Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
284/18.8YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ADOÇÃO INTERNACIONAL
AUTORIDADE CENTRAL DESIGNADA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO PARA REVER UMA SENTENÇA DE ADOÇÃO ESTRANGEIRA
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso:
COIMBRA - TRIBUNAL DA RELAÇÃO - SECÇÃO CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: INDEFERIMENTO
Legislação Nacional: CONVENÇÃO RELATIVA À PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E À COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE ADOÇÃO INTERNACIONAL, FEITA EM 29 DE MAIO DE 1993 EM HAIA; REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE ADOÇÃO (RJPA), APROVADO PELA LEI N.º 143/2015, DE 8 DE SETEMBRO.
Sumário: I – A CONVENÇÃO relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional está em vigor para a República Portuguesa desde 1 de Julho de 2004, conforme o Aviso n.º 110/2004, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 130, de 3 de Junho de 2004.

II - A autoridade central designada, nos termos do artº 6º, nº 1, da “CONVENÇÃO” é o Instituto da Segurança Social, I.P..

III - De acordo com o nº 3 do artº 64º do RJPA “A Autoridade Central intervém obrigatoriamente em todos os processos de adoção internacional, incluindo os que envolvam países não contratantes da Convenção a que se refere o n.º 1.”.

E o nº 4 desse mesmo artº 64º estabelece que: “Não são reconhecidas as adoções internacionais decretadas no estrangeiro sem a intervenção da Autoridade Central.”.

V - Não sendo a República de Angola parte na “CONVENÇÃO”, a adopção da menor C..., nacional e residente em Cabinda, que faz parte desse Estado estrangeiro, pelo casal Requerente, C... e A..., nacionais portugueses, residentes em Portugal, menor essa que passou a residir em Portugal, para onde foi transferida, na sequência da adoção decretada por sentença do Tribunal Provincial de Cabinda, da República de Angola, têm que entender-se, para efeitos do RJPA, como uma adopção internacional que não respeitou o regime estabelecido para esse tipo de adopções pelo RJPA, estando a eficácia em Portugal, que é o que para aqui interessa, dessa decisão estrangeira que decretou essa adopção da menor C... (depois V...), dependente de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central.

VI - Sendo os Tribunais da Relação os competentes para, em regra, julgar os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira (artº 73º, e), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), no presente caso, a revisão da aludida decisão estrangeira está-lhes subtraída por lei especial (1ª parte do artº 978º, nº 1, e artº 90º, nº 2, do RJPA) que atribui essa competência a órgão do Estado diverso dos tribunais, pelo que se verifica, relativamente ao julgamento da peticionada revisão por esta Relação, falta de jurisdição, que integrando a falta de um pressuposto processual insuprível, consubstancia excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que, obstando ao conhecimento de mérito, conduz ao indeferimento da petição (artºs 576º, nº 1 e 2, 577º, 578º e 590º, nº 1, todos do NCPC).

Decisão Texto Integral:


Decisão (Art.ºs. 652º, n.º 1, al. b) e 982º, nº 2, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06)[1]:

1 - a) – C... e A..., casados um com o outro e de nacionalidade Portuguesa, vieram – dizendo fazê-lo por si e em representação da sua filha V..., menor, de nacionalidade angolana, e residirem todos na Rua ... - intentar a presente acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo a revisão e a confirmação da sentença proferida a 8 de Agosto de 2018, pelo Tribunal Provincial de Cabinda, da República de Angola, que decretou a adopção plena, pelo casal requerente, da V... (até então C..., nascida em um de Janeiro de dois mil e dezasseis - 01/01/2016), em Cabinda, Município de Cabinda, República de Angola.

