Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
151/10.3GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
NULIDADE
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE POMBAL.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 374º Nº 2 E 379º N º 1 A) CPP
Sumário: 1.- O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo;
2.- Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra os arguidos:
AA..., residente na Travessa da Rua …, Pombal;
MR..., casado, residente na Rua …, Pombal; e
RR..., residente na Rua …, Pombal,
Sendo decidido:
- Absolver o arguido AA... da prática do crime que lhe vem imputado;
- Condenar o arguido MR... como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145, n° 1, alínea a) e nº 2, por referência aos artigos 143, nº 1 e 132, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de prisão, que substituo por igual número de dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros);
- Condenar o arguido RR... como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145, n° 1, alínea a) e nº 2, por referência aos artigos 143, n° 1 e 132, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de prisão, que substituo por igual número de dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
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Inconformados, da sentença interpuseram recurso os arguidos, RR... e MR....
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O recorrente RR... formula as seguintes conclusões na motivação do seu recurso:
1.A razão do presente recurso prende-se com a discordância da condenação do Arguido RR... como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145, n° 1, alínea a) e n° 2, por referência aos artigos 143, n° 1 e 132, n° 2, alínea h) do Código Penal;
2.Nos presentes autos de que ora se recorre nada justifica a condenação do Arguido pelos factos por que vinha acusado;
3.Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, quanto aos pontos tidos como provados e descritos em 2., 4., 6., 9., 10., 14., e 15. (quanto a este último ponto no que respeita ao ora Recorrente), face à prova globalmente produzida, numa análise interpretativa, crítico--reflexiva e à luz da experiência comum mostram-se incorrectamente julgados;
4.Desde logo, porque se baseou, apenas, a douta sentença para a condenação do Arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada por que vinha acusado, nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo Arguido MR..., no auto de apreensão da machada, de fls. 9 e Relatórios do Gabinete Médico-Legal da Figueira da Foz, de fls. 19 a 32 e 41 a 43;
5.Refere ainda a douta sentença do Tribunal a quo "o depoimento da testemunha M... não foi considerado pelo tribunal uma vez que ela própria referiu que não assistiu aos factos em causa nos autos. De igual forma as testemunhas não assistiram aos factos e causa nos autos";
6.Não existe fundamento fáctico algum que justifique tal juízo condenatório, pois da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento a Mª Juiz deu relevância para o dito juízo condenatório os que foram produzidos pelos Arguidos, os depoimentos do ora Recorrente e do Arguido MR..., e nenhuma razão lhe assiste, ao Tribunal a quo, para decidir no sentido de que este último tenha total credibilidade em detrimento do outro;
7.Merece o depoimento do Arguido, ora Recorrente, total credibilidade, considerando até a forma como descreveu a dinâmica dos factos, ao invés do outro Arguido, cuja versão se não entende do ponto de vista da lógica e da dinâmica;
8.A decisão, aliás, douta, em apreço, não efectuou uma correcta e ponderada análise factual e tão pouco a subsunção dessa matéria ao Direito;
9. Não foi produzida prova alguma que permita concluir que o ora Recorrente tenha praticado o crime pelo qual foi condenado, uma vez que não foram relatados factos pelas testemunhas que permitissem concluir ao douto Tribunal a quo, com a certeza que é exigível, que o ora Recorrente tenha desferido um golpe no braço esquerdo do Arguido MR... com uma machada com cerca de 8cm de lâmina e 40 cm de cabo, provocando-lhe lesões que ainda não estão consolidadas e que, agiu no propósito concretizado de molestar a saúde física de MR... e que tenha actuado livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo do carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta, não se abstendo da sua prática;
10. No decurso da audiência de julgamento não foi produzida qualquer prova nesse sentido, devendo por isso tais factos ser retirados da matéria de facto provada;
11. As provas que não forem produzidas ou examinadas em audiência não podem servir de base à formação da convicção do Tribunal;
12. O crime de ofensas à integridade física apenas pode ser qualificado e integrar o crime do art. 145, n.º 1, do Código Penal, se a atitude do agente manifestada no facto e medida pela valoração inscrita nas circunstâncias enunciadas na lei através dos exemplos-padrão, se apresentar especialmente censurável ou a revelar e a expor externamente especial perversidade;
13. Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura;
