As custas de parte não se incluem na conta de custas (art.º 30º, n.º 1).

            - As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º do RCP (art.º 31º, n.º 1).

            - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes (art.º 33º, n.º 1). 

            6. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC).

Na execução de decisão (condenatória) proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos (art.º 85º, n.º 1 do CPC); em regra, inicia-se mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724º e seguintes (art.º 626º, n.º 1 do CPC).

À execução podem servir de base as sentenças condenatórias (art.º 703º, n.º 1, alínea a), do CPC).

Fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter como fundamento a inexistência ou inexequibilidade do título (art.º 729º, alínea a) do CPC).

7. A ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.

O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.

O título executivo, por ser a base da execuçãonulla executio sine titulo`) e pressuposto formal da ação executiva, deve em regra acompanhar o requerimento executivo [art.º 724º, n.º 4, alínea a), do CPC].

8. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo considerou que a exequente reclamou tempestivamente a quantia de € 7 528, a título de custas de parte, pelo facto de a ter reclamado nos 10 dias seguintes à data do trânsito em julgado da sentença, mas reclamou extemporaneamente as demais quantias, pelo facto de as ter reclamado mais de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença e, apesar de terem por fundamento a conta posteriormente elaborada, depois de decorridos os 10 dias subsequentes à data em que foi notificada da liquidação do valor do remanescente da taxa de justiça devida.             Concluiu, depois: «procedem parcialmente os embargos deduzidos, havendo que considerar caducado o direito de crédito decorrente da notificação da conta de custas elaborada para liquidação do valor do remanescente da taxa de justiça, subsistindo a execução para pagamento da quantia de 7,528€ e juros vencidos

            9. A questão suscitada nos autos é controvertida na doutrina e na jurisprudência.

Afigura-se, porém, que se deverá seguir a posição indicada no recurso, por ser a que, respeitando o ordenamento jurídico, melhor responde aos interesses em presença.

10. Como vimos, a executada/embargante sustenta que a(s) nota(s) justificativa(s) das custas de parte foi/foram extemporânea(s), porque inobservado o prazo fixado no art.º 25º, n.º 1 do RCP, pelo que caducou (precludiu) o direito.
            As
custas de parte integram-se nas custas processuais e compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária; consubstanciam-se no reembolso de certas despesas em que a parte vencedora incorreu e relativamente às quais tem o direito de ser compensada pela parte vencida, na proporção do decaimento.

Não sendo incluídas na conta do processo, a parte vencedora (credora) terá que apresentar ao tribunal e à parte vencida (devedora) a “nota justificativa” com os elementos previstos no n.º 2 do art.º 25º RCP; integram-se na condenação judicial por custas (art.ºs 527º, n.º 1, 529º, n.º 1, 607º, n.º 6[6] do CPC e 26º, n.º1 do RCP) e o pagamento das custas de parte é feito direta e extrajudicialmente pela parte devedora; se o pagamento não ocorrer o credor das custas de parte pode instaurar uma execução para obter o pagamento coercivo, tratando-se, porém, de um título executivo complexo/compósito, constituído pela sentença e certidão da nota de liquidação (nota discriminativa e justificativa de custas de parte).

11. O art.º 25º, n.º 1 do RCP determina que a parte vencedora deve remeter para o tribunal e para a parte vencida a nota discriminativa e justificativa “até dez dias após o trânsito em julgado”.

Sobre a questão de saber se o decurso deste prazo implica a extinção do crédito, designadamente pela caducidade do direito, e por consequência a falta de título executivo, existem duas correntes:

a) Uma no sentido de que o decurso do prazo gera a caducidade do direito e a falta de título executivo;[7]

b) Outra para quem o decurso do prazo apenas preclude o ato processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de ação executiva, com liquidação prévia na execução.[8]

Como se adiantou - e em razão, ainda, da sua maior consistência dogmática -, adere-se à tese de que o decurso do prazo implica apenas a preclusão de praticar o ato de apresentação da nota, e já não a caducidade do direito, porquanto, e em síntese:

- O prazo legal de dez dias, estabelecido no art.º 25º RCP, é um prazo processual, para a prática de ato processual (a apresentação da nota de custas de parte) e não um prazo de caducidade do direito de exigir o pagamento das custas, pela simples razão de que o direito às custas de parte decorre da sentença condenatória, da qual consta a obrigação do devedor no respetivo pagamento.

- Não é pelo facto da obrigação ser ilíquida que retira exequibilidade à sentença [art.º 703º, n.º 1, a) do CPC], por se revelar uma contradição nos próprios termos (direito já jurisdicionalmente reconhecido). A obrigação de pagamento das custas de parte não se extingue por não ser liquidada no prazo legal (dez dias), pois o que se extingue é o direito de fazer a liquidação por esse meio, previsto nos art.ºs 25º e 26º RCP[9] (cf., ainda, os art.ºs 713º e 716º, n.ºs 4 e 5 do CPC).

- Releva também o argumento sistemático, porque estatuindo a lei que o crédito por custas (que compreende as custas de parte) prescreve no prazo de 5 anos (art.º 37º do RCP), seria incongruente e não faria sentido sujeitar esse crédito a um curtíssimo prazo (dez dias), fulminando a sua extinção, quando a condenação consta da própria sentença.

- Entendimento contrário, violaria claramente o disposto no art.º 311º, n.º 1 do CC, segundo o qual o direito sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário fica sujeito a este último se existir sentença transitada em julgado que reconheça o crédito, como é o caso.

- A submissão do crédito de custas a um prazo extintivo do direito (de caducidade ou de prescrição) de apenas dez dias, contados a partir de um evento alheio ao credor (o trânsito em julgado da sentença), seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito na dimensão da proibição do excesso, da violação da proporcionalidade e adequação e da ofensa ao valor da segurança jurídica.[10]
            12. Conclui-se, assim, que o direito de crédito sobre a executada tendo por objeto as custas de parte não se extinguiu - existe
título executivo (composto pela sentença judicial condenatória e a nota de liquidação das custas de parte), inclusive quanto às custas de parte reclamadas após a liquidação adicional mencionada em II. 1. 4), supra.[11]

A execução prosseguirá para pagamento da totalidade das custas de parte que integram a quantia exequenda.

13. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, na parte impugnada, com a consequente total improcedência dos embargos de executado.      

            Custas, nas instâncias, pela executada/embargante.


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28.6.2022




[1] Existe lapso na indicação deste número - será o n.º 1.

[2] E deu como não provados quaisquer outros factos, nomeadamente, que “a reclamante/exequente teria de ter apresentado a nota discriminativa e justificativa de custas de parte em causa até ao passado dia 19 de fevereiro de 2018”.
[3] Requerimento reproduzido no relatório da decisão recorrida.
[4] À execução dos autos, aplica-se a redação do RCP após as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28.3 [cf. art.º 11º da referida Lei e II. 2., supra].
[5] Porém, à data dos factos descritos em II. 1. 3) e II. 2. alínea c), supra, este normativo tinha a seguinte redação: «Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.»
[6] Que preceitua: «No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade

[7] Assim, nomeadamente, Salvador da Costa, Questões sobre a cobrança de custas de parte, maio de 2018, in Blog do IPPC/ https://www.oa.pt/upl/%7Bd2bb6af6-1d40-44b5-b703-213e8df866bc%7D.pdf [alterando a posição anteriormente expressa no seu Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª edição, Almedina, 2013, pág. 313, sustenta: «decorre do disposto no n.º 6 do artigo 607º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 703º, ambos do Código de Processo Civil, conjugados com o estatuído no n.º 3 do artigo 26º do Regulamento, que o título executivo de que a parte credora de custas de parte dispõe é compósito, envolvendo a sentença definitiva condenatória no pagamento de custas stricto sensu e a nota discriminativa e justificativa das custas de parte depois de consolidada. Essa consolidação depende da remessa da nota de custas de parte pela parte vencedora à parte vencida, no quinquídeo posterior ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos dos artigos 25º, n.º 1, do Regulamento, e 31º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009 e de a última se conformar com os elementos relevantes nela indicados, ou seja, quando dela não reclamar no decêndio referido no n.º 1 do artigo 33º da Portaria n.º 419-A/2009. (...) o referido prazo de cinco dias começa a correr no primeiro dia subsequente ao dia do trânsito em julgado da sentença proferida na ação. Decorrentemente, omitida pela parte credora de custas de parte a remessa da concernente nota discriminativa e justificativa à parte devedora, no referido prazo, caduca o direito da primeira de exigir à última o pagamento das custas de parte em causa. No caso de a parte credora de custas de parte proceder à remessa para a parte devedora da nota discriminativa e justificativa após o decurso do referido prazo de caducidade, considerando o disposto no artigo 333º do Código Civil, porque, na espécie, a caducidade é estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, a sua eficácia depende da invocação pela última daquela excepção, designadamente por via da reclamação a que se reporta o n.º 1 do artigo 33º da Portaria n.º 419-A/2009. Assim, sem prejuízo do referido ónus de arguição da excepção pela devedora de custas de parte, decorrido o aludido prazo, extingue-se o direito da parte credora de as exigir no confronto da contraparte, impossibilita-se a consolidação da nota discriminativa e justificativa e, consequentemente, não se forma o título executivo a que se reportam o n.º 6 do artigo 607º, a alínea a) do n.º 1 do artigo 703º, do Código de Processo Civil, e o n.º 1 do artigo 26º do Regulamento. (…) Se a parte vencedora da causa instaurar execução contra a parte vencida, a fim de realizar o seu direito de crédito relativo às custas de parte, sem a consolidação da respetiva nota, nos termos referidos, cumpre ao agente de execução suscitar a intervenção do juiz, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 855º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 726º, ambos daquele Código, a quem compete o indeferimento liminar do requerimento executivo, com fundamento na falta de título executivo, por exemplo. (…) O incumprimento pela credora de custas de parte da previsão e estatuição constantes do n.º 1 do artigo 25º do Regulamento das Custas Processuais, designadamente na parte respeitante ao prazo de remessa da nota de custas de parte pela parte vencedora à parte vencida, enquadra-se na vertente da auto-responsabilidade das partes em relação à dinâmica processual envolvente que deve ser respeitada. Em suma, sem prejuízo de acordo em contrário das partes ou do ónus de invocação oportuna da excepção de caducidade pela devedora, a omissão da credora de remeter à parte devedora, no quinquídeo previsto no artigo 25º, n.º 1, do RCP, impede a exigência relevante do crédito pela primeira à última, no âmbito do processo da acção declarativa ou fora dele, em qualquer tipo de acção.»] e os acórdãos da RP de 19.02.2014-processo 269/10.2TAMTS-B.P1 e da RL de 07.10.2015-processo 4470/11.3TDLSB.1.L1-3 (cf., principalmente, a parte final da fundamentação e respetiva “nota 4”), publicados no “site” da dgsi.

[8] Com este entendimento, cf., de entre vários, os acórdãos do TCA/Sul de 08.10.2015-processo 08570/15, da RP de 14.6.2017-processo 462/06.2TBLSD-C.P1 [concluindo-se: «I - A ultrapassagem do prazo do n.º 1 do art.º 25º do RCP para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte nem a prescrição do correspondente direito de crédito, mas apenas a preclusão do acto processual de apresentação da nota no próprio processo a que respeitam as custas de parte para efeitos de o pagamento se processar nos termos do incidente previsto no RCP. II - Essa preclusão não impede o credor das custas de parte de reclamar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma ação executiva. III - O título executivo dessa execução será composto, em conjunto, pela sentença condenatória nas custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a qual deve por isso ser elaborada, nos termos previsto no RCP, independentemente de estar esgotado prazo do n.º 1 do art.º 25º. IV - Essa execução deverá iniciar-se pelas diligências previstas no art.º 7l6º, n.ºs 4 e 5 do CPC.»], RG de 07.12.2017-processo 1359/06.1TBFAF-B.G1 [com o sumário: «O prazo para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, previsto no artigo 25º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, é um prazo processual. Por isso mesmo, esgotado esse prazo, que está sujeito ao regime previsto no artigo 138º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil, a parte vencedora perde o direito de operar a liquidação das suas custas de parte nos termos regulamentados, mas não perde o seu crédito por essas custas, que continua a pode fazer valer em sede executiva. »] e 28.3.2019-processo 2524/13.0TBVCT.G2-A e da RC de 12.6.2018-processo 720/06.6TBFIG-A.C1 [com um lapso na data referida a final, assim sumariado: «O decurso do prazo de “cinco dias após o trânsito”, previsto no art.º 25º, n.º 1 RCP, em que a parte vencedora deve remeter para o tribunal e para a parte vencida a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, não implica a extinção do crédito, por caducidade do direito, mas apenas preclude acto processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de acção executiva.»], publicados no mesmo “site”.
[9] A parte vencedora perde o direito de operar a liquidação das suas custas de parte nos termos ali regulamentados, mas não perde o seu crédito por essas custas, que continua a poder fazer valer em sede executiva – cf. o cit. acórdão da RG de 07.12.2017-processo 1359/06.1TBFAF-B.G1.
[10] Cf., principalmente, o cit. acórdão da RC 12.6.2018-processo 720/06.6TBFIG-A.C1.

