Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
357/09.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: LOCAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DECLARAÇÃO
EFEITOS
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 224.º; 432.º, N.º 1; 436.º, N.º 1; 443.º; 808.º, N.º 11022.º CC
Sumário: 1. Além da resolução fundada na lei, admite o art. 432.º, n.º 1, do C. Civil a resolução fundada em convenção; isto é, admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação). A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa.

2. Não vale como cláusula resolutiva expressa – qualquer estipulação em que se aluda ou mencione o direito a resolver o contrato. Para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, não podem as partes dar-lhe um conteúdo genérico, referindo e reportando a faculdade de resolver o contrato ao não cumprimento de todas e quaisquer obrigações contratuais.

3. Por conseguinte, não tendo o apelante, a seu favor, uma cláusula resolutiva expressa, não pode resolver o contrato, “imediata e automaticamente”, com uma mera declaração, escrita ou oral à outra parte (art. 436.º, n.º 1), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º, n.º 1, do C. Civil.

4. O declaratário fica vinculado – nos termos da teoria da recepção – logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela. O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja colocado em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração.

5. Efectuada a comunicação admonitória da resolução assiste ao locador o direito a exigir a restituição do objecto dado em locação, podendo ainda exigir indemnização ao abrigo de cláusulas contratuais gerai insertas no contrato, desde que eficazes.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Banco A..., S.A.”, com sede em Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B..., Lda., com sede na ..., e C..., residente na ..., pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente:

A pagar-lhe;

a) a importância de € 4.376,76;

b) € 141,33 de juros vencidos até 17/03/2009, mais os juros que sobre o dito montante de € 4.376,76 se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde 18/03/2009 até integral pagamento;

c) montantes idênticos ao dobro do valor dos alugueres – à razão de € 729,46 por mês – que se vencerem, aos 30 do mês a que respeitem, desde 30/03/2009, inclusive, até à efectiva restituição do veículo automóvel de marca “Citroën” e matrícula “ ...”;

d) juros que, à taxa legal, sobre os referidos montantes idênticos ao dobro do valor dos alugueres se vencerem desde o vencimento de cada um deles até integral pagamento;

e) indemnização, por perdas e danos, a liquidar em execução de sentença;

E, ainda,

f) a restituir-lhe o veículo automóvel referido, cujo valor é de € 25.719,00;

g) e no pagamento de sanção pecuniária compulsória, da quantia de € 50,00 por dia, isto durante os primeiros trinta dias subsequentes ao dito trânsito em julgado, quantitativo a passar a ser de € 100,00 por dia nos trinta dias seguintes e a € 150,00 por dia daí em diante e, até integral cumprimento da respectiva condenação, ou no montante que vier a ser fixado na sentença a proferir.

Alegou, para tanto e em síntese:

- ter adquirido o aludido veículo automóvel (marca “Citroën” e matrícula “ ...”), para o dar de aluguer à aqui R.; o que veio a acontecer em 28/01/2007, data em que o deu de aluguer à R. pelo prazo e alugueres mensais que discrimina, tendo a R. recebido e passado a utilizar o aludido veículo;

- ter sido clausulado que a falta de pagamento de qualquer dos alugueres implicava a possibilidade de resolução do contrato pelo aqui A., resolução que se tornava efectiva após comunicação fundamentada à R., ficando esta obrigada à restituição do veículo, a pagar os alugueres em mora, o valor dos danos que o veículo apresentasse e uma indemnização pelos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento do contrato, não inferior a 50% do valor total dos alugueres acordados;

- ter a R. deixado de pagar os alugueres acordados, o que ocorreu a partir do 17.º aluguer, inclusive, facto que implicou a resolução imediata e automática do contrato, como o A. fez saber à sociedade R., por carta registada datada de 24/11/2008;

- não ter a R. restituído o veículo, nem pago os alugueres vencidos, que ascendiam, até 30/11/2008, a 2.188,38 €;

- só poder determinar e liquidar a indemnização após a restituição do veículo, pois que tal depende da data em que vier a ocorrer tal entrega;

- ter a R. C...assumido, perante o A., a responsabilidade de fiadora “solidária” por todas as obrigações assumidas no contrato.

As RR., pessoal e regularmente citadas, não apresentaram qualquer contestação.

Considerou pois o tribunal confessados os factos articulados pelo A., tendo sido cumprido o disposto no art.º 484.º, n.º 2, do C. C..

Razão pela qual o Ex. mo Juiz – após convite ao aperfeiçoamento e pedidos de esclarecimento – proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo:

“ (…)

Julga-se a presente acção parcialmente procedente, por só parcialmente provada, termos em que vão ambas as RR.”, “ B..., Ld.ª” e C..., condenadas a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de 2.188,38 €, bem como os respectivos juros moratórios, vencidos – com referência a cada um dos alugueres aludidos no ponto 13 da factualidade provada supra e respectivas datas de vencimento ali também explicitadas – e vincendos, à pretendida taxa supletiva legal de juros moratórios aplicável às dívidas de natureza comercial, até integral pagamento.

No mais, julgando-se a acção improcedente, vão as RR. absolvidas do contra si nessa parte peticionado.

 (…) ”

Sentença esta de que o banco A., inconformado, interpôs recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.

Termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 — A sentença recorrida interpretou erradamente a matéria de facto dada como provada nos autos e referida na própria sentença recorrida em “Factos Provados” sob os n°s. 8 a 15, ao entender e considerar que o contrato de locação operacional referido nos autos não foi validamente resolvido por parte do A., ora recorrente, o que se não verifica, porquanto, real e efectivamente, o dito contrato foi validamente resolvido e, assim, ao entender por forma contrária a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 432°, 433°, 435°, n.º 1, 436°, n.° 1 e 798° do Código Civil;

2 — A sentença recorrida ao não ter ordenado, consequência da resolução do contrato referido nos autos, a condenação das RR, solidariamente entre si, no pedido formulado na acção, ou seja no pagamento das rendas até à data em que a resolução ocorreu, à restituição do veiculo à A. em 1a Instância, ora recorrente, e ao pagamento do dobro do montante dos alugueres a partir das data da resolução até à entrega real e efectiva do veiculo em causa nos autos ao ora recorrente e ao não pagamento simultaneamente também da sanção pecuniária compulsória pedida nos autos, violou igualmente o disposto nos artigos 1038°, alínea a), 1038°, alínea i), 1045°, n°s. 1 e 2, e 829°-A. n° 4, do Código Civil e, também e ainda, no que respeita à R. em 1a Instância, pessoa física, a ora recorrida C..., o disposto nos artigos 627°, 634°, 628° e 640° do Código Civil e, igualmente, no que respeita à não condenação da recorrida C...na obrigação também de restituir o veiculo, o disposto no artigo 931.º, do Código de Processo Civil, no que respeita a, em fase de execução para entrega de coisa certa do veiculo dos autos, caso o mesmo não seja encontrado, a dita execução ser convertida em execução para pagamento de quantia certa, havendo pois responsabilidade solidária da R. C..., fiadora e principal pagadora da sociedade R. em 1 Instância pela restituição também do veiculo.

3 — A sentença recorrida violou, portanto, no entender do recorrente, A. em 1a Instância, o disposto nos artigos 432°, 436°, 405°, n° 1, 406°, n° 1, 798°, 1028°, alínea a), 1038°, alínea i), 1045°, n°s. 1 e 2, 829°, n° 4, 627°, 634°, 628° e 640.º do Código Civil e 931° do Código de Processo Civil, pelo que julgando-se procedente e provado o presente recurso e revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que julgue a acção totalmente procedente e provada, se interpretará correcta e devidamente a matéria de facto constante dos autos e se aplicará correcta e devidamente a lei a essa mesma matéria de facto.

Os RR. não apresentaram contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Fundamentação de facto

1 - A sociedade R. pretendia adquirir o veículo automóvel marca “Citroën”, modelo “C4 Coupé Dieses”, com a matrícula “ ...”, tendo para o efeito contactado a sociedade “Garagem D..., Lda.”;

2 - Como a sociedade R. não se dispusesse ou não pudesse pagar de pronto o preço do dito veículo, solicitou à dita “Garagem D..., Lda.” esta possibilitar-lhe o aluguer do mesmo por um período de 72 meses, com a colaboração ou intervenção do ora A. para tal;

3 - Assim, na sequência do que lhe foi solicitado pela dita “Garagem D..., Lda.”, o A. adquiriu, com destino a dar de aluguer à dita sociedade R., o referido veículo automóvel;

4 - Simultaneamente, por contrato particular, datado de 28 de Janeiro de 2007, constante do documento de fls. 11 a 14, o A. declarou dar de aluguer à sociedade R. o dito veículo, o que foi aceite por tal R. sociedade;

5 - O prazo de aluguer foi de 72 meses, sendo mensal a periodicidade dos alugueres, no montante de € 364,73 cada, incluindo já o IVA respectivo;

6 – O dito preço mensal do aluguer de € 364,73 correspondia a € 295,38 de aluguer propriamente dito, mais € 62,03 de IVA à taxa então em vigor, e de € 7,32 de prémio de seguro;

7 - Nos termos da cláusula 4.ª, n.º 3, do dito contrato:

“Em caso de falta ou atraso em qualquer pagamento, e sem prejuízo da rescisão ou possibilidade de rescisão deste Contrato, o Locatário terá de pagar ao Locador Juros de Mora calculados à taxa máxima legalmente permitida, acrescidos de despesas administrativas, por cada aluguer em atraso”;

8 - Nos termos da cláusula 10.ª, n.ºs 1, 3, 4, 5 e 6, do dito contrato:

1. O incumprimento pelo locatário de qualquer das obrigações por ele assumidas no presente contrato dará lugar à possibilidade da sua resolução pelo Locador, tornando-se efectiva essa resolução à data de recepção, pelo Locatário, de comunicação fundamentada nesse sentido”;

“3. A resolução por incumprimento não exime o locatário do pagamento de quaisquer dívidas de mora para com o locador, da reparação dos danos que o veículo apresente e do pagamento de indemnização à locadora”;

“4. A indemnização referida no artigo anterior destinada a ressarcir o locador – que fará sempre suas todas as importâncias pagas até então nos termos do contrato – dos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento em si do contrato pelo locatário – não sendo nunca inferior a 50% do valor dos alugueres referidos nas condições particulares”;

“5. Em caso de resolução do contrato o locatário deverá entregar o veículo ao locador imediatamente, no estado que deva derivar do seu uso normal e prudente”;

“6. O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias, quer de outras, tornar-se-á definitivo pelo envio pelo Locador, para o último domicílio indicado pelo Cliente, de carta registada, intimando ao cumprimento no prazo de oito dias e pela não reposição, neste prazo, da situação que se verificaria caso o incumprimento não tivesse tido lugar”;

9 - De harmonia com o acordado, a importância de cada um dos referidos alugueres deveria ser pago pela ora Sociedade R. ao A postcipadamente, até ao dia 30 do mês a que respeitasse, por meio de transferência bancária para conta do A. sediada em Lisboa;

10 - Após a celebração do referido contrato a dita Sociedade R. recebeu o veículo referido, que passou a utilizar, veículo que para o efeito o A. propositadamente adquirira;

11 - A Sociedade R., a partir do 17.º aluguer inclusive, que se venceu em 30/06/2008, deixou de pagar os alugueres acordados;

12 - Por isso, o A. enviou às RR. cartas registadas com aviso de recepção – sendo que a carta remetida à R. C...foi recebida e a remetida à R. sociedade não o foi, tendo sido devolvida com a menção de “não atendeu”, não tendo sido, pois, levantada nos correios –, ambas datadas de 24/11/2008, nas quais mencionava o montante considerado em dívida, num total de “2,036.97 €”, e, bem assim, que “o não pagamento da quantia referida leva-nos a considerar, no prazo de 10 dias a contar da data desta carta, o contrato em referência como rescindido nos termos das cláusulas 10ª e 11ª, o que implica a obrigação de proceder à entrega do veículo objecto do contrato nas nossas instalações” (doc. de fls. 34);

13 - A sociedade R., para além de não restituir ao A. o veículo, não pagou os alugueres do 17.º, vencido em 30/06/2008, ao 22.º, inclusive, vencido em 30/11/2008, num total de € 2.188,38;

14 - O valor do veículo automóvel referido, novo, era de € 25.719,00[1].

15 - A R. C...assumiu-se perante o A. como fiadora e principal pagadora, por todas as obrigações assumidas no contrato pela referida sociedade R..


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III – Fundamentação de Direito

Na origem do presente litígio está um negócio jurídico de locação (1022.º do C. Civil) entre o A/apelante (como vendedora) e a 1.ª R/apelada (como compradora); tendo por objecto um veículo automóvel.

Diz o A/apelante que, tendo a 1.ª R. deixado de pagar os alugueres mensais acordados, operou a resolução do contrato; razão pela qual pretende a restituição do veículo automóvel e que lhe seja concedida a “colecção” de direitos que a “letra miudinha” das condições gerais do contrato lhe confere.

Pretensões estas que a sentença recorrida julgou no essencial improcedentes; argumentando que a declaração resolutiva não chegou a ser feita (uma vez que apenas foi feita a declaração que converteu a mora em incumprimento definitivo) e, ainda, que mesmo que se entenda que a declaração resolutiva chegou a ser feita, não foi, em tal hipótese, eficaz e operante, por não ter sido recebida pela 1.ª R/declaratária; razão pela qual, concluindo apenas condenou as RR. nos alugueres em atraso.

Que dizer?

Começar-se-á por observar que se está, em face dos termos contratuais, juntos aos autos, perante um contrato padronizado através de cláusulas contratuais gerais; porém, uma vez que a acção não foi contestada – isto é, visto que não foram suscitadas quaisquer questões respeitantes ao cumprimento dos deveres de comunicação e/ou de informação – têm as cláusulas contratuais gerais em causa que ser consideradas como validamente inseridas (cfr. art. 4.º e 8.º do DL 446/85, de 25-10) e como parte integrante do contrato singular sob análise.

Uma 2.ª observação, ainda, para lembrar que sendo a 1.ª R. uma sociedade comercial não é “consumidor”[2], o que significa não serem ao caso aplicáveis quaisquer disposições quer da lei do consumidor (Lei 24/96, de 31-07) quer do crédito ao consumo (o então vigente DL 359/91, de 21-09).

Isto dito, delimitado, pela negativa, o quadro legal em que nos movemos, começar-se-á por referir, antecipando a conclusão, que não se concorda, com o devido respeito, com a argumentação expendida na sentença; e não se concorda quer com a afirmação da declaração resolutiva não ter chegado a ser efectuada quer com a afirmação da sua ineficácia em relação à declaratária (1.ª R.).

Quanto à declaração resolutiva:

A sentença recorrida discorre, longamente, sobre a diferença entre a mora e o incumprimento definitivo, sobre o modo como a primeira se converte (designadamente, com a interpelação admonitória) em incumprimento definitivo e sobre a necessidade de, após o incumprimento definitivo, ter que ser efectuada uma 2.ª comunicação a declarar a resolução contratual.

Concorda-se com tudo o que na sentença recorrida se diz – e para lá se remete – sobre a mora e o incumprimento definitivo e sobre o papel que o art. 808.º do C. Civil desempenha em tal problemática jurídica.

Acrescentando-se, todavia, a montante do raciocínio da sentença recorrida – raciocínio que, acentua-se, vale e se aplica apenas à resolução legal – e tendo em vista demonstrar que, ao contrário do que o A/apelante sustenta[3], apenas nos podemos mover, ao apreciar os pressupostos da resolução, no âmbito da resolução legal, o seguinte:

Além da resolução fundada na lei, admite o art. 432.º, n.º 1, do C. Civil a resolução fundada em convenção; isto é, admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação).

A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa.

Porém, é este o ponto, não vale como tal – não vale como cláusula resolutiva expressa – qualquer estipulação em que se aluda ou mencione o direito a resolver o contrato.

“A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução.

Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”[4]

O que, sendo assim, mostra e denota que, para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, não podem as partes dar-lhe um conteúdo genérico, referindo e reportando a faculdade de resolver o contrato ao não cumprimento de todas e quaisquer obrigações contratuais.

Ou seja, para, na prática, uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa (identificando-as) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»[5].

Compreende-se, aliás, que assim seja.

Em face da função da cláusula resolutiva – mais um meio de pressão (além da cláusula penal e do sinal) a que o credor recorre para incentivar o devedor a cumprir as suas obrigações – deve exigir-se que as partes valorem, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento a que conferem o direito de resolução; deve exigir-se que revelem que valoraram específica e singularmente a gravidade da inadimplência – isto é, o fundamento e pressuposto indispensáveis à resolução.

Exprime tudo isto – é o que se pretende adicionar, a montante, à argumentação da sentença recorrida – que a cláusula 10.ª/1 (referida no facto 8 deste acórdão) das condições gerais do contrato, em que a A/apelante alicerça o seu direito resolutivo, não “vale” como cláusula resolutiva expressa; não confere qualquer direito resolutivo convencional.

Diz-se em tal cláusula que “o incumprimento pelo locatário de qualquer das obrigações por ele assumidas no presente contrato dará lugar à possibilidade da sua resolução pelo locador”; isto é, faz tal cláusula uma mera referência genérica, “em branco”, à violação das obrigações – de quaisquer obrigações – nascentes do contrato, razão pela qual tal estipulação/convenção não é mais do que uma mera “cláusula de estilo”; vale como uma mera, embora explícita, alusão à regulamentação legal da resolução por incumprimento.

Por conseguinte, não tendo o A/apelante, a seu favor, uma cláusula resolutiva expressa, não podia resolver o contrato, “imediata e automaticamente”[6], com uma mera declaração, escrita ou oral à outra parte (art. 436.º, n.º 1), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º, n.º 1, do C. Civil.

Mas, é este o ponto, o A/apelante podia resolver o contrato com fundamento na regulamentação legal da resolução por incumprimento; mais, pode até ter agido na “errónea” convicção de estar a exercer um direito resolutivo convencional e, “por sorte”, ter exercido a pretendida resolução – não a convencional, mas a legal.

Foi a esta luz e nesta perspectiva – da resolução legal – que a sentença recorrida apreciou e verificou os pressupostos resolutivos.

Em face da mora das RR., assistia ao A/apelante a faculdade de converter tal mora em incumprimento definitivo, tendo em vista exercer o direito potestativo extintivo em que resolução dum contrato se traduz.

Direito – a converter a mora em incumprimento definitivo e a resolver o contrato – a cuja execução o A/apelante deu início quando procedeu à comunicação referida no facto 12 deste acórdão; isto é, quando, em 24/11/2008, por cartas registadas com A/R, comunicou às RR. o montante considerado em dívida, num total de “2,036.97 €”, e, bem assim, que “o não pagamento da quantia referida leva-nos a considerar, no prazo de 10 dias a contar da data desta carta, o contrato em referência como rescindido nos termos das cláusulas 10ª e 11ª, o que implica a obrigação de proceder à entrega do veículo objecto do contrato nas nossas instalações”.

Efectivamente, tal comunicação enquadra-se e respeita a previsão da 2.ª parte do n.º 1 do art. 808º do CC podendo assim levar à conversão da mora em incumprimento definitivo[7]; por outras palavras, tal notificação, pelo seu conteúdo, configura uma intimação ou interpelação cominatória[8], pelo que, não tendo, como foi o caso, as RR cumprida a obrigação em mora dentro do prazo suplementar fixado na mesma interpelação ou intimação, podem ocorrer as consequências do art. 801º do CC.

Isto é, decorridos 10 dias sobre a data em que as RR. receberam a notificação/comunicação referida sem que tenham posto termo à mora, impõe-se – face à sua eficácia (224.º do CC), que analisaremos a seguir – atenta a irrevogabilidade (230.º do CC) da interpelação admonitória, considerar que, em tal data (10 dias após o recebimento da notificação/comunicação), a mora se transformou em incumprimento definitivo, por força e ao abrigo do art. 808º, nº 1, 2ª parte, do CC..

Foi este – o que vimos de referir – o percurso da sentença recorrida; que merece a nossa concordância.

É a partir daqui que se situa a nossa divergência.

Convertida a mora em incumprimento definitivo, passa o “credor”, a partir de tal data, a deter a faculdade alternativa referida no art. 801º do CC, isto é, passa a poder exigir do devedor uma indemnização pelo incumprimento ou, em opção, a poder resolver o contrato.

Todavia, fala-se nesta “faculdade alternativa” em tese e teoria.

Na prática, não raras vezes, a notificação/comunicação admonitória logo “antecipa” a opção; logo “renuncia” a tal “faculdade alternativa”.

É verdade – como se refere na sentença recorrida – que uma coisa é a declaração admonitória e outra a declaração resolutiva; porém – é este o ponto decisivo – nada há que impeça que tais declarações sejam feitas em simultâneo, dizendo-se, por exemplo, que, caso não ocorra o cumprimento no prazo suplementar concedido, se resolve o contrato.

“Para o exercício extra-judicial da resolução, o art. 436.º, n.º 1, exige a declaração à outra parte. Esta declaração pode não ser autónoma do ponto de vista formal, se o vendedor, ao fixar o prazo para cumprimento, comunicar logo que o contrato será resolvido se a prestação não for cumprida nesse prazo”[9]

É exactamente o nosso caso; é este, inquestionavelmente, o sentido do termo “rescindido” – inserido num período em que se diz que o não pagamento da quantia referida leva-nos a considerar (…) o contrato (…) como rescindido – constante das comunicações referidas no facto 12.

Efectivamente, não estamos perante aquela hipótese, relativamente comum, em que o credor termina a comunicação admonitória dizendo “sob pena de requerermos judicialmente a resolução do contrato por incumprimento definitivo”, situação em que pode dizer-se que se “reserva” a opção e/ou que a opção, na referida faculdade alternativa, ainda não foi claramente assumida[10].

Concluindo – neste ponto – o A/apelante efectuou a declaração resolutiva; aparentemente “errou”, é certo, quanto ao alicerce jurídico de tal declaração resolutiva – uma vez que pensava ter e estar a exercer um direito resolutivo convencional – mas o comportamento tido preenche os pressupostos da resolução e vale como declaração dum direito resolutivo legal[11].

Quanto à perfeição da declaração resolutiva:

Sustentou-se, na sentença recorrida, que mesmo que se considere “que a aludida carta de 24/11/2008 configura uma efectiva e regular declaração de resolução, em simultâneo com a interpelação admonitória, mas com eficácia diferida para o terminus do prazo suplementar concedido e condicionada ao não suprimento da mora –, sempre a resolução seria de considerar inoperante”; uma vez que, não tendo a carta sido “recebida pela devedora, não ocorreu recepção por esta, visto a carta ter sido devolvida, por não reclamada (a R. sociedade não atendeu, nem foi levantar a carta aos correios)”; e “por isso, a resolução, implicando declaração receptícia, não poderia aqui ter-se por operante.”

Trata-se de entendimento – sobre a “perfeição” da declaração resolutiva – que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, também não pode ser subscrito.

A nossa lei – art. 224.º do C. Civil – optou, em sede de perfeição/eficácia da declaração, pela doutrina da recepção; pelo que mesmo uma declaração recipienda, como é o caso da declaração resolutiva, fica perfeita quando o declaratário está em condições de conhecer a declaração negocial resolutiva; quando a mesma é levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os usos do tráfico.

Isto é, a declaração resolutiva ganha eficácia logo que chega, pelo correio, ao domicílio do declaratário; e se o declaratário não abre a correspondência ou a não vai buscar, avisado para tal, à posta restante, tal não suspende a eficácia da declaração resolutiva[12].

“Considera-se recebida pelo declaratário a declaração constante de carta registada com A/R que é devolvida ao remetente com a menção de “não reclamada”, uma vez que cabe ao declaratário o ónus da prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta[13]”-

“É eficaz a declaração de resolução que não foi, efectivamente, recebida pelo destinatário, por culpa deste, designadamente por se ter recusado a recebê-la do carteiro ou por não a ter ido reclamar à estação dos Correios depois de devidamente avisado”[14]

“De acordo com o n.º 2 do art. 224.º é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, nomeadamente quando o declaratário se ausentar para parte incerta, se recusar a receber a carta do carteiro ou não a vá levantar ao posto do correio”[15]

Trata-se de entendimento também pacífico na doutrina[16].

O declaratário, insiste-se, fica vinculado – nos termos da teoria da recepção – logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela. O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja colocado em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração[17].

Era/é este justamente o caso dos autos, como resulta do facto 12 deste acórdão; a declaração resolutiva foi enviada às RR. por cartas registadas com aviso de recepção, tendo a carta remetida à R. C...sido recebida e a remetida à R. sociedade sido devolvida com a menção de “não atendeu”, não tendo pois sido levantada/procurada na chamada “posta restante”[18].

Concluindo pois – neste ponto – deu-se a “perfeição” da declaração resolutiva; isto é, a resolução produziu os seus efeitos extintivos.

Reconhecido o correcto exercício da resolução[19], impõe-se analisar os efeitos da mesma, uma vez que é neste âmbito – dos efeitos da resolução – que se situam os pedidos.

Quanto aos efeitos da resolução, a lei (art. 433.º do CC) equipara a resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; equiparação que se traduz numa eficácia retroactiva – devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.º, n.º 1, do CC) – bem como e implicitamente numa eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não executadas.[20]

Equiparação legal que, apesar do peso literal (dos art. 433.º e 434.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC), não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial.

“(…) O alcance remissivo do art. 433.º do CC não pode levar o intérprete a aderir a uma rectroactividade tout court (e que é, no fundo, a do art. 289.º, n.º 1, do CC) imposta pelo legislador e que funciona como expediente técnico-jurídico (ou ficção dogmática) vocacionada a uma destruição quase-plena da eficácia do negócio.

A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa rectroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (maxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito. (…)[21].

A rectroactividade é um mecanismo que, nos efeitos da resolução, o legislador encarou “como presunção iuris tantum da vontade das partes”, daí que ceda perante estipulação convencional das partes (cfr. 434.º, n.º 1, do CC) ou em face da protecção dos direitos dos subadquirentes (cfr. art. 453.º do CC).

Daqui resulta pois – de tal função recuperatória da resolução – que assiste ao A/apelante o direito a exigir a restituição do veículo “Citroën”, matrícula ....

Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva das prestações cumpridas – é ou pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara.

Efectivamente, a resolução, em face da recíproca obrigação de restituição que gera, pode originar prejuízos para a parte “inocente”, radicáveis na ruptura contratual consequente ao inadimplemento (que foi pressuposto da própria resolução).

Daí que a lei haja previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização (art. 801.º, n.º 2, 802.º, n.º 1, ambos do CC)[22].

É nisto – pedidos indemnizatórios – que se traduzem os restantes pedidos formulados[23]; embora com “assento”, alguns deles, na “letra miudinha” das condições gerais do contrato.

É o caso, desde logo, dos 6 alugueres em atraso (e respectivos juros) no momento em que a declaração resolutiva produziu os seus efeitos; a recíproca obrigação de restituir (decorrente da eficácia retroactiva da resolução) conduziria, na sua pureza, a que tais alugueres já não seriam devidos/pagos, porém, a mesma recíproca obrigação de restituir também mandaria o locatário restituir as “utilidades” que retirou do automóvel, pelo que, inquestionavelmente, tais montantes são devidos (seriam devidos mesmo que tal não constasse das condições gerais)[24].

É também o caso do pagamento dos alugueres “em dobro” (e respectivos juros) a partir da data da resolução/fim do contrato de locação[25]; pagamentos em dobro pedidos/devidos[26] ao abrigo do art. 1045.º, n.º 2, do C. Civil, preceito em que sua a qualificação como indemnização é inquestionável.

É o caso, ainda, do pedido indemnizatório referido em e) do relatório inicial; que, porém, ao contrário do que sucede com as duas “indemnizações” acabadas de referir, não pode ser concedido.

Pelo seguinte:

Começou por observar-se que se está perante um contrato padronizado através de cláusulas contratuais gerais e acrescentou-se que, uma vez que não foram suscitadas quaisquer questões respeitantes ao cumprimento dos deveres de comunicação e/ou de informação, todas as cláusulas contratuais gerais integram o contrato singular sob análise.

O que não significa que estejamos impedidos de as interpretar e/ou de as sujeitar ao “crivo” da boa-fé (cfr. art. 10.º, 11.º e 15.º do DL 220/05, de 31 de Agosto).

Efectivamente, um clausulado que conduza a uma hiper-equação indemnizatória, que consagre cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (cfr. art. 19.º, alínea c), do DL 220/05, de 31 de Agosto), tem que ser corrigido e reduzido, segundo e de acordo com os ditames da boa fé (cfr. art. 14.º do DL 220/05, de 31 de Agosto).

Assim, se com as condições gerais do contrato se quer significar que, em caso de resolução, a locadora cumula os alugueres vencidos, o dobro dos alugueres após a resolução (porventura durante os 50 meses restantes – após a resolução – do contrato) e o valor da desvalorização do veículo (em relação ao preço de novo), não sendo esta nunca inferior a 50% do total do valor dos alugueres, então, seguramente, estamos perante cláusulas relativamente proibidas, perante cláusulas em que se acaba por indemnizar mais do que uma vez a mesma coisa e, por isso, contrárias à boa fé.

É certo que, em termos de pedido, como consta da alínea e) do relatório, o A/apelante se ficou por um “contido” e vago pedido de indemnização, por perdas e danos, a liquidar em execução de sentença.

É porventura até certo que tal questão nem estará, em rigor, incluída no objecto do recurso: embora o A/apelante termine a pedir a integral procedência da acção, o certo é que, no resto da alegação e conclusões, não alude a tal pedido indemnizatório.

Seja como for, em face do modo equívoco e ambíguo das cláusulas contratuais em causa, quer-nos parecer que, independentemente do que queiram significar – e nem nós, passe a imodéstia, percebemos completamente o que querem significar e onde se “quer chegar” – têm que valer, no caso em análise[27], com o sentido de apenas conferir uma indemnização correspondente ao acréscimo de desvalorização (causado por uma utilização dolosa, anormal ou imprudente), em relação à desvalorização dum veículo com a mesma idade e sujeito a uma utilização normal e prudente; tudo isto com reporte à data da efectiva entrega/restituição do veículo, data até à qual, é bom lembrar, é devida uma indemnização correspondente ao dobro do aluguer.

Assim interpretado/corrigido o clausulado em causa, torna-se evidente a improcedência do pedido referido na alínea e) do relatório.

Improcedência que, acrescenta-se, é também imposta pelas regras do ónus probatório (342.º, n.º 1, do CC), na medida em que não resulta dos factos alegados/provados tal desvalorização “incrementada” do veículo; resultando, ao invés, nesta data, que o crédito do A/apelante já vai em 50 mensalidades (mais de metade em dobro), o que significa, é bom de ver, que não é nada seguro que o A/apelante possa vir a ter direito a mais algum crédito indemnizatório – a liquidar em execução de sentença, como se pretende – para além dos alugueres em dobro, mês após mês.

Resta pois, para concluir, a questão da sanção pecuniária compulsória[28], que o A/apelante liga e associa à “indução” do cumprimento da condenação/obrigação de restituir o automóvel.

Trata-se de questão/direito em que, com o devido respeito, a A/apelante não tem a menor razão.

Pelo seguinte:

A sanção pecuniária compulsória não é, chama-se a atenção do A/apelante, um meio coercitivo de aplicação geral a toda a espécie de obrigações; mas um meio de aplicação, restrita, a certas e determinadas obrigações.

O legislador – 829.º-A, n.º 1, do C. Civil – limitou-a às obrigações de non facere e de facere (com excepção das que requeiram especiais qualidades científicas ou artísticas) cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor[29]; o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar; o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações[30]; logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória.

Significa isto, como é bom de ver, que, nas obrigações que têm como objecto uma prestação de coisa – coisa que é o objecto mediato, sendo a prestação (conduta ou comportamento) o objecto imediato – a condenação no cumprimento é possível através da execução específica[31].

É justamente este o caso da condenação/obrigação de restituir o concreto veículo automóvel que estava alugado; obrigação/condenação esta insusceptível de ser constrangida pela sanção pecuniária compulsória do art. 829.º-A do C. Civil; preceito que, insiste-se, consagra o princípio da subsidiariedade da sanção pecuniária compulsória e que a confina – com a referida ressalva do n.º 4 do art. 829.º-A – às prestações de facto infungíveis.


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IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, condenando-se – reformulando e aqui integrando a condenação já proferida em 1.ª Instância e de que não houve recurso – as RR., solidariamente[32]:

A restituir ao A. o veículo automóvel marca “Citroën” e matrícula “ ...”;

A pagar ao A:

 - a importância de € 2.188,38; e juros, vencidos e vincendos, à taxa legal de juros comerciais, desde a data do vencimento (30/06, 30/07, 30/08, 30/09, 30/10 e 30/11 de 2008) de cada uma das 6 mensalidades incluídas em tal montante e até integral pagamento;

 - a importância de € 590,76 e IVA respectivo (montante correspondente ao dobro do valor do aluguer), por cada mês decorrido e/ou a decorrer, desde Dezembro de 2008 até à data da efectiva restituição do veículo automóvel de marca “Citroën” e matrícula “ ...”; e juros, vencidos e vincendos, à taxa legal de juros comerciais, desde a data do vencimento (aos 30 do mês a que respeitam) de cada uma das mensalidades e até integral pagamento

Em tudo o mais – demais absolvições – confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, por A. e RR., em partes iguais.


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Barateiro Martins (Relator)
Arlindo Oliveira
Emídio Santos


[1] É certo que, no art. 18.º da PI, o banco A. alega que o valor é de 25.719,00 €; porém, como é evidente, a “confissão ficta”, decorrente da não contestação, não pode suplantar o que, manifestamente, é público e notório (cfr. art. 514.º, n.º 1, do CPC).

[2] Consumidor é apenas, de acordo com o art. 2.º, n.º 1, da Lei 24/96, de 31-07, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional.
[3] Ou, pelo menos, parece sustentar, quanto, v. g., no art. 7.º da PI diz que “a falta de pagamento de qualquer dos ditos alugueres implicava a possibilidade de resolução contratual”.

[4] Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186/7.

[5] Baptista Machado, obra e local citados, nota 77; no mesmo sentido, Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória” – pág. 321 e ss.
[6] Como expressamente invoca no art. 12.º da PI; o que reforça a ideia do banco A. se mover com a convicção de ter a seu favor uma cláusula resolutiva expressa.

[7] Consistindo a prestação das RR. numa soma em dinheiro, o prazo concedido, de 10 dias, deve ser considerado como um prazo razoável para o cumprimento.
[8] Na medida em que acaba por conter os 3 elementos típicos da interpelação admonitória: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
[9] Ana Maria Peralta, in “A posição jurídica do comprador na compra e venda com reserva de propriedade”, pág. 86.

[10] Todavia, para sermos exactos e completos, temos que dizer que esta hipótese, relativamente comum, é acima de tudo tributária de alguma ignorância (mais do que da reserva na opção); isto é, de se ignorar que, entre nós (436.º do CC), o sistema regra da resolução é o da declaração unilateral e não o da resolução judicial.

[11] Em síntese, o A/apelante, após a conversão da mora em incumprimento definitivo, não tinha que fazer uma segunda comunicação, uma vez que, logo na primeira, comunicou que, caso não se pusesse termo à mora, declarava resolvido/rescindido o contrato.

[12] A lei esclarece mesmo que a declaração que só por culpa do declaratário não foi por ele oportunamente recebida é eficaz (224.º/2); assim frustrando os actos de má fé, de quem manda desligar os telefones ou não recebe telegramas ou cartas, para impedir a eficácia de declarações alheias.

[13] Assim decidiu a RL no Ac. de 27/06/2002, in CJ, 2002, tomo III, pág. 114.

[14] Assim decidiu a RL no Ac. de 04/12/2003, in CJ, 2003, tomo V, pág. 105.

[15] Assim decidiu o STJ no Ac. de 18/01/1995, in BMJ 443.º, pág. 205.

[16] Cfr., entre outros, Oliveira Ascensão, Teoria Geral, Vol. II, pág. 206; Mota Pinto, Teoria Geral, pág. 441; Pessoa Jorge, Obrigações, pág. 184.

[17] Como refere o Prof. Pires de Lima, in RLJ ano 102.º, pág. 143/4, que acrescenta, ainda, que a solução se destina a evitar fraudes e evasivas por parte do destinatário.

[18] Sem prejuízo das RR. serem pessoas jurídicas diferentes, não pode deixar de chamar-se a atenção, em face do que a firma da R. sociedade denota, para a sua “personificação” unitária e por certo incindível; e, por conseguinte, não pode/deve esquecer-se – e as soluções/construções jurídicas que se desenham também não o devem esquecer – que a R. pessoa física recebeu a sua carta.

[19] O princípio geral do art. 436.º, n.º 1, do C. Civil – embora instituindo o regime regra da declaração unilateral – não infirma uma intervenção judicial declarativa da correcção/confirmação no exercício do direito de resolução; em termos úteis e práticos, é neste ponto – de correcção/confirmação da resolução e, principalmente, de condenação nos efeitos da resolução – que se situa a presente acção.
[20] Tem pois a resolução uma dupla função – liberatória e restitutória – embora a questão dos seus efeitos só ganhe significado quando assume a função restitutória, quando se entre verdadeiramente na “relação de liquidação”; efectivamente, pressupondo a resolução uma prévia situação de incumprimento definitivo, deste resulta – sem necessidade do exercício da faculdade alternativa do art. 801.º, n.º 2, do CC – a função liberatória (cfr. 795.º, n.º 1, do CC).
[21] Brandão Proença, in Resolução, pág. 178.

[22] Cumulação que é polémica no que diz respeito à delimitação do seu objecto, o mesmo é dizer, no que diz respeito à questão de saber se a tal indemnização deve colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento dos danos positivos) ou se apenas visa compensar o credor pelas desvantagens sofridas com a conclusão do contrato (tese do ressarcimento dos danos negativos).
[23] Pedidos indemnizatórios cuja análise jurídica não exige ou pressupõe a eficácia da resolução/extinção contratual; também o “mero” “incumprimento definitivo” dá lugar a indemnizações.

[24] Verdadeiramente, tais montantes nem fazem parte do objecto do recurso; uma vez que foram concedidos e o recurso é interposto pela A..
[25] Em face da obrigação legal (1038.º, i), do C. Civil) e contratual (condições gerais do contrato) que a R. locatária tem “em restituir a coisa locada findo o contrato”.

[26] Apenas com a seguinte e pequena rectificação: Não inclusão, em tal “dobro”, do montante respeitante ao seguro de vida (7,32 € X 2), que, evidentemente, só é devido numa lógica de vigência do contrato de locação. O que também significa que o IVA continua a ser devido, uma vez que são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, que, como tal, em termos fiscais, ainda são configuradas como uma contraprestação a obter de uma operação sujeita a imposto.
[27] Em que se pede o dobro dos alugueres até à efectiva restituição do veículo.

[28] Sanção pecuniária compulsória que não tem natureza indemnizatória. A indemnização reporta-se e repara o prejuízo, mas não o previne, nem faz cessar o ilícito; a sanção pecuniária tem como objectivo “triunfar sobre a resistência do devedor, sobre a sua indiferença, oposição e desleixo para com o cumprimento”. É justamente por isto que são autónomas, independentes e cumuláveis.

São/eram pois acertadas as observações do A/apelante, na PI e alegações, sobre a cumulação duma e doutra. Ponto é que haja/houvesse direito a ambas; o que, como explicaremos, não ocorre com a sanção pecuniária compulsória.

[29] A infungibilidade da prestação constitui um limite lógico, intransponível, ao funcionamento da execução sub-rogatória que, neste caso, é estrutural e absolutamente inidónea para proporcionar ao credor o mesmo resultado prático do cumprimento da prestação.

[30] Com a ressalva que o n.º 4 do art. 829.º - A constitui. Ressalva que Calvão da Silva classifica como uma “incoerência” e “desarmonia” do sistema; uma vez que na origem e razão de ser da sanção pecuniária compulsória legal está a inidoneidade estrutural da execução para assegurar a realização específica de certas obrigações e essa razão não ocorre nas obrigações pecuniárias, cuja realização in natura é fácil e sempre possível através da execução para pagamento de quantia certa.

[31] Nos termos do art. 827.º do C. Civil, se a prestação consistir na entrega da coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita judicialmente, sendo a execução para entrega de coisa certa ou determinada regulada nos art. 928.º e ss do CPC.

[32] A R. C...por se ter assumido perante o A. como fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas no contrato pela 1.ª R. (cfr. art. 640.º, a), do C. Civil).