14. As provas a impor decisão diversa são, concretamente, as declarações do Arguido, ora Recorrente, e bem assim os depoimentos das testemunhas consideradas claras e credíveis pelo Tribunal a quo, designadamente CB... e LG..., e ainda o conteúdo respectivo de todos os Relatórios Médicos de fls., já que existem as lesões, essas sim visualizadas pelas testemunhas ouvidas, assim como o Relatório Clínico;
15. Todavia, não fazem prova quanto à autoria das mesmas;
16. Não existe, em toda a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo qualquer facto que possa ser qualificado como acto de execução de um crime de ofensas à integridade física qualificada praticado pelo Arguido, ora Recorrente;
17. Ao condenar o Arguido nos termos constantes da decisão recorrida, violou a Mª Juiz a quo o disposto no art. 26 do Código Penal;
18. São ainda vícios da douta sentença recorrida a forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127 do Código de Processo Penal, como substancia também erro notório na apreciação da prova nos termos do n° 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal;
19. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não têm assento razoável, nem lógico, na prova efectivamente produzida;
20. O douto acórdão violou outrossim o princípio constitucional ln dubio pro reo;
21. Sem prescindir ou de alguma forma conceder no que toca à absolvição do Arguido, ora Recorrente, pugnamos que, na eventualidade deste Tribunal ad quem, de Recurso considerar que a conduta do Arguido teve alguma actuação que configure crime, o que aqui se coloca em crise, a eventual actuação deste seja considerada que apenas exerceu a defesa necessária para repelir as agressões e sempre numa atitude de "defendendi", atendendo à prova que efectivamente se produziu em sede de audiência e julgamento, e não como erradamente foi condenado pelo tribunal a quo;
22. Do depoimento do Arguido, ora Recorrente e das testemunhas que o Tribunal a quo considerou credíveis, já que depoimentos houve que não mereceram fundadamente credibilidade, o Tribunal a quo não poderia deixar de absolver o Arguido, quanto mais não fosse por recurso ao referido principio in dubio pro reo, assim é que, e com base nos meios de prova produzidos, devia ter sido dada como não provada aquela sua forma de participação nos factos, em homenagem, em última instância, ao princípio in dubio pro reo;
23. Verifica-se que há uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que implica darem-se por não provados, com a sua consequente passagem para a lista dos factos não provados, por se mostrarem incorrectamente julgados, os factos seguintes: (efectuando transcrição).
(São os factos provados sob os nºs 2,4,6,9,10,14 e 15, este na parte que ao recorrente respeita).
24. A questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se a conduta do Arguido, tal como foi fixada na matéria de facto provada da sentença em crise, preenche ou não, os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145 n° 1, alínea a) e n° 2 por referência aos artigos 143, n° 1 e 132, n° 2, alínea h) todos do Código Penal;
25. Entendemos que não;
26.Não sendo as circunstâncias exemplificativas descritas no nº 2 do artigo 132 do Código Penal de aplicação automática, o grau de culpa do agente que ressuma da factualidade descrita na acusação não é de molde a integrar a conduta do Arguido na previsão de ofensa à integridade física qualificada do artigo 145 do Código Penal;
27. O tipo base do crime de ofensa à integridade física encontra-se previsto no art. 143, n° 1, do C. Penal e trata-se de um crime material e de dano, que tutela a integridade física da pessoa humana, que tem como elementos constitutivos do respectivo tipo: [Tipo objectivo] Que o agente pratique ofensas no corpo ou ofensa na saúde de outra pessoa (basta uma qualquer ofensa, independentemente da dor ou sofrimento causados, mas não pode ser insignificante, de acordo com critérios objectivos); [Tipo subjectivo] O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto (em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14, do C. Penal);
28. Ora, se não se lograr fazer aprova dos factos constitutivos do tipo legal - maxime, do elemento subjectivo - o que se impõe, é a sua absolvição, o que ora se requer;
29. Como é sabido, na falta de prova directa sobre o elemento subjectivo e não sendo o mesmo assumido pelo agente, a sua existência ou não há-de resultar da conclusão a extrair do conjunto da materialidade objectiva apurada;
30. Tendo em conta os factos provados que constam da sentença de que ora se recorre, e para não nos repetirmos inutilmente, os quais deveriam ter sido dados como não provados, não está, assim, preenchido o tipo do crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143, n° 1, do C. Penal, e muito menos, com a apurada conduta do arguido se encontra preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145 nº 1, alínea a), com referência aos artigos 143 nº 1 e 132, n° 2, h), todos do C. Penal, não resultando sequer provado que o ora Recorrente tenha agido com uma especial censurabilidade ou perversidade que permita qualificar a sua conduta;
