Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
447/09.7TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
RECURSO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JL CÍVEL DE COIMBRA- JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTº 1396º CPC; DL 303/2007, DE 24/08.
Sumário: I – Conforme é consabido, quer no regime de recursos emergente da alteração introduzida ao CPC pelo DL 303/2007, quer na redação ora vigente, emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, retificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, e aplicável ao caso dos autos para efeitos de recurso[...], o legislador optou por um regime monista de recursos, que se encontra em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, tendo introduzido importantes alterações nas modalidades de impugnação das decisões judiciais proferidas pela 1.ª instância perante o tribunal superior.

II – Situando-se o caso dos autos no domínio do processo de inventário (Lei nº 23/2013, de 5 de Março, de cujo anexo consta um novo Regime Jurídico do Processo de Inventário), podemos desde logo concluir que a regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.

III - A decisão proferida quanto à reclamação de bens, não cabendo no âmbito da previsão, nem das alíneas do nº 1 do Artº 644º do NCPC - designadamente da alínea a)) - nem de qualquer uma das alíneas do nº 2 desse artigo (v.g. na alínea h)), não poderá ser objecto de recurso autónomo, apenas podendo ser impugnada na ocasião a que se alude no nº 3 do artigo, ou seja, em princípio, “in casu”, com o recurso da sentença proferida quanto à partilha – como, aliás, também sucede “ex vi” do artº 1396º, nº 2, do CPC (na redacção do DL nº 303/2007, de 24/8), já que a situação, ao invés do que é referido pela Reclamante, não integra a alínea j) do nº 2 do artº 691º desse Código, nem qualquer outra alínea desse nº 2, designadamente a alínea m).

IV - A reclamação contra a relação de bens em processo de inventário faz parte da tramitação específica do processo de inventário (art. 1348º, n.º 1 do CPC), pelo que não é considerada um incidente processado autonomamente para efeitos do referido art. 644º do CPC.

V - O recurso dessa decisão (interlocutória) deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha - art. 1396º, n.º 2 do CPC aplicável) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para a apelante independentemente da decisão final, a interpor num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 644º, nºs 3 e 4 do NCPC/art. 691º, nºs 3 e 4 do anterior CPC).

Decisão Texto Integral:







I - No processo de inventário a correr termos no Juízo Local Cível de Coimbra (Juiz 3), para partilha dos bens deixados por óbito de M..., falecida em 20-02-2007, houve reclamações quanto à relação de bens, entre as quais a reclamação da interessada I..., a qual foi contrariada na reclamação que também foi apresentada pelos interessados ...
Tais reclamações foram decididas por despacho proferido em 28-12-2018, tendo-se consignado o seguinte, na respectiva parte dispositiva:
«[…] - julgo improcedente a reclamação contra a relação de bens apresentada por I... e parcialmente procedente a reclamação contra a relação de bens apresentada por ... e determino que os saldos que constituem as verbas n.ºs 1, 2 e 10 se mantenham relacionados na totalidade e
- determino que as verbas do activo n.ºs 1 e 10 passem a conter os saldos das contas bancárias à data do óbito da inventariada (20-02-2007), nos seguintes montantes:
VERBA N.º 1: € 5.040,45 e
VERBA N.º 10: € 6.868,11.


Custas pela reclamante I..., fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC – vd. art. 7º, n.ºs 4 e 8 e Tabela II anexa ao Regulamento  das  Custas Processuais.
Notifique.”.
II – Inconformada com tal despacho, veio a aludida interessada I..., em 17/1/2019, apresentar requerimento de interposição de recurso com a respectiva alegação, recurso esse que pediu fosse recebido como apelação, com efeito devolutivo e subida em separado.
Terminou assim a sua alegação de recurso, após as respectivas “conclusões”:
«[…] deve a decisão recorrida ser substituída por outra que:
a) - Considere não provada a matéria constante do facto provado pela decisão recorrida sob n°3; e, consequentemente,
b) - Determine que a quantia de €220.612,47 referente à verba n°2 não seja objeto de relacionação, por não integrar o património da inventariada à data do seu falecimento;
c) - Determine que relativamente às verbas n°s. 1 e 10 apenas seja relacionado um terço do saldo que cada uma destas contas apresentava à data do óbito da inventariada, ou seja, €1.680,15 e €2.289,37, respetivamente. […]».
III - a) - Em 4/3/2019 foi proferido despacho, indeferindo o requerimento de interposição de recurso apresentado, com a justificação de que a decisão proferida quanto à reclamação contra a relação de bens não podia ser objecto de apelação autónoma, já que tal decisão:
- Não estava no âmbito da previsão dos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º do (novo) Código de Processo Civil1 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6);
- “não pode ser enquadrada na actual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, (correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º), por não

