Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/13.5GAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º Nº 1 A) CP
Sumário: 1.- Na determinação da pena acessória de proibição de conduzir, deve obedecer-se aos critérios definidos nos Artº 71º do CP;

2.- O condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão, tem que ter uma maior consciência da perigosidade que é conduzir sob os efeitos de álcool;

3.- A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses, a condutor com uma TAS de 1,65g/l de álcool no sangue é adequada, proporcional e equilibrada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


            No processo Sumário, supra identificado, após a realização audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação pública procedente e consequentemente condenou o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art 292º, nº 1 e 69º al a) do CPenal na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 6.00 (seis euros).
            - Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A (...), que na respectiva motivação concluiu:
            1° O recorrente cinge a presente recurso ao reexame da matéria de direito e é limitado à determinação da medida da sanção acessória aplicada, tendo em vista a merecida atenuação bem como a redução da moldura aplicável, uma vez que, in casu e salvo o devido e merecido respeito, a referida cominação é manifestamente excessiva, uma vez que não se vislumbram consideradas, na medida determinada, as atenuantes produzidas em sede de audiência de julgamento.
            2° Entende, por isso, terem sido violadas, pela douta decisão de que ora se recorre as normas previstas no artigo 40° e 71° do Código Penal.
            3° Ora, com o elevadíssimo respeito pelo Tribunal que proferiu tal decisão, entende – modestamente - o recorrente que aquele, errou no enquadramento que fez quer dos factos quer do direito aplicável. Isto é, o Tribunal podia e devia ter considerado as circunstâncias atenuantes dadas como provadas, e que, devidamente ponderadas, deveriam ter possibilitado a atenuação da sanção acessória que foi aplicada ao arguido.
            4° A inibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69, n° 1 do Código Penal, assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime do— artigo 65° n° 1 e 69° n° 1 ambos do Código Penal, assumindo a natureza de uma pena, não obstante acessória, está, nessa qualidade, sujeita ao regime geral aplicável a qualquer pena, ou seja, deve ser determinada em função do previsto nos artigos 40º e ss do Código Penal, nomeadamente o regime estabelecido no artigo 71°.
            5° Parece, pois ao recorrente que, dada a factualidade dada como provada e todas as questões relevantes à causa em apreço, que, não obstante o valor de álcool encontrado no sangue do arguido, e sempre considerando as circunstâncias da fiscalização e as características determinantes da personalidade daquele e do que o rodeia, o período encontrado pelo ilustre tribunal a quo de 6 meses de inibição, tem de representar excessivas exigências de prevenção quer geral, quer, especialmente, prevenção especial.
            6° Será, sem dúvida incompreensível que o recorrente, pessoa reconhecidamente cumpridora, tenha que suportar os efeitos de não poder conduzir durante 6 meses face a um único e isolado incidente.
            7° Entendendo-se pois, que a correcta aplicação dos artigos 40° e 70° do Código Penal conduziriam a uma necessária atenuação da pena de inibição de conduzir veículos a motor determinada, devendo, neste caso, ser o período da mesma reduzido para nunca mais de três meses.
            8° Sendo, desta forma entendida e considerada a personalidade do recorrente, as consequências do seu acto, o grau de ilicitude e de culpa, a confissão e o arrependimento, e acima de tudo a sua capacidade de interiorizar a pena como ressocializante e justa, e nunca repressiva e desmoralizante.
            9° A imposição ao recorrente de uma pena acessória de inibição da conduzir pelo período de três meses satisfará, de acordo com o estatuído pelo artigo 69° n° 1 alínea a) do Código Penal, a prevenção de perigosidade do arguido e constituirá a censura adicional do seu acto.
            Nestes termos, nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de V. Exas, deve pois a Douta Sentença recorrida ser reformulada, na parte em que dela se recorre e, em consequência da correcta aplicação dos artigos 40° e 70° do Código Penal, que expressamente se reclama, ser o período determinado da sanção acessória de inibição de conduzir a que o recorrente foi condenado, reduzido para nunca mais de três meses.
Assim se fazendo (como sempre) A respectiva, competente e merecida
Justiça!

Foi admitido o recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela procedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência parcial do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios referidos no artº 410 nº 2 do CPP:
 


Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
            1) No dia 12 de Fevereiro de 2013, pelas 2h26, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula “ K (...)” na rua da Fonte, Vale de Ílhavo, área desta comarca.
            2) Submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue expirado através de aparelho Drager Alcoteste o arguido acusou uma taxa de 1,65g/l de álcool no sangue.
            3) O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, em quantidade não apurada, que ele bem sabia que lhe poderiam determinar uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como efectivamente determinaram.
4) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

                                                                       *
            5) O arguido foi condenado:
            - Em 3/5/2005 na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em 8/4/2004 de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203°, n°1, do Código Penal;
            - Em 16/3/2009 na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pela prática em 1/2/2006 de um crime de violação, previsto e punido pelos art. 163.° do Código Penal.
            - Em 23/7/2009 a pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual p4riodo, pela prática em 5/7/2007 de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.°-A do Código Penal.
            - Em 23/8/2010 na pena de noventa dias de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática em 6/1/2010 de três crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos art. 181.° e 184.° do Código Penal.
            - Em 19/5/2011 na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática em 26/5/20 10 de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.°, n.°1, do Código Penal.
            - Em 20/6/2011 na pena única de 180 dias de multa pela prática em 26/3/2010 de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art.
143°, n°1, do Código Penal, e de um crime de ameaça, previsto e punido pelos arts. 153.° e 155°, n.°1, do Código Penal.

            - Em 26/3/20 12 na pena de 200 dias de multa pela prática em 18/4/2006 de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo art. 6.° da Lei n.°22/97, de 27 de Junho.
            - Em 14/9/2012 na pena única de doze meses de prisão, suspensa na sua
execução por igual período, pela prática em 6/4/2011 e em 17/3/2011, respectivamente, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153.°, n.°l, do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.°, n.°l, al. d), da Lei n°5/2006, de 23 de Fevereiro.
                                                           *

            6) O arguido faz biscates e aufere a quantia mensal entre 500,00€ e 600,00€.
            7) Tem uma filha de 3 anos a seu cargo.

            8) Vive em casa da mãe.
            9) Contribui para s despesas domésticas com a quantia de 150,00€ a 200,00€ por mês.
            10) Tem a 4ª classe
           
            Não resultaram provadas quaisquer outros factos que se revelem relevantes para a apreciação da causa, concretamente, que importem para a aferição da responsabilidade do arguido ou para determinação da medida da pena.
                                                                       *

                       
Na formação da c4nvicção foi tida em conta a confissão integral e sem reservas do arguido, tal como o foram as suas declarações relativamente ao contexto socioeconómico em que se insere.
            Mais foi valorado o documento de fls. 5 relativo ao teste de pesquisa de álcool e o teor do respectivo certificado do registo criminal junto aos autos.
 

Questões a decidir:
- Se a pena acessória aplicada é excessiva;

O recorrente requer a redução do período de inibição que lhe foi aplicado.
A graduação da medida concreta da pena acessória é efectuada em função dos mesmos factores que determinam a graduação da pena principal, ou seja, nos termos do disposto no art. 71 do Código Penal com a excepção de que finalidade a atingir é mais limitada, dado que a sanção em causa tem apenas em vista prevenir a perigosidade do agente.
“Assim sendo, a determinação da medida da pena acessória (período de tempo de inibição de condução) deve ser concretizada tendo em vista apenas uma das finalidades subjacentes às penas em geral (art. 40 nº 1 do Código Penal) qual seja a de protecção dos bens jurídicos e já não também a da reintegração do agente na sociedade” (Ac Rel Coimbra, recurso nº 187/97).
No caso vertente o comportamento do recorrente é merecedor de um juízo de censura já que este se dispôs a conduzir um veículo automóvel sabendo que o fazia com um grau de alcoolemia superior ao previsto no art 292 do Código Penal, indiferente ao perigo que daí advinha para si e para todos os outros utentes da via.
As necessidades de prevenção quer geral, quer especial, não são de descurar pois, como é de conhecimento público, grande parte dos acidentes do nosso país deve-se, sobretudo, à condução de veículos em estado de embriaguez.   Por outro lado, a TAS de que o recorrente era portador – 1,65 g/l – está acima do mínimo criminalmente punível.
O recorrente revela, também, uma personalidade contrária á lei pois embora não tenha antecedentes criminais pela prática do mesmo crime dos autos, tem antecedentes criminais pela prática de crimes de furto simples, violação, violência doméstica contra cônjuge ou análogos, injúria agravada, ofensa à integridade física, detenção ilegal de arma e ameaça.
O facto de necessitar da carta para exercer a sua profissão não se compadece com o facto de ser inibido de conduzir veículos com motor durante seis meses. O condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão, tem que ter uma maior consciência da perigosidade  que é conduzir sob os efeitos de álcool.
A confissão tem pouco relevo na medida em que o arguido foi preso em flagrante delito.
Sopesando todas as circunstâncias nenhum reparo nos merece a pena acessória aplicada a qual se mostra adequada, proporcional e equilibrada.
Não nos podemos esquecer que, neste tipo de ilícito, as necessidades de prevenção geral são muito prementes, que a culpa do arguido foi elevada, já que actuou com dolo directo, na sua modalidade mais intensa e que o grau de ilicitude da conduta do arguido é bastante acentuado, atento o veículo conduzido pelo arguido e a taxa de alcoolemia que o mesmo apresentava.
Aliás, será de perguntar se se aplicasse ao arguido a pena acessória mínima, ou seja, 3 meses quanto seria de aplicar a quem conduzisse com uma TAS de 1,2 g/l?


  Termos em que se tem o recurso interposto por improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.




Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)                               
                       

                                              
Alice Santos (Relatora)

Belmiro Andrade