Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/09.8PTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REENVIO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.º 410º, N.º 2, AL. A), DO C. PROC. PENAL
Sumário: A matéria de facto tanto pode ser insuficiente quando não permite a subsunção efectuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite uma opção fundamentada entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta ou um juízo inteiramente fundamentado sobre o doseamento da pena, suposto que o tribunal podia investigar os factos em falta e não investigou.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No âmbito do processo comum singular 83/09.8PTCTB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco o arguido AF... foi submetido a julgamento acusado da autoria de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3.1.
Realizado o julgamento na ausência do arguido, por sentença de 20.9.2010, foi decidido condenar o arguido pela prática do imputado crime na pena de seis meses de prisão efectiva.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido AF..., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. A formulação de um juízo de prognose favorável, condição sine qua non para se poder suspender a execução de uma pena de prisão, deve decorrer das circunstâncias pessoais do arguido à data da comissão do ilícito (art. 50° do CP).
2. Reportando-se os antecedentes criminais do recorrente a factos ocorridos há mais de seis anos no entendimento deste não deveriam ter assumido a preponderância que assumiram para o juízo de prognose desfavorável que foi feito nos termos e para os efeitos do art. 50º do CP.
3. Assim sendo, somos de opinião que o quantum penal aplicado ao recorrente poderia e deveria ter sido suspenso na sua execução, ainda que essa suspensão fosse acompanhada de regime de prova (art. 53° e segs do CP) e condicionando essa suspensão à condição de este, em prazo a fixar, juntar documento comprovativo aos autos de que concluiu com êxito o processo de aprendizagem que o habilitará a conduzir veículos.
4. In casu também existiam as condições objectivas e subjectivas para que a pena aplicada fosse substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58° do CP).
5. Acreditamos que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reacção penal diversa, uma vez que se trata de alguém integrado familiar, social e profissionalmente e que o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorre da aplicação deste tipo de pena.
6. Com a sentença proferida foi violado o disposto no art. 40°, 50° e 58º do CP.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exc. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-­se a douta sentença proferida, assim sendo feita Justiça.

Notificado, o Ministério Público na primeira instância respondeu, concluindo o seguinte:
1 - Compreende-se que a pena aplicada ao arguido AB... não seja substituída por outra nem suspensa na sua execução.
2 - Na verdade o arguido AF... comporta no seu registo criminal, condenações nos seguintes processo, 26/03.2 GTPTG, 76/01.3 PTCTB, 11/02.1 PECTB, 22/04.2 PTCTB, 54/03.8 GCCTB.
3 - As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas: prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.
4 - No plano da prevenção especial revela-se premente a necessidade de uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do arguido, prevenindo a prática de comportamentos ilícitos, de modo a que se comporte de forma responsável, fazendo­-lhe sentir a anti-juridicidade e gravidade da sua conduta.
5 - Estas fortes necessidades de prevenção são de tal modo relevantes que desaconselham a aplicação da pena de multa que, face ao caso concreto, se revela insuficiente para assegurar as finalidades de punição.
6 - Entendemos que a pena aplicada de seis meses de prisão é justa, equilibrada e proporcional à culpa do arguido AB....
7 - Na verdade, os antecedentes criminais do arguido não permitem formar um juízo de prognose favorável, sendo certo que o Tribunal já esgotou a possibilidade de suspender a execução da pena ao arguido.
8 - Assim se mostra afastada a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
9 - É que o arguido demonstra uma personalidade propensa para o crime, sendo que não é possível formular qualquer juízo de prognose favorável, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição.
10 - Sendo certo que apesar do hiato entre a última condenação por condução sem habilitação legal (16/03/2004) e a dos presentes autos, 18/09/2009, o que é facto é que nesse período de tempo o arguido foi condenado por duas vezes em 1ª instância, (11/11/2008 e 18/1 11/2008) em penas de prisão suspensas na sua execução. (Proc. nºs 11/02.1 PECTB e 54/03.8 GCCTB), em nada belisca o juízo de prognose desfavorável em relação ao arguido e se mostra afastada a aplicação da suspensão da execução da pena.
11 - Consideramos nós, ser justa e equilibrada a pena aplicada ao arguido pela Mmª Juiz "a quo", sendo de concluir que foi criteriosamente fixada.
