Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
992/20.3T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROVA PERICIAL
SEU OBJETO
APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JC CÍVEL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 388º C. CIVIL.
Sumário: 1. - Interposta apelação quanto a diversos segmentos decisórios (despacho saneador e, por outro lado, decisão de rejeição de meios probatórios), em caso de não admissão do recurso quanto a um desses segmentos e admissão quanto ao mais, deve o recorrente, se discordar da não admissão recursiva, reclamar tempestivamente para o tribunal competente, nos termos do art.º 643.º do NCPCiv., sob pena de consolidação daquela não admissão, obstando ao conhecimento dessa parte da apelação.

2. - Embora a instrução tenha por objeto os temas da prova, necessitados de prova são os factos controvertidos, pelo que é sobre estes que os elementos de prova têm que incidir, com vista ao apuramento da verdade, o que afasta a realização de prova quanto a conteúdos meramente vagos ou a juízos conclusivos ou valorativos.

3. - Por exigência legal imperativa, a prova pericial deve ter objeto determinado, indicado pela parte requerente, com enunciação das questões de facto a serem esclarecidas pelos peritos, sob pena de rejeição, tendo em conta a finalidade de perceção ou apreciação de factos que exijam conhecimentos especiais que o julgador não possui.

4. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo tribunal, não pode olvidar-se que se trata de prova qualificada, de cariz técnico, científico ou artístico, devendo o tribunal, em caso de divergência relativamente ao relatório pericial, fundamentar a sua posição, enunciando as razões da sua divergência, assim satisfazendo exigências de transparência, para boa compreensão da decisão pelas partes e adequado controlo em caso de recurso.

5. - O juiz deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso de impertinência – se a perícia não é reportada aos factos da causa – ou caráter dilatório – se, embora com reporte a tais factos, o respetivo apuramento não demanda os especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos subjacentes àquela prova específica, tornando-a desnecessária.

6. - Fora desse horizonte não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da CRPort..

7. - A necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte, deve ser evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post facto, no recurso da decisão desfavorável, por ser perante os dados apresentados naquela instância que tem de decidir-se da admissibilidade dos meios de prova.

8. - Pretendendo a parte o apuramento da quilometragem atual de um veículo automóvel, a qual é, comummente, evidenciada pelo conta-quilómetros da viatura, bastando a mera observação do mesmo, deve concluir-se que não se mostra necessária a realização de uma perícia para o efeito, por a averiguação respetiva não demandar especiais conhecimentos técnicos, mormente se não havia de averiguar-se quanto a viciação/falsificação do conta-quilómetros, por não invocada no momento próprio, sendo tardia a invocação apenas no recurso.

9. - Sendo requerida perícia contabilística, no intuito de apurar quanto a decréscimo de faturação de uma sociedade, sem alegação (no articulado correspondente) dos concretos factos a submeter à prova técnica e sem enunciação (no requerimento de prova) das questões de facto a esclarecer através das respostas dos peritos, tem essa pretensão probatória de improceder, por indefinição do objeto da perícia.

Decisão Texto Integral:









Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

          I – Relatório

W..., LDA.”, com os sinais dos autos,

intentou a presente ação declarativa comum contra

1.ª - “C..., LDA.” e

2.ª - “U..., LDA.”, ambas também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação das RR. a:

«a) Substituir o bem vendido por outro de iguais características e isento de defeitos, nos termos do disposto nos art.ºs 914.º e ss. do CC;

Caso assim não se entenda,

b) A declarar a anulabilidade do negócio, por erro sobre os seus elementos determinantes do seu objecto, repondo, a título de indemnização, os valores que foram despendidos pela A., no valor total de €163.177,00 (cento e sessenta e três mil e cento e setenta e sete euros).;

Caso assim não se entenda,

c) A indemnizar a A. pelos danos emergentes do contrato, no valor de €41.038,00 (quarenta e um mil e trinta e oito euros), acrescido dos danos não patrimoniais a fixar em valor não inferior a €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).

Valores sempre acrescidos de juros de mora, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.».

Apresentando requerimento probatório – quanto a prova documental, testemunhal e por declarações de parte –, alegou, em síntese:

- a existência entre as partes de um contrato de compra e venda, pelo qual as RR. venderam à A., pelo preço acordado de € 99.300,00, integralmente pago, um veículo automóvel pesado de passageiros, com garantia prestada de bom funcionamento por um período de vinte e quatro meses, ou 150.000 kms., sendo, porém, que, desde a data de aquisição, a A. se tem deparado com diversos vícios (de assistência durante a garantia, mecânicos e elétricos) relativamente ao bem vendido, dos quais sempre reclamou;

- todavia, se alguns defeitos foram reparados, outros persistem ainda, mesmo depois de várias reparações, tratando-se de vícios de origem/fabrico, que desvalorizam a viatura vendida e, em alguns casos, impossibilitam a sua utilização, com os inerentes prejuízos para a A. (tempo de paralisação, contratação de terceiros para prestar os inerentes serviços, perda de clientes);

- está esgotada a possibilidade de recurso a mais reparações, restando à A. esta via judicial.

Contestaram conjuntamente as RR.:

- invocando a ineptidão da petição inicial;

- excecionando, no plano adjetivo, a ilegitimidade da R. “C...” e, no plano substantivo, a “prescrição” e “caducidade” do direito de ação, bem como a perda da garantia, por recusa da A. a realizar a manutenção/revisão dos 60.000 kms. na “C..., Lda.”, para além do abuso do direito e do enriquecimento sem causa;

- impugnando diversa factualidade alegada pela A., designadamente quanto ao tempo de imobilização da viatura e aos prejuízos reclamados por paralisação da mesma, e invocando que aquela litiga com manifesta má-fé processual;

- tudo para concluir pela absolvição da instância da R. “C...” e, em qualquer caso, pela improcedência da ação, com condenação da A., como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor das RR., esta última não inferior a 20 UCs..

Apresentaram, então, requerimento probatório, quanto a prova por depoimento e declarações de parte(s), documental, testemunhal e, ainda, pericial, âmbito este em que impetraram assim:

«I- Requer-se a realização de prova pericial ao veículo da A. para se apurar os quilómetros atuais da mesma. Para prova do art. 186º da Contestação. Peritagem, essa, a realizar por perito único a nomear pelo Tribunal.

II- Requer-se a realização de prova pericial à escrita da A., para apurar o decréscimo da sua facturação desde Março de 2020 até à presente data, em relação aos períodos de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de 2020. Destinando a peritagem requerida, provar os factos vertidos no art. 179º a 184º da Contestação.

Indicando-se como seu perito: (…).».

Atuado o princípio do contraditório quanto ao aduzido na contestação e dispensada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a invocada ineptidão, tal como a exceção de ilegitimidade processual passiva, e relegando o mais para conhecimento a final – uma vez entendido que “Não existem quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa” –, termos em que logo se fixou também o objeto do litígio, enunciando-se os temas de prova, após o que se decidiu quanto à admissibilidade das provas requeridas.

E, relativamente à prova pericial, foi proferida a seguinte decisão (datada de 08/02/2021):

«No seu articulado de contestação as Rés solicitaram a realização de uma perícia ao veículo adquirido pela Autora, a fim de se apurar a quilometragem que o mesmo apresenta actualmente, tendo em vista a demonstração da matéria alegada no artigo 186º da contestação.

Por outro lado, as Rés solicitaram ainda “a realização de prova pericial à escrita da A., para apurar o decréscimo da sua facturação desde Março de 2020 até à presente data, em relação aos períodos de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de 2020. Destinando a peritagem requerida a provar os factos vertidos no art. 179º a 184º da Contestação”.

Antes de mais, é relevante atender ao disposto no artigo 388º do Código Civil, nos termos do qual “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.

Deste modo, não poderá deixar de se referir, em primeiro lugar, que a actual quilometragem do veículo de matrícula ... consubstancia um facto que pode ser apreendido através da mera observação do conta-quilómetros do veículo em causa, o que não exige os especiais conhecimentos técnicos susceptíveis de fundamentar a realização de um exame pericial.

O mesmo sucede no que respeita ao invocado “decréscimo de facturação”, já que o mesmo pode ser imediatamente detectado através do simples confronto entre os elementos contabilísticos da sociedade Autora referentes aos períodos indicados pelas Rés.

Em conformidade com o disposto no artigo 476º, n.º 1, do CPC, “se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.

Como salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “requerida a perícia – (…) –, o juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio da prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º CC). Sendo a diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a e o despacho de indeferimento é recorrível nos termos gerais.”.

