Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
468/10.7T3AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – ÁGUEDA – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 50º CP
Sumário: A suspensão da execução da pena em crimes de tráfico de estupefacientes só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral.
Decisão Texto Integral: Por acórdão proferido nos autos supra identificados, decidiu o tribunal:

A)- absolver as arguidas A... e B... da prática do imputado crime de tráfico de estupefacientes previsto no artº 21 º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, tal como os arguidos C... e D...;
B)- condenar o arguido C... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artº 25º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de dois anos de prisão efectiva.
C)- condenar o arguido D... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artº 25º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de três anos de prisão efectiva.

Inconformado com o decidido, o arguido C... interpôs recurso.

Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

................/...................

Respondeu o Ministério Público defendendo a procedência parcial do recurso no entendimento de que a execução da pena deveria ficar suspensa com sujeição de regime de prova.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual afirma que “não nos repugna, porém, atendendo, nomeadamente, ao facto de estarmos em presença de um crime de tráfico de menor gravidade e considerando as demais razões elencadas na Resposta apresentada pelo nosso Colega que possa vir s ser aplicada ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 2 anos, com sujeição a regime de prova”

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir:

- erro na apreciação da prova

- integração jurídica dos factos

- medida da pena

- suspensão da execução da pena

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
“1- Os arguidos C... e D..., em comunhão de esforços, dedicaram-se à venda directa de produto estupefaciente a consumidores, sendo que desde meados de Outubro de 2010 e até ao dia 04.11.2010, usaram como centro dessa sua actividade a residência sita na Rua … , Águeda.
2- O acesso à residência em questão fazia-se através de um portão, com cerca de 2 metros de altura e que dava acesso a um pátio interior.
3- Era através daquele pátio que se acedia ao interior da residência, através de uma porta que dava para a cozinha, onde existia uma lareira.
4- Junto à lareira, existia uma janela, virada para o aludido pátio interior.
5- Os consumidores/compradores batiam ao portão que um dos arguidos abria sendo que, normalmente, enquanto alguns dos adquirentes entravam no pátio outros recebiam o produto através de uma fresta existente numa das folhas que compõem o portão exterior.
6- No dia 28.10.2010, os arguidos venderam a … , um panfleto de cocaína, com o peso aproximado de 0,2 gr, pelo preço de 10€.
7- No dia 04.11.2010, entre as 10h00m e as 13h00m, aqueles arguidos venderam a  … 2 panfletos de heroína, com o peso liquido de 0,098g e 0,093g, respectivamente e pelos quais cobraram 20C.
8- Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, venderam a … , 1 panfleto de cocaína, com peso líquido de 0,034gr pelo preço de 10€.
8- No dia 04 de Novembro de 2010 pelo menos o arguido D...vendeu a … , um panfleto de heroína e um panfleto de cocaína, com o peso líquido de 0,126gr e 0,152gr, respectivamente, e pelos quais cobrou 10C, por cada um.
9- … , entre finais de Outubro e 04.11.2010, deslocou-se, pelo menos 5 vezes, à residência supra identificada, onde adquiriu àqueles arguidos, heroína em quantidade suficiente para a sua dose diária pagando € 10,00 por cada uma.
10- No dia 04.11.2010, pelas 15h30m, e quando os arguidos se encontravam no interior da residência supra identificada e o D...no pátio, tinham ali acondicionado:
a) na cozinha e que foi retirado do interior da lareira: 25 panfletos de cocaína, com peso líquido total de 2,88gr e 1 panfleto de heroína, com peso líquido de 0,12 gr;
b) em cima da mesa da cozinha: -uma nota de 20 euros;
- duas latas, contendo no seu interior moeda metálica de valor facial
variado, no valor total de 287, 16€.
c) No armário da cozinha:
- numa das prateleiras, dentro de um vaso com arroz: 3 frascos de metadona;
- no topo: uma balança digital, de cor preta, de marca ZX-600, com resíduos de cocaína.
11- A arguida B... tinha, ainda, guardado no interior da bolsa que tinha colocada à cintura:
- 935 euros, em moeda de papel com valor facial variado;
- uma folha A5 onde estavam escritos vários números de telefone e
nomes e um pequeno bloco de papel com alguns números de telefone.
12- À data dos factos, os arguidos não trabalhavam, nem lhe eram conhecidos outros rendimentos além do Rendimento Social de Inserção e dos abonos.