1b)-O Ministério Público, tendo “vista” dos autos, defendeu a incompetência absoluta do tribunal – artº 96º, al. a) do CPC -, a qual deve ser conhecida oficiosamente e conduz à absolvição da instância, já que, em síntese, sustentou:
- A adopção da menor V... decorreu na República Popular de Angola, configurando uma adopção internacional, tal como vem definida no artº 2º,al. a), da Lei nº 143/2015, de 8 de Setembro, que aprovou o regime jurídico da adopção;
- Em Portugal a revisão de decisão estrangeira de tal adopção está dependente de reconhecimento a efectuar pela Autoridade Central para a Adoção Internacional a que se referem os arts. 1º, nº 2, al. b) e 90º, nº 2 da referida Lei, que é o Instituto de Segurança Social, I.P.;
c)-Notificados da posição assumida pelo Ministério Público vieram os Requerentes defender, em síntese, não se estar perante uma situação de adopção internacional, já que “a adopção internacional implica sempre, no processo adoptivo, a cooperação entre dois Estados: o país de origem e o país que recebe a criança”, o que aqui não ocorreu, havendo antes uma adopção decretada por sentença proferida por um Tribunal de um Estado soberano, que importa rever.
II - a) - Resulta dos autos, designadamente da certidão da sentença a rever, que:
-Os Requerentes/Adoptantes são casados entre si, são de nacionalidade portuguesa, residindo em Portugal, país onde já residiam antes da adopção em causa;
-A menor, que por via da sentença de adopção, passou a ter o nome de V... e os apelidos ..., é natural da República de Angola, Município de Cabinda, onde nasceu a 01/01/2016, residindo aí, aquando da adopção, no Orfanato B..., que a acolheu;
-Os requerentes/adoptantes “achavam-se acidentalmente em Cabinda e por uma visita efectuada no Orfanato da B... afecto à Diocese de Cabinda, onde se depararam com a menor;
-A menor, após a adopção, passou a residir em Portugal, com o casal requerente/adoptante, sendo a respectiva residência em ...
b) - Ora, perante estes elementos, o que se nos afigura, adianta-se já, é que estamos, efectivamente, perante uma situação em que a adopção em causa, não obstante ter sido decretada em sentença proferida por Tribunal de País estrangeiro e não no quadro das disposições da “CONVENÇÃO RELATIVA À PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E À COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE ADOPÇÃO INTERNACIONAL, FEITA EM 29 DE MAIO DE 1993” (doravante, “CONVENÇÃO”), ou das normas do novo Regime Jurídico do Processo de


Adoção (doravante RJPA), aprovado pela Lei n.º 143/2015, e que dela faz parte integrante, deve ser considerada, para efeitos desse RJPA, como uma adopção internacional.
Vejamos.
A República Portuguesa é Parte na “CONVENÇÃO”, a qual foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/2003.
A CONVENÇÃO foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 47, de 25 de Fevereiro de 2003.
O instrumento de ratificação foi depositado em 19 de Março de 2004, estando a CONVENÇÃO em vigor para a República Portuguesa desde 1 de Julho de 2004, conforme o Aviso n.º 110/2004, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 130, de 3 de Junho de 2004.
A autoridade central designada, nos termos do artº 6º, nº 1, da “CONVENÇÃO” é o Instituto da Segurança Social, I.P.
No preâmbulo da “CONVENÇÃO” refere-se serem propósitos da mesma, entre outros, a necessidade de adoptar medidas para garantir que as acções internacionais serem ser feitas “...no interesse superior da criança e no respeito dos seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças...”.
Por sua vez, estabelece o nº 1 do artº 1º da “CONVENÇÃO”: “A Convenção aplica-se sempre que uma criança com residência habitual num Estado contratante («o Estado de origem») tenha sido, seja ou  venha  a  ser transferida para outro Estado contratante («o Estado receptor»), seja após a sua adopção no Estado de origem por casal ou por pessoa residente habitualmente no Estado receptor, seja com o objectivo de ser adoptada no Estado receptor ou no Estado de  origem.”.
De acordo com o disposto no nº 2 do artº 1973.º do Código Civil, na redacção dada pela aludida Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro, que “O processo de adoção é regulado em diploma próprio.”.
Por seu turno, o novo Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA), no capítulo I, do TÍTULO III, sob a epígrafe “Adoção internacional”, preceitua o