31. Assim, não estamos perante um crime de ofensa à integridade física qualificada, porque esta censura ou ilicitude acrescidas não estão presentes;
32.ln casu não existe um repositório e todo um caudal probatório suficiente para a certeza exigida para um juízo condenatório. E, tais dúvidas, de acordo com o princípio "in dubio pro reo", acarretam como consequência darem-se por não provados os factos em causa;
33. Seguindo a máxima "quod non est in actis non est in mundo", como nos presentes autos não se produziu qualquer prova quanto à eventual prática pelo Arguido dos factos por que vinha pronunciado, teria o mesmo que vir a ser absolvido;
34.Ainda que assim se não entenda, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que em relação a causas que poderiam, eventualmente excluir a ilicitude e a culpa, e constituindo a legítima defesa o "facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro"- artigo 32 do C.P., sempre seria causa de exclusão de ilicitude da presumível actuação do arguido, ora Recorrente;
35. A diferença da legítima defesa relativamente à retorsão (n° 3 do artigo 143 do C.P.), reside no facto de, na primeira, o agente visar defender-se, enquanto na segunda o agente procura "fazer represália, obter vindicta, tirar desforço, replicar" - neste sentido, Acórdão da Relação do Porto, de 28.03.2001';
36. A retorsão diferencia-se da legítima defesa e do estado de necessidade, porque supõe a ilicitude da reacção da vítima. A retorsão tem de ter lugar "no mesmo acto" sendo essencial o carácter imediato da reacção do agente;
37.A factualidade dada como provada é reveladora de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão;
38. Ocorre erro notório na apreciação da prova;
39.Inexiste nos autos o crime do artigo 143, n° 1, do Cód. Penal, e muito menos na sua qualificação pelo artigo 145, n° 1, alínea a) do Cód. Penal;
40.Violados assim os artigos 143, n° 1, 145, nº 1 alínea a) e n° 2 do artigo 132 alínea h), e 32, todos do Cód. Penal;
41.A sentença do Tribunal "a quo" tal como está fundamentada, traduz--se numa convicção arbitrária do julgador, e não numa convicção baseada na prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, o que implica uma violação dos arts. 124 e 127 ambos do Código de Processo Penal e não considerou a presunção de inocência, em violação do art. 32 da Constituição da República Portuguesa, logo o Arguido tem de ser absolvido do crime de ofensas à integridade física qualificada.
Deve o recurso vir a ser julgado procedente por provado e, através da reponderação da prova, perante os elementos disponíveis, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que em vez de condenatória deverá passar a absolver o Arguido pelo ilícito de natureza penal de ofensa à integridade física qualificada por que veio a ser condenado e tudo sob os legais efeitos e consequências, dando-se provimento ao presente recurso.
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O recorrente MR... formula as seguintes conclusões na motivação do seu recurso:
1.O arguido/recorrente não pode conformar-se com a douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" pois, ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" não fez uma correcta interpretação dos factos e não valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, o que se veio a traduzir numa deficiente decisão sobre a matéria de facto dada como provada.
2.Factos há que foram dados como provados e que, atenta toda a prova produzida em julgamento, o não deveriam ter sido, designadamente, os factos descritos nos pontos 3. e 4., dos factos provados.
3. Estes factos deveriam ter sido considerados não provados, atentas as declarações do Recorrente (Acta de 14 de Dezembro de 2010; registado no sistema de gravação Habillus Media Studio - declarações do 2º arguido) e da testemunha CB...(Acta de 14 de Dezembro de 2010; registado no sistema de gravação Habillus Media Studio - 2ª testemunha ali indicada), por oposição às declarações do arguido RR...(Acta de 14 de Dezembro de 2010; registado no sistema de gravação Habillus Media Studio - 3º arguido RR...).
4.Por outro lado, factos houve que foram dados como não provados e que, atenta toda a prova produzida em julgamento, deveriam ter tido resposta positiva, onde se destacam os factos descritos nos pontos 5, 6 e 7, dos factos não provados.
5. As testemunhas M… (Acta de 14 de Dezembro de 2010; depoimento registado no sistema de gravação Habillus Media Studio, correspondente à testemunha ali indicado em terceiro lugar) e FS… (Acta de 14 de Dezembro de 2010; registado no sistema de gravação Habillus Media Studio - testemunha ali indicada em primeiro) confirmaram a factual idade descrita da acusação no que respeita ao crime de ameaças de que o arguido AA...vinha acusado.
6. Andou mal a sentença que não deu credibilidade à testemunha M... com o fundamento de não ter assistido aos factos em causa nos autos, quando na verdade assistiu à ameaça proferida pelo arguido Antero.