13- Os arguidos C... e D... conheciam, em todas as circunstâncias, a composição e natureza estupefaciente das substâncias que tinham na sua posse, sabendo ser proibida a sua detenção e cedência a terceiros.
14- Aqueles arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal e que incorriam em responsabilidade criminal.
15- O arguido C...é casado com a arguida B..., têm 4 filhos de 25, 19, 4 e 7 anos de idade, respectivamente; vive em casa própria, está desempregado desde 2004, recebe mensalmente € 644,37 de rendimento social de inserção e € 117,30 de abono de família; frequentou a escola até à 4ª classe; durante o período em que esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos (de 14.03.2011 a 26.04.2011) desenvolveu um comportamento sem incidentes.
16- O arguido C... não apresenta registo de antecedentes criminais.
17- O arguido D...é solteiro, está desempregado, recebe € 150,00 de rendimento social de inserção, vive em união de facto com a arguida A…; o arguido tem o 7º ano de escolaridade; durante o período em que esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos (de 14.03.2011 a 26.04.2011) o seu comportamento decorreu sem incidentes.
18- O arguido D... foi julgado nos seguintes processos: 18.1- em 30.03.2002, no processo sumário nº 25/02.1 GDVCT, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por sentença transitada em julgado em 16.03.2002, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 28.03.2002, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 1,50;
18.2- em 16.04.2002, no processo sumário nº 235/02.1 GTVCT, do 1 º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por sentença transitada em julgado em 07.05.2002, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 15.04.2002, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 2,00; em 28.06.2002 foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária; em 01.10.2002 efectuou o pagamento da multa;
18.3- em 10.05.2002, no processo sumário nº 38/02.3GDVCT, do 1 º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por sentença transitada em julgado em 27.05.2002, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 10.05.2002, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 1,50; em 19.09.2002 foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária; em 08.01.2003 efectuou o pagamento da multa pelo que foi declarada extinta a pena;
18.4- em 03.06.2002, no processo sumário nº 351/02.0GTVCT, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por sentença transitada em julgado em 18.06.2002, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 03.06.2002, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 02,00; em 24.10.2002 foi convertida em 67 dias de prisão subsidiária; em 28.03.2003 efectuou o pagamento da multa pelo que foi declarada extinta a pena;
18.5- em 02.07.2002, no processo sumário nº 357/02.9GTVCT, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por sentença transitada em julgado em 21.06.2002, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 08.06.2002, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano na condição de pagar € 250,00, no prazo de 6 meses, ao Instituto Português de Prevenção Rodoviária; em 19.09.2003 foi declarada extinta a pena cuja execução esteve suspensa sob condição que cumpriu;
18.6- em 26.10.2004, no processo comum colectivo nº 315/03.6GAPTL, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 10.11.2004, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, por factos ocorridos em 21.08.2003, na pena de 10 meses de prisão; em 07.04.2006 a pena foi declarada extinta pelo cumprimento;
18.7- em 17.11.2004, no processo comum singular nº 150/02.9GAPTL, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foi condenado por sentença transitada em julgado em 07.12.2004, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 30.05.2002, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 02,50; foi convertida em prisão subsidiária; em 21.09.2006 foi declarada extinta a pena pelo cumprimento da prisão subsidiária;
18.8- em 15.03.2006, no processo comum colectivo nº 1/04.0GAVCT, do 1 º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 04.04.2006, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, por factos ocorridos em 2004, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; em 12.10.2006 foi efectuado cúmulo jurídico englobando as penas dos aludidos processos 150/02 e 315/03 sendo-lhe imposta a pena única de 5 anos de prisão; em 22.06.2009 a pena foi declarada extinta pelo cumprimento cujo termo se verificou em 02.06.2009.
19- Os arguidos não demonstram arrependimento.
20- Do dinheiro apreendido, pelo menos uma parte não concretamente apurada, era proveniente da venda de produtos estupefacientes.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):
“Nenhuns outros factos relevantes para a discussão da causa se provaram em audiência nomeadamente não ficou demonstrado que:
a- as arguidas B... e A... tivessem participado nas actividades desenvolvidas pelos outros dois arguidos;
b- os arguidos iam trocando entre si as funções que desempenhavam;
c- pelo menos um dos arguidos ficava junto ao portão, abrindo o mesmo e permitindo o acesso dos consumidores/compradores ao pátio interior;
d- os consumidores/compradores eram conduzidos pelos arguidos ou ao interior da cozinha ou à janela que dá acesso à mesma;
e- no interior da cozinha, junto à lareira, estava sempre colocado, pelo menos, um dos demais arguidos, que entregava o produto estupefaciente ao consumidor/comprador e recebia o respectivo dinheiro;
f-  … deslocou-se à residência no dia 03.11.2010 a fim de adquirir droga junto dos arguidos heroína;
g-  … se deslocou, por várias vezes, à residência supra identificada para adquirir heroína aos arguidos;
h- no dia 02.11.2010 a arguida A...vendeu a  … um panfleto de cocaína;
i- … , entre 15 de Outubro a 04 de Novembro, deslocou-se diariamente à residência em causa;
j- quem normalmente entregava a  … o produto estupefaciente e recebia o dinheiro eram as arguidas A...e B...;
k- o arguido C... é consumidor de estupefacientes.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
“A decisão do tribunal, tomada em consciência e após livre apreciação crítica das provas produzidas em audiência, fundou-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas bem como dos documentos e relatórios periciais.
O arguido C... disse que não morava ali só lá estava por se ter zangado com a mulher B..., que as latas com dinheiro encontradas eram dos filhos e o dinheiro era do "rendimento mínimo" (mais ou menos 600 euros por mês) e de um carro que vendeu (Ford mondeo por 700 euros); estava ali havia 2 ou 3 dias, antes estavam lá outros ciganos cujos nomes desconhece; ia ali só para consumir droga, já consome heroína e cocaína há mais de 15 anos; faziam "vaquinha" para juntar dinheiro para irem comprar só "para nosso consumo"; iam lá outras pessoas para comprar mas não vendiam apenas dispensava ou fumavam "comigo", de vez em quando, quando tinham dinheiro, davam 5 euros; os pacotes que foram retirados da lareira eram para "nosso" consumo, os números de telefone encontrados eram de amigos, alguns desses compravam com eles no Porto ou em Coimbra para "nosso" consumo; consumia quase uma grama de "castanha" (heroína) e branca (cocaína); a mulher tinha-lhe tirado a carteira e estava com ela quando chegou a GNR, antes a mulher tinha ido ao hospital porque a filha tinha varicela.
O arguido D... disse que a droga que a droga era sua e do arguido C...para "nosso" consumo; fumava heroína e cocaína começou a consumir aos 16-17 anos; não conhece quem morava naquela casa porque
estava em Águeda há poucos meses e estava ali há 2-3 dias; estava ali naquela altura porque tinha ido lá consumir, tinham "roubado" o dinheiro à arguida B...; não foi o arguido quem atirou os panfletos para a lareira, foi abrir o portão e algemaram-no logo; a droga que foi para a lareira era para consumir; quem comprou a droga: "eu, o C...e mais outros amigos" (os "sócios eram as testemunhas que estão aí nos processos"); não vendiam droga apenas juntavam dinheiro para irem comprar ao Porto e a Coimbra, quem ia "era mais eu e o C… "; moravam na Rua ….
As arguidas A...e B... optaram pelo direito ao silêncio.
A testemunha … , era consumidor, foi abordado por duas vezes sendo-lhe apreendida cocaína de ambas as vezes, na sequência da apreensão prestou declarações, tinha comprado a cocaína na casa do portão, quem lhe vendeu foi um individuo não sabe identificar; é emigrante na altura conduzia um veículo de matrícula francesa; nesse período esteve cá 15 dias e foi lá umas 4 ou 5 vezes, batia ao portão ("aquilo tem uma frinchazinha") e era atendido ali, dizia que era sobrinho do "…" nem via a pessoa; houve uma vez que lá foi e não estava lá ninguém; da primeira vez ia acompanhado e ficou no carro; das 4-5 vezes que foi bateu ao portão por 2 vezes sendo que duma dessas vezes não tinha lá ninguém; quando comprou falou com um homem mas ouvia mais pessoal; nas vezes em que ficou no carro ia dar uma volta enquanto os colegas iam lá comprar.
A testemunha  … recorda-se que foi abordada há uns meses num pinhal, foi interceptada, foi-lhe apreendida uma dose de cocaína e foi inquirida, não conhece aquela zona, sabe que comprou numa casa ao pé de uma rotunda, foi lá com uma pessoa amiga, nunca tinha ido àquele sítio; pagou 1 O euros por uma dose de cocaína, quem lhe entregou eram um rapaz claro; foram as duas no carro até junto do portão, bateu ao portão, ninguém atendeu, depois foram à janela ao lado e primeiro disseram que "não se passava nada naquele sítio" mas insistiram e depois trouxeram.
A testemunha  … conhece os arguidos lá da casa, as vezes que lá foi nunca entrou na casa pois ficava no pátio, a pessoa que abria o portão era a mesma que fornecia o produto, foi lá umas 4-5 vezes, quando foi abordado nem chegou a comprar, das outras vezes adquiriu heroína a 10 euros cada dose; foi sempre a mesma pessoa que o atendeu era um homem, conhece o arguido D...como sendo o "rapaz" que o atendia; foi lá 4-5 vezes numa semana e tal antes do dia em que foi abordado; a pessoa que abriu o portão nunca foi pessoa diferente da que entregou o produto; conhece as arguidas de as ver lá mas não sabe o nome; teve conhecimento que vendiam ali pouco tempo antes através de um colega.
A testemunha … , militar da GNR, explicou como funcionavam as duas equipas uma se seguimento e outra de abordagem; nunca entrou na residência só ficou no pátio; naquele dia (04.11.2010) para entrarem no pátio aproveitaram a saída de um consumidor de leste, no pátio estava apenas o arguido D…, quando entraram já sabiam que a lareira estava acesa por causa do fumo; foi esta testemunha quem algemou aquele arguido; naquele dia tinha havido intercepção de consumidores durante a manhã; a função da testemunha foi de acompanhar o senhor procurador que presidiu à busca, algemar e manter a segurança; só teve intervenção na apreensão àquele "individuo de leste"; na altura a arguida A...saiu para o pátio onde já estava o arguido D…; não sabe como foi feita a apreensão.
A testemunha … , guarda da GNR, já conhecia os arguidos C...e B... de os ver na rua; naquele dia (04.11) fez a vigilância à casa, começaram por volta das 09.00 horas, viu vários indivíduos que se dirigiram lá, todos entraram pelo portão; depois de os compradores saírem eram seguidos até à apreensão; não participou na busca apenas fez revista às arguidas e participou nos reconhecimentos; esteve na vigilância até à hora da busca; viu a arguida A...da parte de dentro da janela mas não sabe o que a mesma estava a fazer; nesse dia interceptaram 3 pessoas mas foram lá mais de 10; não viu vender apenas viu os arguidos C...e D...abrirem o portão; também vinham cá fora depois de os consumidores saírem.
A testemunha … , guarda da GNR, conhece os arguidos dos processos, participou na busca e entrou na residência levando o extintor de água com que apagaram a lareira de onde retiraram os panfletos que tinham sido para lá atirados; ia nos três primeiros que entraram na residência com o extintor porque sabiam que a lareira estava acesa; os arguidos fecharam a porta da cozinha e por isso tiveram que a arrombar; quem estava na casa eram os arguidos C…, A...e B... sendo que o arguido D...estava ao portão; dentro da casa também estava a consumidora …; confirma o teor de fls 6 e 135; quando entraram a arguida A...estava na cozinha e os arguidos C...e B... estavam no quarto ao lado da lareira; explicou a apreensão da bolsa que a arguida B... trazia à cintura.
A testemunha … , consumidor, recorda-se de ter sido interceptado junto à rotunda da bicicleta junto ao intermarché, vinha com um colega de carro, foi apanhado com "duas décimas"; vinha de Albergaria com o colega, diz que tinham adquirido em Albergaria; instado para esclarecer porque tinha a droga na boca diz que foi "por instinto" pois antes tinha a droga na mão. Não merece credibilidade a afirmação de que comprou a droga em Albergaria desde logo pelo modo como procura justificar e, além disso, pelo modo de actuação da GNR (com o seguimento desde a aquisição até à apreensão) que não deixa margem para dúvidas acerca do local da aquisição.
Os depoimentos das testemunhas mostraram-se senos, serenos, coerentes e consistentes pelo que mereceram credibilidade no âmbito do conhecimento decorrente do respectivo contacto com a situação em apreço; no que respeita aos consumidores há que ter em conta a tendência para se "defenderem" procurando desvanecer o seu envolvimento; no entanto, no caso em apreço tal é superado e concatenado pelo modo como foram efectuados os seguimentos que conduziram às apreensões em causa.
Os depoimentos dos arguidos quando a não venderem estupefacientes foram afastados pelos depoimentos dos consumidores e dos guardas da GNR bem como pelos compradores que lá foram surpreendidos; igualmente relevante para a actividade de venda o facto de a balança apreendida apresentar vestígios de droga; a rápida reacção à chegada dos guardas da GNR com a colocação da droga na lareira também demonstra uma precaução demonstrativa dos cuidados subjacentes à actuação preparada; no que respeita à afirmação de que os arguidos são consumidores nada de concreto permite suportar as suas próprias afirmações sendo as mesmas consideradas meramente "de ocasião" e para tentar justificar a posse da droga.
O dinheiro apreendido, pela sua quantidade, não pode ser "apenas" do "rendimento mínimo"; aliás, saliente-se como situação irónica a reversão de uma prestação de apoio que o Estado concede (o apoio de "inserção") servir ---ou pretender ser utilizado--- como justificativo de meios obtidos numa actividade contra esse mesmo Estado (o tráfico de droga). As afirmações da venda do carro também não fazem sentido nem apresentam qualquer suporte objectivo ou racional.
Foram igualmente relevantes os exames toxicológicos ao estupefaciente apreendido: fls 269 (25 + 1); 272 (1 + 1); 274 (1 + 1), 272 (1), 278 (balança), o auto de reconhecimento de fls 34 de  … quanto ao arguido D…, os autos de apreensão de 04.11.2010: fls 6, 13, 20; de 28.10.2010: 135, auto de busca de fls 67 a 69 e folhas de suporte fotográfico relativamente à habitação em causa e aos objectos valores e estupefaciente apreendidos bem como ao "croqui" da casa; auto de apreensão de fls 76, relatório da busca de fls 77 e folhas de suporte fotográfico de fls 130 e 131 ilustrativa da residência em causa.
Os autos de reconhecimento de fls 30, 36, 38, 42, 44, 49 não foram considerados por arguida não saber ler nem escrever e não estar assistida por advogado (artº 64º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal)
Concretizando e resumindo o percurso lógico da formação da formação da convicção temos: as vendas a … ,  … resultam das apreensões feitas, do seu depoimento e do dos senhores guardas ao descreverem os seguimentos; as vendas a  … fundam-se nas suas declarações; as de  … e  … pela apreensão e pelas declarações das testemunhas que explicaram as apreensões e os seguimentos. As actividades dos arguidos C...e D...foram explicadas pelos senhores guardas e pelas outras testemunhas que os referiram.
No que respeita às testemunhas a quem foi apreendido estupefaciente qualquer que seja a indicação ou negação quanto ao local de compra o tribunal não tem dúvida de que foram adquiridas junto dos arguidos tendo em conta o acompanhamento feito pela GNR desde a casa até à apreensão; nessa parte foram esclarecedores os depoimentos dos guardas e não deixam outra possibilidade acerca do motivo das deslocações desses consumidores ao local pelas características deste, pela actividade aí desenvolvida e pela observação e conhecimento dos guardas da GNR ouvidos.
O período de actividade foi apurado a partir do depoimento da testemunha … .
Quanto ao facto de serem os arguidos os autores dessas vendas tal resulta dos depoimentos dos guardas da GNR e da testemunhas que identificaram os arguidos como estando naquela casa sendo que a testemunha  … diz claramente que foi o arguido D...quem lhe vendia.
As datas, nos casos em que não houve apreensão, foram apuradas da conjugação dos depoimentos prestados em audiência com as datas em que lhes foram tomadas declarações pela GNR (apenas quanto à data do respectivo auto e não ao seu conteúdo) sendo que os guardas confirmaram que tais declarações eram tomadas no contexto da abordagem.
A droga e o dinheiro encontrados na casa cuja apreensão foi efectuada a 04.11.2010 resultando dos próprios autos de busca e apreensão; também foram relevantes as referidas fotos.
O dinheiro apreendido, tendo em conta o respectivo montante, o modo como estava acondicionado e falta de actividade do qual o mesmo pudesse resultar (para além do RSI e abonos) não restam dúvidas de que uma boa parte dele é proveniente da venda de droga.
A situação pessoal dos arguidos foi apurada a partir das suas próprias declarações e dos relatórios dos SRS. Há que salientar a necessidade de joeirar esses relatórios porquanto os mesmos em alguns aspectos resultam meramente de declarações dos próprios arguidos sem qualquer confirmação objectiva por parte de quem os redige.
A falta de arrependimento dos arguidos resulta da atitude que os mesmos assumem perante os factos que praticaram ao procurarem desviar o sentido dos mesmos e negar a respectiva intervenção.
Antecedentes criminais: CRC.
As demais testemunhas nada de relevante apresentaram para a decisão da causa.
A testemunha  … apenas diz que o arguido C...trabalhou consigo na junta de freguesia.
A testemunha  … amiga do casal diz que faz costura para a arguida B... e lê-lhe as cartas
A testemunha  … é vizinho e conhece os arguidos C...e B....
No que respeita às arguidas A...e B... a prova produzida em audiência de julgamento não permite afirmar o seu envolvimento activo na actividade dos seus "maridos"; o facto de uma delas ter a bolsa à cintura não permite "extrapolar" para uma imputação objectiva quanto à sua participação. Por isso, ficam afastadas do âmbito da actividade provada.
Assim, no que respeita aos factos não provados os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitem uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência ou resultam de diferente perspectiva da realidade apurada.”


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O recorrente considera que da audiência de julgamento resultou uma factualidade diversa da que foi dada como provada.

Acontece porém, que tal discordância tem que ser manifestada segundo determinados parâmetros e estes não foram seguidos.

Vejamos:

Como é jurisprudência uniforme[[2]], a apreciação do recurso da matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo mas, apenas e tão só, um remédio jurídico que visa despistar e corrigir os erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente[[3]].

A este respeito, já dizia Cunha Rodrigues nas Jornadas de Direito Processual Penal do Centro de Estudos Judiciários (in O Novo Código de Processo Penal, págs. 386/387):

«O Código assume claramente os recursos como remédios jurídicos.
(…) os recursos incrustaram-se em muitos sistemas como meios de refinamento jurisprudencial. A ideia do “quem mais acerta ou (porque não?) o sentimento um tanto ou quanto supersticioso de que “às três é de vez” tornaram incompreendida a função dos recursos, em prejuízo da unidade dos tribunais como poder.
O novo Código toma claramente partido nesta questão. O julgamento em que é legítimo apostar como instrumento preferencial de uma correcta administração da justiça é o da primeira instância.
(…)
Como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem economia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma “melhor justiça”. O recorrente tem de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação do recurso consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in procedendo ou in judicando.
(…)
Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador (…) e a medida do conflito é determinada pelo pedido da impugnação.»

Apesar das diversas alterações ao Código de Processo Penal em matéria de recursos — Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro, Lei nº 59/98, de 25 de Agosto e Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto —, esta explanação mantém plena actualidade, como explicam Simas Santos e Leal-Henriques em “Recursos em Processo Penal”, pág. 25, ou como se pode ler nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2006, de 15 de Fevereiro de 2007, de 30 de Abril de 2008 e de 12 de Novembro de 2009.    

Com efeito, atento o disposto nos art.ºs 410.º, n.º 2, 428.º e 431.º, a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação apenas pode ser abordada por duas formas:
1) Através da aferição de vícios que decorram do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência (sem apoio de quaisquer outros elementos externos, ainda que constantes do processo[[4]]), e
2) Através da reavaliação da prova produzida.

Assim:

Embora o art.º 428.º nos diga que “as relações conhecem de facto e de direito”, exceptuando os casos abrangidos pelo n.º 2 do art.º 410.º, a modificabilidade da decisão de facto da l.ª instância só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos estabelecidos no art.º 431.º do mesmo diploma e que são:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base,
b) se a prova tiver sido impugnada, nos termos do art.º 412.º n.º 3 ou
c) se tiver havido renovação da prova.

Por sua vez, o referido n.º 3 do art.º 412.º impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas

Dispõe, ainda o n.º 4 que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Temos assim que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é, para além dos casos do artº 410º, nº 2, susceptível de modificação se, tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º nº 3 e, se for o caso, com a especificidade do nº 4[[5]].

Resulta daqui, para além do mais, que de acordo com o disposto no art.º 412.º n.º 3 al. b), a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que imponham decisão diversa da recorrida

Tal como é explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, onde se pode ler: “(…) não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.”

Ora, o recorrente limita-se a tecer considerações gerais e abstractas sobre o princípio “in dubio pro reo”, sobre a livre apreciação da prova, a fazer afirmações que não fundamenta e a qualificar como vícios da sentença as suas discordância com o decidido e a concluir, sem qualquer explicação coerente, que devia ter sido absolvido.  

Passa pela fundamentação da sentença como se a mesma não existisse e, consequentemente, sem especificar que regra ou princípio, para além da sua própria convicção, afasta a conclusão a que chegou o tribunal a quo.

O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal “a quo” sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art.º 127.º.

E não é assim que demonstra o erro do tribunal.

Quando muito poderia demonstrar que a sua tese também era possível, o que no caso nem sequer acontece uma vez que todo o arrazoado inserto no recurso assenta naquilo que afirma ser a sua convicção, mas que se demite de explicar e de fundamentar em provas minimamente esclarecedoras do processo de formação desse convencimento.

Porém só isto não basta para que a sua pretensão tenha vencimento pois que, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, “o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, ou seja, perante duas teses, uma do tribunal e outra dele próprio, sempre aquela prevaleceria uma vez que só poderia ceder se se revelasse errada.

O que não é o caso dos autos pois que, se atentarmos nos factos apurados e na fundamentação temos de concluir que em sede de convicção probatória, o tribunal explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração, relacionando-as umas com as outras, reproduzindo e decifrando o que só ele se poderia aperceber em razão da imediação e explicando porque considerava credíveis umas provas em detrimento das outras e porque decidia num sentido e não noutro.

Em face do exposto, na consideração de que a factualidade dada por provada e não provada é resultante de acertados critérios lógico-dedutivos usados pelo tribunal na apreciação da prova produzida em audiência que o recorrente não consegue contrariar ou demonstrar que padece de qualquer erro, temos que concluir que na vertente respeitante à matéria de facto, o recurso terá que improceder.

Nesta conformidade, e não vislumbrando este tribunal que a sentença padeça de qualquer dos vícios do nº 2, do artº 412º, considera-se fixada a matéria de facto constante da sentença.

***

Diz o recorrente nas suas conclusões:

(…)

(…)

(…)___________________________


(…)


(…)__________________________


(…)________________________


Antes de mais há que referir que o recorrente está enganado: não foi condenado em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, mas sim em 2 (dois) anos de prisão.

Também está enganado quando afirma que o tribunal a quo “não distinguiu entre os grandes e médios traficantes (artº 21º, nº 1 e do artº 24º do DL 15/93 de 22 de Janeiro), dos pequenos traficantes (artº 25 do mesmo diploma), onde o arguido se enquadra”, pelo que “violou, por ter feito errada interpretação, entre outros, “artº 21, nº 1, 24 e 25 ambos do referido diploma”: o tribunal a quo ponderou a questão e até o condenou pelo crime de tráfico de droga de menor gravidade previsto e punido pelo artº 25º, alínea a., quando vinha acusado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artº 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

Por isso, podemos desde já concluir que o recorrente aceita, sem qualquer oposição, a integração jurídico-criminal dos factos consignados no acórdão efectuada pelo tribunal a quo.

Quanto à medida concreta da pena, não tendo o recorrente concretizado qualquer erro do tribunal a quo, nem concretizado qualquer dos princípios que diz terem sido violados, e não vislumbrando este tribunal que a pena de 2 (dois) anos de prisão resulte de qualquer desrespeito ao determinado pelos artºs 71º e 40º do Código Penal, mais não nos resta do que confirmar a sentença neste ponto (sendo certo que pensando o arguido que tinha sido condenado em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, acaba por ser agora esclarecido que o foi apenas em 2 (dois) anos, o que sempre lhe trará algum alívio).

Vejamos então a propugnada suspensão da execução da pena:

Nos termos do nº 1 do artº 50º do CPenal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ora, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010[[6]], “na formulação desse prognóstico favorável, o tribunal, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática dos factos, atenderá especialmente às condições de vida do arguido e à sua conduta anterior e posterior ao facto. No entanto, mesmo quando razões de prevenção especial de socialização conduzam a esse prognóstico, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Não estão em causa quaisquer considerações de culpa mas apenas considerações de prevenção geral”.

Temos assim que tendo o recorrente sido condenado e 2 (dois) anos de prisão, tem que se equacionar a possibilidade de substituir tais penas por pena de prisão com execução suspensa, mas que a ponderação de tal substituição está exclusivamente limitada a considerações de prevenção geral e especial, o que determina que uma resposta positiva apenas poderá ter lugar se o tribunal concluir que a suspensão bastará para afastar o agente do cometimento de novos crimes e que não põe em causa a confiança colectiva no sistema penal.

O recorrente, mais uma vez, não rebate qualquer dos argumentos em que o tribunal fundamentou a decisão de não suspender a execução da pena e limita-se a apresentar um conjunto de razões que no seu entender seriam suficientes para a alterar.

Diga-se desde já que não se vislumbra nos argumentos por ele apresentados qualquer razão que minimamente belisque a decisão recorrida, tanto mais que, também aqui, as “razões” não encontram qualquer fundamento na matéria de facto provada.

Mas mesmo assim, da sua análise não se alcança em que medida podem servir como fundamento para a suspensão pois que, para além de se fundarem em factos que não ficaram provados, se limitam a generalidades que nada acrescentam a uma nova ponderação sobre a prevenção especial e passam totalmente ao lado da prevenção geral.

Com efeito, se o recorrente não contesta sequer os fundamentos do tribunal a quo — e que se mostram bem alicerçados na factualidade dada por provada — e avança com argumentos que não exibem a mínima assunção do desvalor da sua conduta, somos obrigados a concluir que a prevenção especial não ficaria suficientemente salvaguardada com a suspensão.

Para além disso, a suspensão da execução da pena em casos de tráfico de estupefacientes, dadas as consequências arrasadoras deste para a saúde pública e para a paz e harmonia social, é altamente desaconselhável por se mostrar aos olhos da sociedade como a falência da norma num campo onde o poder punitivo do Estado não pode dar sinais de fraqueza, muito mais num momento em que tal actividade não dá qualquer sinal de declínio.

