Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9956/15.8T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
SOLIDARIEDADE DE DEVEDORES
Data do Acordão: 01/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.323 Nº2, 808, 1142, 1148 CC, 856 CPC
Sumário: I - Se o contrato de mútuo – artigo 1142.º do CC - chegou ao seu termo, após o vencimento da última prestação, sem que tenha sido paga alguma das prestações, o contrato extingue-se por caducidade e não se lhe aplica o disposto no artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil (interpelação admonitória), podendo o credor exigir logo a totalidade da dívida.

II - Verificando-se que a citação do executado ocorreu meses depois da instauração da execução, por força do disposto no artigo 856.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que determina a realização da penhora antes da citação, ainda assim deve ter-se por interrompida a prescrição da obrigação nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, decorridos que sejam cinco dias sobre a instauração da execução.

III - A solidariedade de devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes – artigo 513.º do Código Civil –, podendo a declaração de solidariedade ser tácita.

Decisão Texto Integral:












I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pela executada e respeita à decisão que não julgou extinta a totalidade da dívida exequenda por prescrição quanto às remanescentes 19 prestações, vencidas de 21/12/2010 a 21/06/2012.

A decisão tem o seguinte teor:

«Pelo exposto, julgando procedentes os Embargos de Executado, o Tribunal decide:

1) Julgar extintas, por prescrição, quanto à Executada/Embargante M (…): as obrigações de pagamento decorrentes das 05 (cinco) primeiras prestações mensais (incluindo parcelas de capital, juros remuneratórios, comissões e despesas), vencidas entre 21-07-2010 e 21-11-2010, do “Contrato de Reestruturação de Dívida” que esta celebrou a 21-06-2010 com a “Banco (…), S. A.”; e os juros moratórios, sobre as prestações mensais prescritas, vencidos até 25-11-2010.

2) Julgar extinto o Processo Executivo quanto à Executada/Embargante M (…)

3) Ordenar o levantamento/cancelamento/restituição de toda e qualquer penhora determinada no Processo Executivo sobre bens da Executada/Embargante M (…).

4) Fixar o valor dos Embargos de Executado em €7.881,54 (sete mil oitocentos e oitenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) (art. 297.º/1, 304.º/1, 306.º/1/2, e 607.º/6 CPC).

5) Condenar a Exequente/Embargada no pagamento das custas dos Embargos de Executado (…)»

Considerou-se na decisão o seguinte:

Que o pagamento prestacional teve início a 21-07-2010 e se prolongou por 24 (vinte e quatro) meses, ou seja, até 21-06-2012.

Que a executada/embargante nunca pagou qualquer uma das prestações mensais acordadas para a amortização da dívida.

Que a ação executiva foi instaurada em 20-11-2015 e que a executada se considera citada, nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil em 25-11-2015.

Que a executada/embargante foi citada para a ação executiva a 23-09-2016.

Que não existiu qualquer perda do benefício do prazo a favor da executada.

Que o contrato se extinguiu por caducidade em 21-06-2012 com o vencimento integral das 24 (vinte e quatro) prestações mensais nas respetivas datas.

Que não existiu interrupção da prescrição porque a lei (art.º 323.º CC) apenas atribui efeito interruptivo da prescrição promovida pelo titular do direito quando tal iniciativa é feita através de atos judiciais e estes não existiram.

Que na data em que se deve considerar efectuada a citação da executada, em 25-11-2015 e interrompida assim a prescrição já se encontravam prescritas as prestações mensais  vencidas entre 21-07-2010 e 21-11-2010, isto é, as 05 (cinco) primeiras prestações mensais (ou seja as parcelas de capital a reembolsar nelas incluídas e os juros remuneratórios nelas incluídas, e outras comissões e despesas nelas englobadas) e também os juros moratórios sobre as prestações mensais prescritas vencidos até 25-11-2010.

Que era fundada, nesta parte, a oposição deduzida pela executada, mas não na restante parte.

Que era totalmente impossível efetuar a liquidação da dívida não prescrita, porquanto não era possível discernir e quantificar  os montantes das parcelas de capital incluídas nas prestações mensais não prescritas; os montantes dos juros remuneratórios incluídos nas prestações mensais não prescritas; os juros moratórios vencidos (e qual a taxa aplicada) sobre cada uma das prestações mensais não prescritas desde o vencimento de cada uma delas até à data do preenchimento da livrança e as eventuais comissões e despesas incluídas no preenchimento da livrança.