7. Depois, no que ao testemunho prestado pela testemunha FS... diz respeito, nenhuma referência se faz na sentença, e devê-lo-ia ter sido na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
8.A considerar que o facto descrito no ponto 3, dos factos provados, não ocorreu, terá o Recorrente de ser condenado apenas no crime de ofensas à integridade física simples, com as consequências daí advenientes, designadamente, ao nível da pena de multa em que foi condenado, devendo a mesma ser reduzida.
9.Ao decidir na forma exposta, o tribunal a quo aplicou mal o disposto nos artigos 145/1, alínea a) e 2 do Código Penal e artigos 374/2 e 410 do Código do Processo Penal.
Deve recurso ser julgado procedente e revogada a sentença e substituída por outra que condene o recorrente pelo crime de ofensa à integridade física simples e condene o arguido AA...no crime de ameaça de que vinha acusado.
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Respondeu o Magistrado do Mº Pº:
Em resposta ao recurso do arguido RR... conclui:
1- Alega o recorrente que existe um erro notório na apreciação da prova (cfr. artigo 410, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal), porquanto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resultam factos que permitam imputar aquele a prática do crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual foi condenado.
2- Mais diz que a entender-se que a sua conduta configura efectivamente a prática de um crime de ofensa à integridade física, sempre teria a Meritíssima Juiz de concluir que aquele actuou em legítima defesa ou dispensá-lo de pena (ao abrigo do disposto no artigo 143, n.º 3, alínea b), do Código Penal).
3- De facto, e tal como afirma o recorrente, apenas o arguido MR... descreveu os factos que constam do ponto 2 da matéria de facto, ou seja, a forma como aquele foi agredido com uma machada.
4- No entanto, as demais testemunhas (designadamente, CB..., FS… e LG...) ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, colocaram ambos os arguidos no local da prática dos factos e confirmaram que RR... transportava consigo uma machada e que MR... apresentava um ferimento no braço esquerdo, o qual era compatível com uma agressão provocada pela dita machada.
5- Tais depoimentos (considerados "isentos", espontâneos", "credíveis" e "claros"), quando conjugados entre si, bem como com as declarações dos arguidos e com os relatórios médico-legais que se encontram junto aos autos, ajudaram o Tribunal a quo a formar a sua convicção quanto à forma como se desenrolaram os acontecimentos que tiveram lugar no dia 1 de Abril de 2010.
6- Cumpre salientar que o Juiz de 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada face aos demais, decorrente dos princípios da oralidade e imediação, que lhe permite, fruto do contacto directo que estabelece com os sujeitos processuais, aferir da credibilidade de cada um dos depoimentos prestados perante si.
7- Assim, e muito embora assista ao julgador uma certa margem de discricionariedade no momento da formação da sua convicção sobre a prova produzida, este deverá sempre ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional o caminho percorrido para alcançar a sua decisão.
8- No caso em apreço, atenta a fundamentação lógica e coerente das razões que presidiram à formação da convicção do Tribunal a quo, cremos que o julgamento da matéria de facto operado na douta sentença, ora recorrida, não merece qualquer censura.
9- Pelo exposto, e mantendo-se nos seus precisos termos a matéria de facto dada como provada, carece de fundamento a impugnação da matéria de direito realizada pelo arguido RR... nas suas alegações de recurso, porquanto
10- o uso de uma machada (com cerca de 8 cm de lâmina e 40 cm de cabo) revela uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para ofender a integridade física de terceiros.
11- Termos em que concluímos que nenhuma censura nos merece também a condenação daquele arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência aos artigos 143, n.º 1, e 132, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal.
12- Pela mesma ordem de razões agora expendidas, carece também de sentido a pretensão do recorrente quando pretende invocar uma hipotética situação de legítima defesa (porquanto o mesmo não actuou com animus defendendi) ou a eventual dispensa de pena (a qual não tem aplicação no âmbito da ofensa à integridade física qualificada).
Deverá ser negado provimento ao recurso em análise e mantida a decisão recorrida.
Em resposta ao recurso do arguido MR... conclui:
1-Alega o recorrente que o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos, valorando erradamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente os pontos 3 e 4 da matéria de facto, os quais deveriam ter sido considerados como não provados
2- A posição do arguido carece porém, de fundamento, porquanto CB..., a única testemunha que presenciou os factos na sua quase totalidade, veio confirmar que tudo se terá passado tal como consta da acusação, pelo menos no que diz respeito aos concretos pontos da matéria de facto de que aquele discorda.