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena em crimes de tráfico só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral pois que, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010, “não se verificando no caso circunstâncias excepcionais, não deve suspender-se a execução da prisão aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes por a tanto se oporem as expectativas comunitárias da validade da norma violada”, porquanto “na falta de um quadro fortemente abonatório, razões de prevenção geral, consideradas as devastadoras consequências, designadamente para a saúde pública e para a coesão social, do tráfico de estupefacientes, sempre desaconselhariam a suspensão da execução da pena”.

Aliás, como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça[[7]]

Em face do exposto, há que concluir que razões de prevenção especial e geral obstam a que a pena de prisão aplicada ao recorrente seja suspensa na sua execução.

*

Nesta conformidade, improcede o recurso.

*

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.

*

Coimbra, 24 de Abril de 2012


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos mos demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Entre outros, v. Acs STJ de 20 de Novembro de 2008, de 29 de Outubro de 2008, de 15 de Outubro de 2008 e de 14 de Maio de 2008 (todos em www.dgsi.pt, tal como todos os demais por nós citados e cuja acessibilidade não esteja especificada)
[3] «(…) O julgamento em 2.ª instância não é o da causa, mas sim do recurso e tão-só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos de imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas e admitidas alegações escritas.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/06, de 18/01/2006 – ACS. do Tribunal Constitucional, 64.º Vol., p. 399)
[4] “… vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto — insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam a própria decisão —, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade da sentença” Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/03.
Também a este respeito, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 que “conforme jurisprudência uniforme e já remota deste Supremo Tribunal, se entenda que os vícios têm de resultar da própria decisão recorrida, encarada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo - acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo n.º 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo n.º 41327/90-3ª, in BMJ n.º 402, pág. 232; de 31-05-1991, in BMJ n.º 407, pág. 77; de 03-07-1991, Colectânea de Jurisprudência 1991, tomo 4, pág. 12; de 16-10-1991, in BMJ n.º 410, pág. 10; de 13-02-1992, in BMJ n.º 414, pág. 389; de 22-09-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 210; de 09-11-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 245; de 20-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 335 (não é inconstitucional e não viola o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a norma do n.º 2 do artigo 410º CPP, ao exigir que os vícios tenham de resultar do texto da decisão recorrida); de 18-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 283; de 25-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 304; de 17-10-1996, BMJ n.º 460, pág. 399; de 15-10-1997, processo n.º 582/97; de 19-11-1997, processo n.º 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo n.º 1242/97-3ª; de 11-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 480; de 28-10-1998 e de 29-10-1998, in BMJ, n.º 480, págs. 83 e 292 (…) e mais recentemente: de 15-02-2007, processo n.º 3174/06 - 5.ª; de 14-03-2007, processo n.º 617/07 - 3.ª; de 17-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07 - 3.ª; de 11-07-2007, processo n.º 1416/07 - 3.ª, de 27-07-2007, processo n.º 2057/07-3.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3338/07-3ª; de 17-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206; de 05-03-2008, processo n.º 3259/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª; de 19-06-2008, processo n.º 122/08-5ª (por conseguinte, não será lícito recorrer à prova produzida para se surpreender qualquer dos referidos vícios, exactamente porque não se pode confundir aqueles, enquanto afectam, de forma patente, a estruturação fáctica interna, em que há-de ter apoio a decisão de direito, com erro de julgamento); de 16-10-2008, processo n.º 2851/08-5ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª; de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5ª; de 14-05-2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª (Veja-se ainda o acórdão n.º 573/98, de 13-10-1998, publicado no DR – II Série, n.º 263, de 13-11-1998)”
[5] O facto de a alínea b. do art.º 431.º remeter para o n.º 3 do art.º 412.º não exclui o n.º 4 uma vez que este se limita a regular o modo de em sede de recurso apresentar as provas especificadas em b. e c. do n.º 3 que hajam sido gravadas, ou seja, o n.º 4 nada mais é do que uma extensão do n.º 3.
[6] Disponível in www.dgsi.pt
[7] V.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2008, onde se escreve: “(…)  como se vem ajuizando uniformemente no STJ e segundo o que, para situação idêntica, se consignou no Ac. de 02/10/08, Rec. n.º 589/08 (relatado pelo Cons. Arménio Sottomayor e também subscrito pelo actual relator), “…nos crimes de tráfico de estupefacientes, as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição. Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando (como no caso) se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas despertam “um sentimento de reprovação social do crime”, para usar as palavras do Prof. Beleza dos Santos, que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de “…ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais” (Figueiredo Dias, op. cit, pag. 243). Por isso, razões de prevenção geral afastam a aplicabilidade deste instituto, por mais favorável que pudesse ser o juízo de prognose a formular acerca do arguido”.