Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/10.1TATND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 281º E 307º, N.º 2, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Findo o inquérito, e não sendo caso de processo sumário ou abreviado, a via formal para a suspensão provisória do processo é o requerimento de abertura da instrução.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. Nos autos de processo comum, a correr termos, sob o n.º 68/10.1TATND, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, por despacho proferido em 4 de Outubro de 2012, foi decidido indeferir, por extemporaneidade, o requerimento do arguido A... no sentido da suspensão provisória do processo.
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2. Inconformado, o arguido interpôs recurso desse despacho, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª - A suspensão provisória do processo pode ser requerida pelo arguido depois da acusação, e até ao fim do prazo para requerer a instrução, não sendo necessário requerê-la com vista somente à aplicação da dita suspensão.
2. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 307.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o qual deve ser interpretado no sentido da conclusão anterior.
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3. Na resposta quer apresentou ao recurso, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.
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4. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 35/36, assumiu igual posição.
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5. Notificado, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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6. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No caso sub judice, vistas as conclusões, o recurso comporta uma única questão a decidir, exclusivamente de direito, e que consiste em determinar se o requerimento apresentado pelo arguido, para que seja decidida a suspensão provisória do processo, é (ou) não processualmente válido.
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2. Elementos relevantes à decisão:
A) Em 29 de Junho de 2012, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A..., completamente identificado nos autos, a quem imputou a prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 153.º, ambos do mesmo diploma legal, e de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência ao artigo 143.º, n.º 1, e remissão ao artigo 132.º, n.º 2, al. a), todos ainda do mesmo compêndio legislativo;

B) Dentro do prazo de vintes dias após ter sido notificado da acusação, o arguido dirigiu ao Ex. Sr. Juiz de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Tondela requerimento deste teor:
«Requer nos termos do art. 281.º do CPP a suspensão provisória do processo, estando disposto a aceitar as injunções e regras de conduta que lhe forem impostas, pois satisfaz os pressupostos do citado artigo.
Acresce que os factos da acusação ocorreram num período de grave descompensação psiquiátrica em que não fazia medicação certa».

C) O Mmo. JIC proferiu, então, o despacho recorrido, que se passa a transcrever:
«Por requerimento datado de 13 de Agosto de 2012, veio o arguido A... requerer, nos termos do disposto no artigo 281.º do Código de Processo Penal, a suspensão provisória do processo, com manifestação de propósito de aceitação das injunções e regras de conduta a impor.
Compulsados os autos verificamos que foi preferido despacho de acusação em 29 de Junho de 2012 para submissão a julgamento do arguido em processo comum perante tribunal singular, tendo o arguido sido notificado do mesmo por meio de notificação expedida em 12 de Julho de 2012 e efectuada a 16 de Julho de 2012.
A suspensão provisória do processo encontra-se prevista para a fase de inquérito (artigo 281.º do Código de Processo Penal, para a fase da instrução (artigo 307.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), bem como em sede de processo sumário e abreviado (artigos 384.º e 391.º-B do mesmo diploma legal citado).
Verifica-se assim que o propósito nos autos formulado pelo arguido, em face do disposto no artigo 281.º do Código de Processo Penal, se revela extemporâneo, por força da dedução de acusação pública e, igualmente, não encontra qualquer outro momento processual ou natureza de processo adequada para o seu conhecimento.
Pelo exposto, indefere-se o requerido».
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3. Mérito do recurso:
Estatui o artigo 281.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Suspensão provisória do processo”:
«1. Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
2. São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes injunções e regras de conduta:
a) Indemnizar o lesado;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efectuar prestação de serviço de interesse público;
d) Residir em determinado lugar;
e) Frequentar certos programas ou actividades;
f) Não exercer determinadas profissões;
g) Não frequentar certos meios ou lugares;
h) Não residir em certos lugares ou regiões;
i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões;
l) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime;
m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
3. Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.
4. (…).
5. (…).
6. (…).
7. (…)».
Parafraseando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 67/2006, de 24 de Janeiro Publicado, em texto integral, no sítio www.tribunalconstitucional.pt., estamos perante um instituto introduzido no ordenamento jurídico português pelo Código de Processo Penal de 1987, constituindo uma limitação ao dever de o Ministério Público deduzir acusação sempre que tenha indícios suficientes de que certa pessoa foi o autor de um crime, deixando o princípio da legalidade na promoção do processo penal de ser dirigido por uma ideia de igualdade formal, para ser guiado pelas intenções político-criminais básicas do sistema penal, assentes na ideia de que, visando toda a intervenção penal a protecção de bens jurídicos e, sempre que possível, a ressocialização do delinquente, é adequado que a intervenção formal de controlo tenda para observar as máximas da mais lata diversão e da menor intervenção socialmente suportáveis, exprimindo-se esta realidade pelo conceito de oportunidade moderada ou regulada.
Este mecanismo de intervenção do Ministério Público não significa um poder arbitrário, utilizado segundo incontroláveis critérios de oportunidade.
Verificados os respectivos pressupostos legais da suspensão provisória do processo, cessa o dever de acusar e emerge o dever de suspender Cfr., v.g., João Conde Correia, Concordância Judicial à Suspensão Provisória do Processo: equívocos que persistem, Revista do Ministério Público, Ano 30, Jan-Mar 2009, N.º 117, págs. 53 e 54..