3- Este depoimento foi considerado pelo Tribunal a quo "isento, espontâneo e credível", sendo certo que tal meio de prova, quando conjugado com as declarações do arguido Ricardo, bem como com o teor dos relatório médico-legais, serviu para que a Meritíssima Juiz formasse a sua convicção quanto à forma como os factos se terão desenrolado, não nos merecendo, por isso, qualquer censura a apreciação da matéria de facto realizada.
4- O recorrente entende ainda, que os factos que constam dos pontos 5, 6 e 7 da matéria de facto dada como não provada, deveriam ter tido resposta positiva e consequentemente AA... deveria ter sido condenado como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153, n.º 1, e 155, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
5- Mais uma vez cremos que não assiste razão ao recorrente pois, pese embora as testemunhas M… e FS… terem afirmado que ouviram aquele arguido proferir as palavras que constam da acusação pública, tal versão do sucedido foi prontamente contrariada pelo depoimento ("isento, espontâneo e credível") de CB..., o qual referiu não se recordar de ter ouvido, em momento algum, AA... proferir as expressões que lhe foram atribuídas - depoimento registado no Sistema Habilus Media Studio das 00:06:20-00:07:40.
6- Cumpre salientar que o Juiz de 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada face aos demais, decorrente dos princípios da oralidade e imediação, que lhe permite, fruto do contacto directo que estabelece com os sujeitos processuais, aferir da credibilidade de cada um dos depoimentos prestados perante si.
7- Assim, e muito embora assista ao julgador uma certa margem de discricionariedade no momento da formação da sua convicção sobre a prova produzida, este deverá sempre ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional o caminho percorrido para alcançar a sua decisão.
8- No caso em apreço, atenta a fundamentação lógica e coerente das razões que presidiram à formação da convicção do Tribunal a quo, cremos que o julgamento da matéria de facto operado na douta sentença, ora recorrida, não merece qualquer censura.
9- Assim, e mantendo-se nos seus precisos termos a matéria de facto dada como provada carece de fundamento a impugnação da matéria de direito realizada pelo arguido MR... nas suas alegações de recurso, porquanto
10- o uso de um veículo automóvel revela uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para ofender a integridade física de alguém.
11- Termos em que concluímos que nenhuma censura nos merece também a condenação do arguido MR... como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145, nº 1, alínea a), e n.º 2, por referência aos artigos 143, n.º 1, e 132, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal.
Deverá ser negado provimento ao recurso em análise e mantida a decisão recorrida.
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Responde o arguido AA..., concluindo:
1- No que diz respeito ao crime de ameaça de que o respondente vinha acusado, o Tribunal "a quo" apreciou e valorou correctamente a matéria de facto submetida a julgamento, através de um exame crítico, objectivo, imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência, à luz do princípio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127 do CPP, tendo motivado devidamente a sua decisão conforme é exigido pelo artigo 374, nº 2 do C.P.P.
2- O tipo objectivo do crime de que o respondente vinha acusado não foi preenchido e não se fez qualquer prova da existência de factos com ele relacionados. A livre convicção do julgador, é pessoal, no presente caso foi motivada em elementos que a tornem credível na base das regras da experiência, da lógica e da razoabilidade, pelo que a sentença não padece de qualquer vício.
3- Nenhuma censura é de assacar ao descrédito dado ao depoimento das testemunhas M..., MR..., AF…, .
Deve ser julgado improcedente o recurso.
Nesta Relação, a Ex.mº PGA emitiu parecer concordante com a resposta na 1ª Instância, no sentido da improcedência dos recursos.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 1 de Abril de 2010, a hora não concretamente apurada, mas entre as 17h00 e as 18h00, na localidade de …, num caminho de terra batida, o arguido MR... conduzia um veículo ligeiro de mercadorias, com o vidro da janela do lado do condutor aberta;
2.A determinada altura, o arguido RR...desferiu, de modo não concretamente apurado, um golpe no braço esquerdo do arguido MR…, com uma machada com cerca de 8 cm de lâmina e 40 cm de cabo;
3.De forma que não foi possível apurar, o arguido MR...embateu, de raspão, com o veículo que conduzia no arguido RR..., que, em consequência, caiu ao chão;
4.De seguida, os arguidos envolveram-se em confrontos físicos, agredindo-se mutuamente por todo o corpo;
5.O arguido RR...conseguiu, entretanto, fugir, sendo perseguido pelo arguido MR…;
6.Quando o alcançou os arguidos voltaram a agredir-se mutuamente;
7.Os arguidos foram entretanto separados por CB…;
8.Enquanto os arguidos RR...e MR...permaneceram no local, apareceram vários populares, entre eles o arguido AA..., pai do arguido RR…;
9.Em consequência das agressões que lhe foram infligidas por RR..., MR... sofreu três escoriações na região dorsal do nariz, a maior com 2 cm x 0,2 cm e a mais pequena com 0,2 cm de diâmetro, hemorragia subconjuntival nos quadrantes esquerdos do olho esquerdo, uma equimose no terço inferior do hemitórax esquerdo na face anterior, com 4 cm x 2 cm de maiores dimensões sobre a qual assenta uma escoriação com 0,5 cm de diâmetro, uma equimose no terço inferior do hemitorax direito, na face posterior, com 7 cm x 2 cm de maiores dimensões sobre a qual assenta uma escoriação com 6 cm x 1 cm de maiores dimensões, uma equimose na face anterior do terço superior do braço esquerdo, com 8 cm x 6 cm, escoriações no 4° dedo, um edema na mão esquerda, uma escoriação no antebraço esquerdo;
10.Tais lesões ainda não se encontram consolidadas;
11.Em consequência das agressões que lhe foram infligidas por MR..., RR... sofreu edema no nariz, com equimose com 3 cm x 1 cm, três escoriações cutâneas na hemiface esquerda, a maior com 2 cm x 1 cm e a menor com 1 cm x 0,5 cm, quatro escoriações cutâneas no cotovelo direito, a maior com 1 cm x 0,4 cm e a menor com 0,4 cm x 0,2 cm, uma equimose na face externa do terço proximal da coxa direita, com 6 cm x 4 cm, edema e escoriação no joelho direito, com 6 cm x 5 cm;
12.Tais lesões demandaram-lhe um período de cura de 13 (treze) dias, com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional por igual período;
13.Ao actuar da forma descrita, o arguido MR... agiu no propósito concretizado de molestar a saúde física de RR..., sabendo que o veículo automóvel com que o atingiu era perigoso e que do embate poderiam resultar graves lesões para aquele e, apesar disso, não se absteve da sua conduta;
14.Ao actuar da forma descrita, o arguido RR... agiu, no propósito concretizado de molestar a saúde física de MR..., tendo consciência do carácter perigoso da machada que utilizou e que da sua conduta poderiam resultar graves lesões para aquele e, apesar disso, não se absteve da sua conduta;
15.Os arguidos actuaram livre, voluntária e conscientemente, sabendo do carácter proibido e criminalmente punível das suas condutas, não se abstendo da sua prática;
16.O arguido RR...é pedreiro, está desempregado há cerca de seis/sete meses, não auferindo quaisquer rendimentos;
17.Vive em casa própria;
18.O arguido MR...é mecânico, auferindo cerca de € 1300,00/€ 1500,00;
19.Vive em casa própria, com a esposa e três filhos, com 29, 22 e 14 anos de idade, sendo que os dois mais novos estão a estudar;
20.Pela prestação relativa à aquisição de um tractor o arguido paga mensalmente cerca de € 500,00;
21.O arguido RR...está desempregado desde 20 de Novembro de 2010, não auferindo quaisquer rendimentos;
22. Vive em casa da mãe, com esta e com um irmão que também está desempregado;
23.Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.
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Matéria de facto não provada
Não se provou que:
1.O arguido MR... tinha o braço apoiado no vidro da janela do veículo referido em 1 dos factos provados;
2.O arguido RR...agarrou uma pedra e arremessou-a contra o arguido Manuel, atingindo-o na mão esquerda;
3.Os arguidos agrediram-se com murros e pontapés;
4.Nas circunstâncias referidas em 5 dos factos provados, o arguido MR...empunhava a machada, de que entretanto se apoderara, na direcção daquele;
5.O arguido AA...dirigiu-se a MR…, proferindo as seguintes expressões: "se o terreno fosse meu já não passavas aí, porque eu já te tinha matado, eu mesmo é que te vou matar";
6.Em consequência das expressões proferidas por AA..., MR... sentiu receio, medo e inquietação, temendo que aquele venha a concretizar a conduta que verbalizou;
7.Ao proferir as expressões mencionadas, o arguido AA... agiu no propósito concretizado de causar medo e inquietação e de prejudicar a liberdade de determinação de MR..., como logrou fazer, já que o fez de forma adequada a que este temesse a sua concretização.
