Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
314/12.7TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: RECURSO DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
PRAZO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 59º, DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27/10 (REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS)
Sumário: Tendo o arguido/recorrente constituído mandatário no decurso do processo administrativo e antes de ter sido proferida a decisão da autoridade administrativa, a comunicação desta decisão ao arguido foi concretizada através da notificação do respectivo mandatário, sem prejuízo de ao próprio arguido ter sido remetida uma cópia da decisão. No entanto, o facto determinante é a notificação na pessoa do mandatário.
Assim sendo, o início do prazo para contagem do recurso de impugnação em causa terá que se reportar à data em que foi notificado o mandatário do arguido (cfr. art.ºs 46º, 47º e 59º, do D.L. n.º 433/82, de 27/10).
Decisão Texto Integral: Relatório
1. Na sequência de comunicação da Autoridade para as Condições de Trabalho, através do respectivo Centro Local do Baixo Vouga, foi lavrada pela Delegação Regional de Aveiro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 25 de Fevereiro de 2010, uma participação relativamente ao arguido, A..., melhor identificado nos autos, pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 198.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (exercício de actividade profissional não autorizado), dando origem ao processo de contra-ordenação n.º 38/10/PCO/220.
O arguido, notificado, apresentou defesa escrita e indicou prova documental e testemunhal, conforme requerimento de fls. 16 a 24, expedido em 12 de Abril de 2010 e documentos de fls. 25 a 42; em 11 de Maio de 2011 foram integradas nos autos procurações emitidas em 27 de Julho de 2004 e 9 de Abril de 2010, através das quais o arguido constituiu mandatário, conforme teor de fls. 47 a 50.
No prosseguimento do processo, a entidade administrativa proferiu decisão, condenando o arguido, pela prática da aludida contra-ordenação, a título de negligência, no pagamento da coima mínima legalmente prevista.
O arguido, não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de impugnação judicial, dando origem ao processo n.º 314/12.7TBMLD, do Tribunal Judicial da Mealhada.
Este recurso foi rejeitado, por se entender que o respectivo requerimento foi apresentado extemporaneamente.
2.1 O arguido, não se conformando também com esta decisão, interpôs o presente recurso.
Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:
1. A mandatária foi notificada da decisão administrativa, por fax, em 09/05/2012 e o arguido teve conhecimento através de carta, datada de 09/05/2012 (cfr. fls. 66 dos autos], da qual teve conhecimento no 5º dia posterior, ou seja, no dia 14/05/2012.
2. O prazo de 20 dias para a interposição do recurso da decisão da autoridade administrativa conta-se a partir do conhecimento da decisão pelo arguido, nos termos do artº 59º, n.º 3 do R.G.C.O.
3. O legislador ao referir-se a conhecimento do arguido (n.º 3 do artº 59º do R.G.C.O.) para efeitos de contagem do prazo para interposição do recurso, não pretendeu referir-se à notificação ao mandatário, pois no artº 47º também nos n.ºs. 2 e 3 fez a diferença entre notificação ao mandatário e conhecimento do arguido.
4. Todavia, e mesmo que assim não se entenda, sempre se considera que sendo subsidiariamente aplicável o direito processual penal, o prazo para a prática de ato processual subsequente se conta a partir da data da notificação efetuada em último lugar (artº 113º, n.º 9, in fine do C.P.P.) o que se verificou com a carta dirigida ao arguido.
5. Assim, quer se assuma o critério definido no artº 59º, n.º 3 do R.G.C.O. ou no 113º, n.º 9, in fine do C.P.P., o prazo de 20 dias para interposição do recurso iniciou-se no dia imediatamente a seguir a 14 de Maio de 2012, ou seja, no dia 15 de Maio de 2012.
6. O prazo previsto no artº 60º, n.º 1 do R.G.C.O. não é um prazo judicial.
7. Deste modo, e nos termos do artº 60º, n.º 1 do RGCO, o prazo de vinte dias úteis para interposição de recurso terminou no dia 12 de Junho, data em que foi apresentado o recurso junto da entidade administrativa.
8. O douto despacho recorrido violou, o disposto nos artºs. 41º, 47º, n.ºs. 3, 59º, n.º 3, 60º, n.º 1 e 63º do R.G.C.O. e 113º, n.º 1, al. c) e 9 do C.P.P.
9. Razão pela qual deverá ser substituído por outro que, considerando-o tempestivo, admita o recurso interposto.
Termina requerendo que se revogue o despacho proferido que rejeita o recurso por extemporâneo, substituindo-o por outro que admita o referido recurso.
2.2 O Ministério Público apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:
1. Nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante RGCO), constitui fundamento de rejeição do recurso de impugnação a sua apresentação tardia, ou, nas palavras da lei, “o recurso feito fora do prazo”.
