Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2214/19.T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
MEDIAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º E 8.º, ALÍNEAS A) E I) DO DECRETO-LEI N.º 144/2006, DE 31 DE JULHO, ARTIGOS 5.º, 6.º E 8.º, ALÍNEA B), DO DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO E ARTIGOS 3.º, 18.º, 21.º, 31.º, N.º 2, TODOS DA LEI DO CONTRATO DE SEGURO
Sumário: I - Quando um Banco intervém na celebração de um contrato de seguro, em nome e por conta da Seguradora, os actos por ele praticados ou omitidos produzem efeitos relativamente à Seguradora, como se fossem por ela praticados ou omitidos.

II - A protecção que as normas do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, referentes aos deveres de comunicação e informação, dá aos tomadores dos contratos de seguro celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais é cumulável com a protecção conferida pelas normas da Lei do Contrato de Seguro, relativas aos aí chamados deveres de informação e esclarecimento

III – O conceito de “invalidez absoluta e definitiva”, constante de uma cláusula contratual geral, revela um grau de equivocidade e complexidade técnica que exige, para além da simples comunicação, uma informação específica que elucide o interessado na celebração do contrato de seguro das características dessa situação que integra o âmbito do risco coberto pelo seguro.

Decisão Texto Integral:


Autor:  AA

Réus:  Banco 1..., S.A.
C...

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 Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente acção contra as Rés, pedindo que:
a) se declarem nulas as cláusulas do contrato de seguro que respeitem à cobertura do seguro por invalidez absoluta e definitiva e, consequentemente, ser a 2ª Ré condenada a reconhecer a invalidez absoluta e definitiva do Autor;
b) ser a 2ª Ré condenada a pagar à 1ª Ré a quantia que se encontrar em dívida, previsto na apólice correspondente ao capital seguro, bem como os respetivos juros;
Ou, em alternativa
c) ser a 1ª Ré condenada a suportar o capital ainda em dívida referente ao contrato de mútuo ora em causa, bem como os respetivos juros, por omissão dos deveres de informação e comunicação;
Em todo o caso,
d) serem as Rés condenadas, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia correspondente a todas as prestações já vencidas e pagas pelo mesmo, desde agosto de 2018 até à presente data, que se cifra em € 3.366,08 (três mil trezentos e sessenta e seis euros e oito cêntimos), bem como as vincendas que o Autor pagar a partir da presente data e até integral liquidação ao beneficiário do seguro, ora 1ª Ré, do respectivo capital, acrescida de juros de mora desde agosto de 2018 até integral pagamento;
e) serem as Rés condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, bem como os respectivos juros legais desde a citação até integral pagamento.
Como consta do relatório da sentença proferida que passamos a transcrever:
Alega o Autor AA, para tal efeito, que, em Abril de 2015, celebrou um contrato de financiamento com o Réu Banco 1..., S.A. tendente à aquisição de um veículo automóvel com ajuste de capital mutuado na grandeza de € 16.354,18 a liquidar em 84 prestações mensais no valor unitário de € 193,37.  Tendo ulteriormente, sob contacto telefónico do Réu Banco 1..., S.A. [na veste de K...], subscrito com a Ré C... um seguro de protecção ao indicado crédito e que, à luz do ajustado, cobriria os riscos decorrentes, designadamente, de invalidez absoluta e definitiva e de incapacidade temporária para o trabalho. Sem que, nessa ocasião, tenham sido prestadas quaisquer explicações adicionais sobre as condições específicas inerentes às respectivas coberturas. Mais explicita que, em Maio de 2015, entrou de baixa em virtude de dores intensas sentidas enquanto se encontrava a cumprir as suas funções laborais no armazém da Câmara Municipal .... O que ocorreu num quadro caracterizado por lombalgia, hérnia discal, artrite psoriática e dores generalizadas. Tendo-lhe sido igualmente diagnosticado, em Março de 2017, uma tuberculose pulmonar. Num contexto de incapacidade para o trabalho que levou a Caixa Geral de Aposentações a considerá-lo absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções. Salienta, nesta senda, que a Ré C... apenas assumiu o pagamento das mensalidades referentes ao contrato de crédito durante o período em que se encontrou de baixa. Pois que, quando participada a incapacidade permanente com vista à cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva, veio a Ré C... concluir que a situação clínica do Autor AA se achava preexistente à data da subscrição do seguro ao ponto de configurar exclusão contratual impeditiva do pagamento de qualquer indemnização. E também porque não resultou comprovado que a situação de invalidez participada pelo Autor AA o inviabilizasse de exercer outra tipologia de actividade profissional remunerada. Contrapõe, no entanto, o Autor AA que a sua situação clínica, à data da contratação do seguro, não envolvia as indicadas maleitas ao ponto de estas se enquadrarem no risco seguro. Argumentando, paralelamente, que as exclusões invocadas pela Ré C... não lhe foram comunicadas ou explicadas até porque o clausulado só lhe foi entregue, após insistências, em Novembro de 2019. Com o que se considera o Autor AA no direito de exigir a observância do contrato de seguro, reclamando, complementarmente, uma compensação de € 3.500,00 derivados dos danos morais sofridos em função da violação pelos Réus Banco 1..., S.A. e C... dos seus deveres contratuais que o obrigaram a suportar prestações mensais absolutamente essenciais à sua sobrevivência atentos os parcos rendimentos por si auferidos.

Regularmente citados, os Réus Banco 1..., S.A. e C... contestaram. O Réu Banco 1..., S.A. contrapondo que se acha absolutamente alheio às pretensões do Autor AA pois que as mesmas derivam de postura exclusivamente assumida pela co-Ré C... ao recusar o accionamento da apólice de seguro. Estabelecendo, adicionalmente, que, enquanto credor, tem o direito a ser reembolsado do montante mutuado seja pelo Autor AA ou pela Ré C.... A Ré C..., por seu turno, defendeu a ocorrência de exclusões contratuais centradas na anterioridade da patologia clínica ostentada pelo Autor AA e na circunstância de essa mesma patologia não o impossibilitar, em absoluto, de exercer qualquer actividade profissional remunerada. Mais defende que as causas de exclusão previstas no contrato de seguro foram integralmente comunicadas e explicadas ao Autor AA, tendo este, como tal, perfeito conhecimento do correspondente teor.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

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O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

 I. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO POR ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA
II. Na realidade, de todos os meios probatórios disponíveis conclui-se que o Tribunal a quo julgou incorretamente concretos pontos de facto, a saber, o ponto 1, 2 e 3 dos factos não provados.
III. Ora, a prova documental produzida pelo Recorrente e a criada em sede de audiência de julgamento, impunha, sem qualquer margem para dúvidas, que o Tribunal a quo julgasse como provados os aludidos factos, que deu como não provados, conforme Vªs Exªs apreciarão.
IV. No que respeita ao facto não provado mencionado no ponto 1 dos factos não provados:
V. O Tribunal a quo, muito resumidamente, não considerou provado, e bem, que tenha sido prestada informação, explicação ou elucidação pelas Recorridas ao Recorrente do teor da cláusula constante de fls. 57 e 58 (ponto 6 dos factos não provados).
VI. Nesta medida, preconizou, no entanto, o Tribunal a quo que “a inobservância dos deveres de informação não pode conduzir à exclusão do texto contratual da cláusula centrada na definição da cobertura referente à Invalidez Absoluta e Definitiva”, podendo o Recorrente, in casu, “exigir a responsabilização do Réu Banco 1..., S.A. pelos danos daí advenientes”, ora 1ª Ré/Recorrida.
VII. Ademais, o Tribunal a quo perfilhou do entendimento de que os pressupostos de que a cláusula aqui em apreço faz depender a verificação da Invalidez Absoluta e Definitiva “se acham claramente atentatórios do princípio de boa fé”, porquanto exige “arbitrária e inusitadamente, que se divise a necessidade de ajuda de terceira pessoa para a vida normal e corrente mesmo quando o visado consiga, por si só, realizar os atos elementares do seu quotidiano”.
VIII. Posto isto, o Tribunal a quo explanou que a consequência daí resultante passaria necessariamente por “expurgar da sobredita cláusula o segmento que exige a dependência de pessoa terceira (…) mas mantendo a validade do demais texto contratual”.
IX. E nesta sequência, expôs que, no caso em concreto, a Invalidez Absoluta e Definitiva do Recorrente dependeria “da constatação de uma invalidez superior a 80% motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer atividade profissional remunerada”,
X. que, adiante-se, considerou como não observada, quer porque a incapacidade permanente e absoluta do Recorrente se aplica apenas para o exercício das suas funções, e não para toda e qualquer profissão, quer porque se desconhece o correspondente grau de incapacidade.
XI. Ainda assim, o Tribunal a quo considerou que a solução seria idêntica mesmo que se entendesse que a cláusula em causa deveria considerar-se excluída do respectivo contrato, pois que, apelando às regras da interpretação feita por um declaratário normal, sempre seria de exigir uma incapacidade para o exercício de toda e qualquer profissão, o que, no presente caso, não se verifica.
XII. E é exatamente este o entendimento contra o qual o Recorrente veementemente se insurge.
XIII. Vejamos,
XIV. Independentemente (para já) de a cláusula referente à Invalidez Absoluta e Definitiva do contrato de seguro outorgado pelo Recorrente dever ser ou não excluída do respetivo contrato, debrucemo-nos sobre a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e sobre a prova documental oferecida pelo Recorrente nos seus articulados.
XV. A Testemunha do Recorrente, BB, apesar de ser sua mulher, prestou o seu depoimento com toda a sobriedade, clareza e inquestionável objetividade, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente nos artigos 23º e 24º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVI. Acresce que, é fundamental verificar o que as testemunhas arroladas pelo Recorrente, CC e DD, referiram, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente nos artigos 25º e 26º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVII. Debruçando-nos, agora, sobre o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida C..., EE, que exerce a profissão de médico, é elementar constar o que o mesmo referiu e cujas passagens da gravação se indicaram expressamente no artigo 27º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVIII. Finalmente, auscultando as declarações do Recorrente, as quais foram proferidas com indiscutível objetividade e clareza, as mesmas especial relevo no que concerne a esta temática, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente no artigo 28º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XIX. Depoimentos/declarações cuja credibilidade e carga probatória o Tribunal a quo, ignorou, uns, sem qualquer justificação, outros (da testemunha BB e do Recorrente) pelo “óbvio interesse” que têm, e outro (a testemunha EE) por não ter procedido ao exame direto do Recorrente.
XX. Ademais, é relevante analisar-se a prova documental trazida aos autos pelo Recorrente, nomeadamente o doc. nº 7 e nº 8 que o Recorrente juntou à sua PI e cuja transcrição se encontra nos artigos 31º e 32º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XXI. Documentos esses que o próprio Mº Juiz a quo considerou “(…) devidamente subscritos pelos correspondentes médicos. Cujo rigor e autenticidade foi, ademais, aceite pelos serviços clínicos da Ré C... por ocasião da análise das maleitas do Autor AA (…). E que assentam uma realidade compatível com a incapacidade ulteriormente reconhecida pela Caixa Geral de Aposentações. (…) se aceita a bondade e força probatória dos documentos de fls 30 a 35. Os quais permitem, assim, retratar quais os problemas de saúde que tolhem o Autor AA”.
XXII. Pois bem,
XXIII. Não se entende, de facto, a razão pela qual o Tribunal a quo não considerou que o Recorrente é totalmente incapaz de exercer toda e qualquer atividade profissional.
XXIV. Com efeito, do cotejo de toda a prova produzida em julgamento e da supra indicada prova documental, resulta, sem margem para qualquer dúvida, que o Recorrente não consegue exercer qualquer profissão.
XXV. Na realidade, os acima mencionados relatórios clínicos são expressos e claros em afirmar que o Recorrente não consegue exercer qualquer atividade profissional.
XXVI. É certo que o Mº Juiz a quo estranhou o facto de nenhuma das partes ter requerido a prova pericial.
XXVII. Porém, questiona-se, a este propósito, quem é que mais eficazmente poderá aferir a incapacidade do Recorrente que não os próprios médicos que o acompanham?
XXVIII. Obviamente que o Recorrente jamais equacionou a necessidade de se produzir qualquer prova adicional, quando, para o efeito, estava na posse de relatórios médicos que claramente espelham a sua impossibilidade/incapacidade de exercer quaisquer funções profissionais.
XXIX. Por outro lado, da prova testemunhal acima referenciada, é por demais evidente que o Recorrente, até para o seu dia a dia, necessita da ajuda de terceiros.
XXX. O Tribunal a quo considerou, e bem, que a exigência da dependência de ajuda de terceiros para os atos essenciais da própria vida normal e corrente do Recorrente era atentatória do princípio da boa fé para a definição de invalidez absoluta e definitiva.
XXXI. Todavia, não devia ter se distanciado de considerar que, face à prova desse facto, o mesmo era suficiente e capaz de demonstrar que o Recorrente, efetivamente, não consegue exercer qualquer atividade profissional.
XXXII. Neste conspecto, pergunta-se mesmo como é que é possível que alguém que necessita de ajuda para se levantar da cama, para tomar banho, vestir-se, calçar-se, para carregar com os sacos das compras ou quaisquer pesos, que tem graves dificuldades de locomoção, que vive diariamente com dores, que permanece deitado várias vezes, mormente durante o outono e inverno, consegue exercer qualquer actividade profissional?
XXXIII. Naturalmente que ninguém consegue! Aliás, é exatamente por isso que a seguradora, ora Recorrida C..., exige, para a verificação da invalidez absoluta e definitiva, a demonstração da ajuda de terceiros para os atos correntes da vida diária (não obstante, claro está, a proibição legal deste requisito),
XXXIV. pois, quem for bem-sucedido nessa prova, estará manifesta e consequentemente impossibilitado de exercer toda e qualquer atividade profissional (já o contrário poderá não será bem assim)!
XXXV. Desta feita, o Tribunal a quo não valorou convenientemente a prova testemunhal e documental em apreço, e, com isso, é evidente o erro notório na apreciação da prova, porquanto o facto não provado sob o ponto 1 dos factos não provados foi incorretamente julgado.