1 Doravante designado como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC, salvo nos casos em que esta última sigla seja transcrita de outro texto para referir já o novo código.


configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil, nos termos limitados que o uso do advérbio absolutamente impõe […]».
b) - Desse despacho veio a recorrente reclamar para este Tribunal da Relação, dizendo fazê-lo “ao abrigo do disposto no artº. 688º, nº 1, do CPC (redação do DL 303/2007, de 24/08), atual artº. 643º, nº 1, do NCPC”, referindo, entre o mais, que:
- “A reclamação contra a relação de bens no processo de inventário é, reitera-se, um verdadeiro incidente desse processo especial, pelo que se enquadra dentro da previsão legal do artigo 691.º, nº 2, al. j), do CPC (redação do DL 303/2007).”;
- «[…] para o caso de assim se não entender, o que só por simples hipótese académica se admite, sem conceder, sempre o recurso seria admissível, nos termos do disposto no art. 691º, nº 2, al. m), do anterior CPC, atual art. 644º, nº 2, al. h), do NCPC, uma vez que, tendo sido incluídos novos saldos nalgumas das contas relacionadas, a proceder-se a licitação, a mesma terá em conta os bens relacionados, sendo as posições das partes em conferência de interessados condicionadas, quer quanto à composição de quinhões, quer quanto a eventuais licitações (cfr. artº. 1353º do anterior CPC), pelo que a impugnação da decisão recorrida apenas com o recurso da decisão final reverteria em inutilidade absoluta.».
Terminou requerendo que se admitisse o recurso em causa, “com todas as legais consequências”.
IV O presente processo de inventário foi instaurado antes da entrada em vigor do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 29/2009, de 29 de Junho.
Conforme se diz no despacho recorrido, de 28-12-2018, “...segundo o art. 84º desta lei, o regime por ela introduzido, em revogação do disposto no CPC, não se aplicaria aos processos já pendentes.
Por sua vez, esta Lei nº 29/2009 foi também revogada pela Lei nº 23/2013, de 5 de  Março,  de  cujo  anexo  consta  um  novo  Regime  Jurídico do Processo de Inventário; mas, por força do seu art. 7º, o regime assim introduzido também se não aplica aos processos já pendentes. […]».
Assim, aos autos em que foi proferida a decisão reclamada são aplicáveis as normas processuais específicas do inventário que constam do pretérito do CPC, na redacção do DL 303/2007, de 24/8.
Efectivamente, perfilha-se o entendimento seguido na decisão de 1/4/2014, da reclamação nº 230/11.0TBSRE-A.C1 desta Relação de Coimbra2, onde se escreveu:
«[…] ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil [...] na redação introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396.º que estatuía relativamente ao regime dos recursos:
“1. Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença  homologatória  da partilha.
2. Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.
Conforme é consabido, quer no regime de recursos emergente da alteração introduzida ao CPC pelo citado DL, quer na redacção ora vigente emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, e aplicável ao caso dos autos para efeitos de recurso[...], o legislador optou por um regime monista de recursos, que se encontra em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, tendo introduzido importantes alterações nas modalidades de impugnação das decisões judiciais proferidas pela 1.ª instância perante o tribunal superior.
“Em primeiro lugar, traduz a absorção do anterior recurso de agravo pela apelação. Independentemente de a decisão incidir sobre o mérito ou sobre  questões  formais,  a  sua  impugnação  segue  as  regras  unitárias

2 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase, tal como os acórdãos e decisões sumárias desta Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citadas.