2. A notificação da decisão administrativa é dirigida ao arguido (art.º 47.º, n.º 1, do RGCO), mas já será dirigida ao defensor caso o arguido tenha constituído ou lhe seja nomeado um, hipótese em que o arguido será, apenas, informado através de uma cópia da decisão ou despacho (n.º 2 do art.º 47.º).
3. O arguido foi notificado na pessoa da sua ilustre mandatária da decisão da autoridade administrativa por meio de fax remetido para o seu escritório em 09.05.2012.
4. O recurso de impugnação da decisão administrativa foi remetido por fax para os serviços da autoridade administrativa que aplicou a coima (SEF de Aveiro) no dia 12.06.2012.
5. O recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, do RGCO.
6. O prazo de 20 dias não tem natureza judicial, pelo que se suspende aos sábados, domingos ou feriados.
7. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código de Procedimento Administrativo, os prazos cuja contagem se iniciem com a notificação começam a correr no dia seguinte ao da prática do acto, ou seja, neste caso, o dies a quo é o dia 10.05.2012.
8. Uma vez que o prazo de 20 dias não se suspendeu senão nos sábados e domingos, o dies ad quem ocorreu no dia 06.06.2010 (que não coincidiu com um sábado, um domingo ou dia feriado).
9. Dado que o recurso de impugnação foi entregue no dia 12.06.2012, o recurso foi apresentado pelo arguido fora do prazo.
Termina afirmando que deve ser mantida a decisão recorrida.
2.3 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificado, o arguido nada disse.
3. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
É pacífico – à luz do disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal – que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso.
Face às conclusões da motivação do recurso, importa apreciar, essencialmente, a seguinte questão:
§ Determinar se o requerimento de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa se deve considerar tempestivamente apresentado pelo arguido/recorrente; neste âmbito se apreciarão as concretas razões que por este são afirmadas.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir e além do que sumariamente se deixou enunciado no relatório, importa considerar os seguintes factos:
A entidade administrativa – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, através da respectiva Delegação Regional de Aveiro – proferiu decisão, em 7 de Maio de 2012, nos termos que se mostram documentados de fls. 57 a 63; aí, considerando que o arguido praticou a contra-ordenação prevista no artigo 198.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, a título de negligência, condenou o mesmo no pagamento da coima mínima legalmente prevista, no valor de € 1.117,50.
Em 9 de Maio de 2012 foi expedido fax à mandatária do arguido (fls. 64 e 65), com o seguinte teor:
Fica pela presente notificado o(a) Exmo(a) Sr.(a) Dra (…), enquanto defensor da(o) cidadã(o) A..., arguida(o) no processo de contraordenação em epígrafe, nos termos e para os efeitos dos art.s 46º e 47º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, pelo Decreto-lei nº 244/95 de 14 de setembro, e pela Lei nº 109/2001 de 24 de dezembro, da decisão condenatória proferida em 07-05-2012 pelo(a) Exm(a) Sr(a) Diretora Regional do Centro do SEF, da qual se anexa cópia.
Mais se informa que, para o pagamento da coima (…)”.
Na mesma data – 9 de Maio de 2012 – foi expedida carta dirigida ao arguido (fls. 66), com o seguinte teor:
Nos termos e para o efeito do art. 47º nº 3 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, pelo Decreto-Lei nº 244/95 de 14 de setembro, e pela Lei nº 109/2001 de 24 de dezembro, junto se envia cópia da decisão condenatória proferida em 07-05-2012, no processo em epígrafe, pelo(a) Exm(a) Sr(a) Diretora Regional do Centro do SEF.
Mais se informa que a referida decisão foi já notificada ao(s) defensor(es) constituído(s) por V. Exª em sede do processo em epígrafe (…)”.
O arguido, não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de impugnação judicial, por requerimento remetido por fax em 12 de Junho de 2012 e que deu entrada no dia seguinte (teor de fls. 67 e seguintes).
Os autos foram remetidos ao Tribunal da comarca de Torres Novas, promovendo o Ministério Público a rejeição do recurso de impugnação por entender que foi interposto fora do prazo.
Foi então proferida a decisão recorrida, nos termos documentados a fls. 100 e com o seguinte teor (transcrição integral):
«Autue como processo de contra-ordenação.
***
Considerando o Doutamente promovido, urge ponderar da tempestividade do requerido.
Para o efeito, temos por assente:
- a decisão administrativa data de 07.05.2012 (fls. 63), tendo sido notificada ao arguido através da I. Mandatária do mesmo (procuração a fls. 50), o que ocorreu em 09.05.2012 (fls. 65);
- a interposição de recurso judicial ocorreu em 12.06.2012 (fls. 67ss, vide data de fax).
Ora, de acordo com o artigo 47º do RGCOC, é legítima e suficiente a notificação da decisão à I. Mandatária.
Por outro lado, e de acordo com o artigo 59º do mesmo diploma, o prazo para o efeito é de 20 dias.
Tal prazo deve contar-se nos termos do artigo 60°, pelo que, findou em 28.05.2012, razão pela qual é inoportuna a impugnação.
Rejeito, pois, o recurso interposto da decisão administrativa.»
2. Enquadramento legal.
Na questão que se discute nos presentes autos rege o regime geral das contra-ordenações (RGCO), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.º 356/89, de 17 de Outubro, n.º 244/95, de 14 de Setembro, e n.º 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Aí se estabelece, relativamente à parte administrativa do processo, que todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem; tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação – artigo 46.º do RGCO.
A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista; mas será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado, sendo neste caso o arguido informado através de uma cópia da decisão ou despacho – artigo 47.º do mesmo diploma.
Daqui decorre que, havendo defensor, quer constituído pelo arguido, quer nomeado oficiosamente, nos casos em que é obrigatória a notificação (o que se verifica quando se trata de medida que admita impugnação sujeita a prazo, conforme dispõe o citado artigo 46.º, n.º 2), a mesma é necessariamente efectuada ao mandatário, enviando-se nesse caso ao arguido apenas cópia da decisão proferida; sendo a comunicação ao arguido concretizada através da notificação do respectivo mandatário, é à data em que esta ocorre que se reporta a contagem de prazo, não sendo esta regra afastada pelo facto de o próprio arguido ser informado nos termos antes mencionados – cf., neste sentido, nomeadamente, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Novembro de 2011, disponível na base jurídico-documental do ITIJ (www.dgsi.pt), processo 0904/11.
A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, podendo o recurso de impugnação ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor; o mesmo é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões; este prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados, transferindo-se o seu termo, quando caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, para o primeiro dia útil seguinte – artigos 59.º e 60.º do RGCO.
O facto de, no artigo 59.º, se reportar o prazo de 20 dias ao conhecimento pelo arguido, não altera o que antes se deixou enunciado, na medida em que, tendo sido constituído defensor pelo arguido, reportando-se a norma à notificação e sendo esta dirigida ao defensor escolhido, o conhecimento em causa reporta-se necessariamente à comunicação dirigida ao mandatário.
3.1 Confrontando o quadro legal que se deixa sumariamente enunciado com o caso dos autos, evidencia-se a intempestividade da impugnação judicial.
O arguido/recorrente constituiu mandatário no decurso do processo administrativo e antes de ter sido proferida a decisão da autoridade administrativa; em face disso, a comunicação desta decisão ao arguido foi concretizada através da notificação do respectivo mandatário, sem prejuízo de ao próprio arguido ter sido remetida uma cópia da decisão. No entanto, o facto determinante é a notificação na pessoa do mandatário.
Assim sendo, o início do prazo para contagem do recurso de impugnação em causa terá que se reportar à data em que foi notificado o mandatário do arguido.
A notificação em causa concretizou-se por fax expedido em 9 de Maio de 2012, conforme teor de fls. 64 e 65, pelo que o prazo de vinte dias úteis se completou em 6 de Junho de 2012.
A impugnação judicial foi remetida pelo arguido/recorrente em 12 de Junho, quando já se completara o prazo.
3.2 O recorrente pretende que opera o disposto no artigo 113.º, n.º 1, alínea c) e n.º 9, do Código de Processo Penal, pelo que o seu requerimento sempre seria tempestivo.
A norma em causa estabelece que as notificações se efectuam mediante via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos. As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado; ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
É certo que, face ao disposto no artigo 41.º do RGCO, as regras de processo penal consubstanciam direito subsidiário, relativamente ao direito de mera ordenação social.
No entanto, nos termos da aludida norma, os preceitos reguladores do processo criminal são aplicáveis, devidamente adaptados, sempre que o contrário não resulte do próprio diploma que disciplina as contra-ordenações. Dito de outro modo, o recurso às regras de processo penal pressupõe a inexistência de regras específicas no âmbito da legislação de mera ordenação social e não opera quando no âmbito desta legislação existem normas que disciplinam a concreta questão colocada.
Ora, no caso que aqui se aprecia e como resulta do quadro legal que antes se deixou sumariamente enunciado, não estamos perante matéria que não tenha resposta directa na lei que disciplina as contra-ordenações; assim, a conjugação das disposições legais dos artigos 46.º, 47.º e 59.º do RGCO, dando resposta directa à questão que aqui se discute, afasta a necessidade de recurso ao direito subsidiário e, nessa medida, a pretendida prevalência da disposição do artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal.
Conclui-se então que, não merecendo o despacho recorrido qualquer censura, improcede o recurso.
III)
Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC – artigo 513.º do Código de Processo Penal.
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Coimbra, .


(Joaquim Correia Pinto)