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Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base nos documentos juntos aos autos a fls. 9 (auto de apreensão da machada), fls. 19 a 32 e 41 a 43 (relatórios do gabinete médico-legal da Figueira da Foz), conjugados com a apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, analisada à luz dos princípios que regem o direito processual penal.
Em primeiro lugar foram consideradas as declarações do arguido AA...que negou a prática dos factos que lhe são imputados, embora tivesse confirmado que esteve no local, pelo facto de ter sido chamado pelo seu filho, o arguido RR….
Por outro lado, foram consideradas as declarações do arguido MR... que confirmou que no dia 1 de Abril de 2010, conduzia o seu veículo ligeiro de mercadorias, na localidade da …, num terreno de terra batida quando avistou o arguido RR...que o atinge com a machada no braço esquerdo. Explicou que saiu do veículo e que ele e o arguido RR...envolveram-se em confrontos físicos, tendo sido separados por CB… .
Por sua vez, o tribunal atendeu às declarações do arguido RR...que explicou que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nos factos provados viu o arguido MR…, o qual, lhe "raspou" com o veículo, tendo o arguido caído ao chão. Confirmou que o arguido MR...tinha uma machada na mão e que correu atrás dele, tendo o arguido conseguido fugir.
De salientar o depoimento isento, espontâneo e credível da testemunha CB... pela forma clara e objectiva como relatou ao tribunal os factos em questão.
Com efeito, referiu que vinha de … quando vê os arguidos MR...e RR...a vir de uma estrada secundária, adiantando que o RR...estava fora do carro e caiu. Parou de imediato o seu veículo para ir ver se o arguido RR...se tinha magoado e quando olhou já os arguidos MR...e RR...estavam envolvidos um com o outro, tendo visto uma machada no meio deles. Separou-os com a ajuda de outro senhor. Acrescentou que o arguido MR...tinha ferimentos que aparentavam ter sido feitos com uma machada, tendo-lhe feito um garrote para estancar o sangue.
Por último, o tribunal atendeu, ainda, ao depoimento claro e credível da testemunha LG... que referiu estar em casa dos seus falecidos pais quando ouviu muito barulho e viu o arguido MR...atrás do arguido RR…, sendo que o arguido MR...tinha sangue no braço e o RR...estava a fugir dele. Viu-os atravessar a estrada do lado esquerdo para o lado direito e o arguido MR...tinha uma machada na mão. Tentou ir chamar alguém e quando voltou já estavam no local as ambulâncias.
Da conjugação de tais declarações com os referidos documentos, fica-nos a convicção da verificação dos factos dados como provados.
Relativamente à situação económica e familiar dos arguidos consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos consideraram-se os certificados de registo criminal juntos aos autos.
No que diz respeito aos factos não provados assim se consideraram por não ter sido feita prova suficiente acerca da sua verificação.
Na verdade, depoimentos houve que não mereceram a nossa credibilidade.
Desde logo o depoimento da testemunha M... não foi considerado pelo tribunal uma vez que ela própria referiu que não assistiu aos factos em causa nos autos.
De igual forma as testemunhas , MR..., AF… não assistiram aos factos em causa nos autos.
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Conhecendo:
Recurso do arguido RR...:
Questões suscitadas:
- Errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos 2, 4, 6, 9, 10, 14 e 15 (este na parte ao recorrente respeitante), dos provados.
- Violação do princípio in dúbio pró reo.
- Existência dos vícios do art. 410 nº 2 do CPP.
- Não preenchimento dos elementos do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada.
- A haver actuação que possa ser configurada como crime, apenas o foi numa atitude de legítima defesa.
Recurso do arguido RR...:
Questões suscitadas:
- Errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos 3 e 4, dos provados e, 5, 6 e 7 dos não provados.
- Falta de analise crítica da prova, nomeadamente em relação ao depoimento da testemunha FS....
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Matéria de facto:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso (e a transcrição) não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
Os recorrentes questionam a matéria de facto.
No recurso interposto questiona-se a matéria de facto, entendendo-se como incorrectamente apreciada face à prova produzida.
É colocada em causa a prova e a apreciação da mesma.
Mas, para se apurar da apreciação da prova na sentença recorrida há-de saber-se dos motivos da convicção do julgador.
Assim é exigido pela lei nos termos do art. 374 nº 2 do CPP.
Como se refere no Ac. desta Relação, proferido no proc. Nº 160/08.2TAFND.C1, de 19-01-2011 (Relator Dr. Mira), “Para se cumprir a exigência normativa do exame crítico das provas torna-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal”.