previstas para a apelação, ainda que com sujeição de determinadas situações a regimes especiais.
Em segundo lugar, foi estabelecido um elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando-se para momento ulterior a impugnação das demais[...].
Situando-nos o caso dos autos no domínio do processo de inventário em que rege o supra citado preceito no que concerne ao regime dos recursos, podemos desde logo concluir que a regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.
A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos tem que considerar-se agora efectuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º. […]».
Ora, a decisão proferida quanto à reclamação de bens, não cabendo no âmbito da previsão, nem das alíneas do nº 1 do Artº 644º do NCPC - designadamente da alínea a)) - nem de qualquer uma das alíneas do nº 2 desse artigo (v.g. na alínea h)), não poderá ser objecto de recurso autónomo, apenas podendo ser impugnada na ocasião a que se alude no nº 3 do artigo, ou seja, em princípio, “in casu”, com o recurso da sentença proferida quanto à partilha – como, aliás, também sucede “ex vi” do artº 1396º, nº 2, do CPC (na redacção do DL nº 303/2007, de 24/8), já que a situação, ao invés do que é referido pela Reclamante, não integra a alínea j) do nº 2 do artº 691º desse Código, nem qualquer outra alínea desse nº 2, designadamente a alínea m).
É que, no que concerne ao entendimento de “incidente” para efeitos da alínea j) do nº 2 do referido artº 691º (ou da al. a) do nº 1 do artº 644º do NCPC) concordamos com o que se escreveu e ora se transcreve no Acórdão desta Relação de 15/5/2018 (Apelação nº 719/12.3TBFND-A.C1), relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador que subscreve como 1º Adjunto, os Acórdãos relatados por nós: «[…] A questão que se coloca nesta sede é a de saber se os incidentes a que a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º se refere são quaisquer incidentes processuais - como, por exemplo, a decisão da reclamação contra a relação de bens - ou apenas os incidentes da instância.
Quanto a esta matéria seguimos o entendimento que quando tal artigo dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista, somente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância - artºs 302º a 380º-A/ artºs 292º a 361º do NCPC ( o sublinhado é nosso); - a verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada ou mediante embargos de terceiro, habilitação e liquidação, falsidade de documentos – art. 544º e sgs/ artºs 444º e sgs do NCPC; falsidade de acto judicial – art. 551º-A/451º do NCPC; prestação de caução – artºs. 696º e 697º; e suspeição – 126º e sgs / artº 119º e sgs do NCPC todos do Código de Processo Civil – e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não (ou seja os meros incidentes processuais), pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo (cfr. Acórdãos deste TRC de 8/3/2012, processo n.º 136/09.2TMCBR-B.C1; de 14/10/2014, proc.º n.º 507/10.1T2AVR-C.C1; decisão singular de 1/4/2014, proc.º n.º 230/11.0TSRFE-A.C1; decisão sumária deste TRC de 10/12/2013, processo n.º 123/13.6TBGRD-B.C1; e do TRG de 26/09/2013 e de 10/11/2016, e do TRE de 20/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt). […]».
Assim, concorda-se plenamente, com o seguinte entendimento da Relação de Guimarães (Acórdão de 23/11/2017, apelação nº 258/05.9T8TMC-A)3:

3 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.


«I - Os incidentes a que a lei considera como dispondo de processado autónomo (art. 644º, n.º 1, al. a) do CPC) são apenas aqueles a que atribui tal processado independentemente do que é próprio das ações em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos arts. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação.
II - A reclamação contra a relação de bens em processo de inventário faz parte da tramitação específica do processo de inventário (art. 1348º, n.º 1 do CPC), pelo que não é considerada um incidente processado autonomamente para efeitos do referido art. 644º do CPC.
(...)
IV - O recurso dessa decisão (interlocutória) deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha - art. 1396º, n.º 2 do CPC aplicável) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para a apelante independentemente da decisão final, a interpor num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 644º, nºs 3 e 4 do NCPC/art. 691º, nºs 3 e 4 do anterior CPC).».
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a proferir decisões que espelham idêntico entendimento, como se pode verificar pelos sumários 4 dos Acórdãos que se passam a transcrever:
“I - A decisão proferida sobre o incidente da reclamação de bens, em processo de inventário, como decisão interlocutória em que se traduz, não é suscetível de ser impugnada, autonomamente, e com subida imediata, mas antes e, tão-só, com o recurso que vier a ser interposto da sentença final homologatória de partilha, quer porque a mesma, se impugnada, conjuntamente, com o recurso da decisão final, não se torna, absolutamente, inútil, quer por inexistir qualquer exceção tipificada na lei que contemple a presente situação, no elenco de casos de recursos com subida não diferida, mas imediata.