XXXVI. Atendendo ao supra exposto, impunha-se ao Tribunal a quo dar como provado que “o Autor AA não consegue exercer qualquer atividade profissional”, o que se requer.
XXXVII. No que respeita aos factos não provados mencionados nos pontos 2 e 3 dos factos não provados:
XXXVIII. O Tribunal a quo entendeu que os “sentimentos e emoções apregoados” não são “aceitáveis e críveis em face de uma pura recusa de cumprimento contratual” por parte das Recorridas, e que os mesmos poderão advir naturalmente das suas complicações clínicas.
XXXIX. Contudo, salvo o devido e merecido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
XL. Dos depoimentos das testemunhas supra transcritos e das declarações do Recorrente, decorre indubitavelmente que a situação de recusa por parte da Recorrida C... em se responsabilizar pelo pagamento do crédito contraído pelo Recorrente causou neste angústia, tristeza, desmotivação e preocupação.
XLI. E mesmo a necessidade de recorrer aos meios judiciais competentes para reclamar o seu direito, como é sensato e do conhecimento geral, também perturbou, como ainda perturba, incontestavelmente o bem estar psicológico do Recorrente.
XLII. Em bom rigor, tal como ficou notoriamente demonstrado pelas testemunhas, a ameaça e pressão por parte da Recorrida Banco 1..., S.A. em penhorar bens, em resgatar para si o veículo adquirido pelo Recorrente e as insistências por si desencadeadas, criaram medo no Recorrente e contribuíram para uma tristeza, instabilidade e ansiedade acrescidas.
XLIII. Ademais, a conduta das Recorridas, também como acima se fez provar, obrigou o Recorrente a pedir dinheiro emprestado a terceiras pessoas e, obviamente, tal comportamento feriu a dignidade e a honra do Recorrente.
XLIV. O Recorrente admite que o seu estado psicológico fragilizado se deve, e muito, às doenças de que padece e às limitações que estas lhe impõem na sua vida e dia a dia.
XLV. Todavia, já não aceita que se atribua tal fragilidade apenas e unicamente a tais doenças.
XLVI. Bem antes pelo contrário, é por exatamente o Recorrente já se encontrar num cenário de desgaste emocional e físico, que a conduta das Recorridas assumiu um impacto extremamente negativo e grave no Recorrente.
XLVII. De igual modo, foi por o Recorrente já se encontrar num contexto extremamente devastador de insuficiência económica, que a conduta inadimplente das Recorridas deve ser severamente condenada.
XLVIII. O Recorrente não pretende, por isso, ser indemnizado por todo o seu atual e debilitado estado psicológico, mas pretende, sim, ser ressarcido pelas consequências que, a esse nível, o comportamento das Recorridas acarretou.
XLIX. Motivo pelo qual se deve dar como provado que “o Autor AA ficou angustiado, com insónias e com abalo psicológico duradouro na sequência da conduta dos Réus Banco 1..., S.A. e C... ao ponto de se ter agravado a sua depressão” e “ficando, ademais, ferido na sua dignidade e com a honra abalada”, o que se requer.
L. DA ERRADA OU INSUFICIENTE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
LI. Antes de mais, diga-se que, se o Tribunal a quo considerou como não provado que tenha sido prestada informação, explicação ou elucidação ao Recorrente sobre o teor da cláusula referente à cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva, desde logo deveria ter considerado tal cláusula excluída do respetivo contrato, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, o que se requer.
LII. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/03/2008, Processo nº 434/04.1TBVNO.C1, cuja transcrição foi expressamente feita no artigo 61º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
LIII. O próprio Tribunal a quo também entendeu que, neste caso, se deveria fazer “apelo às normais regras da interpretação da declaração negocial”.
LIV. E, nesta medida, invocou vasta jurisprudência cujo entendimento versa sobre a necessidade de a situação de invalidez absoluta e definitiva obrigar à impossibilidade de, in casu, o Recorrente exercer toda e qualquer atividade profissional e, consequentemente, de auferir rendimentos suficientes que lhe permitam prover à sua subsistência.
LV. Não obstante se discordar de tal entendimento, porquanto, na nossa perspetiva, bastaria que a invalidez absoluta e definitiva do Recorrente se restringisse às suas funções, o que é certo é que o Recorrente fez prova abundante, conforme supra se explanou, de que se encontra impossibilitado de exercer quaisquer funções profissionais.
LVI. E, nesta conformidade, o Tribunal a quo sempre deveria ter considerado preenchido o conceito de invalidez absoluta e definitiva do Recorrente.
LVII. Sem conceder, entendeu o Tribunal a quo que a cláusula deveria subsistir, fazendo depender a invalidez absoluta e definitiva “da constatação de uma invalidez superior a 80% motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer atividade profissional remunerada” (uma vez que já havia expurgado do seu texto o requisito de dependência de terceira pessoa).
LVIII. Ora, mesmo que assim seja, mantendo-se verificada a invalidez absoluta e definitiva por incapacidade de o Recorrente exercer toda e qualquer atividade profissional (como já incansavelmente se sufragou), sempre o desfecho da ação seria a sua total procedência.
LIX. Nesta sequência, também os danos não patrimoniais causados no Recorrente pela atitude censurável e repreensível das Recorridas merecem a tutela do direito, devendo aquele ser indemnizado em perfeita conformidade.
LX. Em síntese,
LXI. Em face de tudo o supra exposto, é inadmissível que seja proferida uma decisão, de que ora se recorre, que, por manifestamente incorreta, julgue improcedente a acção instaurada pelo Recorrente.
LXII. Não se pode deixar de concluir que, de toda a prova produzida, tal decisão atenta contra a tão desejada e reclamada Justiça.
LXIII. Nos presentes autos, sendo, como é, patente a negação infundada e desmesurada da responsabilidade das Recorridas, impunha-se, aqui, uma decisão de absoluta procedência da ação, face a todo o acervo fáctico trazido ao processo e dado como provado e face ao enquadramento jurídico que Vªs Exªs elegerão como o mais correto.
LXIV. No fundo, a verdade que emerge da decisão ora recorrida é uma absoluta e gritante injustiça, como Vªs Exªs certamente concluirão.
LXV. Em suma, dir-se-á que o Tribunal recorrido, se tivesse valorado devidamente todos os meios probatórios, fazendo uma apreciação conjugada de toda a prova, aquela de que dispunha adequada e idoneamente, como, de resto, é imperativo legal, dariam lugar à prolação de uma decisão em sentido substancialmente diverso.
LXVI. Não se conforma, então, o Recorrente com a douta decisão em crise, por entender que, em face da matéria de facto provada e do direito aplicável, o desfecho certo do pleito seria a total procedência da ação, devendo a sentença ser consequentemente revogada e substituída por outra nos termos expostos.
Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vªs Exªs, deve ser julgada a Apelação totalmente procedente, revogando-se integralmente a sentença ora recorrida, devendo esta decisão ser substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, por provada, e
a) declare nulas as cláusulas do contrato de seguro que respeitem à cobertura do seguro por invalidez absoluta e definitiva e, consequentemente, ser a 2ª Recorrida condenada a reconhecer a invalidez absoluta e definitiva do Recorrente;
b) ser a 2ª Recorrida condenada a pagar à 1ª Recorrida a quantia que se encontrar em dívida, previsto na apólice correspondente ao capital seguro, bem como os respetivos juros;
Ou, em alternativa
c) ser a 1ª Recorrida condenada a suportar o capital ainda em dívida referente ao contrato de mútuo ora em causa, bem como os respetivos juros, por omissão dos deveres de informação;
Em todo o caso,
d) serem as Recorridas condenadas, solidariamente, a pagar ao Recorrente a quantia correspondente a todas as prestações já vencidas e pagas pelo mesmo, desde agosto de 2018 até à data de instauração da ação, que se cifra em € 3.366,08 (três mil trezentos e sessenta e seis euros e oito cêntimos), bem como as pagas pelo Recorrente a partir dessa data e até integral liquidação ao beneficiário do seguro, ora 1ª Recorrida, do respetivo capital, acrescida de juros de mora desde agosto de 2018 até integral pagamento;
e) serem as Recorridas condenadas a pagar ao Recorrente a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, bem como os respetivos juros legais desde a citação até integral pagamento.
f) serem as Recorridas condenadas em custas e procuradoria.