12 - Face ao exposto, por se ter por justa e equilibrada a escolha da pena, entendemos dever ser negado provimento ao recurso ora apresentado e confirmada, pois, a douta sentença recorrida
V. Exas, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão JUSTIÇA

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
(…) pese embora acompanhemos em geral a motivação do Exm.º Procurador-Adjunto junto da l.ª instância, no que toca às razões no sentido de o arguido não dever aproveitar da necessária prognose favorável à suspensão da pena, em função dos seus três antecedentes criminais neste tipo de ilícito, e pese embora o arguido se encontre envolvido num quadro aparentemente propenso para a condução sem se encontrar habilitado para o efeito, quer-nos parecer que o mesmo poderá ainda de facto beneficiar de urna derradeira prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E isto, não só considerando que as anteriores 5 condenações se reportam todas a factos ocorridos há bastantes anos, entre 2001 e 18/03/2004, com 3 condenações em multa nesse período, e 2 em prisão com pena suspensa, ambas em data tardia (15/01/2010), mas também posteriores aos factos dos presentes autos (18/09/2009), denotando assim que antes da prática destes ainda não tinha sentido a solene advertência desta ameaça de prisão.
Mas também que tal, conjugado com as alterações introduzidas aos Códigos Penal e de Processo Penal, respectivamente pelas Leis n.ºs 58/2007, de 04/09, e 48/2007, de 29/08, as quais entraram em vigor em 15/09/2007, designadamente em matéria de suspensão da pena, e onde se conforma na reforçada afirmação de que a prisão só deverá de facto ser aplicada como último e derradeiro recurso.
Quer-nos pois parecer que, apesar de tudo, e do escasso quadro factual da sentença, não será de todo de excluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É por isso que, face ao alegado quadro pessoal do arguido de estar o mesmo, familiar, social, e profissionalmente inserido, pese embora o muito devido e merecido respeito pela posição do Exm.° Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância, e pela sua cuidada motivação, com a qual de certa forma, em função de critérios de prevenção, não deixamos de concordar, acabamos porém por aderir aos fundamentos do recurso do arguido.
Ainda que, subsidiariamente, até no sentido de que o cumprimento dessa pena de prisão, em última instância, possa ser também equacionada para ser cumprida em dias livres ou em regime de semi-detenção, nos termos dos art.ºs 45.° e 46.° do C.P. e 487.° do C.P.P.,
Aliás, diga-se, a sentença de alguma forma é mesmo por assim dizer omissa quanto ao apuramento das condições pessoais do arguido, o que, sendo tal essencial, visto o disposto nos art.ºs 340.°, 369.° n.º 2, 379.° n.º 1 c), poderia invalidá-la por insuficiência investigatória, mas que, no presente caso, em face da motivação do arguido, sua pretensão e conclusões do seu recurso e matéria fixada, poderá entender-se suprida ou dispensável face aquele objecto de recurso, dando-se assim, por outro lado, desde já procedência ao recurso do arguido.
Nestes termos, face a tudo o que ficou exposto, apesar da nuance atrás referida quanto à omissão da situação pessoal do arguido, somos de parecer que o recurso do arguido deverá obter procedência.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o recorrente usado do direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Da decisão recorrida constam os seguintes fundamentos de facto e de direito:
Matéria de Facto Provada:
Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
No dia 18 de Setembro de 2009, pelas 02: 17 horas, na Rua ..., em ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros Seat Ibiza, com a matrícula …. .
O arguido, nas referidas circunstâncias, conduzia tal veículo sem ser titular de carta de condução ou de qualquer documento que o habilitasse a conduzir veículos daquela categoria.
Não obstante ter perfeito conhecimento que não estava legalmente habilitado a conduzir, o arguido decidiu conduzir tal veículo automóvel nas circunstâncias acima aludidas.
