Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
638/15.1T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: CASAMENTO
REGIME DE BENS
BENS COMUNS
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1717º E 1724º DO C. CIVIL .
Sumário: I – Resultando provado que A. e R. casaram em 12 de Março de 1983, sem convenção antenupcial, face ao preceituado no art.º 1717º do C.C. o casamento entre A. e R. considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.

II – Assim sendo, uma vez que o montante depositado na conta n.º ... da C..., era proveniente dos rendimentos do trabalho de ambos ele é um bem comum, face ao preceituado no art.º 1724º do mesmo diploma, ou seja faz parte, ainda que levantado pelo A., da massa patrimonial de A. e R., pelo que tal quantia faz parte dos bens comuns dos cônjuges, objecto duma propriedade colectiva.

Decisão Texto Integral:            






Acordam na Secção Cível (3.ªSecção), do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                      1.Relatório

1.1.A..., divorciado, residente na Rua ..., propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra M..., divorciada, residente na ..., pedindo que se declarar que os bens arrolados identificados em 16.º da petição inicial pertencem ao património comum do ex-casal e, consequentemente, devem ser objecto de partilha em sede de inventário, sendo a Ré condenada a reconhecê-lo e que se declarar que o saldo da conta bancária nº ... da “C..., S.A.” à data da propositura da acção de divórcio -19/11/2012 - era zero e, consequentemente, não deve haver lugar à sua relacionação em sede de inventário para partilha de meações, sendo a Ré condenada a reconhecê-lo.

Alega, para tanto e em síntese, que Autora e Réu contraíram casamento sem convenção antenupcial em 12 de Março de 1983 e divorciaram-se por sentença transitada em julgado no dia 17 de Fevereiro de 2014, no âmbito do processo n.º ... que correu termos no extinto 3o Juízo do Tribunal  Judicial de Castelo Branco.

A acção de divórcio foi interposta em 19 de Novembro de 2012 e terminou com a conversão do divórcio em mútuo consentimento.

O Autor requereu no âmbito do processo n.º ... que correu termos no extinto 1o Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco arrolamento dos bens comuns a partilhar.

A Requerida, aqui Ré, não deduziu oposição.

Entretanto o Autor requereu o inventário para separação de meações, o qual corre termos no Cartório Notarial da ..., encontrando-se suspenso.

A aqui Ré foi designada cabeça-de-casal e apresentou relação de bens, tendo o aqui Autor reclamado já que a Ré não relacionou todos os bens que constam do auto de arrolamento e relacionou um saldo da conta bancária comum cujo valor era inexistente à data da propositura da acção de divórcio.

As partes foram remetidas para os meios comuns.

Os bens comuns arrolados e não relacionados são:

- um rádio leitor de cassetes e uma cadeira em vime (descritos na verba no3 do auto de arrolamento);   

- 1 micro-ondas de marca “Mídia” de Cor Cinza, 2 pratos decorativos floreados com rosas, 1 bacia pequena floreada com rosas, 2 pratos decorativos, em porcelana, com motivos de gala, 1 cama de ferro individual, 24 relógios de bolso, sendo de coleção e a imitar o antigo (descritos na verba no5 do auto de arrolamento);

- 2 malas de enxoval, em madeira tipo baú antigo (descritos na verba no7 do auto de arrolamento);

- um gerador “Exceed” EX-GG2500M, uma bomba submersível, de cor azul, marca  NU Power (descrita na verba no12 do auto de arrolamento);

- 1 esquentador (descrito na verba no14 do auto de arrolamento).

Também a verba 12.ª da relação de bens foi indicada com o valor de € 1.000,00 quando na verdade no auto de arrolamento foi descrita com o valor de € 1.800,00.

Por outro lado, o saldo da conta bancária relacionado no inventário foi de € 17.443,00, mas à data da interposição do inventário o saldo da conta do casal nº ...  da “C..., S.A.” era zero.

Além disso Autor e a Ré podiam movimentar livremente a conta na constância do  matrimónio.

1.2. Regularmente citada a Ré M... contestou a acção defendendo-se por impugnação e deduziu reconvenção.

Alegou, em síntese, quanto á impugnação:

O rádio leitor de cassetes e a cadeira já eram da Ré à data do casamento, assim como a malas do enxoval, em madeira, tipo baú antigo.

O gerador “exceed” Ex-GG2500M e a bomba submersível de cor azul, marca NU Power eram bens de uma sociedade.

O saldo da conta bancária nº ... da “C..., S.A.” deve ser relacionado como bem comum no inventário.

Quanto á reconvenção

 Foi o Autor quem levantou o saldo de € 17.443,00, em 19 de Setembro de 2012, sem autorização ou consentimento da Ré.

O saldo da conta era proveniente do trabalho/salários da Ré.

Autor e Ré estavam separados desde Abril de 2012.

Pede que a acção seja julgada improcedente e que o A. em reconvenção seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 8.721,50, correspondente a metade do valor de € 17.443,00 e que subsidiariamente se declare que o valor de € 17.443,00 deverá ser objecto de relacionamento no processo de inventário, condenando-se o Réu a repor tal quantia.

1.3. O Autor/Reconvindo apresentou réplica na qual refere que a conta bancária em causa era aprovisionada por ambos os cônjuges e não apenas pela Ré.

A Ré sempre movimentou as contas bancárias do casal e a partir de data não concretamente apurada passou a colocar rendimentos do casal em conta(s) bancária(s)titulada(s) apenas por esta, seus filhos e sua mãe, por forma a que o Autor não tivesse conhecimento desses rendimentos e tampouco acesso aos mesmos.

No processo de divórcio não foi fixada qualquer data para a separação de facto.

O Autor procedeu ao levantamento da quantia de € 17.443,00 porque em Setembro de 2012 encontrava-se desempregado há mais de um ano e não tinha outros rendimentos e havia despesas do casal para pagar. O dinheiro era para pagar despesas pendentes do casal e para garantir que estava disponível para alguma emergência, designadamente de saúde.

A quase totalidade da quantia dos € 17.443,00 foi furtada ao Autor em Novembro de 2012 tendo o mesmo apresentado queixa-crime.

Pede que a reconvenção deduzida pela Ré seja julgada improcedente por não provada.

1.4. Foi proferido despacho a admitir a reconvenção e despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se fixou o objecto da acção e os temas da prova.

            1.5. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, foi oportunamente proferida sentença de fls. 134 a 149, a julgar a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e o pedido reconvencional subsidiário procedente porque provado e, em consequência:

1.5.1. Declarou que os seguintes bens são bens comuns do casal e devem ser objecto de relacionação no inventário para separações de meações no ,,, do Cartório Notarial da ... actualmente suspenso: um prato decorativo floreado com rosas, vinte e quatro relógios de bolso, sendo um de colecção e a imitar o antigo, um gerador exceed EX-GG2500M e a bomba submersível de cor azul, marca NU Power.

1.5.2. Absolveu o Autor/Reconvindo do pedido formulado pela Ré/Reconvinte de condenação no pagamento à Ré/Reconvinte de um crédito no valor de € 8.721,50.

1.5.3. Determinou que seja objecto de relacionação no inventário para separações de meações n.º ... do Cartório Notarial da ... como bem comum uma verba identificada como “o montante de € 17.443,00 levantado que o Réu/Reconvinte da conta bancária n.º ... da “C..., S.A.” em 19 de Setembro de 2012” devendo essa verba ser imputada na meação do Autor/Reconvindo, compensando-se, assim, o património comum com aquele valor.

1.6. Inconformado, o A. interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. Factos provados

2.1.1. Autor e Ré casaram em 12 de Março de 1983 sem convenção antenupcial.

2.1.2. Em 20 de Novembro de 2012 o Autor instaurou acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que deu origem ao processo n.º ... do extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.

2.1.3. Autor e Ré requereram no âmbito do processo referido em 2.1.2. a conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento.

2.1.4. No âmbito dos acordos apresentados para a conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento, Autor e Ré apresentaram a seguinte relação especificada de bens comuns: “Sem prejuízo de, em sede própria, ver-se a titularidade de outros bens  comuns do casal, existem os seguintes bens comuns do casal:

Direito de usufruto sob:

(...)

Bens Móveis sujeitos a Registo

Verba no 8 – Veículo automóvel, marca BMW, modelo 318.

Verba no 9 – Veículo automóvel, marca Ford, modelo Transit, de caixa aberta.

Verba no 10 – Veículo automóvel, marca Citroen, modelo Berlingo.

Verba no 11 – Motociclo 125 cc.”.

2.1.5. Foi proferida sentença de divórcio por mútuo consentimento em 13 de Janeiro de  2014, transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2014.

2.1.6. O Autor instaurou procedimento cautelar de arrolamento contra a Ré que correu termos no extinto 1o Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco sob o n...

2.1.7. No âmbito do processo identificado no número anterior foi proferida decisão em 8 de Maio de 2014 transitada em julgado em 30 de Maio de 2014.

2.1.8. No âmbito do processo referido em 2.1.6. e 2.1.7. foram arrolados, de entre outros, os seguintes bens:

- um rádio leitor de cassetes e uma cadeira em vime (descritos na verba no 3 do auto de arrolamento);

- 1 Microondas de marca “Mídia” de Cor Cinza, 2 pratos decorativos floreados com rosas, 1 bacia pequena floreada com rosas, 2 pratos decorativos, em porcelana, com motivos de gala, 1 cama de ferro individual, 24 relógios de bolso, sendo de colecção e a imitar o antigo (descritos na verba no 5 do auto de arrolamento);

- 2 malas de enxoval, em madeira tipo baú antigo (descritos na verba no 7 do auto de arrolamento);

- um gerador “Exceed” EX-GG2500M, uma bomba submersível, de cor azul, marca NU Power (descrita na verba no 12 do auto de arrolamento);

- 1 esquentador (descrito na verba no 14 do auto de arrolamento).

2.1.9. A Ré esteve presente aquando da diligência de arrolamento no âmbito do processo identificado em 2.1.6.

2.1.10. O Autor instaurou processo de inventário subsequente a divórcio no Cartório Notarial da ... a que foi atribuído o n.º ... tendo sido designada cabeça-de-casal a aqui Ré.

2.1.11. A cabeça-de-casal, aqui Ré, apresentou relação dos bens a partilhar na qual não são relacionados os bens referidos em 8. e é relacionado saldo da conta bancária no ... da “C..., S.A.” no montante de € 17.443,00 (verba n.º 22).

2.1.12. O aqui Autor apresentou reclamação à relação de bens junta pela cabeça-de-casal invocando a falta de relacionamento dos bens discriminados em 8. e a indevida relacionação da conta bancária no ... da “C..., S.A.” no montante de € 17.443,00.

2.1.13. A Sr. notária por despacho de 4 de Março de 2015 remeteu os interessados para os meios comuns e suspendeu o processo de inventário.

2.1.14. O rádio leitor de cassetes constante do ponto 2.1.8. pertencia ao pai da Ré e foi herdado por esta.

2.1.15. A cadeira de vime foi doada pela mãe do Autor à mãe da Ré.

2.1.16. Um prato decorativo floreado com rosas foi herdado pelo Autor após a morte da mãe.

2.1.17. Um prato decorativo floreado com rosas foi doado pela mãe do Autor ao casal.

2.1.18. Uma bacia pequena floreada com rosas foi a mãe da Ré que doou a esta.

2.1.19. Dois pratos decorativos em porcelana com motivos de “galo” foi o pai biológico da Ré que lhe doou antes do casamento.

2.1.20. Uma cama de ferro individual foi doada ao filho de Autor e Ré.

2.1.21. Vinte e quatro relógios de bolso, sendo um de colecção e a imitar o antigo, foram comprados na constância do casamento.

2.1.22. Duas malas de enxoval, em madeira tipo baú antigo foram herdadas pela Ré de uma tia irmã do pai.

2.1.23. Um gerador exceed EX-GG2500M foi comprado na constância do casamento.

2.1.24. A bomba submersível de cor azul, marca NU Power foi comprada na constância do casamento.

2.1.25. Um esquentador foi comprado pela Ré com dinheiro que lhe foi doado.

2.1.26. Um microondas da marca “Mídia” de Cor Cinza foi adquirido pela Ré com dinheiro que lhe foi doado.

2.1.27. Autor e Ré eram titulares da conta bancária no ... da “C..., S.A.”.

2.1.28. Na conta referida em 2.1.27 eram depositados os rendimentos provenientes do trabalho do Autor e da Ré.

2.1.29. Autor e Ré sempre movimentaram na constância do casamento, livremente, as contas bancárias do casal sem pedir prévia autorização ao outro.

2.1.30. Em 19 de Setembro de 2012 o Autor procedeu ao levantamento do saldo da conta  bancária n.º ... da “C..., S.A.” no valor de € 17.443,00 passando a mesmo a ser zero.

2.1.31. Em 2 de Outubro de 2012 o Autor passou a habitar uma casa dos seus pais por ter sido impedido pelos filhos de entrar na casa onde até aí habitava com a Ré.

2.1.32. O Autor apresentou queixa crime contra a Ré, ..., por furto de cerca de € 10.000,00 ocorrido no dia 21 de Novembro de 2012 na casa em que passou a habitar em 2 de Outubro de 2012, quantia correspondente a parte dos € 17.443,00 que havia levantado, tendo dado origem ao inquérito que correu termos sob o n.º ... e que foi arquivado por falta de prova.

2.1.33. O Autor utilizou € 7.443,00 para adquirir electrodomésticos para a casa que passou a habitar após 2 de Outubro de 2012 e para pagar despesas correntes como água, luz e telefone.

2.1.34. O Autor recebeu a título de subsídio de desemprego entre 2011 e Novembro de 2014, € 419,10.

                                   3. Fundamentação

3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

A questão a decidir resume-se, pois:

Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o A. do pedido reconvencional.

Vejamos

Segundo o recorrente o saldo da conta bancária titulada em nome do A. e da R. na C..., S.A. era zero à data da propositura da acção de divórcio e, como tal, não deve ser relacionada no inventário para separação de meações.

Por sua vez a R. tem opinião diferente e alega que não obstante o saldo da conta ser zero, a verdade é que em 19 de Setembro de 2012, ou seja, numa altura em que o casal se encontrava separado de facto, o A/reconvindo procedeu ao levantamento de 17.443,00€ da referida conta, e por consequência deve ser condenado a pagar à

R. 8.721,50€ correspondente a metade da quantia ou, subsidiariamente deve ser relacionado no inventário para separação de meações o montante de 17.443,00€.

Dos factos provados resulta que A. e R. eram titulares da  conta n.º ... da C... (cfr. facto 2.1.17.), e que era na mesma que eram depositados os rendimentos do trabalho de A. e R. (cfr. facto 2.1.18,).

Resulta também provado que A. e R. casaram em 12 de Março de 1983, sem convenção antenupcial (cfr. facto 2.1.1.), pelo que face ao preceituado no art.º 1717º do C.C. o casamento entre A. e R. considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos, pelo que o montante depositado na conta n.º ... da C..., proveniente dos rendimentos do trabalho de ambos (cfr. facto 2.1.18.) é um bem comum face ao preceituado no art.º 1724º do mesmo diploma, ou seja faz parte, ainda que levantado pelo A., da massa patrimonial de A. e R. (cfr. Pereira Coelho, in Direito da Família, fls. 397 e Antunes Varela, in Direito da Família, fls.436), pelo que tal quantia faz parte dos bens comuns dos cônjuges, objecto duma propriedade colectiva.

É certo que o A. intentou em 20 de Novembro de 2012 acção de divórcio contra a R. (cfr. facto 2.1.2), porém não é menos verdade que o A. levantou o montante supra aludido em 19 de Setembro de 2012 (cfr. facto 2.1.30.), pelo que á data do levantamento da quantia o A. ainda era casado com a R., assim a quantia era um bem comum, porquanto nos termos do art.º 1688º do C.C. as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, o que ainda não se tinha verificado no momento em que o A. procedeu ao levantamento da quantia de 17.443,00€.

Ora, sendo a quantia de 17.443,00€ um bem comum, tem de ser relacionado para se operar à respectiva meação/partilha, sob pena de haver um enriquecimento ilícito do A. 

Assim, e pelo exposto a sentença recorrida não merece qualquer censura.

4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar a presente apelação improcedente e, nesta medida, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 18/10/2016

            Des. Pires Robalo (Relator)

            Des. Jorge Manuel Loureiro


Declaração de voto de vencida (Des. Sílvia Pires):
O casamento dos interessados foi dissolvido por divórcio.
O divórcio opera a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges - art.º 1688º do C. Civil.
Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal - art.º 1689º, nº 1, do C. Civil.
Cada cônjuge receberá na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património - art.º 1689º, nº 1, do C. Civil.
A lei faz retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da proposição da acção de divórcio ou mesmo à data da cessação da coabitação entre ambos, embora neste último caso, só a requerimento de qualquer dos cônjuges - art.º 1789º nºs 1 e 2 do C. Civil - , o que não ocorreu no presente caso.
Esta retroacção significa que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da proposição da acção e não no dia do trânsito em julgado da decisão e que a partilha dever ser feita como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da instauração da acção.
A composição do património comum é, portanto, aquela que existia na data da proposição da acção e não em momento anterior, e só os bens existentes nesse momento devem ser objecto de partilha.
Daí que, seja qual o for o destino que o Recorrente tenha dado ao dinheiro que levantou da conta bancária em data anterior à propositura da acção de divórcio, o respectivo valor não deve ser relacionado no inventário para separação de meações.
O levantamento do dinheiro de uma conta bancária do casal e a sua destinação em data anterior ao referido momento integra um acto de administração de bem comum, constituindo uma violação desses deveres patrimoniais a má administração de bens do casal - art.º1678º, nº 1, 2 e 3, 1ª parte, do C. Civil -, ou a inobservância da regra da administração extraordinária conjunta dos bens comuns - art.º 1678.º nº 3, 2ª parte, do C. Civil.
O cônjuge que administra bens comuns está, em regra, isento da obrigação de prestar contas - art.º 1681º, nº 1, do C. Civil -, mas responde pelos danos causados pelos actos praticados, com dolo, em prejuízo do património comum ou do outro cônjuge, ou com inobservância das regras de administração desses bens - art.º 1681º do C. Civil.
Nestas condições, à Recorrida assistiria eventualmente o direito de fazer declarar e valer contra o Recorrente o seu direito a ser ressarcida dos danos que possa ter suportado por força do referido acto do último - art.º 483º, nº 1, do C. Civil. Mas deveria fazer declarar e valer tal direito indemnizatório nos meios judiciais comuns e não no processo de inventário para separação de meações, através da inclusão nos bens a partilhar do saldo de uma conta que já não existia à data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges.
Só após ver reconhecida a existência desse direito indemnizatório é que poderia então fazer valer o respectivo direito de crédito, em sede de partilha do património conjugal, de acordo com o estatuído no art.º 1689º do C. Civil.
É esta a posição sustentada pelo Supremo Tribunal de Justiça que nos acórdãos de 2.5.2012 (Rel. Azevedo Ramos) e de 26.11.2014 (Rel. Tavares de Paiva), acessíveis em www.dgsi.pt, não acolheu a tese que é sustentada pela decisão recorrida.
Ora, apesar de no presente caso estarmos perante uma acção com processo comum, na sequência de remissão para este meio em incidente de reclamação contra o excesso de relacionamento de bens, designadamente do referido saldo de conta bancária inexistente à data do pedido de divórcio, não se discutiu nesta acção, nem se apurou, a existência de um eventual direito de indemnização por administração danosa ou indevida de bens comuns (o qual, a existir não corresponderia necessariamente a metade do valor daquele saldo), mas antes se concluiu que existia o direito a tal saldo integrar cegamente a relação de bens comuns a partilhar no inventário, tendo-se bastado, para isso, com o simples facto do Recorrente, na constância do matrimónio e em data anterior à propositura da acção de divórcio, ter levantado o dinheiro que existia numa conta bancária do casal.
Por este motivo julgaria procedente o recurso e revogaria a decisão recorrida, sem prejuízo da Recorrida poder vir a reclamar, em acção própria, o direito de indemnização previsto no art.º 1681.º do C. Civil, e poder então fazer valer o correspondente direito de crédito no processo de inventário, nos termos do artigo 1689º do C. Civil.