4 Consultáveis na página do STJ, na “Internet”, mais concretamente, no endereço https://www.stj.pt/?page_id=4471.


II - Trata-se da consagração da regra geral que impera, em matéria de recursos, que se traduz na impugnação diferida e concentrada das decisões interlocutórias, com o recurso interposto da decisão final ou em recurso único, interposto depois do trânsito daquela decisão final.
III - Ficando, assim, excluídos de recurso, para o STJ, além de outros, os acórdãos que decidam a apelação, pronunciando-se sobre decisões interlocutórias, em processo de inventário, como expressão da regra geral de que o acórdão da Relação que decide a apelação só é susceptível de revista quando dele tenha sido objecto uma decisão de 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo (decisão final).” (Acórdão de 14-04-2015, Revista n.º 706/04.5TBEVR.E1.S1 - 1.ª Secção);
«I - Um incidente processual consiste numa ocorrência estranha, extraordinária ou acidental que surge acrescentada ao desenvolvimento normal da relação jurídica processual, originando um processado próprio, umas vezes integrado no processo da acção, outras vezes formando um processo apenso, mas sempre distinto do da acção principal, e sempre dotado de um mínimo de autonomia, pressupondo a existência de uma questão acessória ou secundária relativamente ao objecto de tal acção e originando a necessidade de prática de actos processuais próprios, específicos, diferentes dos que sejam os normalmente determinados pela regulamentação processual da mesma acção.
II - Não pode ser considerada como verdadeiro incidente a actividade processual prevista como normal em relação ao processo da acção, ou seja, o que se inclua na tramitação normal do processo, como é o caso da reclamação da base instrutória ou da decisão sobre a matéria de facto.
III - Os incidentes que a lei considera como dispondo de processado autónomo são apenas aqueles a que é atribuído tal processado independentemente do que é próprio das acções em que se possam suscitar e que são regulados nos arts. 296.º a 361.º do NCPC (2013):
verificação do valor causa, intervenção de terceiros em qualquer das suas modalidades, habilitação e liquidação.
IV - Tendo em conta que a reclamação contra a relação de bens, em processo de inventário, não faz parte daqueles incidentes nominados, antes fazendo parte da tramitação específica do processo de inventário por ser uma fase deste que se abre com a apresentação da relação de bens e ainda que nenhuma reclamação venha a ser deduzida – art. 1348.º, n.º 1, do CPC de 1961, correspondente ao art. 32.º, n.º 1, do actual Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), criado pela Lei n.º 29/2009, de 29-06 –, conclui-se, sem que tal seja afastado pela índole contenciosa de tal reclamação, não estar incluída na última parte da al. a) do n.º 1 do art. 644.º do NCPC, por falta da exigida autonomia processual.» (Acórdão de 16-06-2015, Revista n.º 85-N/1998.P1.S1 - 6.ª Secção);
Também não podemos concordar com a Reclamante quando entende que a decisão em causa possa ver-se abrangida pelo art. 691º, nº 2, al. m), do anterior CPC, atual art. 644º, nº 2, al. h), do NCPC.
Não se vislumbra, de facto, que da falta de interposição de Apelação autónoma do despacho em causa decorresse a absoluta inutilidade do recurso que posteriormente se viesse a interpor (691º, nº2, al. m), do anterior CPC e artº 644º, nº 2, h), do NCPC).
Efectivamente, adaptando-se, “mutatis mutantis”, o que se disse no âmbito da legislação processual civil pretérita quanto à relevante absoluta inutilidade resultante da retenção do recurso, destaca-se, a decisão de 16/2/2007, proferida nos autos nºs 428-C/1998.C1 pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro António Piçarra, então Presidente desta Relação, onde se diz: «… a referida absoluta inutilidade corresponde a situações em que a retenção do recurso retira, de todo em todo, qualquer eficácia ao provimento do mesmo, ou seja, nada aproveita o recorrente da decisão favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada, sendo certo que, para este efeito, não constitui   inutilidade absoluta do agravo, a eventual perturbação do desenrolar do processo ou a inutilização de actos já praticados em resultado do provimento do  recurso».
Por outro lado, explicitando o sentido da inutilidade consagrada no referido artº 734º, nº 2, escreveu-se no Acórdão desta Relação, de 12 de Janeiro de 2010 (Apelação nº 102/08.5TBCDN-A.C1): «[...] a inutilidade que se pretendia evitar era apenas a do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais entretanto  praticados[...].
“Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. RC 5/5/1981, BMJ 310, 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. RL - 29/11/1994, BMJ 441, 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (RL - 30/6/1992, CJ 92/3, 254)[...].
Assim, por exemplo, tinha subida imediata o agravo interposto da decisão de suspensão da instância (cfr. art° 276°)[5], porque, se assim não sucedesse, o recurso só subiria depois de terminada a suspensão e a eventual revogação do despacho que a determinou não produziria quaisquer efeitos [...]».
Em caso semelhante ao que nos ocupa, a Relação de Guimarães (Acórdão acima citado), entendeu que a “decisão proferida no incidente da reclamação de bens também não pode ser enquadrada na atual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC [correspondente à alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º do anterior CPC], por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente   inútil.”.
É que, na verdade, o facto de o que foi decidido quanto à reclamação de bens poder condicionar eventuais licitações e ter influência nos quinhões é coisa que poderia sempre suceder desde que ao recurso autónomo, se admitido, não fosse atribuído efeito suspensivo, a isto acrescendo, decisivamente, que o recurso interposto a final, alcançando êxito, embora seja passível de conduzir à anulação de alguns actos processuais do inventário, levará a que se possa acolher a posição defendida pela ora Reclamante quanto à relação de bens, o que contraria a absoluta inutilidade por ela invocada.
Assim, porque da decisão em causa não cabe recurso autónomo, foi acertado o despacho reclamado, pelo que  se  indefere  a  reclamação “sub judice”.

*
Custas pela Reclamante. Notifique-se.
27/5/2019
O Relator, Luiz José Falcão de Magalhães