Na esteira das já consolidadas experiências de direito comparado e dos ensinamentos da doutrina nacional e estrangeira [cfr. relatório preambular do Código de Processo Penal (n.º 6, a.)], o instituto em causa surge integrado num conjunto de medidas político-criminais para controlo da pequena e média criminalidade, onde se inclui o crime de violência doméstica, não agravado pelo resultado, e daqueloutro contra a liberdade e auto-determinação sexual de menor, não agravada pelo resultado, através de soluções consensuais e céleres, com o que se procurou responder ao crescimento exponencial da criminalidade da referida índole, satisfazer os interesses da vítima e afastar o espectro de uma rotura ou de um esmagamento do inteiro sistema de justiça penal.
Como se acrescenta no referido aresto do TC, «é um dos casos de introdução de medidas de diversão (diversão com intervenção) e consenso na solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do sistema de justiça penal (desobstrução da máquina judicial e promoção da economia e celeridade processuais, com isso se fortalecendo globalmente a crença na efectividade dos mecanismos de reacção penal, com o que simultaneamente se realiza o objectivo de prevenção), como de prossecução imediata de objectivos do programa político-criminal substantivo (evitar a estigmatização e o efeito dissocializador, ligados à submissão formal a julgamento, relativamente a delinquentes ocasionais com prognóstico favorável, o que se infere no princípio de redução da aplicação das sanções criminais ao mínimo indispensável)».
O instituto em causa assenta fundamentalmente na procura de soluções consensuais para a protecção de bens jurídicos penalmente tutelados e a ressocialização dos delinquentes, quando inexista condenação anterior por crime da mesma natureza e aplicação anterior da medida, o grau de culpa não se revele elevado, e, em concreto, seja possível atingir por meios mais benignos do que a pena criminal as exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
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Segundo o n.º 2 do artigo 307.º, do CPP, a suspensão provisória do processo na fase de instrução é proferida no debate instrutório, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 281.º, obtida a concordância do Ministério Público.
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No caso em análise nos presentes autos, o recorrente reconhece, na motivação e respectivas conclusões, que o requerimento dirigido ao Sr. Juiz de Instrução não configura um requerimento de abertura da instrução, tal como este está normativamente configurado no artigo 287.º do CPP.
Ainda assim, entende que a suspensão provisória do processo pode ser requerida, informalmente, depois da dedução da acusação, até ao fim do prazo legalmente permitido para a abertura da instrução.
Mas sem razão.
Versando sobre a finalidade imediata e âmbito da instrução, diz-nos o art. 286.º do CPP que ela visa o reconhecimento jurisdicional da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, no sentido de que se não está perante um novo inquérito, mas apenas perante uma fase processual de comprovação (jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação).
Por seu turno, refere o artigo 287.º, n.º 3, do mesmo Código, que o RAI (requerimento de abertura da instrução) só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
«Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução» (art. 307.º, n.º 1).
Sobre a natureza da decisão a proferir após o encerramento da instrução, dispõe o art. 308.º:
«1. Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de um pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos: caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
2. É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.
3. No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer».
A suspensão provisória do processo nesta fase tem o efeito de suspender a instrução e, portanto, também a prolação da decisão instrutória. Findo o prazo da suspensão, se não tiverem sido cumpridas as prestações e regras de conduta, o juiz deve proferir uma decisão de pronúncia, atenta a existência de factos suficientemente indiciadores do(s) crime(s) e que constituíram o fundamento da suspensão do processo. Se tiverem sido cumpridas as injunções e regras de conduta, o juiz deve proferir uma decisão de não pronúncia.
Face ao que ficou exposto, em consonância com as referidas disposições legais, temos como certo que é legalmente admissível um requerimento de abertura da instrução com o único desiderato de ser obtida a suspensão provisória do processo, porquanto a comprovação judicial referida no artigo 286.º, n.º 1, do CPP, não se restringe ao domínio do acontecimento naturalístico; antes compreende também a dimensão normativa do facto e, por conseguinte, a susceptibilidade de levar (ou não) a causa a julgamento. Aliás, podendo o arguido, que se conforma com a factualidade e a integração jurídica constantes da acusação, requerer ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo, não tem outro meio de o fazer que não seja através do requerimento a que se refere o art. 287.º Cfr. foi referido no Ac. da Relação de Coimbra de 28-03-2012, publicado na Colectânea, Tomo II, pág. 51..
Como está escrito no Ac. do STJ de 13-02-2008 Publicado, em texto integral, no sítio www.dgsi.pt.: «o arguido e o assistente podem pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo»; «enquanto no decurso do inquérito, aqueles sujeitos processuais se podem dirigir ao Ministério Público, dominus dessa fase processual, por mero requerimento, já ao seu direito a pedir, ao juiz de instrução, a suspensão provisória do processo, tem de corresponder uma adequada “acção”, destinada a efectivar esse direito e que ocorre já depois de findo o inquérito e tomada posição final pelo Ministério Público», sendo que, «a acção dirigida ao juiz , findo o inquérito como é o caso, só pode, pois, ser constituída pelo requerimento de abertura da instrução em que se pede eu se analisem os autos para verificar se se verificam os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo e que, em caso afirmativo, se diligencie, além do mais, pela obtenção da concordância do Ministério Público, tal como impõe o n.º 2 do art. 307.º do Código de Processo Penal».
Em síntese conclusiva: findo o inquérito, e não sendo caso de processo sumário ou abreviado, a via formal para a suspensão provisória do processo é o requerimento de abertura da instrução.
Donde se conclui pela improcedência do recurso.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam os juízes na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas pelo arguido, com 3 UC´s de taxa de justiça [artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do CPP; artigo 8.º, n.º 5, e tabela anexa, do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26-02)].
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Coimbra, 30 de Janeiro de 2013
(processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)