Na al. a) do n.º 1 art. 379 do CPP comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374, n.ºs 2 do mesmo Código.
Esta disposição está intimamente ligada à do art. 127.º do CPP, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação.
“É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção” –Ac. Citado.
«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).
Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido» Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279.
Também, o Ac. da Rel. Porto, proc. Nº 1090/04.2JAPRT.P1 - 1ª Sec., de 15/07/2009, refere: “Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
Também, o Ac. nº 07P024 de Supremo Tribunal de Justiça, Março 21, 2007, refere: “- A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular seu próprio juízo.
- Em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do n.º 2 do art. 374.º do CPP (acrescentado pela Reforma do processo penal com a Lei 59/98, de 25-08), para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
- O "exame crítico" das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de "exame crítico" apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
- O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01).
- O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
- No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - a que se refere especificamente a exigência da parte final do art. 374.°, n.° 2, do CPP -, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o art. 410.º, n.° 2, do CPP; o n.° 2 do art. 374.° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cf., nesta perspectiva, o Ac. do TC de 02-12-1998).
- A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência”.
E, como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.
O julgador é, assim, livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório». Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.
Face à motivação entendemos que nesta é deficiente a justificação, o que constitui falta/insuficiência de exame crítico das provas, em violação do disposto no art. 374 nº 2 do CPP, “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo –Ac. do STJ de 12-04-2000.
A deficiente justificação, constitui falta de análise critica da prova, que gera nulidade da sentença, nos termos do art. 379 nº 1 al. a) do CPP.
Como salienta o recorrente MR..., nenhuma referência é feita ao depoimento da testemunha FS..., sendo certo que, além do mais, a testemunha no seu depoimento refere: «Assisti, o Sr. AA...disse para o Sr. Manuel: “olha, esse terreno aí não é meu, porque se fosse meu eu já te tinha aí matado, mas mesmo não sendo meu eu ainda te vou matar”».
Na fundamentação, de uma forma genérica se refere que “depoimentos houve que não mereceram a nossa credibilidade”. Foi este o caso? Porquê?
Também e relativamente às eventuais agressões mutuas entre os arguidos MR...e Ricardo, não se entende o desenrolar da actuação:
- Os factos, como narrados na matéria de facto provada, não têm uma sequência lógica, nem é entendível.
- Foi o arguido RR...quem primeiro desferiu o golpe com a machada no braço do arguido MR…, ou foi este quem primeiro, de raspão, embateu com o veículo no arguido RR…?
- Se primeiro foi o golpe com a machada (facto 2) e depois, o embate de raspão com o veículo e o arguido RR...“caiu ao chão” (facto 3), porque motivo o arguido MR...saiu do veiculo em vez de ir tratar o ferimento, dado que de seguida os arguidos se envolveram em confronto, (facto 4)?
- Se não se conseguiu apurar de que forma o arguido MR...raspou com o seu veículo no arguido RR…, com que fundamento se infere o facto 13, que o arguido MR... agiu com o propósito concretizado de molestar a saúde física do RR…?
- Quanto à posse da machada, o arguido MR...diz que foi atingido com ela pelo RR...e este diz que o MR...é que tinha uma machada. Apenas se referindo a seguir que a testemunha LG... viu-os (a estes arguidos) a atravessar a estrada “e o arguido MR...tinha uma machada na mão”. A machada mudou de mãos, das do RR...para as do MR…?
É muito vaga a expressão genérica utilizada na fundamentação da matéria de facto de que “da conjugação de tais declarações com os referidos documentos, fica-nos a convicção da verificação dos factos dados como provados”.
Donde resultou a convicção?
Formulas genéricas são ineficazes por não darem a indispensável garantia de que a prova produzida foi apreciada criticamente.
Aqui também se poderia utilizar o esquecido depoimento da testemunha FS... que refere, que o arguido RR...andaria a limpar um terreno e, “Uma das vezes vi-o com um machadozito pequenino, machadazita pequenina amparar assim um molhe de rama e a pôr lá para a borda, uma das vezes. Foi o que eu vi”.
Em síntese conclusiva, dir-se-á, pois, que a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
Pelo exposto, temos como evidente que a fundamentação contida na sentença é insuficiente para atingir os objectivos da lei, supra referidos.
Daí que a sentença padeça da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por referência ao n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma, constatação que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas.
Com estes fundamentos, se julgam procedentes os recursos.
Decisão:
Face ao exposto, acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em julgar os recursos procedentes e em consequência:
Nos termos e com os fundamentos expostos, anula-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.
Sem custas.


Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins