Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1162/11.7TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
TRABALHADOR
LIMITES
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 417º DO NCPC; 14º A 22º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – Quer o trabalhador quer a entidade empregadora devem respeitar os direitos de personalidade da outra parte.

II – O artº 16º, nº 2 do CT é meramente exemplificativo, quando afirma que a reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso a aspectos relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosoas.

III – Os direitos de personalidade, enquanto direitos fundamentais, têm de se harmonizar com outros direitos fundamentais, não sendo, por isso, direitos absolutos, isto é, não valendo sem restrições.

IV – A apresentação e realização de testes e de exames clínicos são admissíveis quando a finalidade seja a protecção e a segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando a actividade desenvolvida ou a desenvolver o requeira.

V – Na realização ou apresentação de testes e de exames clínicos, constituindo uma intromissão na vida privada do trabalhador, deverá ser respeitado os princípios da proporcionalidade e da necessidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


A.... veio intentar, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, acção especial emergente de acidente de trabalho contra B..., LDª, pedindo que a Ré seja condenada a:

a) reconhecer a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho;

b) reconhecer o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo Autor;

c) reconhecer o grau de incapacidade decorrente do acidente de trabalho;

d) pagar ao Autor a pensão anual e vitalícia, remível, que se cifra em € 474,32 com inicio em 24-01-2012, o que perfaz o montante de 7.778,37 €;

e) pagar ao Autor o montante de € 1.736,78 a título de indemnização por incapacidade temporária.

f) pagar ao Autor todas as despesas incorridas, já computadas e pagas pelo Autor, que se cifram no montante global de 709,78 €;

g) pagar o montante de 325,00 € ao CHC – Hospital da Universidade de Coimbra, por tratamentos médicos/clínicos prestados ao Autor na sequência do acidente de trabalho de que foi vítima;

h) pagar ao Autor todas as despesas que venham a computar-se e ainda não sejam conhecidas, nomeadamente, eventuais despesas decorrentes da assistência medica e hospitalar a que foi submetido;

i) pagar ao Autor os juros de mora vencidos, computados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;

Para tanto, invocou o seguinte, resumidamente:

- a existência e caracterização de um acidente de trabalho e, de um vinculo laboral;

- ter sido portador de incapacidades temporárias;

- ter ficado portador de sequelas limitadoras da sua capacidade de ganho;

- ter efectuado despesas com assistência medica e transportes;

- estar a pagamento o montante de € 325,00 por tratamentos médicos/clínicos prestados ao autor nos CHC-Hospitais da Universidade de Coimbra na sequencia do acidente.

A Ré contestou e requereu a intervenção principal provocada da C...Seguros SA, alegando que a responsabilidade emergente do acidente estava transferida para essa seguradora.

Aceitou que o sinistrado sofreu um acidente no local de trabalho, mas não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, nem o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.

O Autor respondeu à contestação.

Foi admitida a intervenção da Ré C...Seguros.

Esta Ré contestou, alegando que à data do acidente a apólice de seguros não abrangia os acidentes de trabalho que pudessem ocorrer com o Autor, pois apenas em 12 de Outubro de 2011 foi pedida a sua inclusão na referida apólice.

Em sede de audiência, pelo Exmº Mandatário da Ré- patronal foi requerido o seguinte:

“Foi alegado na contestação da entidade patronal, mais concretamente, nos artigos 4º a 9º, que a ocorrência verificada se deveu a um problema de saúde de que o autor padece desde criança.

Ouvidas as testemunhas, mais concretamente, a testemunha D..., foi mencionado que o autor sofria, ou sofre, de uma doença neurológica ainda não determinada mas que poderá ter como causa uma paralisia cerebral provocada por medicamentos ingeridos em excesso aquando da infância do autor.

Na contestação a ré pediu ao Tribunal que notificasse o Ministério da Saúde no sentido de esta entidade fornecer para os autos a ficha e relatórios clínicos do autor até à data da ocorrência relatada nos autos para que se pudesse esclarecer com verdade se a ocorrência descrita nesta acção terá tido como causa provável algum problema de saúde do autor alheio às funções por si desempenhadas. E, também para que o Tribunal pudesse determinar se se trata efectivamente de um acidente de trabalho ou não.

Veio o autor opor-se à pretensão da ré alegando reserva da vida privada para não revelar a sua historia clínica. Toda a defesa da ré em cerca de 80% assenta nesta circunstancia.
Tendo em conta o depoimento supra relatado parece-nos que em abono da descoberta da verdade material e para que o Tribunal não profira uma decisão com base em factos cuja causa o autor pretende esconder - porque se assim não fosse não se teria oposto ao requerido pela ré – requer-se a V. Exa. se digne notificar o autor nos termos da disposição legal do actual C.P.C. que corresponde ao artº 528º e 519º da versão anterior do mesmo código para prova dos supra citados artigos no sentido de o autor juntar aos autos, sob pena de inversão do ónus da prova, a sua ficha clínica supra identificada”.

Na resposta, foi pelo Exmº Mandatário do Autor dito o seguinte:

“Atento o requerimento acabado de expor o autor toma a seguinte posição:

Em sede de contestação a ré deduziu e articulou pedido exatamente igual ao que acabou de expor e oportunamente em sede de resposta o autor tomou posição sobre a matéria articulada pela ré e que aqui se dá, uma vez mais, por integralmente reproduzida.

Sobre a matéria articulada pela ré e sobre a qual o autor se pronunciou em sede de resposta o Douto Tribunal tomou posição sobre a matéria controvertida proferindo despacho que se encontra junto aos autos.

Não se vislumbrou então qualquer tomada de posição contrária por parte da ré ao douto despacho proferido pela Mma. Juiz, pelo que o autor entende impertinente e extemporâneo a repetição do que a ré articulou então devendo neste momento ser indeferida a sua pretensão”.

Tendo a Mmª Juíza proferido o seguinte despacho:

“Considerando a oposição do autor ao requerimento apresentado pela ré indefere-se o requerido”.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

“Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência decide-se :

A)Absolver a Ré C...Seguros SA do pedido.

B)Condenar a Ré “ B... Lda” a pagar ao autor e sinistrado – A..., as seguintes importâncias:

1. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida desde 24.01.2012, no montante € 474,32(quatrocentos e setenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos);

2. A quantia de 209,80 € (duzentos e nove euros e oitenta cêntimos) a titulo de despesas medicas e medicamentosas;

3. A quantia de 1736,78€ (mil setecentos e trinta e seis euros e setenta e oito cêntimos), a titulo de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos;

4. A titulo de despesas de transporte a quantia de €368,35 (trezentos e sessenta e oito euros e trinta e cinco euros);

5.Juros de mora à taxa legal sobre as prestações pecuniárias em atraso – cfr. art. 135.o do Cód. Proc. de Trabalho;

Absolver a ré B... Lda do demais peticionado pelo autor.

Custas a cargo do autor e ré B... Lda na proporção do respectivo decaimento.

Valor da causa: €9.690,61”.

Inconformada, a Ré- patronal veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª-A Ré fez um requerimento probatório onde pediu que o Tribunal solicitasse ao Ministério da Saúde o envio para os autos da ficha clínica do Réu, desde a infância;

2º- O Autor deduziu oposição a tal junção refugiando-se na sua reserva da vida privada;

3º-Em julgamento a Ré requereu, ante o depoimento da testemunha D... - que o Autor facultasse com a legal cominação não o fazendo a sua ficha clínica;

4º-A Mmª Magistrada indeferiu tal pedido sem fundamentação suficiente, acolhendo a ocultação de provas por parte do Autor;

5º-A Ré considera tais negações uma intolerável negação do princípio do dever de colaboração com a administração da justiça;

6º-Bem como uma total negação dos poderes soberanos do Tribunal que não podem alhear-se da descoberta da verdade com vista AO PROSSEGUIMENTO DO VALOR FUNDAMENTAL DE ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA;

7º A Mmª Magistrada violou o artigo 341º,e 342º do Código Civil bem como o artigo 535º e 528º e 519º da versão anterior do Código de Processo Civil, por isso em abono do apuramento da verdade requer-se a V. Ex.(as) a revogação da sentença recorrida e a consequente anulação do julgamento ordenando-se produção da prova requerida pela Ré pois só assim V. Ex.(as) farão a costumada justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

O Exmº PGA emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

- a de saber se a recusa do sinistrado a que fosse requisitado ao Ministério da Saúde o envio para os autos da sua ficha clínica se apresentou como legítima, por representar uma intromissão inadmissível na reserva da sua vida privada;

-se, em caso negativo, se deve anular o julgamento e ordenar-se a produção da prova requerida pela Ré- patronal.

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Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

Sendo que foi considerada provada pela 1ª instância a seguinte factualidade:

[…]

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- o direito:

Dispõe o artº 417º do Novo CPC:

“1.Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

2 — Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil-

3 — A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:

(…)

b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;

(...)”.

O CT contém uma subsecção relativa aos direitos de personalidade do trabalhador -artºs 14º a 22º.

Quer o trabalhador, quer a entidade empregadora (os seus representantes) devem respeitar os direitos de personalidade da outra parte, o que significa, em primeira linha, que devem guardar reserva no que concerne à intimidade da vida privada, ou seja, o acesso a informações relativas à vida privada de cada um não é autorizado, nem o é a divulgação de aspectos que se incluem na esfera íntima e pessoal. O artº 16º, nº 2, do CT é meramente exemplificativo, quando afirma que a reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso a aspectos relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

De acordo com o artº 15º do mesmo Código, quer o empregador, quer o trabalhador, gozam do direito à integridade física e moral, ou, por outras palavras, a não sofrerem um tratamento que possa afectar a respectiva dignidade.

Todavia, os direitos da personalidade, enquanto direitos fundamentais, têm de se harmonizar com outros direitos fundamentais, não sendo, por isso, direitos absolutos, isto é, não valendo sem restrições.

Como se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa de 6/10/2010, in www.dsgi.pt, “os direitos de personalidade, designadamente, do trabalhador, não constituem limites aos poderes do empregador mas resultam de uma correcta compreensão da execução do contrato de trabalho de acordo com a boa-fé dos contraentes, o que implica o respeito pela personalidade e pela individualidade da contraparte, com a sua vida privada e pessoal, a sua liberdade de expressão, a sua integridade física e moral. (...) Nessas circunstâncias importa ponderar os direitos fundamentais, tanto os direitos individuais do trabalhador, como os bens patrimoniais do empregador, como o bem comum no sentido da protecção da saúde e da segurança de terceiros; sendo que em matéria de direito de personalidade, somente, os direitos à integridade moral e física das pessoas são direitos absolutos – art.o25 da Constituição”.

Se em algumas dessas disposições, citadas, do Cod. Trabalho, se afirmam direitos especiais de personalidade que não têm imediata ligação ao desempenho da actividade, como o direito à integridade física ou à liberdade de expressão, no artº 19º prevêem-se direitos de personalidade com projecção directa no contexto laboral.

A apresentação e realização de testes e exames clínicos são admissíveis quando a finalidade seja a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando a actividade desenvolvida ou a desenvolver o requeira. Não deixando de se exigir a fundamentação escrita do empregador.

No âmbito da reparação infortunística por acidente de trabalho, é sabido que esta, salvo as excepções previstas na lei, é uma responsabilidade objectiva, não dependente de culpa.

O regime de reparação dos acidentes de trabalho assenta essencialmente na teoria do risco económico ou de autoridade, ou seja, numa responsabilidade objectiva da entidade patronal, independente da culpa.

Por isso, a própria lei dos acidentes de trabalho estabelece os termos em que é feita a reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, o que resulta desde logo da própria noção de acidente de trabalho prevista no artº 8º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, onde se refere que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.

O dano que a lei visa reparar é a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes da lesão corporal, perturbação funcional ou doença e essa reparação é feita nos termos nela previstos.

Conforme refere Romano Martinez (Direito do Trabalho, II Vol, 2.º Tomo, 3.ª Edição, Lisboa, pp. 185.), embora a propósito da Lei nº 100/97, “o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, consagra uma responsabilidade objectiva do empregador, cujo âmbito indemnizatório, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a responsabilidade emergente de acidente de viação (art.º 508.º do CC), está circunscrito, não por via do estabelecimento de um limite máximo de indemnização, mas através da delimitação do conceito legal de acidente de trabalho e dos danos ressarcíveis, que apenas abrangem as despesas respeitantes ao restabelecimento do estado de saúde e os danos resultantes da perda de capacidade de trabalho do sinistrado e os danos resultantes da perda ou diminuição da capacidade de ganho”.

E é precisamente no domínio dessa reparação que mais se acentuam as situações que contendem com a vida privada do trabalhador, desde logo porque importa avaliar da sua situação clínica pós-evento infortunístico, com vista a apurar que se o mesmo se encontra, e em que medida, incapaz para o trabalho e se as lesões que apresenta são consequência directa e necessária do acidente.

As consequências de um acidente de trabalho podem traduzir-se em prejuízos funcionais que influenciam a capacidade para trabalhar e determinam a perda da capacidade de trabalho ou ganho (de uma remuneração).

No âmbito do processo especial de acidente de trabalho os peritos médicos, quer singular quer integrantes de uma junta médica, analisam todos os elementos nosológicos (ou seja, clínicos e radiológicos), existentes no processo, podem pedir exames especializados de vária ordem e exames complementares, tais como radiografias, ecografias, TAC's, e tantos outros que lhes permitam fazer um juízo o mais perfeito e actualizado do estado do sinistrado, e, até, sugerir que este seja submetido a uma intervenção cirúrgica - tudo para poderem, com a maior certeza, fazer um juízo perfeito e concreto do estado da vítima, e, assim, poderem formar um diagnóstico correcto e dar o seu laudo com segurança. Essa possibilidade, para não dizer obrigação, de uma correcta avaliação do sinistrado não pode ser retirada aos médicos dos serviços clínicos da entidade responsável, quando esta é a seguradora.

Para tanto, não é irrelevante, antes pelo contrário, apurar dos antecedentes clínicos, se eles existirem, e de eventuais doenças naturais ou lesões pré-existentes.

É inegável que a toda a legislação sobre acidentes de trabalho se destina a proteger e, sobretudo, reparar as consequências do evento para o trabalhador / sinistrado. Para tanto, na esmagadora maioria das vezes, tem o mesmo de ser sujeito a consultas médicas e tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas, e são-lhe solicitados exames que anteriormente tenha efectuado, porque só assim se conseguirá apurar da sua situação clínica, por forma a garantir, quanto possível, a reparação em espécie ou dinheiro das consequência do acidente. E se, desta maneira, obviamente que se torna indispensável entrar na vida privada do sinistrado, parece-nos manifesto que o mesmo deverá ocorrer quando se apresente como indiciada, com alguma probabilidade, uma qualquer doença anterior que, de alguma forma, possa ter desencadeado ou influído na verificação do acidente ou tenha condicionado a existência de lesões. Trata-se, em qualquer dos casos, de apurar a real situação do sinistrado, em termos físicos e clínicos e de capacidade para o trabalho. Até porque não deve ser negado à entidade responsável o direito de se inteirar de todos esses aspectos- o facto de estarmos perante uma responsabilidade tendencialmente objectiva não implica a sacrifício dos legítimos interesses da entidade responsável - empregadora ou seguradora.

E não se olvide que estamos, no domínio da legislação infortunístico-laboral, perante normas de interesse e ordem pública.

Contudo, e como ensina José João Abrantes, in Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho- Em Especial, a Reserva da Vida Privada (Algumas Questões), Almedina, Abril de 2014, pag. 18, no âmbito das relações de trabalho, a plena eficácia dos direitos fundamentais da pessoa humana tem com o limite os “interesses legítimos”, do próprio trabalhador, do empregador ou de terceiros, naquilo que aponta para um critério de concordância prática entre a liberdade civil do trabalhador e a autonomia contratual, através de um princípio de proporcionalidade, na sua tripla dimensão de necessidade, de adequação (entre o objectivo a alcançar com a limitação e o nível desta) e de proibição do excesso (devendo a restrição ser o menor possível, em função da finalidade a ser alcançada com a sua imposição).

Como não poderia deixar de ser, a realização ou apresentação de testes e exames clínicos, constituindo uma intromissão na vida privada do trabalhador, deverão respeitar esse princípio da proporcionalidade – só deve ser permitido o estritamente necessário sem sacrifício de bens jurídicos superiores, para que se encontre um justo equilíbrio entre a necessidade de assegurar a livre gestão dos meios produtivos e os interesses individuais.

Assim, a fim de ponderar essa proporcionalidade, há que aferir da necessidade de se desencadear essa intromissão, devendo rejeitar-se qualquer diligência processual que implique com a reserva da vida privada do trabalhador /sinistrado quando manifestamente se apresentar como desnecessária. Não é caso dos autos, já que, e face ao que tivemos oportunidade de expor, se apresenta como perfeitamente legítima a pretensão da recorrente, expressa no requerimento por ela formulado em sede de audiência de julgamento, e tendo em atenção os pontos 10ª a 13º da base instrutória.

Assim, há que revogar o despacho que indeferiu tal requerimento, com natural repercussão no julgamento, que deverá ser repetido, após a resposta à solicitação a efectuar ao Ministério da Saúde. Isto sem prejuízo de, face ao termos dessa resposta, o Tribunal poder considerar necessário ordenar diligências complementares, designada, mas não exclusivamente, a produção de prova pericial.

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Decisão:

Nos termos expostos, e na procedência da apelação, acorda-se em:

- revogar o despacho de fls. 208, proferido em audiência, que deverá ser substituído por outro que defira a pretensão da Ré;

- anular, em consequência, o julgamento, bem como a sentença.

Custas do recurso pela parte vencida a final.

Coimbra, 03/07/2014

(Ramalho Pinto - Relator)

(Azevedo Mendes)

(Joaquim José Felizardo Paiva)