 Que restava à exequente deduzir contra a executada nova ação executiva em que observasse a presente decisão quanto à parte dos créditos prescritos e em que a demandasse pela parte ainda exigível.

b) E desta decisão que vem interposto recurso por parte da executada, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) A exequente não respondeu.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1– Em primeiro lugar serão apreciadas as nulidades de sentença arguidas, que são estas:

a) Falta de fundamentação, porquanto o despacho saneador não cumprirá com os requisitos exigidos pelo artigo 607.º do CPC, nomeadamente no seu número 4, existindo falta de especificação dos fundamentos de facto prevista na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

b) Omissão de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC –, porquanto não foi objeto de apreciação o alegado pela Recorrente nos artigos 35.º, 36.º e 73.º da PI, cujos factos são suscetíveis de configurar uma decisão de direito diferente da tomada, nomeadamente considerando a dívida inexigível ou, ainda que ainda não se entenda, apenas parcialmente exigível à Recorrente.

2 – Em segundo lugar colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto, que consistem, na quase totalidade, na pretensão de aditar aos factos provados as cláusulas do contrato que se encontra nos autos relativo à reestruturação da dívida.

Pretendendo ainda a Recorrente que se acrescente aos factos provados que ela é solteira (artigo 73º dos embargos e certidão de nascimento junta com o requerimento de 29/06/2017) e que fique a constar dos factos não provados, que «Antes de ter instaurado a execução, a Embargada interpelou a Embargante para pagar os montantes em dívida (vide artigo 16º da Contestação e o alegado nos artigos 35º, 36º e 79º dos Embargos).

3 – Quanto à questão de direito, o recurso coloca as seguintes questões:

a) Saber se a dívida é exigível, argumentando a recorrente que não é, porquanto a mora, mesmo depois de vencidas todas as prestações, só se converte em incumprimento definitivo após interpelação admonitória – artigo 808.º, n.º 1 do CC –, que não existiu no caso e devia ter existido como resulta também da cláusula 11.5 do contrato.

 b) Verificar se a Exequente não liquidou a dívida no requerimento executivo e se sim se isso equivale a considerar que não foi dado conhecimento ao devedor do montante em dívida, pelo que não existiu interrupção da prescrição.

c) Se as prestações exigidas estão todas elas prescritas, porquanto não tendo existido qualquer pagamento de prestações, o prazo de prescrição de 5 anos começou a correr em 21/07/2010, data correspondente ao vencimento da primeira prestação não paga.

d) Se a recorrente só deve considera-se citada na data em que efetivamente o foi, em 23 de setembro de 2016 e não em 25 de novembro de 2015 como considerou o tribunal, porque não é de aplicar ao caso o disposto no n.º 323.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que a exequente não pediu a citação prévia à realização da penhora, pelo que  a exequente devia ter previsto que fazendo-se a citação só depois da penhora – artigo 856.º, n.º 1 do CPC,  a citação  só se concretizaria meses depois de instaurada a execução.

e) Se também estão prescritas as prestações vencidas nos 5 anos anteriores à data da real citação da Recorrente, isto é, as vencidas a partir de 23/09/2011, ou seja, em Outubro, Novembro, Dezembro de 2011 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2012.

f) Se só pode ser exigida à Recorrente metade da dívida, porquanto não consta do contrato celebrado que tenha sido estabelecido o regime da solidariedade, nos termos do disposto no artigo 513.º do CC, uma vez que é solteira.

III. Fundamentação

a)  Nulidades de sentença

1- A primeira nulidade arguida respeita a uma alegada falta de fundamentação da decisão, porquanto o despacho saneador não cumprirá com os requisitos exigidos pelo artigo 607º do CPC, nomeadamente no seu número 4, existindo falta de especificação dos fundamentos de facto prevista na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, o que é passível de gerar nulidade extensível a qualquer decisão, atento o disposto nos artigos 154.º do CPC e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Deste modo, deve ser anulado o despacho saneador sentença proferido, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 e 2, al. c) do CPC, devendo ser proferida nova decisão, nomeadamente para indicar quais os factos que não se consideram provados e a sua fundamentação.

Não procede a arguição desta nulidade.

Com efeito, sem ser exaustivo, o despacho saneador indicou os factos que o tribunal entendeu necessários, indicou e aplicou aos mesmos a lei que entendeu ser adequada.

Ora, como referiram os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» ([1]).