   Assim, também, o cit. acórdão da RP de 14.6.2017-processo 462/06.2TBLSD-C.P1, que explicita: «(...) as custas de parte estão sujeitas ao regime de liquidação e pagamento das custas processuais em tudo quanto não estiver expressamente previsto para as custas de parte. / Nesse sentido, a ´nota justificativa e discriminativa` de custas de parte é, para efeitos destas, o ´equivalente` ao que a ´conta de custas` é para efeitos das custas processuais. (...) não se vê por que razão haveria um direito de crédito de estar sujeito, sob a cominação dessa consequência jurídica, a um prazo de tal modo reduzido que o seu decurso não permite, em circunstância nenhuma, deduzir do comportamento do credor uma ´renúncia` ao direito ou uma ´falha ou negligência` no seu exercício. / Mais do que tratar-se de um prazo com uma ´duração singular` por comparação com os demais direitos de crédito relativos a direitos disponíveis, trata-se de um prazo que não dá ao credor um tempo ´mínimo, adequado e suficiente` para exercer o direito, actuando com o ´zelo e a diligência exigíveis`, mas ao invés lhe impõe de forma injustificada uma urgência e celeridade de actuação totalmente desfasados da justa ponderação dos interesses conflituantes de credor e devedor ou mesmo da administração da justiça. Da mesma forma não vislumbramos que ´interesse do devedor` podia justificar a vantagem da desoneração do débito cuja responsabilidade está fixada judicialmente em resultado apenas do decurso do prazo singular e absolutamente escasso de 5 dias sem o credor lhe exigir o pagamento. / A nosso ver, portanto, o prazo em questão só tem justificação como ´prazo de disciplina processual` do ´incidente` de ´liquidação e pagamento` das custas processuais. Tendo o processo culminado na sentença que decidiu o conflito e condenou o responsável no pagamento das custas, o que se segue à sentença é a função residual de ´liquidar as custas e desencadear o seu pagamento voluntário`. Trata-se de um aspecto secundário da função do próprio processo que justifica uma tramitação simples e célere que conduza rapidamente ao arquivamento do processo, sendo esse o objectivo do estabelecimento do prazo. O decurso do prazo de 5 dias sem a apresentação da nota ´preclude a possibilidade de praticar esse acto processual`, isto é, apenas, de desencadear, no âmbito do próprio processo a que respeitam as custas, tal incidente, mas não preclude a possibilidade de o direito de crédito correspondente ser ´exercido nos termos gerais` da legislação processual, isto é, pela via executiva. (...)»

[11] Relativamente ao acórdão da RC de 01.6.2021-processo 1182/19.3T8ANS-A.C1, deste mesmo coletivo, citado na decisão recorrida e na alegação de recurso, dir-se-á, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que não se pronunciou - pelo menos, de modo concreto e específico (antolhando-se insuficiente o que se fez constar, por exemplo, na “nota 15”) - sobre a matéria/questão colocada no presente recurso. Importava saber, sobretudo, se se constituíra um título exequível / título executivo compósito. Fez-se constar do sumário: «(...) 2. Os embargos de executado não se destinam a reapreciar o procedimento e o conteúdo das notas discriminativas e justificativas das custas de parte, se não apresentada atempadamente reclamação junto da parte contrária e/ou do Tribunal. 3. Questionando-se, inclusive, a falta de notificação regular da nota discriminativa e a quantia efetivamente despendida pela embargada/exequente, estas matérias deveriam ter sido alegadas no prazo concedido à parte vencida para reclamar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte (art.º 26º- A do RCP), não podendo os executados/embargantes fazer uso da oposição à execução mediante embargos de executado para que haja uma reapreciação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, quanto a tais matérias, ou quaisquer outras não oportunamente suscitadas referentes à forma/procedimento e ao seu conteúdo. 4. A sentença proferida sobre a reclamação dirigida ao Tribunal tendo por objeto (único) a tempestividade de tais notas, transitada em julgado, não sendo uma verdadeira sentença condenatória, constituiu o marco a partir do qual a obrigação exequenda ficou definitivamente assente e configurada, tendo presente o pretérito relacionamento das partes, nela pressuposto e integrado, tudo, depois incluído no requerimento executivo. 5. Nas descritas circunstâncias, promovida a execução, os executados estavam inibidos de opor à exequente aquilo que já opuseram ou poderiam ter oposto, inclusive, no incidente/processo declarativo que a precedeu - aquilo que foi ou poderia ter sido matéria de defesa/impugnação tem de arredar-se completamente, sob pena de se comprometer e invalidar a eficácia do caso julgado (art.ºs 619º, n.º 1 e 621º do CPC).»