Actuou o arguido sempre de modo livre e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido já foi condenado:
a) Por sentença transitada em julgado a 3/02/2003, no âmbito do processo que correu termos sob o n° 26/03.2GTPTCG do 1º juízo do Tribunal Judicial de Portalegre, foi o mesmo condenado pela prática cm 1/02/2003, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3°, n.º 2, do Dec. Lei 2/98, de 3/1, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 4.00€, substituída por admoestação:
b) Por sentença transitada em julgado proferida em 15/09/2003, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 76/01.3PTCTB do 1 ° juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o mesmo condenado pela prática em 07/12/2001, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º nºs e 2 do Dec Lei 2/98, de 3/1, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 3,00€.
e) Por sentença transitada em julgado em 15/01/2010, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 11/02.1PECTB do 2° juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o mesmo condenado pela prática em l/01/2007, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 275°. n° 3 do CP e um crime de condução sem habilitação legal praticado em 1.01.2002, na pena de 11 meses de prisão, suspensa por 12 meses;
d) Por sentença transitada em julgado em 5/05/2004, no âmbito do processo que correu termos sob o n° 22/04.2PTCTB do 2° juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o mesmo condenado pela prática em 18/03/2004, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3° nºs 1 e 2 do Dec Lei 2/98, de 3/1, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 4.00€;
e) Por sentença transitada em julgado em 15/01/2010, no âmbito do processo que correu termos sob o n° 54/03.8GCCTB-A do 2° juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o arguido condenado pela prática de 3 crimes de condução sem habilitação legal e um crime ofensa à integridade física qualificada, praticados a 20.03.2003, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano e nove meses.
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Matéria de Facto Não Provada:
Factos não provados, não os há.
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Motivação da Decisão de Facto:
A convicção do Tribunal. no que concerne à facticidade típica, baseou-se nas declarações da testemunha JV..., agente da PSP a prestar serviço na Esquadra de Trânsito de ... e que revelou conhecimento directo dos factos em apreço, em virtude do exercício de funções. A testemunha procedeu à operação de fiscalização em causa nos autos, confirmando que quem conduzia o veículo era o arguido, apesar de inicialmente o mesmo ter fornecido uma identificação diferente, o certo é que mais tarde o senhor agente veio a apurar que quem conduzia efectivamente o veículo era o arguido, e não o seu irmão, como aliás fora confirmado por este último quando se deslocara à polícia no dia designado para exibição de documentos.
O depoimento desta testemunha revelou-se isento, coerente e circunstanciado, e por isso credível, afirmando perante o Tribunal que não ter dúvidas na identificação do arguido.
Teve-se em conta o documento do IMTT constante de fls. 10, do qual resulta que o arguido não é titular de carta de condução; no que se refere aos antecedentes criminais, teve-se em conta o C.R.C. de fls. 59 a 64.
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ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA:
Enquadramento Jurídico-Penal:
Face à matéria de facto provada, façamos agora o seu enquadramento jurídico-penal.
A factualidade supra elencada integra com clareza a prática pelo arguido do crime previsto no artº 3°, n° 1 e 2 do Dec. Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro.
De acordo com o disposto no artº 3°, n° 1 e 2 do Decreto-Lei n° 2/98, de 03 de Janeiro, "Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias". "Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel, a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 20 dias".
Na verdade, provou-se que o arguido conduzia o referido veículo na via pública, sem que possuísse qualquer documento que o habilitasse à condução daquele veículo.
Provou-se, ainda, o tipo subjectivo do crime cm causa, uma vez que o arguido tinha conhecimento dos factos e quis agir da forma porque o fez, bem sabendo que a condução de veículo a motor sem para tal estar habilitado é ilícita e punida por lei.
Pelo exposto, conclui-se ter o arguido cometido, em autoria material, um crime de condução de veículo sem para tal estar habilitado. p. e p. pelo artº 3°, n° 1 e 2 do Dec. Lei n° 2/98, de 3 de Janeiro.
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Da Medida Concreta da Pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção que ao mesmo deve ser aplicada.
A aplicação de uma pena tem como fll1alidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de harmonia com o disposto no art. 40.°, n.º 1, do C. Penal. Assim, a pena não tem um fim retributivo. a sua aplicação pauta-se, em primeira linha, pelas exigências de prevenção geral positiva ou de integração; a pena visa a reafirmação contrafáctica da norma violada (nas palavras do ilustre Professor FIGUEIREDO DIAS) e a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Nos termos do preceituado no n.º 2 do art. 40.º do C. Penal, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não há pena sem culpa e, jamais, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação da dignidade humana. princípio fundamental de um Estado de Direito Democrático.
Acompanhando o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As consequências jurídicas do crime, Coimbra, 1988, pago 279 e ss., diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa. e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídicos.
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função primordial a socialização do agente e a sua reintegração social e como função subordinada a intimidação individual.
Feita esta breve análise sobre as finalidades punitivas, aml1isaremos o caso concreto. Para o efeito, haverá que atentar na moldura abstracta prevista no crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3.°, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro.
Este crime é punível com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. Estipula o art. 70.º do C. Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição". A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas face às necessidades de prevenção. Necessidade. proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.
No caso sub judice, face aos antecedentes criminais do arguido, dúvidas não restam que a pena de multa não é suficiente para garantir as finalidades da punição. Com efeito, o arguido já foi condenado por diversas vezes pelo mesmo tipo de crime, sendo que o trânsito em julgado de três dessas condenações é anterior à data dos factos. Não obstante, o arguido persistiu em conduzir sem habilitação legal, desrespeitando a solene advertência contida nas condenações anteriores. A isto, acresce o facto do arguido ter ainda muitos outros antecedentes criminais, o que demonstra que o arguido, ao longo do tempo, vem mantendo uma conduta contrária ao Direito. Assim, apenas uma pena privativa da liberdade é capaz de assegurar a realização dos fins das penas, designadamente de prevenção especial, pelo que o Tribunal entende condenar o arguido numa pena de prisão.
Para determinar o quantum da pena adequado à culpa e à prevenção há que ponderar as circunstâncias gerais presentes no caso concreto que, revelando pela via da culpa ou pela via da prevenção, deponham a favor ou contra o arguido, sempre com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (art.s 47.°/1 e 71.°/1 e 2 do C. Penal). O n.º 2 do art. 71.° estabelece uma enumeração não taxativa destas circunstâncias, que auxilia o julgador na tarefa de individualização judicial da pena.
Assim, no caso concreto importa considerar: o grau de ilicitude do facto que é elevado:
- o dolo foi intenso - dolo directo:
- a existência de antecedentes criminais, por crime de idêntica natureza aos dos presentes autos. Note-se que além das já aludidas três condenações anteriores transitadas em julgado; o certo é que depois destes factos o arguido já foi condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de mais 5 crimes de condução sem habilitação legal.
A culpa do arguido é, assim, elevada, uma vez que o arguido persiste na reiteração do crime de condução sem habilitação legal, mostrando-se indiferente às solenes advertências contidas nas condenações anteriores. De igual forma, são bastante elevadas as exigências de prevenção especial, dada a comprovada falta de sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, ao que acresce o facto do arguido ainda não se encontrar munido de carta de condução que o habilite a conduzir.
Acresce que as exigências de prevenção geral são elevadas quanto a este tipo de criminalidade. Este tipo legal de crime tutela a segurança pública, mais concretamente a segurança rodoviária. é cada vez mais crescente a preocupação pelo acréscimo de acidentes nas nossas estradas, muitas vezes, causados pela falta de preparação dos condutores, que nem sequer possuem licença para tal. Deve, assim, ser reforçada, aos olhos da comunidade, a validade da norma violada que pune tal conduta e protege aquele bem jurídico fundamental.
Tudo ponderado, julga-se adequado condenar o arguido na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Dispõe o art. 43.° do Código Penal. que "A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituida por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes ( …)".
No caso concreto, atentos os antecedentes criminais do arguido, e uma vez mais se sublinha, as diversas condenações do arguido pelo mesmo tipo de crime, tudo leva a crer que o arguido, quando colocado em liberdade, voltará a conduzir sem habilitação legal. Na verdade, o cumprimento da pena de prisão efectiva é o único meio de fazer face às elevadas exigências de prevenção especial e prevenir o cometimento de futuros crimes. Além do mais, a substituição desta pena de prisão por multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como a sua execução por dias livres não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atenta a permanente conduta do arguido contrária ao direito (art.s 45.° e 58.°, todos do C. penal).
Cumpre, agora, ponderar a eventual suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos do art. 50° do CP. De acordo com este preceito legal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada cm medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No que diz respeito à personalidade do agente e face aos vastos antecedentes criminais do arguido, podemos afirmar que o arguido tem vindo a assumir uma atitude não própria de uma pessoa fiel ao Direito, antes uma conduta manifestamente contrária ao Direito. Sublinhe-se que nas anteriores condenações já foram dadas diversas oportunidades ao arguido, e o arguido persiste em praticar o crime.
Acresce que de acordo com os elementos constantes dos autos não é possível, de maneira alguma, formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, desconhecendo-se se o arguido já está inscrito actualmente numa escola de condução ou se se encontra socialmente inserido, uma vez que o arguido regularmente notificado não compareceu em Tribunal.
Pelo exposto, afigura-se necessário advertir seriamente o arguido mediante a aplicação de uma pena de prisão efectiva, de forma a que este mantenha uma conduta conforme ao Direito, com respeito pelos bens jurídicos fundamentais, não sendo para tal suficiente a simples censura do facto e ameaça de prisão. Nestes termos, não se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Assim sendo, o Tribunal entende ser de aplicar ao arguido uma pena de prisão efectiva de 6 meses de prisão.
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III. Apreciação do Recurso
Embora os actos da audiência hajam sido objecto de documentação, o recorrente não impugna a matéria de facto em que assentou a decisão recorrida, restringe o recurso a matéria de direito, pelo que este Tribunal conhece apenas de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nº 2 e nº 3 do mesmo diploma legal.
Ou seja, a matéria de facto dada como provada na primeira instância deve ter-se por assente, só podendo ser sindicada por este Tribunal se e na medida em que se deva conhecer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal do conhecimento oficioso (cfr. jurisprudência de uniformização do S.T.J. – Acórdão nº 7/95 de 19.10.1995 in BMJ 450, pag. 72) ou das nulidades a que se refere o nº 3 do mesmo artigo ainda que não invocadas, porque igualmente do conhecimento oficioso.
Fixado o âmbito dos poderes de cognição desta Relação, cumpre conhecer do recurso interposto sintetizando as questões que coloca para apreciação. Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal).
Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que se coloca para apreciação deste tribunal a seguinte e única questão:
Se a pena de prisão em que o arguido/recorrente foi condenado (seis meses de prisão) deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade ou suspensa na sua execução com regime de prova.

Apreciando:
Na sentença recorrida foi o arguido condenado em pena de prisão de seis meses efectiva, tendo-se afastado a aplicação de penas de substituição, inclusivamente as de cumprimento mitigado da pena de prisão (por dias livres, regime de sedimentação ou de permanência na habitação).
Para tanto apoia-se o Tribunal a quo no facto de o arguido ter sofrido três condenações anteriores aos factos por crimes de igual natureza e de posteriormente ter sofrido cinco condenações também por crimes de igual natureza (na realidade quatro condenações – cfr. factos provados sob as alíneas b) e d), três delas ocorridas no mesmo processo) e de serem elevadas as exigências de prevenção.
O arguido pugna, no entanto, por aplicação do regime de suspensão da execução da pena ainda que condicionado a regime de prova ou pela substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, desvalorizando os antecedentes criminais porque relativos a factos ocorridos há mais de seis anos.
Mais invoca que é pessoa integrada familiar, social e profissionalmente.
Em primeiro lugar importa salientar que em data anterior à prática dos factos em apreço o arguido havia sofrido três condenações por crimes de condução de veículo sem habilitação legal e todas em penas de multa. Já posteriormente, em 2010, sofreu duas condenações pela prática de quatro crimes de igual natureza (e um crime de detenção de arma proibida) em duas penas de prisão cuja execução foi suspensa.
Ou seja, quando o crime em apreço foi praticado o arguido ainda não tinha sofrido qualquer condenação em pena de prisão ainda que substituída, mas apenas em pena de multa.
Cabe pois perguntar se nessas circunstâncias se deve optar imediatamente pela aplicação de uma pena de prisão efectiva, se as exigências de prevenção não encontrarão devida salvaguarda em pena de substituição da prisão, partindo do princípio que a tal não se oporão as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Mas para responder a tal questão e considerando que o arguido, à data dos factos, ainda não tinha sentido a ameaça de uma pena de prisão, necessário seria que estivéssemos na posse dos elementos fácticos relativos à sua situação pessoal, ponto sobre o qual a sentença recorrida é omissa quer factualmente, quer no que concerne à motivação da falta de investigação desses factos.
Para a existência do vício de insuficiência da matéria de facto aponta o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, embora seja seu entendimento que a pretensão do arguido de suspensão da execução da pena poderá obter provimento não obstante esse vício.
Divergimos, porém, de tal entendimento posto que a opção pela aplicação do regime de suspensão implica a formulação de um juízo de prognose favorável que não pode prescindir de um conhecimento circunstanciado das condições pessoais do arguido, para além de um juízo sobre a adequação de tal regime a realizar as finalidades da punição. Mas também a escolha e o doseamento da pena não podem, em princípio, prescindir do conhecimento desse tipo de factualidade.
Quanto a estes dois últimos aspectos sempre seria defensável que com base exclusivamente no elenco das condenações sofridas deveria em qualquer optar-se pela aplicação da pena de prisão cominada e que, situando-se a pena aplicada no limiar mínimo ditado pelas exigências de prevenção geral de integração, seria dispensável maior investigação. Já o mesmo não é possível afirmar em relação à adequação dos regimes de substituição da prisão.
Vejamos então em que termos se deve configurar a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Preceitua o artigo 410º, nº 2, a) do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;».
A insuficiência a que se reporta a citada alínea a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4ª edição, pag. 70 e Acórdão do S.T.J. de 13.1.99 citado na mesma obra).
Sendo o objecto do processo delimitado pela acusação/pronúncia, pela contestação e pelos factos que resultarem da prova produzida em audiência (cfr. artigo 339º, nº 4 do Código de Processo Penal) e estando Tribunal obrigado a enumerar os factos provados e não provados (cfr. artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal) esta enumeração respeita aos factos alegados pela acusação e pela defesa que sejam essenciais para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes e os factos provados que resultem da prova produzida em audiência que sejam relevantes para a questão da culpabilidade e determinação da sanção a aplicar (cfr. artigos 368º e 369º do Código de Processo Penal).
Para de um ponto de vista substancial sedimentar a obrigação do tribunal de investigar todos os factos relevantes ainda que não alegados e ainda que as partes não ofereçam prova sobre eles, o artigo 340º do Código de Processo Penal impõe ao tribunal a obrigação de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (consagrando-se, assim, na fase de julgamento, o primado do princípio da investigação – poder-dever que incumbe ao tribunal de investigar autonomamente os factos, para além das contribuições de acusação e defesa). E o artigo 369º já citado impõe ainda que o tribunal reabra a audiência se a matéria factual investigada for insuficiente para a determinação da espécie e medida da sanção.
Assentemos que a matéria de facto tanto pode ser insuficiente quando não permite a subsunção efectuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite uma opção fundamentada entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta ou um juízo inteiramente fundamentado sobre o doseamento da pena, suposto que o tribunal podia investigar os factos em falta e não investigou.
Todos os dispositivos legais citados fazem sentido se for possível alargar a investigação, colmatar a insuficiência factual. Na verdade eles apenas se podem dirigir à prova que é possível realizar e não àquela que por qualquer razão não é atingível.
O facto de a lei processual penal permitir que se realizem, em diversas situações, julgamentos na ausência do arguido, como ocorreu no caso, não derroga o disposto nos indicados artigos 340º, 368º e 369º do Código de Processo Penal. Com efeito, as declarações do arguido em audiência não são o único meio de prova que permite alcançar o conhecimento da sua situação pessoal, podendo o tribunal socorrer-se de outros meios. Assim, a sentença, na falta de prova dos factos respectivos, terá de expressar e justificar a impossibilidade do seu conhecimento, se relevantes para a boa decisão da causa. Só esta interpretação do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal é compaginável com a demonstração do cumprimento daqueles artigos e de que a mesma não padece de insuficiência factual para a decisão.
Na verdade, o vício em apreço há-de resultar do texto da própria decisão, como expressamente se refere no preceito que o prevê e sempre se poderá revelar a existência desse vício quando da sentença não conste justificação para a falta de investigação de tal matéria, sendo a mesma relevante para a boa decisão da causa.
Pelo exposto se conclui que a sentença recorrida padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão o que, nos termos do artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal, tem como consequência que o processo deva ser reenviado para novo julgamento, restrito, porém, à averiguação da situação pessoal do arguido nas suas diversas vertentes.
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IV. Decisão
Nestes termos, acordam, nos termos do artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal, em ordenar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à investigação dos factos acima mencionados relativos à situação pessoal do arguido.
Não há lugar a custas.
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Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Fernandes Martins