O Réu Banco 1..., S.A. apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

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1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são:
- impugnação da matéria de facto
- A cláusula referente à cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva, deve considerar-se excluída do respectivo contrato, nos termos do disposto na alínea b), do art.º 8º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, a prova da incapacidade total e permanente do Autor desempenhar a sua actividade profissional é suficiente para accionar o seguro?

2. Os factos

O Autor, revelando a sua discordância quanto ao julgamento dos factos não provados sob os n.º 1, 2 e 3, pretende, após reapreciação de meios de prova que especifica, a sua alteração para provados.
Os factos em causa são:
1. O Autor AA não consegue exercer qualquer actividade profissional [artigo 36.º da p.i.],
2. O Autor AA ficou angustiado, com insónias e com abalo psicológico duradouro na sequência da conduta dos Réus Banco 1..., S.A. e C... ao ponto de se ter agravado a sua depressão [artigo 61.º e 48.º da p.i.],
3. Ficando, ademais, ferido na sua dignidade e com a honra abalada [artigo 62.º da p.i.];
Para a alteração pretendida o Autor convoca excertos dos depoimentos de FF, CC, DD e EE, bem como as declarações por si prestadas.
Da reapreciação da prova indicada pelo Autor nada resulta que permita a prova dos factos 2 e 3, pelo que se mantém os mesmos como não provados.
Quanto ao facto n.º 1 consta da respectiva fundamentação:
Ingressando agora na temática clínica descrita nas alíneas h) a t) dos factos provados, não pode o Tribunal deixar de patentear alguma estranheza pela circunstância de nenhum sujeito processual ter impulsionado a produção de prova pericial. Numa matéria que claramente o justificava…
Note-se que a pura junção de relatórios e atestados médicos permitem assumir uma compreensão global da situação clínica e maleitas do Autor AA mas não se afirmam, naturalmente, suficientes para certificar o grau de incapacidade que o tolhe e se o mesmo se acha susceptível de receber a qualificação de invalidez absoluta e definitiva. Efectivamente, a pura constatação de patologias não se confunde com a compreensão de qual a interferência que as mesmas assumem em matéria de diminuição de competências do visado.
O único documento apresentado pelo Autor AA com virtualidade para tal desiderato centra-se na missiva da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES de fls. 36. O que sucede pois que as conclusões aí assinaladas se ancoram num parecer de Junta Médica [que terá emitido o subsequente atestado multiuso] que tenderá a reflectir, com precisão, o grau de incapacidade divisado ao Autor AA.
Sucede que é esse mesmo documento [a que se reconhece maior força probatória e no qual o Autor AA ancora, em grande parte, a sua pretensão] que correlaciona o grau de incapacidade do Autor AA com uma incapacidade absoluta e permanente para o exercício “das suas funções” [num conceito próximo da invalidez relativa]. Menção que, como iremos tratar em sede de enquadramento jurídico, não se confunde com a incapacidade absoluta e permanente para o exercício de qualquer actividade profissional [em noção análoga à invalidez absoluta]. E que, naturalmente, a contraria… Efectivamente, se a Junta Médica considerou que as maleitas do Autor AA eram conducentes a uma incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções, tal significa que concluiu identicamente que as mesmas não se achavam demasiado gravosas para merecer a qualificação de incapacidade absoluta e permanente para o exercício de qualquer actividade profissional.
Isto quando o Autor AA dependia, em face do clausulado do contrato de seguro, da demonstração de uma incapacidade absoluta e definitiva [que, como iremos ver na fundamentação jurídica, pressupõe aquela impossibilidade de exercer qualquer actividade profissional] para accionar a cobertura desejada.
Surpreende, assim e de alguma forma, a inércia probatória do Autor AA. O qual sabia já à data da propositura da acção [à luz da posição assumida pela Ré C... no documento de fls. 39] que existiam reservas quanto à idoneidade de o documento de fls. 36 para demonstrar a invalidez absoluta e definitiva em que se funda a sua pretensão de accionamento do seguro. Documento que aponta, aliás, para a conclusão inversa de que aquela invalidez não se verifica [assim se apreendendo, aliás, porque razão o Tribunal não determinou oficiosamente a realização de perícia]. No que se acha dificilmente compreensível [ou, então, precisamente perceptível em virtude de o Autor AA ter noção que o seu grau de incapacidade não seria de molde a assistir ao reconhecimento de uma invalidez absoluta e definitiva] o não peticionamento de prova pericial. E, outrotanto, a falta de junção do parecer da Junta Médica que funda a missiva de fls. 36 e que reflectiria o específico grau de incapacidade por referência à TNI que foi divisada ao Autor AA.
São, pois, estas as razões que conduzem ao aposto nas alíneas i) a p) dos factos provados e no ponto 1 dos factos não provados. Ou seja, o Tribunal verteu nessa sede o constante dos relatórios e atestados médicos apresentados entre fls. 30 a 35 dos autos. É certo que tais documentos foram impugnados pelo Réu Banco 1..., S.A. «por desconhecimento». Mostra-se, no entanto, óbvio que tratamos de documentos clínicos devidamente subscritos pelos correspondentes médicos. Cujo rigor e autenticidade foi, ademais, aceite pelos serviços clínicos da Ré C... por ocasião da análise das maleitas do Autor AA [ainda que defendendo, para tal efeito, uma sua anterioridade]. E que atestam uma realidade compatível com a incapacidade ulteriormente reconhecida pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES. No que, não obstante a impugnação materializada pelo Réu Banco 1..., S.A., se aceita a bondade e força probatória dos documentos de fls. 30 a 35. Os quais permitem, assim, retratar quais os problemas
Mas uma coisa é saber que o Autor AA ostenta determinadas patologias ou problemas e outra centra-se já na aferição dos termos em que tais questões contendem com a sua capacidade e autonomia. No que aqueles documentos clínicos de fls. 30 a 35 não permitem ter como demonstrada a factualidade aposta no ponto 1 dos factos não provados, ou seja, o circunstancialismo tradutor da invalidez absoluta cujo reconhecimento se deseja. É certo que GG e o próprio Autor AA fizeram menção a uma suposta impossibilidade de exercício de outras funções. E que EE, enquanto médico e testemunha da Ré C..., a coloca como possibilidade. Tratamos, no entanto, de fontes probatórias com fragilidades… GG e AA em função do seu óbvio interesse em tal afirmação e EE à luz do que se irá expor infra [nomeadamente em matéria de não concretização de exame directo ao visado]. E que são, assim, insuficientes para contrariar o juízo constante de fls. 36 e que se ancorou numa avaliação colegial e técnica do Autor AA. Que, nessa senda, apenas logrou apurar uma pura incapacidade para o exercício da específica actividade profissional desenvolvida. Enquanto categoria que diverge da sobredita invalidez absoluta enquanto incapacidade para qualquer outra profissão. Deixando, com isso, antever que as maleitas do Autor AA não o incapacitam de exercer outras profissões que ostentem, porventura, menor ou reduzida carga ou exigência física.
Cabe, por outro prisma, realçar que também se pode apontar à Ré C... essa mesma inércia de peticionamento de prova pericial quanto à excepção de anterioridade da situação clínica que pretendia demonstrar. Note-se que a mesma almejou à demonstração dos pontos 4 e 5 dos factos não provados sob exclusiva mobilização do depoimento de EE enquanto clínico que, usualmente, lhe emite pareceres para situações análogas. E que terá analisado a situação clínica do Autor AA ao ponto de concluir pela preexistência das suas queixas. Sucede que tratamos de testemunho a ostentar credibilidade diminuída por diversas razões. Desde logo porque o sobredito EE, ainda que não integrado laboralmente na Ré C..., figura como seu habitual colaborador ao ponto de a sua visão se achar naturalmente predisposta a alguma simpatia para com a posição da seguradora.
Temos, por outra via, que o sobredito EE reconhece que as conclusões por si alcançadas se ancoraram unicamente na leitura da documentação clínica que a Ré C... lhe disponibilizou. O que potencia, obviamente, alguma imprecisão na análise [nomeadamente a conter aquela documentação algum erro] quando se atente que não teve qualquer contacto pessoal com o Autor AA e não concretizou, como tal, um exame directo à sua pessoa [com eventual imposição de realização de adicionais exames complementares de diagnóstico potencialmente justificáveis à luz de algumas patologias como a hérnia ou a atrite psoriática]. Isto tanto mais quando da instância realizada ficou patente que o mesmo EE não teve acesso à totalidade da documentação de fls. 30 a 36. Antes alcançou a conclusão de anterioridade ancorando-se unicamente num relatório clínico [que não foi junto aos autos] e numa serigrafia óssea. Temos, por último, que EE, que fazia incidir a preexistência primacialmente na artrite e nas hepatites B e C, acabou por aceitar, ainda que com diminuta probabilidade, que tais maleitas se poderiam ter apenas manifestado em momento ulterior à subscrição do seguro.
Reconhecendo que a artrite psoriática, mesmo a ser anterior, poderia não ter sido percepcionada pelo Autor AA e que as hepatites se poderão ter agravado, só com isso sendo reconhecidas pelo doente, em virtude do excesso de medicação [que era por si ignorado mas que foi confirmado em julgamento] tomado para atenuação das dores e tratamento das hérnias e tuberculoses pulmonares. Com o consequente excesso de toxicidade… No que o sobredito depoimento de EE não permite ter como demonstrada a factualidade plasmada nos pontos 4 e 5 dos factos não provados.
A fundamentação do julgamento do facto provado sob o n.º 1 corporiza uma análise correcta da prova produzida, porquanto não foi efectuada prova de que a incapacidade de que o Autor padece é impeditiva do mesmo conseguir exercer qualquer actividade profissional, ressaltando-se que a incapacidade para o exercício de qualquer actividade é realidade diversa da incapacidade para o exercício da sua actividade.
Assim, mantem-se o facto n.º 1 como não provado.

                                       *

Os factos provados são:

 a) No dia 21 de Abril de 2015, o Autor AA adquiriu um veículo automóvel de matrícula ..-GE-.., de marca ..., modelo ... 1.6, à sociedade V..., LDA. [artigo 1.º da p.i.],
b) Tendo o Autor AA, com vista a financiar a sobredita aquisição, celebrado com o Réu Banco 1..., S.A. o negócio constante de fls. 25 e do qual consta, designadamente, o seguinte:
1. IDENTIFICAÇÃO DO 1.º MUTUÁRIO
Nome: AA
(…)
3. TIPO DE CRÉDITO
Contrato de crédito afecto de duração fixa – Crédito Automóvel – com reserva de propriedade e outros: Usados
4. CONDIÇÕES DO CRÉDITO/EXEMPLO REPRESENTATIVO DA TAEG PVP Bem/Serviço: € 11.110,00
Montante Total de Crédito: € 11.110,00
(…)
Comissão por processamento de prestação: € 3,00
Imposto de selo de utilização de crédito: € 111,10
Mensalidade: 84 x € 193,37
Tipo de mensalidades: Constantes e postecipadas
N.º Mensalidades: 84
Montante total imputado ao ...: € 16.354,18
Custo Total do Crédito: € 5.244,18
TAEG: 12,5%
Taxa de Juro Nominal (...): 10,600% ...
5. GARANTIA(S)
Reserva Propriedade a Favor do Banco 1..., S.A.
Livrança
[artigos 2.º e 3.º da p.i. e documento de fls. 25]
c) Em Abril de 2015, o Autor AA subscreveu, na sequência de contacto telefónico concretizado por funcionário do Réu Banco 1..., S.A., um seguro de protecção ao crédito descrito na alínea b) dos factos provados [resposta explicativa ao artigo 4.º da p.i.],
d) Tendo sido então informado que, a subscrever tal seguro, ficaria assegurado todo o capital ainda em dívida para com o Réu Banco 1..., S.A. no sobredito contrato de crédito nos casos de morte, invalidez absoluta e definitiva, ... para o trabalho, hospitalização e desemprego voluntário [artigo 6.º da p.i.];
e) O Autor AA ajustou, nesse seguimento, com a Ré C... um seguro tendente a acautelar o crédito descrito na alínea b) dos factos provados titulado pela apólice n.º ...26 e de cujo clausulado, tal como resulta de fls. 56, consta, designadamente, o seguinte:
Produto de Seguro:
Produto [DIMC]: Consiste em duas apólices, uma do ramo vida (V. 149.6/337) com as Coberturas de Morte (M), Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD), Incapacidade Temporária para o trabalho (IT) e Hospitalização (H – apenas para trabalhadores por conta própria) – e uma outra do ramo não vida (D.85.5/338), com a Cobertura de Perda Involuntária de Emprego (PE – apenas pra trabalhadores por conta de outrem).
I. CONDIÇÕES GERAIS
1. Seguradoras. C... ...
Tomador do seguro/Pessoa Segura/Segurado: Identificado nas Condições Particulares/Proposta.
Beneficiário e Mediador do Seguro: Banco 1..., S.A....
(…)
7. EXCLUSÕES GERAIS: ficam excluídos os sinistros decorrentes das seguintes situações: i) sinistro verificado antes da celebração do contrato de seguro; ii) sinistro resultante de afeção/situação existente à data da celebração do contrato de seguro pelo Tomador do Seguro e do qual tenha o mesmo conhecimento (…)
15 PARTICIPAÇÃO DE SINISTROS
15.1 Procedimentos a adotar pelo Tomador/Pessoa Segura/Segurado: A participação de qualquer sinistro deverá ser feita pelo Tomador/Pessoa Segurada/Segurado ou por quem o represente, junto dos escritórios do Segurador no prazo máximo de 8 dias a contar daquele em que tenha conhecimento, devendo ser utilizados para o efeito os documentos próprios disponibilizados pelo Segurador, acompanhados de documentação comprovativa da situação da Pessoa Segura/Segurado que se entende ser suscetível de fazer acionar as garantias do contrato.
(…)
O Tomador do Seguro deverá ainda entregar a seguinte documentação: (…) EM CASO DE IAD: cópia da comunicação da deliberação da comissão da junta médica emitida pelo Centro Regional de Segurança Social ou da ADSE a que a Pessoa Segura terá sido submetida comprovando a situação de invalidez, questionário médico (preenchido pelo médico de família ou médico assistente da pessoa segura), declaração emitida pela entidade patronal, cópia do auto policial/auto de notícia (caso em que o óbito tenha ocorrido por motivo de acidente) e cópia de toda a documentação clínica relativa à pessoa segura relevante para o processo (…)
II. CONDIÇÕES ESPECIAIS
Apólice ...37 – Morte (M), Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD), Incapacidade Temporária para o Trabalho (IT) e Hospitalização (H)
1. OBJECTO DO CONTRATO: Garantia do pagamento das prestações pecuniárias/valor em dívida previstos no Contrato de Financiamento celebrado entre o Tomador do Seguro e a Entidade Financeira.
2. Garantias: i) Morte (M); ii) Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD): situação física irreversível constatada clinicamente, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) com um grau de invalidez superior a 80%, motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer actividade profissional remunerada e de efectuar os actos essenciais à sua própria vida normal e corrente sem recorrer, para esse efeito, a uma terceira pessoa. iii) Incapacidade Temporária para o Trabalho (IT): situação física reversível, constatada clinicamente, motivada por causa alheia à vontade da Pessoa Segura e que implique a total impossibilidade, por parte desta, de exercer a sua profissão (…)
7. FUNCIONAMENTO DAS GARANTIAS/CAPITAL SEGURO: o valor a pagar pelo Segurador será: em caso de (M) e (IAD), o capital em dívida que o Tomador do Seguro tiver perante a Entidade Financeira à data de ocorrência do Sinistro; em caso de (IT), o reembolso mensal da prestação estabelecida no Contrato de Financiamento, enquanto se mantiver a situação ou até ao máximo de 12 mensalidades por sinistro e 36 mensalidades por contrato.
[resposta explicativa ao artigo 9.º da p.i.]
f) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na alínea e) dos factos provados, o Autor AA era funcionário do Município de ..., com a categoria de Assistente Operacional na Secção e Aprovisionamento e Armazém [artigo 11.º da p.i.],
g) Consistindo as suas funções, preponderantemente, no carregamento e descarregamento de mercadoria [artigo 12.º da p.i.],
h) Auferindo, nesse seguimento, a importância líquida de mensal de € 553,15 [resposta explicativa ao artigo 11.º da p.i.];
i) Consta de fls. 30 dos autos um relatório médico subscrito por HH datado de 16 de Outubro de 2015 e onde o Autor AA é diagnosticado com Lombalgia recidivante agravada com os esforços por alterações degenerativas da coluna vertebral lombar [artigo 16.º da p.i.];
j) Consta de fls. 31 dos autos um relatório clínico subscrito por II datado de 6 de Setembro de 2016 e onde o Autor AA é diagnosticado com
- Hérnia Discal;
- Artrite Psoriática;
- Dores Generalizadas;
- Depressão [artigo 17.º da p.i.];
k) Consta de fls. 33 dos autos um relatório médico subscrito por JJ datado de 26 de Julho de 2017 e onde se atesta que o Autor AA se encontra em tratamento de tuberculose pulmonar e artrite psoriática (…) [resposta explicativa aos artigos 18.º a 20.º da p.i.];
l) Consta de fls. 34 dos autos um relatório médico subscrito por II datado de 6 de Julho de 2018 e onde o Autor AA é diagnosticado com
- Tuberculose Pulmonar;
- Artrite Psoriática;
- Psoríase Cutânea;
- Hepatites B e C Crónias;
- Ex-toxicodependente; [artigo 21.º da p.i.]
m) Consta de fls. 35 dos autos um relatório médico subscrito por KK datado de 22 de Agosto de 2018 e onde se atesta que o Autor AA é portador de Hepatites Crónicas B e C e teve agravamento do seu quadro, com marcada incapacidade para qualquer actividade, realizou tratamento de Turberculose Pulmonar de Abril de 2017 a Março de 2018 e apresenta o seguinte quadro clínico:
- Dores musculares e falta de força proximal mais acentuadas nos membros superiores;
- Psoríase cutânea;
- Marcha claudicante à direita;
- Depressão;
- Hipercifose dorsal, com contratura para vertebra dorsal e lombar;
- Sacro-Ilíacas apresentam pressão dolorosa;
- Força muscular grau 4;
- L5 S1 Protusão Discal Posterior;
- Osteofitose e Procidência Discal;
- Hérnia Discal;
- Artrite Psoriática;
- Dores Constantes e Generalizadas.
[artigo 22.º da p.i.]
n) Em 8 de Agosto de 2018, a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES remeteu ao Autor AA a missiva de fls. 36 e da qual consta, designadamente, o seguinte
Informo V. Exa., de que por parecer da Junta Médica desta Caixa, realizada em 6 de Agosto de 2018, foi considerado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, porém, a desligação de serviço, deverá ocorrer apenas na sequência da notificação do despacho pelo qual será fixada a pensão de aposentação, nos termos do artigo 99.º do Estatuto da Aposentação.
(…) [artigo 23.º da p.i.]
o) Em face do quadro clínico descrito nas alíneas i) a m) dos factos provados, o Autor AA entrou de baixa médica entre os dias 29 de Maio de 2015 e 18 de Março de 2019 [artigos 14.º e 24.º da p.i.],
p) Tendo nesta última data sido informado pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES que, por despacho de 18 de Março de 2019, lhe era reconhecido o direito à aposentação em função da situação existente em 6 de Agosto de 2018 com atribuição de uma pensão, em 2019, de € 266,30
[artigo 23.º da p.i.],
q) Sendo a Ré C... que, nesse seguimento, liquidou ao Réu Banco 1..., S.A. as prestações mensais vencidas entre os meses de Junho de 2015 e Julho de 2018 por referência ao contrato de financiamento descrito na alínea b) dos factos provados [artigo 24.º da p.i.];
r) Tendo tomado conhecimento da missiva descrita na alínea n) dos factos provados, o Autor AA participou a situação à Ré C... a solicitar a cobertura de risco de invalidez absoluta e definitiva [artigo 25.º da p.i.],
s) Tendo a Ré C..., em resposta, remetido, em 28 de Setembro de 2018, a missiva junta a fls. 38 e da qual consta, designadamente, que
Na sequência da documentação e/ou informações remetidas ao cuidado do processo indicado em epígrafe, cumprida a devida análise da mesma, lamentamos informar V. Exa. que o sinistro participado não se encontra coberto pela apólice subscrita, em virtude de:
Estamos perante situação de anterioridade ou preexistência (i.e. situação anterior à data da subscrição do seguro, da qual V. Exa. tinha, ou deveria ter conhecimento) melhor definido nas Condições Gerais e Especiais da apólice. Significa isto que, atendendo a que o facto que deu causa ao sinistro participado, já existia aquando da subscrição do seguro, trata-se de uma situação de exclusão contratual impeditiva do pagamento de qualquer indemnização por parte da seguradora.
(…) [artigo 26.º da p.i.]
t) Porque o Autor AA reclamou junto da Ré C... quanto à posição descrita na alínea s) dos factos provados, esta remeteu-lhe, em 31 de Outubro de 2018, a comunicação junta a fls. 39 e da qual consta, designadamente, que
(…)
Após a análise da situação que nos apresenta, verificamos da análise de toda a documentação clínica, nomeadamente que a situação de invalidez se encontra ligada a várias patologias, nomeadamente:
- Hérnia discal;
- Artrite psoriática;
- Dores generalizadas;
- Depressão;
- Hepatite B e C;
Após a recepção da documentação, a mesma foi enviada ao nosso director clínico de modo a que este pudesse emitir a sua opinião quanto à mesma, e após análise, este entendeu que as patologias que motivaram a invalidez são anteriores à data de adesão do contrato de seguro.
Verificamos ainda que no documento em que lhe foi atribuído a invalidez datado de 8/8/2018, que a invalidez que lhe foi atribuída foi para o exercício das suas funções, ou seja, não foi para toda e qualquer profissão e, assim, absoluta como é exigido na apólice.
Desta forma, atendendo à informação descrita e depois de analisadas as condições contratuais, decidimos pela reiteração da recusa por não cobertura, dado que de acordo com a junta médica foi-lhe atribuída uma invalidez apenas para as suas funções, ou seja, relativa.
[artigo 30.º da p.i.];
u) Atenta a postura assumida pela Ré C... tal como descrita nas alíneas s) e t) dos factos provados, o Autor AA, desde Agosto de 2018 e com excepção das prestações vencidas em Outubro e Novembro de 2019, tem vindo a liquidar os valores mensais referentes ao contrato de financiamento indicado na alínea b) dos factos provados [resposta restritiva ao artigo 42.º da p.i.];
v) O Autor AA ostenta dores e dificuldades de locomoção ao ponto de, por vezes, carecer do auxílio de terceiros para actos como levantar-se da cama, tomar banho, vestir-se e calçar-se [artigo 36.º da p.i.];
w) O Autor AA apenas dispõe da pensão descrita na alínea p) dos factos provados para fazer face às despesas do correspondente agregado familiar [artigos 52., 53.º, 54.º, 55.º e 56.º da p.i.];
x) A Ré C... não possibilitou ao Autor AA a modificação do clausulado negocial respeitante ao contrato descrito na alínea e) dos factos provados previamente à subscrição do negócio [resposta explicativa ao artigo 73.º da p.i.];
y) A Ré C..., na sequência da chamada telefónica descrita na alínea c) dos factos provados, remeteu ao Autor AA, em 6 de Abril de 2015, a documentação constante de fls. 56 a 58 [artigos 40.º, 43.º, 45.º e 46.º da contestação da Ré C...].

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O direito aplicável
O Autor alicerçou o seu recurso, sobretudo na alteração da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que se considerasse provado que a sua incapacidade se estendia ao desempenho de toda e qualquer actividade laboral e que havia sofrido danos morais em resultado da Ré Seguradora não ter assumido o pagamento das prestações devidas ao Banco Réu.
Conforme se acabou de explicar, as pretendidas alterações não têm justificação, pelo que se manteve a decisão da 1.ª instância quanto à factualidade provada e não provada.
No entanto, nas suas alegações, o Autor não deixou de afirmar que, se o Tribunal a quo considerou como não provado que tenha sido prestada informação, explicação ou elucidação ao Recorrente sobre o teor da cláusula referente à cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva, deveria ter considerado tal cláusula excluída do respectivo contrato, nos termos do disposto na alínea b), do art.º 8º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, na sua perspectiva, a prova da incapacidade para desempenhar as suas funções é suficiente para a procedência da acção.
O que está em discussão neste recurso é saber se a comprovada incapacidade absoluta e permanente do Autor exercer a sua profissão é suficiente para que se considere verificada uma das situações de risco coberta pelo seguro celebrado entre o Autor e a Ré Seguradora ou se era necessário que essa incapacidade se estendesse ao exercício de qualquer profissão para que essa cobertura ocorresse.
A sentença recorrida, embora apercebendo-se que não nos encontrávamos perante um seguro de grupo em sentido próprio, entendeu que o tomador do seguro era o Banco Réu, recaindo sobre ele e não sobre a Ré Seguradora o dever de comunicação e esclarecimento dos termos do contrato, pelo que, seguindo a orientação da jurisprudência maioritária, sustentou que a ausência de prova de que esse dever tinha sido cumprido, relativamente ao âmbito da cobertura do contrato de seguro, não era susceptível de determinar a exclusão de qualquer cláusula desse contrato, uma vez que essa ausência de informação não era oponível à Ré Seguradora.
Contudo, o pressuposto de onde partiu o extenso e bem desenvolvido raciocínio da sentença recorrida não corresponde ao que resulta da matéria de facto provada, designadamente a todo o conteúdo das cláusulas da apólice do contrato de seguro celebrado entre o Autor e a Ré Seguradora.
Da sua análise não só se constata que não estamos perante um seguro de grupo em sentido próprio, definido e regulado nos art.º 76º e seguintes da Lei do Contrato de Seguro – LCS –, em que o tomador é uma entidade ao qual se encontram ligadas, por um vínculo comum, as pessoas seguradas, como também se retira a conclusão que, neste caso, o tomador do seguro foi a própria pessoa segura, o qual celebrou um contrato individual, tendo a intervenção do Banco Réu se limitado ao exercício da actividade de mediação – v.g. cláusulas 1 e 7 das condições especiais.
Apesar de tal não ter sido alegado e, portanto, não constar da matéria de facto provada, atenta a normalidade das situações neste tipo de seguros, é provável que este contrato de seguro individual tenha adoptado um contrato-quadro desenhado pelos Réus, seguido pela celebração de múltiplos contratos individuais de seguro, cujos termos já se encontravam definidos no referido contrato-quadro [1], mas isso, mesmo que se tenha verificado nunca alteraria a realidade de estarmos perante um seguro individual, em que o segurado é o tomador do seguro e não perante um seguro de grupo, mesmo impróprio, em que o tomador do mesmo era a entidade bancária mutuante. O que é certo, face à matéria de facto provada, é que, neste contrato de seguro, foi o Autor o seu tomador e o Réu Banco apenas nele figura como mediador e beneficiário.
Estando nós perante um contrato individual de seguro, os deveres de informação a que se reportam os art.º 18.º e seguintes da LCS competiam à Ré Seguradora.
O facto de o contrato ter tido a intervenção inicial de um funcionário do Banco Réu, por contacto telefónico, não exclui que um eventual incumprimento dos deveres de informação possam ser opostos à Ré Seguradora, uma vez que, além da qualidade de beneficiário do seguro, o Banco Réu também nele interveio enquanto mediador do contrato, actuando em nome e por conta da Seguradora – art.º 8º, a), i), do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, na redacção então vigente –, pelo que os actos por ele praticados ou omitidos produzem efeitos relativamente à Seguradora, como se fossem por ela praticados ou omitidos – art.º 31º, n.º 2, da LCS.
A LCS determina o seguinte, relativamente aos deveres de informação e esclarecimento:
Artigo 18.º
Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente:
a) Da sua denominação e do seu estatuto legal;
b) Do âmbito do risco que se propõe cobrir;
c) Das exclusões e limitações de cobertura;
(....)
Artigo 21.º
1 - As informações referidas nos artigos anteriores devem ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular.
(...)
Por força do disposto no art.º 22º, n.º 4, da LCS, nos contratos celebrados através de mediador, como é o caso, são ainda aplicáveis os deveres de informação e esclarecimento que recaem sobre o mediador, nomeadamente, o que no momento da celebração do contrato constava do art.º 31º, do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho:
Artigo 31.º
Deveres do mediador de seguros para com os clientes
Sem prejuízo de outros deveres fixados ao longo do presente decreto-lei, são deveres do mediador de seguros para com os clientes:
a) Informar, nos termos fixados por lei e respetiva regulamentação, dos direitos e deveres que decorrem da celebração de contratos de seguro;
b) Aconselhar, de modo correto e pormenorizado e de acordo com o exigível pela respetiva categoria de mediador, sobre a modalidade de contrato mais conveniente à transferência de risco ou ao investimento;
c) Não praticar quaisquer atos relacionados com um contrato de seguro sem informar previamente o respetivo tomador de seguro e obter a sua concordância;
(...)
Mas, conforme resulta do disposto no ponto x) da matéria de facto provada e da própria análise do clausulado contratual, o presente contrato encontra-se subordinado ao regime das cláusulas contratuais gerais, definido na Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RGCCS).
A protecção que as normas do RGCCG, referentes aos deveres de comunicação e informação, dão aos tomadores dos contratos de seguro celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais é cumulável com a protecção conferida pelas normas da LCS, referentes aos aí chamados deveres de informação e esclarecimento [2], face ao que expressamente se afirma no art.º 3º da LCS: o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais […] nos termos do disposto nos referidos diplomas, devendo aplicar-se o regime que for mais favorável ao aderente – art.º 37º do RGCCG.
Dispõem os art.º 5º e 6º do RGCCG:
Artigo 5.º
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
Artigo 6.º
1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
Relativamente à celebração do contrato de seguro aqui em causa provou-se o seguinte:
- em Abril de 2015, o Autor subscreveu, na sequência de contacto telefónico concretizado por funcionário do Réu Banco 1..., S.A., um seguro de proteção ao crédito, tendo sido então informado que, a subscrever tal seguro, ficaria assegurado todo o capital ainda em dívida para com o Réu Banco 1..., S.A. no sobredito contrato de crédito nos casos de morte, invalidez absoluta e definitiva, incapacidade temporária para o trabalho, hospitalização e desemprego voluntário.
- o Autor ajustou, nesse seguimento, com a Ré C... um seguro tendente a acautelar o crédito descrito na alínea b) dos factos provados titulado pela apólice n.º ...26.
Entre as cláusulas dessa apólice consta o seguinte:
1. OBJECTO DO CONTRATO: Garantia do pagamento das prestações pecuniárias/valor em dívida previstos no Contrato de Financiamento celebrado entre o Tomador do Seguro e a Entidade Financeira.
2. Garantias: i) Morte (M); ii) Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD): situação física irreversível constatada clinicamente, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) com um grau de invalidez superior a 80%, motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer actividade profissional remunerada e de efectuar os actos essenciais à sua própria vida normal e corrente sem recorrer, para esse efeito, a uma terceira pessoa. iii) Incapacidade Temporária para o Trabalho (IT): situação física reversível, constatada clinicamente, motivada por causa alheia à vontade da Pessoa Segura e que implique a total impossibilidade, por parte desta, de exercer a sua profissão
Não se provou que tivesse sido prestada qualquer explicação ou elucidação ao Autor sobre o teor do clausulado neste contrato por funcionário ou representante do Banco 1..., S.A. ou da Ré C....
Tendo em consideração o tipo de seguro acordado, pelo menos relativamente ao risco de invalidez, exigia-se mais do que a simples comunicação ao Autor do texto contratualmente clausulado.
Na verdade, embora não decorra do transcrito art.º 6º do RGCCG que o predisponente das cláusulas contratuais gerais tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas contratuais e o seu significado, quando se trate de cláusulas que, pelo papel nuclear que assumem no contrato, combinado com alguma dificuldade objectiva de compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las, justifiquem uma informação específica, uma aclaração ou um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente de solicitação do aderente nesse sentido, tem de prestar essa informação circunstanciada [3].
Relativamente à situação de “invalidez absoluta e definitiva”, além de estarmos perante a indicação de uma das situações de risco cobertas pelo contrato de seguro, tal expressão revela um grau de equivocidade e complexidade técnica que exige, para além da simples comunicação, uma informação específica que elucide o interessado na celebração do contrato de seguro das características dessa situação que integra o âmbito do risco coberto pelo seguro.
E o facto de no texto do contrato, no capítulo das condições especiais, existir uma cláusula que incluía a definição que a “invalidez absoluta e definitiva” correspondia à situação física irreversível constatada clinicamente, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) com um grau de invalidez superior a 80%, motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer actividade profissional remunerada e de efetuar os atos essenciais à sua própria vida normal e corrente sem recorrer, para esse efeito, a uma terceira pessoa, tendo em consideração que esta definição se encontrava “perdida” num texto compacto e impresso numa letra de tamanho diminuto que se alongava por várias páginas, tal não é suficiente para se considerar dispensável um especial dever de informação sobre o âmbito de um risco, cuja delimitação não era apreensível pela expressão “invalidez absoluta e definitiva”.
Daí que se concorde inteiramente com a sentença recorrida quando conclui que resulta evidente que a condição especial centrada na definição da cobertura referente à Invalidez Absoluta e Definitiva se acha necessariamente abrangida por um dever de informação que, no caso concreto e à luz do constante no ponto 6 dos factos não provados, não foi observada. Efetivamente, tratamos de cláusula nuclear para a compreensão das condições em que aquela garantia pode ser despoletada e, por conseguinte, para o equilíbrio do contrato. E cuja estrutura cumulativa com apego a conceitos e figuras de inspiração legal dificultam a apreensão por um leigo. A exigir, como tal, um particular cuidado de clarificação ao subscritor do seguro.
Não se tendo provado o cumprimento desse dever e incidindo o ónus dessa prova sobre o predisponente, ou seja, no caso, a Ré Seguradora, é aplicável a consequência prevista no art.º 8º, b), do RGCCG, ou seja, a exclusão do contrato desta cláusula que definia o âmbito do risco “invalidez absoluta e definitiva”.
A pretensão deduzida pelo Autor na presente acção pressupõe a manutenção do contrato, sem a cláusula excluída, o que obriga a um preenchimento do conceito de “invalidez absoluta e definitiva”, de modo a delimitar-se o âmbito deste risco coberto pelo contrato de seguro.
A sentença recorrida, em obiter dictum, recorreu às regras de interpretação das declarações negociais – art.º 236º do C. Civil –, tendo concluído que esse risco não contemplava as situações de mera incapacidade total e permanente, limitada ao exercício da actividade profissional do segurado, incluindo apenas as situações em que a incapacidade abrangia toda e qualquer actividade profissional tal como se referia na cláusula excluída. Tal resultado interpretativo, a ser seguido, acabava por permitir “entrar pela janela”, a cláusula contratual que tinha sido “expulsa pela porta”, não tendo o incumprimento do dever de informação, por parte da Ré seguradora, qualquer consequência.
O art.º 9º do RGCCG dispõe que, nos casos de exclusão de cláusulas contratuais previstas no art.º 8º, em princípio, os contratos se mantêm, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (n.º 1), devendo os contratos serem considerados nulos, quando ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé (n.º 2).
O disposto neste artigo é também aplicável ao incumprimento do dever de informação na celebração dos contratos de seguro [4].
Estando nós perante uma falta de delimitação do âmbito de uma situação de risco coberta pelo contrato de seguro, resultante do incumprimento do dever de informação sobre essa situação, por parte da Ré Seguradora, não deve o preenchimento desse vazio ser efectuado através de acções de interpretação ou integração que adoptem limitações ou exclusões ao âmbito do risco coberto pelo seguro, uma vez que o segurado não foi delas previamente informado.
Sendo a falta imputável à Seguradora, é sobre ela que devem recair as consequências negativas por não ter informado o Autor de qual era o conteúdo de uma situação de “incapacidade absoluta e definitiva”, enquanto risco coberto pelo contrato de seguro, devendo considerarem-se incluídas nesse âmbito todas as situações possíveis de a integrar, sem quaisquer limitações ou exclusões.
É o que sucede com a situação de incapacidade absoluta e definitiva do Autor exercer a sua actividade profissional, a qual se deve considerar coberta pelo contrato de seguro celebrado, independentemente dessa incapacidade se estender ou não a todas as actividades profissionais, pelo que, estando aquela, deve a Ré Seguradora, nos termos contratados, pagar o capital em dívida que o Tomador do Seguro tiver perante a Entidade Financeira à data de ocorrência do Sinistro.
Assim, deve a Ré Seguradora ser condenada pagar ao Autor o valor de todas as prestações que este pagou ou venha a pagar ao Banco Réu desde 8 Agosto de 2018, no cumprimento do contrato acima referido em b), ou seja, desde o momento em que se mostra reconhecida a situação de incapacidade absoluta e definitiva, cujo montante, porque desconhecido deve ser liquidado em incidente posterior, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde as datas de pagamento das diferentes prestações até integral satisfação daquele valor, nos termos dos art.º 804º, 805º e 806º do Código Civil.
Assim, deve o recurso ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida nesta parte e, confirmando-a quanto ao demais.

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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, decide-se:
- revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré C... do pedido de reembolso das quantias pagas pelo Autor ao Réu Banco 1..., S.A.;
- condenar a Ré C... a pagar ao Autor a quantia, a liquidar posteriormente, correspondente ao valor das prestações pagas por este ao Réu Banco 1..., S.A., a partir de 8 de Agosto de 2018, no cumprimento do contrato referido na alínea b) da matéria de facto provada, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde as datas de pagamento daquelas prestações até integral satisfação do respectivo valor.
- manter o demais decidido.

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Custas da acção e do recurso, provisoriamente, em igual proporção pelo Autor e pela Ré C..., definindo-se a responsabilidade definitiva após decisão do incidente de liquidação e de acordo com o seu resultado.

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                                                                     10.5.2022




[1] MARGARIDA LIMA REGO, em Contrato de Seguro e Terceiros. Estudos de Direito Civil, Wolters Kluver, sob a marca Coimbra Editora, 2010, pág. 817, refere, relativamente aos contratos de seguro celebrados no âmbito de um contrato-quadro: é esse o caso, tipicamente, do banco que contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia do próprio banco.

   A exclusão deste tipo de contratos do âmbito dos contratos de seguro de grupo é evidenciada pela mesma autora em Seguros coletivos e de grupo, “Temas de Direito dos Seguros”, 2.ª ed., Almedina, 2016, pág. 433.


 
[2] Pedro Romano Martinez, Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 2009, pág. 40-41,
  Maria Inês de Oliveira Martins, Contrato de Seguro e Conduta dos Sujeitos Ligados ao Risco, Almedina, 2018, pág. 696 e seguintes, e
  Joana Galvão Teles, Deveres de Informação das Partes, “Temas de Direito dos Seguros”, 2.ª ed., Almedina, 2016, pág. 353-354.

[3] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág. 255
  Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluver, sob a marca Coimbra Editora, 2010, pág. 93.

[4] Maria Inês de Oliveira Martins, ob. cit., pág. 710-714.