nº 1 do artº 61º: “As disposições do presente título aplicam-se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção.”.
Para efeitos do RJPA, considera-se, também, na alínea a) do seu artº 2º que «Adoção internacional», como o “processo de adoção, no âmbito do qual ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção”.
O artº 64º do RJPA dispõe, no nº 1, que “A entidade responsável pelo cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal, no  contexto da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional concluída na Haia em 29 de maio de 1993, é a Autoridade Central para a Adoção Internacional, adiante designada por Autoridade Central.”.
A Autoridade Central portuguesa, designada governamentalmente, é o Instituto da Segurança Social, I.P.
De acordo com o nº 3 desse artº 64º “A Autoridade Central intervém obrigatoriamente em todos os processos de adoção internacional, incluindo os que envolvam países não contratantes da Convenção a que se refere o n.º 1.”2.
E o nº 4 desse mesmo artº 64º estabelece: “Não são reconhecidas as adoções internacionais decretadas no estrangeiro sem a intervenção da Autoridade Central.”.
Por último, na SECÇÃO III do RJPA, sob a epígrafe “Reconhecimento das decisões de adoção internacional”, o artº 90º, sob a epígrafe “Reconhecimento da decisão estrangeira”, no seu nº 1 preceitua: “As decisões de adoção internacional proferidas no estrangeiro e certificadas em conformidade com a Convenção, bem como as abrangidas por acordo jurídico e judiciário bilateral que dispense a revisão de sentença estrangeira, têm eficácia automática em Portugal.”.

2  O sublinhado é nosso.


Por sua vez, o nº 2 do mesmo artº 90º estabelece: “Nos demais casos, a eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adoção depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central.”.
A República de Angola e Portugal não têm entre eles qualquer acordo que afaste esta norma.
Portanto, mesmo não sendo a República de Angola parte na “CONVENÇÃO”, a adopção da menor C..., nacional e residente em Cabinda, que faz parte desse Estado estrangeiro, pelo casal Requerente, C... e A..., nacionais portugueses, residentes em Portugal, menor essa que passou a residir em Portugal, para onde foi transferida, na sequência da adoção decretada por sentença do Tribunal Provincial de Cabinda, da República de Angola, têm que entender-se, para efeitos do RJPA, como uma adopção internacional que não respeitou o regime estabelecido para esse tipo de adopções pelo RJPA, estando a eficácia em Portugal, que é o que para aqui interessa, dessa decisão estrangeira que decretou essa adopção da menor C... (depois V...), dependente de reconhecimento a efetuar pela Autoridade  Central.
Portanto, sendo os Tribunais da Relação os competentes para, em regra, julgar os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira (artº 73º, e), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto),3 no presente caso, a revisão da aludida decisão estrangeira está-lhes subtraída por lei especial (1ª parte do artº 978º, nº 1, e artº 90º, nº 2, do RJPA) que atribui essa competência a órgão do Estado diverso dos tribunais, pelo que se verifica, relativamente ao julgamento da peticionada revisão por esta Relação, falta de jurisdição, que integrando a falta de um pressuposto processual insuprível, consubstancia excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que, obstando ao conhecimento de mérito, conduz ao indeferimento da petição (artºs 576º, nº 1 e 2, 577º, 578º e 590º, nº 1, todos do NCPC), indeferimento este que ora se decide quanto à petição apresentada pelos Requerentes.

3  Lei da Organização do Sistema Judiciário.


Custas pelos Requerentes (artº 527º, nºs 1 e 2 do NCPC)
06/02/2019


O Relator

Falcão de Magalhães

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[1] Doravante, NCPC, para o distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC.