Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/12.6TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: SEGURO DE GRUPO CONTRIBUTIVO
DEVER DE INFORMAR
TOMADOR
SEGURO
Data do Acordão: 04/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 76º DO DL 176/95, DE 26/07 (L. C. S.)
Sumário: I – Nos seguros de grupo contributivos, a lei, em disposição supletiva, onera o tomador do seguro com o dever de informar os segurados sobre as alterações ao contrato, podendo, contudo, o contrato de seguro prever que este dever seja assumido pela seguradora.
II – Se o tomador incumprir este dever, as cláusulas aditadas com a alteração são operantes e o seu conteúdo pode ser oposto pela seguradora aos segurados.

III – Restará aos segurados responsabilizar o tomador do seguro pelos danos causados.

IV – Não podem ser aditados oficiosamente pelo julgador factos essenciais à procedência de uma excepção, mesmo quando os mesmos sejam obtidos através do funcionamento de presunções retiradas de factos instrumentais alegados pelas partes.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

M..., P..., e Herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de C..., representada pelos demais autores, intentaram a presente acção contra a Ré, pedindo:

a) que seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que por força dos contratos de seguro, que identifica, está obrigada a pagar à Caixa (...) o valor do capital que era devido a este Banco, em 17 de Outubro de 2010, data da morte de C..., relativamente aos contratos de mútuo, que descreve;

b) a condenação da Ré a pagar à Caixa (...) o valor do capital em dívida a 17 de Outubro de 2010, no montante de 145.000,00€, de forma a liquidar totalmente o empréstimo contraído através desses contratos; e

c) a condenação da Ré a pagar aos Autores o valor correspondente a todas as prestações que, relativamente aos mesmos contratos de mútuo, os mesmos já pagaram à Caixa (...) , referentes ao capital, juros, prémios de seguro, imposto de selo e demais encargos, desde 17 de Outubro de 2010, valor que se calcula não inferior a 8.000,00 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal valor desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Mais peticionaram a intervenção principal provocada da Caixa (...) como sua associada.

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese:

- C... e sua mulher, a 1ª autora, celebraram com a Caixa (...) cinco acordos de mútuo, pelos quais o banco lhe emprestou quantias em dinheiros, num total de 312.225,00 €, garantidas por hipotecas.

- No âmbito de tais de empréstimo, foram celebrados com a Ré, compa­nhia de seguros, dois acordos de seguro de vida, titulados pelas apólices ... e ..., nos quais a Caixa (...) , enquanto entidade mutuante, é o tomador do seguro e beneficiário, e C... e mulher as pessoas seguras ou segurados.

- Tais acordos de seguro, que garantem o pagamento à Caixa (...) do valor do capital financiado, cobrem a situação de morte da pessoa segura.

- C... faleceu a 17.10.2010, tendo sido vítima de um acidente enquanto caçava, de um disparo não provocado pela sua arma.

- O facto de, no momento da morte, ter uma taxa de álcool de 1,48 g/l não significa que a sua morte tenha sido devida à acção do álcool.

 - Não existe qualquer exclusão da responsabilidade da Ré.

A Ré, na sua contestação, defendeu que a morte de C... se ficou a dever a um tiro, sem intervenção de terceiros, enquanto caçava, o que fazia com uma taxa de alcoolemia de 1,48 g/l e que as condições do contrato de seguro excluem, pelas circunstâncias do acidente a garantia pretendida.

Alegou ainda:

- No seguimento do novo regime jurídico do contrato de seguro, informou a tomadora do seguro da actualização das condições contratuais da apólice, a partir da renovação subsequente, bem como das alterações do contrato.

- C... faleceu no exercício da caça, com uma taxa de álcool que a lei subsume a um crime, com a afectação clara das suas capacidades de resposta motora, sem as quais o sinistrado não teria colocado os canos da caçadeira em contacto com a zona atingida pelo disparo.

- A entender-se que as cláusulas de exclusão não foram comunicadas, sempre terá de julgar-se que tal não se impõe, já que a inclusão de tal cláusula não é mais do que a explicitação de uma hipótese que sempre estaria excluída, sob pena de nulidade, por se referir a uma norma imperativa e contrária à ordem pública (art. 280º do CC).

Concluiu pela improcedência da acção.

Os Autores replicaram, sustentando que a Caixa (...) não informou C... de qualquer alteração contratual dos contratos de seguro, nem tal foi feito pela Ré, sendo que o mesmo não foi atingido por um tiro da sua própria caçadeira, não havendo nexo de causalidade entre a morte e a taxa de álcool.

Concluíram como na p. inicial.

Foi admitida a intervenção principal provocada da Caixa (...) , S.A., como associada dos Autores.

Após o julgamento foi proferida em 15 de Maio de 2013 sentença que jul­gou a acção improcedente.

Inconformados com a decisão interpuseram recurso A..., M... e P..., formulando as seguintes conclusões:

...

Não foi apresentada resposta.

A Ré apresentou resposta ao recurso interposto por M... e P..., defendendo a confirmação da decisão.

Em 9.10.2014 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:

Antes de mais, e atenta a específica e nova questão prévia suscitada pela recorrente A..., maxime a nulidade do processado após 21.03.2013, altura em que se tornou maior de idade, que pode, inclusive, prejudicar a admissão do recurso e os ulteriores termos processuais, nos termos do art.º 3º, n.º 3 do CPC, confere-se o necessário contraditório, para o que se indicam 10 dias.

A Ré pronunciou-se pelo indeferimento da nulidade suscitada.

A Autora respondeu, mantendo tudo o por si alegado nas conclusões do recurso n.º 1, 2, 3 e 4.

Veio a ser proferido, em 19.11.2014, despacho que julgou improcedente a nulidade do processado posterior a 21.3.2013, despacho que do que dos autos consta não foi impugnado.

1. Do objecto dos recursos

1.1. Da omissão de notificação da Autora A...

A Autora A... vem no seu recurso invocar a nuli­dade decorrente da omissão da sua notificação para constituir mandatário na data em que atingiu a maioridade.

Esta questão já foi decidida por despacho judicial proferido em 19.11.2014, despacho esse que julgou improcedente a arguição da nulidade do processado posterior a 21.3.2013, com esse fundamento.

Não tendo essa questão sido decidida pela sentença recorrida, não cumpre apreciá-la no presente recurso.

1.2. Da impugnação da matéria de facto

Além do mais, os Recorrentes pretendem ver alterada a decisão da matéria de facto no que respeita aos factos julgados provados sob os n.º 23 e 24 dos factos provados, invocando para a sustentação da sua pretensão, além do mais, os depoi­mentos das testemunhas ...

Dispõe o art.º 640.º do Novo C. P. Civil:

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.

Da leitura das alegações do recurso interposto resulta manifesta a discor­dância da Autora quanto a pontos concretos da matéria de facto julgada quer provada quer não provada, pontos esse que identifica, dando, desse modo, satisfação à exigência contida no n.º 1, a), do artigo acima transcrito.

No que respeita à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – al. b), n.º 1 – os Recor­rentes, no corpo da suas alegações, invocam os depoimentos das testemunhas ..., transcrevendo excertos dos respec­tivos depoimentos, mencio­nando a sua localização na gravação.

Analisado o registo da prova resulta que a localização, na gravação, das passagens indicadas não é mais que a totalidade da duração dos depoimento prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, assinalando o seu início e fim, sem menção da localização dos trechos que em seu entender apresentavam relevância para o efeito pretendido

Os Recorrentes ao invocarem, do modo como o fizeram, os depoimentos que, na sua perspectiva, tinham virtualidade para modificar a decisão da matéria de facto, não deram satisfação à exigência contida naquela alínea b).

Limitaram-se a indicar as horas de início e fim dos depoimentos das tes­temunhas que identificam, sem menção da localização na gravação dos trechos que em seu entender apresentavam relevância para o efeito pretendido.

A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso – art.º 640º, n.º 2, a), do Novo C. Processo Civil.

A transcrição das passagens dos depoimentos que o recorrente considere relevantes para a modificação pretendida, resultando da lei como uma faculdade que lhe é concedida, não configura uma alternativa à obrigatoriedade de indicação exacta das passagens da gravação.

Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art.º 640º, do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto que pretende ver alterados não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

No caso em apreço os Recorrentes, sem cumprir o ónus de especi­fi­cação imposto pelo n.º 2, a), do art.º 640º, do Novo C. P. Civil, ou seja, não indicando as passa­gens exactas da gravação em que fundamentam a sua impugnação, sendo certo que tendo a mesma sido efectuada digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio, conforme da acta consta, tal era possível, nem fazendo qualquer análise crítica dos meios de prova, que, em seu entender, provocam as alterações por si pretendidas.

Assim, considerando que as alegações da Recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos, rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da decisão da matéria de facto.

2. Do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cumpre conhecer as seguintes questões:

a) A sentença é nula?

c) Devem ser julgados não provados os factos provados sob os n.º 23 e 24?

c) A morte de C... integrou o risco coberto pelos contratos de seguro degrupo celebrados entre a Ré e a Interveniente Caixa (... ) ao qual aquele tinha aderido?

3. Da nulidade da sentença

Os Recorrentes imputam à decisão proferida o vício da nulidade constante do art.º 615º, n.º 1, d), do Novo C. Processo Civil, alegando que o tribunal ao tomar conhecimento dos factos julgados provados nas alíneas b) e c) do n.º 18º do ponto 2.1.1., não tendo tais questões sido suscitadas, foi para além daquilo que tinha sido peticionado.

Dispõe o art.º 615º, n.º 1, do Novo C. P. Civil:

1 — É nula a sentença quando:

d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

O art.º 608º, n.º 2, do Novo C. P. C., determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excep­tuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Mas, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Novo C. P. C. – quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – verifica-se não só quando o Juiz deixe de tomar posição sobre todas as causas de pedir invocadas na petição, sobre todos os pedidos formulados e mesmo sobre as excepções suscitadas ou de conhecimento oficioso, mas também quando ele se ocupe de questões que não lhe foram colocadas pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.

Esta nulidade apenas abrange o conhecimento de questões jurídicas e não a insuficiência ou excesso na determinação dos factos apurados.

Esses vícios devem ser apreciados e decididos em matéria de modificação da decisão de facto pelo tribunal de recurso prevista e regulada no art.º 662º, do N. C. P. Civil, o que se fará adiante.

3. Dos factos

3.1. Do excesso da matéria de facto considerada provada

Como já acima demos nota os Recorrentes alegam que o tribunal ao consi­derar provados os factos constantes das alíneas b) e c) do n.º 18º do ponto 2.1.1., não tendo os mesmos sido alegados, excedeu os seus poderes no conhecimento da matéria de facto.

No caso que nos ocupa o pedido formulado pelos Autor, na parte agora com relevo, é claro:

a) condena­ção da Ré a reconhecer que por força dos contratos de seguro aludidos na P. Inicial – apólices ... – está a mesma obrigada a pagar à Caixa (...) o valor do capital que era devido …, relativamente aos contratos de mútuo referidos nos artigos 12º a 20º da p. inicial.

Da leitura da p. inicial resulta que os Autores invocaram os seguintes con­tratos de mútuo celebrados com a Caixa (...) , no valor global de € 312.225,00, assim descriminados:

- de 11.11.1992, no valor de 9.450.000$00;

- 28.1.1999, no valor de 9.000.000$00;

- 6.11.2002, no valor de € 40.000,00;

- 17.11.2003, no valor de € 70.000,00;

- 1.3.2005, no valor de € 110.000,00.

Foi alegado no mesmo articulado que no âmbito dos contratos de mútuo celebrados em 11.11.1992, 28.1.1999, 6.11.2002 e 17.11.2003, no valor de € 70.000,00 foi efectuado entre a Ré Seguradora e a Caixa (...) o contrato de seguro do ramo vida, Crédito à Habitação, titulado pela apólice ..., e que no âmbito dos contratos de mútuo celebrados em17.11.2003 e 1.3.2005 foi entre os mesmos contraentes celebrado o contrato de seguro denominado Ramo Vida Especial Habitação Grupo, titulado pela apólice ...

Assim, decorre cristalinamente que os Autores apenas equacionaram o litígio que os opõe à Ré, relativamente aos contratos de seguro acima mencionados, contratos esses que garantem o risco dos mútuos também acima identificados e não quaisquer outros.

A contestação da Ré limitou-se também a esses contratos.

No entanto, dos factos provados consta nas alíneas b) e c) do n.º 18º do ponto 2.1.1:

18. Para efeito deste acordo de empréstimo[1], foi celebrado com a Compa­nhia de Seguros B... um acordo de seguro, que o aceitou, denomi­nado Ramo Vida Especial Habitação Grupo, titulado pela apólice ..., nos seguintes termos:

a. Com a data de 25.02.2005, pelo prazo de 22 anos (duração do con­trato/empréstimo), nos termos do qual o tomador do seguro / beneficiário (a entidade que concede o empréstimo): a Caixa (...) ; a pessoa a segurar (pessoa segura principal): C... (actividade – bancário), que subs­creve e assina o documento; e o valor seguro: o empréstimo concedido de 110.000,00 €.

b. Com a data de 12.03.2007, pelo prazo de 25 anos (duração do con­trato/empréstimo), nos termos do qual se define o tomador do seguro beneficiário: a Caixa (...) ; a pessoa a segurar (pessoa segura principal): C... (actividade – bancário), que subscreve e assina o documento; e o valor seguro: o empréstimo concedido de 200.000,00 €.

c. Com a data de 16.10.2009, pelo prazo de 25 anos (duração do con­trato/empréstimo), nos termos do qual se define o tomador do seguro e beneficiário: a Caixa (...) ; a pessoa a segurar (pessoa segura principal): C... (profissão actual – bancário), que subscreve e assina o docu­mento; e o valor seguro: o empréstimo concedido de 45.000,00 €.

Ora, os contratos de mútuo referidos na alíneas b) e c) nunca foram invo­cados pelos Autores nem pela Ré, tendo apenas sido referidos pela Interveniente quando mencionou todos os empréstimos que havia concedido, não se vislumbrando assim qualquer relevância dos mesmos para a decisão da causa.

Assim, não integrando estes factos a causa de pedir invocada pelos Auto­res, nem a defesa apresentada pela Ré, não se revelando que sejam instrumentais daqueles que compõem tal causa de pedir e a defesa, devem os mesmos ser elimina­dos dos factos provados, o que se decide.

3.2. Da contradição entre factos

...

3.3. Factos provados

Os factos provados são, pois, os seguintes:

...         

4. O direito aplicável

Através da celebração de quatro contratos de mútuo a Caixa (...) emprestou à Autora M... e ao seu marido C... diversas quantias.

Entre a Caixa (...) e a Ré vigoravam dois contratos de seguro de grupo do ramo vida, titulados pelas apólices ... (crédito à habitação) e ... (especial habitação grupo) nos quais aquela instituição bancária figurava como tomadora do seguro.

 A Autora M... e o seu marido C... aderi­ram a estes seguros, como pessoas seguradas, sendo estes quem suportava o paga­mento dos prémios devidos. Por esses contratos, a Ré garantia o pagamento das quantias em dívida à Caixa (...) relativas aos créditos que esta tinha concedido àqueles, em caso de morte de pessoa segurada.

Em Fevereiro de 2011 faleceu C...

Os Autores instauraram acção declarativa contra Ré Seguradora, pedindo a condenação desta a pagar:

-   À Caixa (... ) o capital em dívida à data da morte de C...

- Aos Autores, o valor correspondente a todas as prestações que, relativa­mente aos mesmos contratos de mútuo, os mesmos já pagaram à Caixa (...) referentes ao capital, juros, prémios de seguro, imposto de selo e demais encargos, desde 17 de Outubro de 2010, valor que calculam, não ser inferior a 8.000,00 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal valor desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A decisão recorrida absolveu a Ré dos pedidos contra ela formulados, com o fundamento de que constava das cláusulas de exclusão de responsabilidade insertas nos contratos celebrados que estavam excluídas as acções praticadas pela pessoa segura quando esta acusasse um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gr/litro, situação que se tinha verificado no acidente em causa, sendo certo que, apesar dessa cláusula ter sido inserida em alteração contratual que não foi comuni­cada aos segurados, a mesma era-lhes oponível pela seguradora.

Os Autores discordam da aplicabilidade daquela cláusula de exclusão da responsabilidade da seguradora relativamente ao sinistro ocorrido.

O contrato de seguro de grupo caracteriza-se pelo facto da sua formação ocorrer em dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo, contrato que se encontra definido no art.º 76º da L. C. S., a qual é aplicável às relações contratuais aqui em causa, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, 2.ª parte, deste diploma.

O seguro de grupo pode revestir as modalidades de contributivo e não contributivo, sendo contributivo quando os segurados suportem o pagamento do prédio devido pelo tomador, podendo ser acordado que os segurados paguem directamente ao segurador a sua parte do prémio – art.º 77º da L. C. S..

Nos seguros de grupo contributivos, onde se inserem os contratos aqui em apreciação, a lei, em disposição supletiva, onera o tomador do seguro, com o dever de informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador – art.º 78º, n.º 1, da lei referida –, podendo, contudo, o contrato de seguro prever que este dever seja assumido pelo segurador – n.º 3, do mesmo artigo.