Na jurisprudência o entendimento é o mesmo como se vê pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 (Araújo Barros), em www.dgsi.pt, com referência ao n.º 05B2711:

«Para que uma decisão careça de fundamentação (incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668.º do C.P.Civil) não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (sumário).

No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-1-2014 (Gabriel Catarino), no processo n.º 1032/08.6TBMTA, em www.dgsi.pt:

«III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC)».

Não ocorre, pois, tal nulidade ([2]).

2- Vejamos agora as nulidades imputadas a omissão de pronúncia.

a) Ocorre esta nulidade no que respeita à questão da não solidariedade da dívida, com vista a executada responder apenas por metade da dívida, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre esta questão específica.

Declara-se esta nulidade por omissão de pronúncia, pelo que este tribunal da Relação apreciará infra tal questão, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC.

b) Não procede a arguição de nulidade quanto ao alegado pela Recorrente nos artigos 35.º, 36.º da petição onde alega que nunca foi interpelada para pagar.

Com efeito, o tribunal não se referindo diretamente a esta questão abordou-a implicitamente ao considerar que a recorrente nunca tinha perdido o benefício do prazo mas que o contrato tinha ficado extinto na data prevista para o pagamento da última prestação prevista.

Improcede por isso a arguição desta nulidade.

b) Impugnação da matéria de facto

a) No que respeita à pretensão de ver reproduzido o teor do contrato de reestruturação da dívida na matéria de facto da sentença, tal pretensão não tem efeito prático, porquanto o contrato foi reduzido a escrito, está no processo e não há divergências quanto ao seu teor.

No caso concreto, o tribunal remeteu para o contrato existente nos autos como se vê pelo teor do facto provado n.º 6 que tem este teor: «6. A relação fundamental causal extra-cambiária da Subscrição/Emissão da Livrança consistiu na celebração, a 21-06-2010, por documento particular, de um “Contrato de Reestruturação de Dívida” entre a “Banco (…) S.A.” e os Executados (fls.17 a 21v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)».

Por conseguinte, o teor do contrato sempre tem de ser considerado quer esteja reproduzido na sentença ou não esteja e, sendo assim, por desnecessidade, não se despende atividade com a sua transcrição.

b) Quanto à pretensão de que a Recorrente é solteira (artigo 73º dos embargos), tal resulta da certidão de nascimento que juntou com o requerimento de 29/06/2017, pelo que se aditará tal facto.

c) Quanto à questão de saber se «Antes de ter instaurado a execução, a Embargada interpelou a Embargante para pagar os montantes em dívida», tal facto não pode ser declarado não provado, nem provado nesta fase do processo (despacho saneador), porque depende de prova a produzir.

Se se apurar mais abaixo, no decorrer da apreciação do recurso,  que tal facto é necessário para decidir, então o processo terá de continuar e só será emitida decisão de mérito após audiência de julgamento.

c) Matéria de facto – Factos provados

1. A Executada/Embargante M (…) deduziu a presente Oposição à Execução por Embargos de Executado a 17-10-2016.

2. A Exequente/Embargada “C (…)” (após cessão de créditos) intentou, a 20-11-2015, o Processo Executivo n.º 9956/15.8T8CBR de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso, contra a Executada/Embargante e o Executado R (…).

3. Como causa de pedir, alega a Exequente/Embargada no requerimento executivo (RE) que é a legítima Portadora/Beneficiária de uma Livrança Subscrita/Emitida pelos Executados (fls.1 e 2 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

4. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança, reproduzida a fls.11, no montante de 7412,70 euros, com vencimento em 21-7-2014, tendo manuscritos os seguintes dizeres «titulação do contrato de empréstimo (?) 12654636» estando assinada pelos executados M (…) e R (…).

5. No RE a Exequente/Embargada formula o seguinte pedido executivo:

“1) Juros de mora, à taxa legal de 4% sobre o capital de €.7.482,70, desde a data de vencimento da livrança - 21-07-2014 - até efectivo e integral pagamento e que na presente data se liquidam em €382,89;

2) Imposto de Selo sobre os juros indicados em 1): €.15.95.”.

6. A relação fundamental causal extra-cambiária da Subscrição/Emissão da Livrança consistiu na celebração, a 21-06-2010, por documento particular, de um “Contrato de Reestruturação de Dívida” entre a “Banco (…) S.A.” e os Executados (fls.17 a 21v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

7. Nos termos contratuais (cláusula 2.), convencionaram as partes fixar o capital mutuado em dívida no montante de €4.476,90.

8. Nos termos contratuais (cláusulas 3., 4. e 5.), convencionaram as partes que o capital mutuado em dívida seria reembolsado nas seguintes condições:

Prazo: 24(vinte e quatro) meses a contar de 21-07-2010 até 21-06-2012;

Amortização: Prestações mensais e sucessivas compostas por: frações do capital + juros remuneratórios + comissões e despesas;

Taxa dos juros remuneratórios: Taxa anual nominal de 12%.

9. Os Executados nunca pagaram qualquer uma das prestações mensais acordadas para a amortização da dívida.

10. A Executada/Embargante foi citada para a ação executiva a 23-09-2016.

11. A Executada é solteira.

e) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 -  Vejamos se a dívida é exigível.

A executada argumenta que a dívida da Exequente não é exigível, porquanto a mora, mesmo depois de vencidas todas as prestações, só se converte em incumprimento definitivo após interpelação admonitória – artigo 808.º, n.º 1 do CC –, que não existiu e devia ter existido como resulta também da cláusula 11.5 do contrato.

Não assiste razão à recorrente.

Com efeito, nos termos do contrato, o prazo para o respetivo cumprimento foi definido em 24 (vinte e quatro) prestações mensais, com início em 21-07-2010 e termo em 21-06-2012.

Portanto ficou perfeitamente definido o termo do pagamento das prestações.

Tendo-se vencido todos os prazos de todas as 24 prestações, sem ter havido um único pagamento, que mais seria necessário ao credor fazer para exigir do devedor que lhe é devido?

Exigir ao credor que, antes de vir a juízo exigir a totalidade das 24 prestações vencidas, procedesse previamente a uma interpelação admonitória não teria qualquer função útil, pois o incumprimento definitivo do contrato já é um facto certo.

Ou seja, o próprio modo de execução do contrato mostra que ao definir-se um escalonamento da dívida em 24 prestações mensais e ao vencer-se a última prestação sem que qualquer delas estivesse paga, o contrato encontra-se em estado de definitivamente incumprido.

E tanto o contrato está definitivamente não cumprido que não faz sequer sentido a resolução do contrato, por não ter qualquer função.

Não se trataria aqui de resolver um contrato que chegou inelutavelmente ao fim pelo decurso do prazo?

Como refere Pedro Romano Martinez, «Tendo sido fixado um prazo, o contrato de mútuo caduca no termo ajustado. Apesar de esta solução, que resulta do regime comum, não constar das regras estabelecidas em sede de contrato de mútuo, depreende-se, a contrario, do disposto no art. 1148.º, n.º 1 e 2, do CC e advém da solução constante do n.º 3 do mesmo preceito» ([3]).

Pires de Lima/Antunes Varela também referem que «Tendo o mútuo prazo estipulado, ser-lhe-á aplicável, como a qualquer outra relação obrigacional, o disposto no artigo 805.º, n.º 2, alínea a), segundo o qual o devedor se considera em mora, independentemente de interpelação (dies interpellat pro homine), desde a data do vencimento» ([4]).

Quanto à cláusula 11.5 do contrato a mesma refere-se à falta de pagamento de prestações durante a vigência do contrato, pelo que não se aplica à hipótese em apreço.

Conclui-se, por conseguinte, que tendo o contrato de mútuo chegado ao seu termo, após o vencimento da última prestação, sem que tenha sido paga alguma das prestações, o contrato extingue-se por caducidade e não se aplica ao caso o disposto no artigo 808.º, n.º 1 do CC (interpelação admonitória), podendo o credor exigir logo a totalidade da dívida.

2- Vejamos agora se não ocorreu interrupção da prescrição porquanto a Exequente não terá liquidado a dívida no requerimento executivo e, sendo assim, não poderá considerar-se que foi dado conhecimento ao devedor do montante em dívida.

Não assiste razão à Recorrente.

Verifica-se que a dívida se encontra indicada no requerimento executivo, na parte relativa à «Liquidação da Obrigação», nos seguintes termos:

«Valor líquido…………………………………………………………7.482,70 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético……………………398,84 €

Valor não dependente de simples cálculo aritmético………………………..€

Total…………………………………………………………………….7.881,54€

1) juros de mora à taxa legal de 4% sobre o capital de €7482,7 desde a data do vencimento da livrança – 21-07-2014 – até efetivo e integral pagamento e que na presente data se liquidam em € 382,89

2) Imposto de Selo sobre os juros indicados em 1): €15,95».

Verifica-se, por conseguinte, que a obrigação se encontra liquidada.

Acresce que dada a pormenorização constante do contrato no que respeita às prestações em dívida, em caso de incumprimento do contrato, a executada pode verificar se as quantias estão corretamente calculadas, não existindo, por isso, uma tal falta de informação na posse da executada que possa equiparar-se a uma «falta de liquidação».

Improcede, por conseguinte, este argumento recursivo.

3- Vejamos agora se as prestações exigidas estão todas elas prescritas, porquanto não tendo existido qualquer pagamento de prestações, o prazo de prescrição de 5 anos começou a correr em 21/07/2010, data correspondente ao vencimento da primeira prestação não paga.

A resposta tem de ser negativa.

Se foi, como foi, estipulado um calendário de pagamento de 24 prestações, com uma data certa para pagamento de cada uma delas, então não pode deixar de se concluir que as partes se quiseram obrigar nesses termos.

Tendo-se obrigado nestes termos e não tendo existido qualquer pagamento daquelas 24 prestações, então o prazo de prescrição iniciou-se individualmente para cada prestação após a data do seu vencimento.

É isto que resulta do contrato.

Portanto tem de se concluir que o prazo de prescrição de 5 anos não começou a correr para todas as prestações em 21/07/2010, data correspondente ao vencimento da primeira prestação não paga.

4- Passando à questão de saber se a recorrente só deve considera-se citada na data em que efetivamente o foi, em 23 de setembro de 2016 e não em 25 de novembro de 2015 como considerou o tribunal, porque não é de aplicar ao caso o disposto no n.º 323.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que a exequente não pediu a citação prévia à realização da penhora, pelo que  a exequente devia ter previsto que fazendo-se a citação só depois da penhora – artigo 856.º, n.º 1 do CPC,  a citação  só se concretizaria meses depois de instaurada a execução.

Não assiste razão à Executada.

A lei prevê a possibilidade do autor/exequente pedir a citação urgente, como resulta do disposto no artigo 561.º, n.º 1, do CPC.

Esta urgência justifica-se porquanto a citação, nos termos referidos no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, é um modo de interromper a prescrição.

Pedida ou não esta urgência, o n.º 2 deste artigo do Código Civil determina que «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

A questão que a recorrente coloca consiste em saber se este regime vale literalmente para aqueles casos do processo executivo em que as diligências da penhora precedem a citação, como são os casos em que a execução segue o processo sumário – artigos 856.º, n.º 1, do CPC – e, por isso, podem decorrer largos dias, até mais de três meses, entre o momento em que é instaurada a ação executiva e citado o devedor executado.

Afigura-se que a interpretação adequada é aquela que aplica literalmente o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil às execuções em que a citação só se faz depois de realizadas as diligências da penhora, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre ter em consideração o fundamento da prescrição reside em sancionar o credor por ser negligente na cobrança do seu crédito.

Como referiu o Prof. Manuel de Andrade, «...segundo a doutrina o dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica» ([5]).

Ora, num caso como o considerado é manifesto que o credor não está a ser negligente, pois vem ao tribunal cobrar a dívida.

O que sucede é que o legislador entendeu que se deviam iniciar os atos processuais com as diligências da penhora, certamente para evitar ocultação de bens, e só depois proceder à citação.

Por conseguinte, a conclusão a retirar da razão de ser da prescrição é que esta razão de ser não se verifica no caso que estamos a apreciar, isto é, não existe negligência do credor no sentido de cobrar o crédito e daí que a interpretação da regra do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil deva ser aquela que respeita este status quo.

 Em segundo lugar, deve considerar-se que o cidadão-parte deve poder confiar no sentido que resulta da literalidade da norma, como se depreende do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, onde se prescreve que «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

E, por ser assim, então o normal, o expetável, é que as partes cofiem no teor literal as normas e ajam de acordo com esse teor.

E os juízes sabendo disso deverão privilegiar também o teor literal da norma em vez de procurarem interpretações mais subtis.

Ora, se a norma do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, declara que não ocorrendo a citação dentro de cinco dias depois de instaurada a ação, por causa não imputável ao requerente, a prescrição se considera interrompida decorridos esses cinco dias, então é expetável que a parte confie neste teor literal, mesmo que saiba que a citação só se realizará depois de feitas as diligências relativas à penhora.

Ou seja, não é exigível que a parte viva numa dúvida para a qual não contribuiu e tenha de fazer uma interpretação subtil das normas, do tipo: a norma do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil vem de um tempo mais antigo, no qual não existia a atual precedência temporal das diligências da penhora sobre as da citação, e, por isso, será de ponderar se esta norma do Código Civil ainda valerá de acordo com o seu teor literal ou, ao invés, não terá sido derrogada tacitamente pelas normas do processo executivo que colocam as diligências da citação num momento processual mais avançado em relação à instauração do processo, pelo que, à cautela, é preferível requerer a citação urgente da executada.

Em terceiro lugar, na sequência daquilo que acabou de ser dito, no caso de desconjugação entre os preceitos referentes a custas, organização judiciária e processo e a lei substantiva deve dar-se prevalência a esta última e concluir como no acórdão do tribunal da Relação de Lisboa 13-1-2009 no processo  n.º 9584/2008-1 (Rijo Ferreira) que «A regra, contida no nº 2 do artº 323º do CCiv, segundo a qual, para efeitos de prescrição, se deve considerar efectuada a citação decorridos cinco dias sobre a instauração da acção aplica-se também às execuções em que não há lugar a despacho liminar, em que a penhora precede a citação».

Ponderou-se que «Em aplicação da regra estabelecida no nº 2 do artº 323º do CCiv – ter-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias sobre o requerimento da citação sem que esta ocorra por causa não imputável ao requerente – formou-se jurisprudência firme no sentido de que a citação efectuada para além do quinto dia após aquele em que for requerida não é imputável ao respectivo requerente quando a demora é devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, negligência do tribunal ou dos seus funcionários, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas. E que a demora é imputável ao respectivo requerente quando se demonstre existir um nexo objectivo de causalidade entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dias posterior à apresentação daquele.

No mesmo sentido, anteriormente, havia-se pronunciado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de junho de 2006, no processo n.º 1471/06 (Artur Dias) «… III – Quando a demora na citação resulte da não conjugação dos preceitos da lei de custas, de processo e de organização judiciária com as normas substantivas, o conflito deve solucionar-se no sentido da prevalência destas, sem que tal não conjugação possa imputar-se aos que requerem a citação.

IV- Verificando-se que a citação do executado ocorreu mais de um ano depois da instauração da execução, por razões de natureza processual relacionadas com o novo regime da acção executiva (já que nesta a citação do executado só acontece depois de realizada a penhora, cuja efectivação pode ser demorada), a causa da não citação dentro dos cinco dias subsequentes não é imputável ao exequente, devendo considerar-se interrompida a prescrição nos termos do artº 323º, nº 2, do C. Civ.».

Cumpre concluir.

Improcede o argumento recursivo, pelo que se entende que a citação se tem por efetuada como se refere na sentença em 25 de novembro de 2015.

5- Vejamos agora se também estão prescritas as prestações vencidas nos 5 anos anteriores à data da real citação da Recorrente, isto é, as vencidas a partir de 23/09/2011, ou seja, em Outubro, Novembro, Dezembro de 2011 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2012.

Face à resposta dada em relação à questão anterior a resposta a esta questão é negativa.

A recorrente parte da premissa, que se considerou errada, que a citação se deve considerar feita na sua data histórica e não na data ficcionada no n.º 2 do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.

Como a data a considerar para a citação é 25 de novembro de 2015, então só se encontram prescritas as prestações que se venceram para além dos 5 anos anteriores a 25 de novembro de 2015, como se considerou na sentença, ou seja, as prestações aprazadas até 25 de novembro de 2010, ou seja, as cinco primeiras.

Improcede, pelo exposto, esta pretensão recursiva.

6- Questão seguinte, saber se só pode ser exigida à Recorrente metade da dívida, porquanto não consta do contrato celebrado que tenha sido estabelecido o regime da solidariedade, nos termos do disposto no artigo 513.º do CC, uma vez que é solteira.

Muito embora o artigo 513.º do Código Civil prescreva que «A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes», também improcede esta sua pretensão, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre observar que atendendo ao fundo factual do contrato, nenhum interesse existia para a mutuante só poder exigir a cada um dos mutuantes metade da dívida.

Nem os mutuários podiam estar a contar, quando contrataram, que só se estavam a obrigar em relação a metade da quantia mutuada e não em relação á totalidade.

Vejamos a razão de ser da solidariedade.

Como referiu Vaz Serra, «Certo parece ser apenas que, nas obrigações solidárias, existe, entre os sujeitos, activos ou passivos, uma comunidade de fim. As obrigações dos vários sujeitos, activos ou passivos, estão entre si relacionadas. Há entre elas uma conexão. Esta conexão não se baseia na igualdade de conteúdo, uma vez que o conteúdo das obrigações pode variar de sujeito para sujeito, como se verá, e que a igualdade de conteúdo não supõe necessariamente uma obrigação solidária; não se baseia também na mesma causa de nascimento, pois os créditos ou as dívidas dos diferentes sujeitos podem resultar de causas diversas; o seu fundamento está na comunidade de fim: “os vários devedores ou credores estão unidos, voluntariamente ou em virtude de uma disposição do ordenamento jurídico, para conseguir o mesmo fim, de modo que as suas obrigações e os seus créditos singulares aparecem só como meio para a consecução deste fim comum. O fim comum das dívidas solidárias é a segurança e satisfação do credor»  ([6]).

O fundamento da solidariedade reside neste caso na circunstância dos devedores terem unificado as suas ações para conseguirem um fim comum, no caso, a reestruturação e pagamento da dívida nas aludidas 24 prestações.

Por isso, é de concluir que na base contratual esteve pressuposta a hipótese do banco estar a emprestar a totalidade da quantia a cada um dos mutuários e de poder, por isso, exigir de cada um a totalidade em caso de incumprimento.

Em segundo lugar, é isso mesmo que se retira do teor do contrato.

Consta do mesmo:

«2.º Outorgante:

M (…) e R (…)… adiante abreviadamente designado(s) por Cliente(s).

E considerando:

A) Que, em 21-10-2005, o banco abriu um crédito a favor do Cliente até ao montante de Euros 6.157,11(…);

Que o Cliente entrou em mora e incumprimento (...);

É convencionado e reciprocamente aceite entre os Outorgantes o presente contrato reestruturação de dívida, nos termos constantes das cláusulas seguintes:

1. Dívida:

1.1. Nesta data, o Cliente reconhece e confessa-se devedor ao Banco…».

Verifica-se que cada um dos devedores, em conjunto, é considerado «Cliente» e o «Cliente», ou seja, cada um dos obrigados, confessou ser devedor ao banco da dívida exequenda, de toda ela.

Por conseguinte, resulta do contrato, do seu teor literal, que muito embora não conste do mesmo expressamente que a obrigação era «solidária», é isso que resulta do sentido das declarações que compõem o texto contratual.

Sendo certo que a declaração da solidariedade não tem que ser expressa, podendo ser tácita.

Neste sentido, Vaz Serra: «Dada a orientação proposta, a solidariedade entre devedores resulta, em princípio, da vontade das partes, devendo, por isso, ser estipulada. Não o sendo, a obrigação não é, em regra, solidária.

A estipulação pode ser, como se sugeriu, expressa ou tácita» - Ob. cit., pág. 105.

Ou seja, do teor «…o Cliente reconhece e confessa-se devedor ao Banco…»  resulta que cada um dos obrigados, sendo um deles a ora embargante, se declarou devedor da totalidade e não apenas de metade e obrigou-se a pagar a totalidade da dívida ao banco e não apenas a pagar metade.

E, como se acabou de referir, no caso dos autos ambos os devedores uniram as suas vontades para conseguirem atingir um objetivo comum: a reestruturação e pagamento da dívida em 24 prestações.

Improcede, pelo exposto, este argumento recursivo.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente.


*

Coimbra, 28 de janeiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687.
[2] Verifica-se que é raro o recurso onde não é arguida uma nulidade de sentença. Ora, ressalvando os casos de omissão de pronúncia ou de excesso de pronúncia, serão raros os casos em que uma sentença padece de nulidade, dado que as causas de nulidade têm natureza formal e a forma é quase sempre observada. Por isso, a arguição das nulidades de sentença, salvo os casos apontados, não passa de um desperdício de tempo e de meios, quer para o recorrente, quer para o tribunal.
[3] Da Cessação do Contrato. Almedina, 2005, pág. 365.
[4] Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, pág. 691.

[5] Teoria Geral do Direito Civil, II, 4.ª Reimpressão, 1974, pág. 445.

[6] Pluralidade de Devedores ou de Credores. BMJ, n.º 69, pág. 97-98.