Nos seguros em discussão neste processo as exclusões da cobertura dos mesmos foram alteradas em 1 de Janeiro de 2010, resultando dos factos provados que passaram a estar excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro, situação que até então não estava excluída da cobertura dos seguros.

Destas alterações, conforme resultou provado, não foi dado conhecimento aos segurados.

Não tendo sido clausulado que competia à seguradora informar os segura­dos da alteração ocorrida, foi a tomadora – a Caixa (...) , S.A., - que incumpriu esse dever.

Será que esse incumprimento torna inoponível pela seguradora aos segura­dos a cláusula aditada ?

Esta posição tem sido sustentada por diversos acórdãos das Relações, os quais defendem que a obrigação que recai sobre o tomador de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada [2].

No entanto não foi essa a posição seguida pela decisão recorrida, nem é essa a posição dominante no S. T. J., quanto à questão, a qual já se colocava no domínio da lei anterior.

A este respeito consta do acórdão do S. T. J. de 25.6.2013, fundamentação que perfilhamos: [3]

 Quanto ao primeiro aspecto, é incontroverso que tal dever de esclareci­mento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95…

Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 (art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transpa­rência do contrato».

Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato: saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.

Saliente-se, desde logo, que – como parece evidente – a seguradora res­ponde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vin­cule…

Ora, assente que – no caso dos autos, perante os factos alegados – ape­nas está em causa o incumprimento pelo tomador de seguro da específica obrigação de informação e esclarecimento do aderente, prevista no nº1 do art. 4º do DL 176/95, importa determinar se tal incumprimento é susceptível de se projectar – e a que título – na esfera jurídica do outro interessado – a seguradora – em termos de ser oponível pelo aderente do seguro de grupo à seguradora a não vigência da dita cláusula, por não devidamente explicitada no momento da subscrição do contrato.

Significa isto que a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva – já que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.

Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa (e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art. 79º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informa­ção legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumpri­mento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro – alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial, assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica (o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.

O regime dos contratos de seguro de grupo é um regime especial, relati­vamente ao regime das clausulas contratuais gerais, uma vez que também naqueles contratos os segurados se limitam a aderir a um contrato cujos termos estão previa­mente fixados pelo segurador e o tomador, pelo que, estando previsto naquele regime que a consequência do não cumprimento do dever de comunicação aos segurados das alterações contratuais é a responsabilidade daquele sobre o qual recaia esse dever pelos danos resultantes desse incumprimento (art.º 79.º da L.C.S.), deve considerar-se que as alterações não comunicadas quando esse dever recai sobre o tomador não deixam de ser operantes. [4]

Neste caso, não foi convencionado que o dever de comunicar as alterações contratuais competia à Ré seguradora, pelo que esse dever recaía sobre a tomadora, nos termos do art.º 78º, n.º 2, da L.C.S.

Assim, apesar de se verificar um incumprimento deste dever pela toma­dora, as cláusulas aditadas com a alteração são operantes e pode o seu conteúdo ser oposto pela seguradora aos segurados.

Resta, pois, verificar se a situação apurada se está abrangida pela cláusula aditada de exclusão da cobertura dos seguros.

A cláusula em causa exclui do âmbito de todas as coberturas do seguro os casos em que a morte do segurado resulte de acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

Para o preenchimento da previsão desta cláusula basta que a morte do segurado resulte de conduta activa ou omissiva do próprio e que nesse momento ele se encontre com um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro, não sendo necessário demonstrar que esse acto ou omissão é censurável ou que o mesmo foi influenciado pela presença de álcool no organismo da vítima.

Provou-se que a morte de C... ocorreu nas seguintes circunstân­cias:

- C..., no dia 17 de Outubro de 2010, pelas 10:50 horas, encon­trava-se a exercer a actividade de caça com ...

- Este ia uns metros à frente (cerca de 12 a 15 metros) e ouviu um disparo.

- Voltou para trás e encontrou C... deitado no chão, sem vida, com a caçadeira junto ao corpo e com ferimento na cabeça resultante do disparo de caçadeira ouvido (C... faleceu na sequência de um tiro com uma arma de fogo – tipo caçadeira).

- O disparo/tiro em causa foi efectuado pela caçadeira que C... trazia consigo.

- O disparo foi efectuado a curta distância – 2 ou 3 cm – da pele de C... ou mesmo encostado à pele.

- O trajecto do projéctil foi de baixo para cima, de trás para a frente e da direita para a esquerda.

- O relatório da autópsia, que foi efectuada no dia 1 de Março de 2011, no Gabinete Médico Legal da Guarda, refere na suas conclusões que:

1ª - A morte de C... foi devida às lesões traumáti­cas crâniomeningo-encefálicas.

2ª - Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.

3ª - Estas lesões traumáticas são compatíveis com as produzidas por tiro de arma de fogo de cano longo.

4ª - O trajecto seguido pelo projéctil foi de baixo para cima e da direita para a esquerda e de trás para a frente.

5ª - Médico-legalmente nada se opõe à etiologia de acidente referida na informação.

6ª Foram encontrados sinais de disparo a curta distância.

7ª A análise toxicológica feita ao sangue revelou uma taxa de alcoolemia que reportada ao momento da morte era de 1,48 gramas por litro.

8ª - As restantes análises toxicológicas não revelaram a presença das res­tantes substâncias pesquisadas.

- No relatório de autópsia consta – na “Discussão” – que “o presente caso de autópsia revelou lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas, produzidas por arma de fogo (tiro de caçadeira), com um orifício de entrada na transição da região occipito temporal-parietal direita (…).

A direcção do trajecto seguida pelo tiro foi de baixo para cima e da direita para a esquerda.

As lesões cutâneas observadas (queimaduras da pele e de negro de fumo) denotam que os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo”.

-  No momento da sua morte, C... tinha uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,48 g/l.

- C..., com a taxa de álcool supra referida, tinha a coordenação motora alterada, com diminuição dos reflexos.

- A morte de C... não foi provocada por estupefa­cientes ou por acção sua originada por uso de estupefacientes.

- A morte de C... determinou a abertura de um inquérito crime, que correu termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de ..., o qual terminou com um despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no art. 277º, n.º 2 do CPP, “por inexistência de indícios da prática de qualquer crime”.

Desta descrição resulta que se apurou que a morte do segurado ocorreu quando este se dedicava à actividade de caça, acompanhado de outra pessoa, tendo a morte resultado do facto do segurado de ter sido atingido na cabeça por um tiro da caçadeira que trazia consigo, efectuado a curta distância – 2 ou 3 cm – ou mesmo encostado à pele da vítima, o qual entrou na transição da região occipito temporal-parietal direita da vítima.

Desta factualidade a sentença recorrida ao efectuar o enquadramento jurí­dico da acção, designadamente ao verificar se a mesma preenchia a previsão da referida cláusula, concluiu o seguinte (os sublinhados são nossos).

A morte de C... ocorreu na sequência, portanto, de um tiro de caçadeira e da caçadeira que o mesmo trazia consigo.

Não sabemos em que exactas circunstâncias ocorreu tal disparo (tal fac­tualidade não se apurou com esse pormenor – nem isso se alegou sequer).

Contudo, sabemos que C... andava na actividade de caça e o dis­paro foi efectuado pela arma que o mesmo trazia consigo.

O tiro foi efectuado a curta distância ou mesmo encostado à pele de C...

Tal tiro provocou lesões traumáticas crâniomeningo-encefálicas em C..., que constituem, segundo o relatório da autópsia, causa adequada de morte.

Estão em causa lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas, produzi­das por arma de fogo (tiro de caçadeira), com um orifício de entrada na transição da região occipito temporal-parietal direita (…).

O tiro, portanto, ocorreu na zona da cabeça de C..., na parte de trás da cabeça (sobre a zona da direita).

O trajecto do projéctil – repetimos – foi de baixo para cima, de trás para a frente e da direita para a esquerda.

A arma estava, para produzir tal tiro, na vertical, de modo praticamente paralelo em relação ao corpo, em pé, de C..., inclinada ligeiramente para trás, com a zona da ponta dos canos da caçadeira junto à cabeça e a outra ponta da arma (onde se segura com as mãos a mesma e onde se situa – perto – o dispositivo da arma que a faz disparar) um pouco afastada do corpo (pensamos que é assim que estava a arma no momento em que foi produzido o tiro fatal para C...).

Claramente, sendo assim, segundo cremos, a colocação da arma, nestes termos, implica uma acção de C... nesse sentido ou, pelo menos, uma omissão do mesmo, que permitiu que a arma chegasse a essa posição. Se C... segurasse a arma numa posição de segurança em relação ao seu corpo a produção de tal disparo, nestes termos, nunca ocorreria.

Estamos perante um caso em que a morte da pessoa segura resultou de uma acção ou omissão praticada pela pessoa segura, a qual se enquadra na cláusula que refere: “situações” de “acções ou omissões praticadas pela pessoa segura (…)”.

Da leitura deste excerto resulta que a sentença recorrida ao efectuar o enquadramento jurídico da factualidade apurada presumiu a existência de factos que não havia apurado ao fixar a matéria de facto.

Assim, a sentença recorrida, tendo em consideração a zona de entrada do disparo que matou C... e a sua trajectória, retirou a conclusão que a arma no momento do disparo estava, na vertical, de modo praticamente paralelo em relação ao corpo, em pé, de C ... , inclinada ligeiramente para trás, com a zona da ponta dos canos da caçadeira junto à cabeça e a outra ponta da arma (onde se segura com as mãos a mesma e onde se situa – perto – o dispositivo da arma que a faz disparar) um pouco afastada do corpo.

E é deste posicionamento presumido da arma que, efectuando um segundo juízo presuntivo com um resultado alternativo, concluiu que o disparo implica uma acção de C... nesse sentido ou, pelo menos, uma omissão do mesmo, que permitiu que a arma chegasse a essa posição. Se C... segurasse a arma numa posição de segurança em relação ao seu corpo a produção de tal disparo, nestes termos, nunca ocorreria.

Em primeiro lugar, independentemente da correcção deste duplo juízo pre­suntivo, com resultado alternativo, e não relevando a circunstância do mesmo ter sido efectuado indevidamente aquando da fundamentação jurídica da sentença e não no momento da fixação da matéria de facto provada, o mesmo não é admissível porque conclui pela prova de factos que, na lógica da sentença, são essenciais à procedência da defesa por excepção invocada pela Ré, mas que não foram alegados por esta.

Na verdade, quer o primeiro facto presumido, o posicionamento da arma no momento em que ocorreu o disparo, quer o segundo facto presumido em alterna­tiva, a acção de colocação da arma nessa posição pela vítima, ou a sua omissão permitindo tal posicionamento, são factos que nenhuma das partes alegou, tendo sido o julgador que os construiu através de um duplo raciocínio presuntivo ao proceder à análise do direito aplicável.

Ora, os factos essenciais à procedência de uma excepção devem ser alega­dos por quem contesta, nos termos do art.º 5º, n.º 1, e 572º, do N. C. P. Civil, não podendo ser aditados oficiosamente pelo julgador, mesmo que os retire através do funcionamento de presunções de factos instrumentais alegados pelas partes.

Daí que não seja possível concluir pela prova daqueles factos como fez a sentença recorrida.

Além disso, note-se que a sentença recorrida com o funcionamento inde­vido desta dupla presunção limitou-se a concluir que era imputável ao Autor (por acção ou omissão) a posição da arma quando ocorreu o disparo, mas continuou a desconhecer as circunstâncias que o ocasionaram.

Ora, não se sabendo as circunstâncias que determinaram o disparo que matou o segurado, não é possível concluir que a situação em causa preenche a cláusula de exclusão aditada aos contratos de seguro.

Na verdade, aquela cláusula exclui do âmbito de todas as coberturas do seguro os casos em que a morte do segurado resulte de acções ou omissões pratica­das pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

Ora, não se sabendo as circunstâncias que determinaram o disparo que vitimou o segurado, a mera imputação a este do posicionamento da arma quando esta disparou não é suficiente para se poder concluir que o sinistro resultou de acção ou omissão da pessoa segura. Este resultou do evento que determinou o disparo fatal e esse não foi alegado e provado.

Assim, por estas razões, não é possível extrair da matéria de facto provada que o sinistro ocorrido esteja excluído do âmbito das coberturas dos seguros acciona­dos pelos Autores, sendo certa que recaía sobre a Ré o ónus da prova dos respectivos factos, nos termos do art.º 342º, n.º 2, do C. Civil, pelo que deve esta última ser condenada a satisfazer as quantias seguras.

Os Autores pediram:

- a condenação da Ré a pagar à Caixa (...) o valor do capi­tal em dívida a 17 de Outubro de 2010, no montante de 145.000,00€, de forma a liquidar totalmente o empréstimo contraído através desses contratos; e

- a condenação da Ré a pagar aos Autores o valor correspondente a todas as prestações que, relativamente aos mesmos contratos de mútuo, os mesmos já pagaram à Caixa (...) , referentes ao capital, juros, prémios de seguro, imposto de selo e demais encargos, desde 17 de Outubro de 2010, valor que se calcula não inferior a 8.000,00 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal valor desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Tendo-se provado que à data de morte do segurado, ou seja em 17.10.2010, o montante em dívida à Caixa (...) dos empréstimos supra referidos era no valor global de 142.047,65 € [do empréstimo de 11.11.1992, em capital, juros, comissões e despesas, encontrava-se em dívida 24.861,68 €; do empréstimo de 28.01.1999, em capital, juros, comissões e despesas, encontrava-se em dívida 26.999,59 €; e do empréstimo de 1.03.2005, em capital, juros, comissões e despesas, encontrava-se em dívida 90.186,38 €. Os restantes dois empréstimos já se encontra­vam liquidados nesta data]; e que a Autora M... pagou o capital, juros e demais encargos referentes aos empréstimos durante cerca de um ano, tendo deixado de o fazer por falta de recursos económicos, desconhecendo-se quais os valores pagos por esta Autora, deve a Ré ser condenada a pagar:

- à Caixa (... ) , o montante em dívida em 17.10.2010 dos empréstimos referi­dos nos pontos 8., 9. e 17. da matéria de facto provada, deduzidos dos valores entregues pela Autora M... à Caixa (... ) , após essa data, para pagamento desses empréstimos, em quantia a liquidar posteriormente;

- à Autora M... os valores entregues por esta à Caixa (... ) , após essa data, para pagamento desses empréstimos, em quantia a liquidar posterior­mente;

- à Autora M... juros de mora sobre estes últimos valores, desde a data de citação, até integral pagamento da quantia que se vier a liquidar, calculados sobre ela, à taxa definida por lei.

Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em conse­quência, revoga-se a decisão recorrida.

Em substituição da decisão revogada, julga-se a acção parcialmente proce­dente, e, em consequência, condena-se a Ré a pagar:

a) à Caixa (...) , S.A., o montante em dívida em 17.10.2010 dos empréstimos referidos nos pontos 8., 9. e 17. da matéria de facto provada, deduzidos dos valores entregues pela Autora M... à Caixa (... ) , após essa data, para pagamento desses empréstimos, em quantia a liquidar posteriormente;

b) à Autora M... os valores entre­gues por esta à Caixa (... ) , após essa data, para pagamento dos empréstimos referidos em a), em quantia a liquidar posteriormente;

c) à Autora M... juros de mora sobre a quantia referida em b), desde a data de citação da Ré na presente acção, até integral pagamento dessa quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei.

Custas da acção e do recurso pelos Autores e pela Ré, provisoriamente, em igual proporção, definindo-se a responsabilidade definitiva pelo pagamento destas custas após decisão do incidente de liquidação e em conformidade com o conteúdo dessa decisão.

Coimbra, 14 de Abril de 2015.

Sílvia Pires (Relatora)

Henrique Antunes

Isabel Silva


***

[1] O mencionado no n.º 17 que tem a seguinte redacção:

17. No dia 1 de Março de 2005, M... e C... celebraram com a Caixa (...) , S.A., no Cartório Notarial de Almeida, uma escritura denominada “Mútuo com Hipoteca”, através da qual, por acordo, a Caixa (...) concedeu-lhes o empréstimo da quantia de 110.000,00 €, destinada ao “financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis”, tendo sido constituída, como garantia do pagamento de tal montante, juros e despesas, uma hipoteca sobre o prédio urbano descrito na matriz sob o art. ... e inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...

[2] Neste sentido, os seguintes acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt:

T.R.P. de 27.02.2014, relatado por Araújo de Barros,

T.R.P. de 11.9.2008, relatado por Fernando Baptista;

T.R.L. de 5.3.2009, relatado por Catarina Manso.

 

[3] Relatado por Lopes do Rego e acessível em www.dgsi.pt .

[4] Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt :

  S. T. J.:

 de 21.2.2013, relatado por Silva Gonçalves

 de 29.5.2012, relatado por Garcia Calejo

 de 17.6.2010, relatado por Alves Velho

 de 22.1.2009, relatado por Custódio Montes;

 T. R. G., de 25.9.2014, relatado por António Sobrinho.

 T. R. C., de 10.9.2013, relatado por Henrique Antunes