Deste modo, por não se mostrarem necessárias para a demonstração dos factos indicados pelas Rés, não poderá ser determinada a realização de nenhuma das perícias requeridas.

Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, decido indeferir a realização das perícias requeridas pelas Rés em sede de contestação.» (cfr. o certificado nos autos).

Inconformadas com o decidido, vieram as RR. interpor recurso, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões:

...

Foi junta contra-alegação recursiva, concluindo a A. pelo não provimento do recurso, de molde a manter-se a decisão recorrida.

O recurso foi admitido, “na parte que diz respeito ao despacho de indeferimento das perícias requeridas”, como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e em separado, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursório.

Porém, foi proferido despacho de não admissão quanto ao mais, assim se decidindo “não admitir o recurso interposto pelas Rés relativamente ao despacho saneador proferido no âmbito dos presentes autos”, perante o que não foi deduzida reclamação contra o indeferimento a que alude o art.º 643.º do NCPCiv..

Foi ainda tomada posição pela 1.ª instância, no sentido do indeferimento, relativamente à “arguição de nulidade efectuada pelas Rés nas suas alegações de recurso” (cfr. decisão datada de 07/04/2021).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do subsistente mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([1]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa saber, somente:

a) Se a não admissão do recurso quanto a um dos segmentos decisórios recorridos (primeira parcela recursiva, como enunciado nas conclusões 1.ª a 17.ª das Recorrentes) se tornou definitiva por falta de reclamação para a Relação (a que alude o art.º 643.º do NCPCiv.), impedindo, por isso, o conhecimento dessa vertente da apelação;

b) Se há, ou não, fundamento válido para a decretada não admissão da prova pericial (segunda parcela recursiva, constante das conclusões 18.ª e segs. das Recorrentes).

III – Fundamentação

          A) Da factualidade apurada

          O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta apenas o seguinte (de acordo com a tramitação operada em 1.ª instância):

1. - Quanto ao objeto do litígio, consignou-se o seguinte:

«a. O direito da Autora à substituição do veículo de matrícula ... por outro de idênticas características;

b. Subsidiariamente, a anulabilidade do contrato de compra e venda referente ao veículo de matrícula ... e o direito da Autora ao recebimento da quantia de €163.177,00;

c. Subsidiariamente, o direito da Autora ao recebimento das quantias de €41.038,00 e €7.500,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos;

d. A prescrição e a caducidade dos direitos invocados pela Autora;

e. O abuso do direito da Autora.»;

2. - Já quanto aos temas da prova foi enunciado assim:

«a. A intervenção de cada uma das Rés ao nível da celebração do contrato de compra e venda referente ao veículo de matrícula ... e da reparação do mesmo;

b. A que título teve lugar a intervenção de cada uma das Rés nesse âmbito;

c. Os defeitos apresentados pelo veículo de matrícula ... e as circunstâncias em que os mesmos foram detectados e denunciados pela Autora;

d. As reparações efectuadas e os atrasos verificados ao nível da manutenção do veículo;

e. A imobilização do veículo de matrícula ... em consequência dos defeitos e atrasos invocados pela Autora;

f. Os danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pela Autora;

g. O acordo firmado pelas partes a propósito das reparações e das revisões obrigatórias do veículo e as circunstâncias em que estas foram realizadas;

h. O exercício abusivo do direito invocado pela Autora;

i. A litigância de má fé da Autora.»;

3. - Não foi deduzida reclamação contra o indeferimento a que alude o art.º 643.º do NCPCiv.;

4. - À causa foi fixado o valor de €122.139,00 (cfr. certidão judicial datada de 08/04/2021, que instrui o recurso).

          B) Do caráter definitivo do despacho de não admissão de parcela recursória

Como visto, foi proferido despacho de não admissão do recurso interposto relativamente ao despacho saneador, na parte em que neste se decidiu não haver “quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”.

Por isso, perante uma tal dimensão decisória de não admissão do recurso, podiam as Recorrentes reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, isto é, para este Tribunal da Relação, nos moldes previstos no art.º 643.º do NCPCiv..

Porém, constata-se que não foi deduzida a reclamação contra o indeferimento a que alude o art.º 643.º do NCPCiv. (cfr., designadamente, a aludida certidão judicial datada de 08/04/2021).

Não admitido o recurso, nesta parte, e não se mostrando que tenha havido reclamação para a Relação da decisão de não admissão, consolidada ficou, por isso, a decisão de rejeição da respetiva parcela recursiva, não cabendo conhecer dessa parte da impugnação/apelação.

Donde que só possa entender-se – como assim se entende, salvo sempre o devido respeito – que está arrumada, definitivamente, esta parcela recursiva, prejudicadas ficando as questões neste âmbito enunciadas ([2]).

C) Da errada decisão de rejeição de meio(s) de prova

Como já visto, foi proferida decisão de não admissão de duas perícias requeridas pelas RR., tratando-se, como dito na decisão recorrida, de «uma perícia ao veículo adquirido pela Autora, a fim de se apurar a quilometragem que o mesmo apresenta actualmente, tendo em vista a demonstração da matéria alegada no artigo 186º da contestação» e de «prova pericial à escrita da A., para apurar o decréscimo da sua facturação (…). Destinando a peritagem requerida, provar os factos vertidos no art. 179º a 184º da Contestação».

Na fundamentação da decisão recorrida, foi eleita – relembra-se ainda – a seguinte argumentação decisiva, a apontar para a “desnecessidade” destas provas ([3]):

«(…) a actual quilometragem do veículo (…) consubstancia um facto que pode ser apreendido através da mera observação do conta-quilómetros do veículo em causa, o que não exige os especiais conhecimentos técnicos susceptíveis de fundamentar a realização de um exame pericial.

O mesmo sucede no que respeita ao invocado “decréscimo de facturação”, já que o mesmo pode ser imediatamente detectado através do simples confronto entre os elementos contabilísticos da sociedade Autora referentes aos períodos indicados pelas Rés.».

Para aferir da apontada desnecessidade probatória, deve começar por atentar-se na factualidade concreta a provar.

Ora, sob os artigos em discussão da contestação (186.º e, por outro lado, 179.º a 184.º), as RR. alegaram o seguinte lastro fáctico:

«179º Os reais motivos que movem a A. na presente acção são bem diferentes.

180º Assim, a A. após ter utilizado intensamente tal viatura quase 2 anos e meio, e após ter terminado a garantia, e atendendo à grave crise económica que o sector dos transportes turísticos atravessa desde Março de 2020, fruto da pandemia do Covid- 19, e como tal a sua empresa.

181º Com a consequente quebra de rendimentos daí resultantes.

182º Pretende, agora, a A. abusivamente resolver o contrato que outorgou com a R. U..., Lda., tendo por objecto o veículo automóvel com a matrícula ...

183º Sendo que, o que antes serviu, agora passa a não servir, após uma utilização intensa durante quase dois anos e meio.

184º Pois, a actividade da A., deixou de ser tão lucrativa como o era até Março de 2020.

185º Pretendendo a A., a restituição do preço pago acrescido de Iva e ainda os juros suportados pelo empréstimo contraído para tal aquisição.

186º Ou um veículo novo, após utilizar intensamente o veículo que comprou à R. U..., Lda., desde 01/03/2018 até à presente data.».

É bem sabido que a (parte fáctica da) sentença deve versar sobre (concretos) factos, como logo decorre do disposto no art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv., devendo o juiz “discriminar os factos que considera provados”, declarando “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados” e apreciando “livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, pelo que as conclusões e valorações jurídicas ficam reservadas para a fundamentação de direito, não havendo de sobre elas se produzir prova, por destituídas de concreta dimensão fáctica.

Assim, embora a instrução tenha por objeto os temas da prova (art.º 410.º do NCPCiv.), certo é que necessitados de prova são os factos controvertidos, pelo que é sobre estes que os elementos de prova têm que incidir, com vista “ao apuramento da verdade”, sempre, pois, “quanto aos factos” alegados (cfr. art.ºs 411.º e segs. do mesmo Cód.).

Aliás, se dúvidas houvesse, elas sempre seriam dissipadas pelo disposto na norma clara do art.º 341.º do CCiv., estabelecendo que as provas – todas elas – “têm por função a demonstração da realidade dos factos”.

E é conhecido o âmbito admissível e a finalidade da prova pericial.

Esta tem sempre um determinado objeto, indicado pela parte requerente – podendo a contraparte contribuir para a sua definição –, sujeito à determinação do juiz, com enunciação das “questões de facto” a deverem ser esclarecidas pelos peritos, isto é, com reporte sempre a factos, independentemente de terem sido alegados pelo requerente ou pela parte contrária (cfr. art.ºs 475.º e seg. do NCPCiv.).

Quanto à finalidade, dispõe o art.º 388.º do CCiv. que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial ([4]).

Já quanto à força probatória, estabelece o art.º 389.º do CCiv. que a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”, sem esquecer, obviamente, que se trata de prova de cariz técnico, científico ou artístico, logo, prova qualificada, devendo o Tribunal, em caso de divergência face às respostas dos peritos, fundamentar a sua posição, enunciando as razões da sua divergência, assim satisfazendo exigências/razões de indispensável transparência, para boa compreensão pelas partes e adequado controlo em caso de recurso ([5]).

Por outro lado, retira-se, por argumento a contrario, do preceito do art.º 476.º, n.º 1, do NCPCiv., que o juiz deve indeferir a diligência probatória, rejeitando o meio de prova (perícia), se entender que tal diligência é “impertinente” ou “dilatória”.

E, como vem sendo entendido, a prova pericial «é impertinente» se «não respeitar aos factos da causa», sendo, por outro lado, «dilatória» se, «não obstante respeitar aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe» ([6]), tornando tal prova desnecessária, sabido até que é proibida no processo, à luz do princípio da limitação dos atos, a prática de atos inúteis (art.º 130.º do NCPCiv.).

Fora desse horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita ([7]), ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela judicial efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, tudo como consagrado no art.º 20.º da CRPort. ([8]).

A esta luz, vejamos então as duas perícias requeridas, na perspetiva da sua necessidade ou, ao invés, do seu caráter dilatório, por o apuramento pretendido não requerer o meio de prova pericial, não estando em causa conhecimentos especiais que o julgador não possua.

A primeira daquelas perícias reporta-se, como dito, ao veículo automóvel (pesado de passageiros) adquirido pela A., com a finalidade de se apurar a respetiva quilometragem atual, para demonstração da matéria alegada no art.º 186.º da contestação, onde as RR., sob invocação de pretensão abusiva da A., alegaram que esta pretende, afinal (oportunisticamente), um veículo novo, após ter utilizado intensamente o veículo em causa, desde 01/03/2018 e até ao presente.

Ora, perante esta conformação jurídico-factual, o que importa saber, no plano fáctico – aquele a que respeita a prova –, é apenas a dita “quilometragem atual” da referida viatura automóvel, em face do que, já no plano valorativo/conclusivo, se poderá, depois, aferir se houve, ou não, a imputada “utilização intensiva” (por comparação com a quilometragem ao tempo da venda/entrega).

Tal quilometragem é, comummente, evidenciada pelo conta-quilómetros da viatura, bastando que se olhe para ele (com o olhar de um qualquer/normal observador), seja, pois, através do olhar das testemunhas, seja mesmo, se necessário, mediante inspeção judicial.

Por isso, concorda-se que não se mostra necessária a realização de uma perícia para o efeito, por a averiguação respetiva não demandar especiais conhecimentos técnicos, antes bastando (saber) ler algarismos/números (os disponibilizados pelo próprio veículo, no seu dito conta-quilómetros).

Já assim não seria se houvesse de averiguar-se quanto a alguma eventual viciação/falsificação do conta-quilómetros da viatura, caso em que só um técnico/perito na matéria poderia apurar dessa viciação/falsificação (e da quilometragem real, por detrás da manipulada/alterada).

Porém, nem na factualidade assim alegada (aquela que se pretende provar) nem no correspondente requerimento probatório, a parte (RR.) veio invocar tal viciação/falsificação, ou sequer a possibilidade da sua existência, só o fazendo, a posteriori, agora nas razões do seu interposto recurso, em derradeiro esforço perante o não acolhimento da sua pretensão de ordem probatória.

Todavia, a necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte, haveria de ter sido evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post facto, no recurso da decisão desfavorável, posto ser, como é consabido, perante os dados apresentados ao Tribunal a quo que, obviamente, teria de decidir-se (no âmbito normativo do aludido art.º 476.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Assim sendo, ficou por demonstrar, salvo o devido respeito, a necessidade da requerida prova pericial, com a consequência de haver de ter-se por correto o juízo de desnecessidade formulado na decisão recorrida, a não dever, então, ser alterado.

Por sua vez, a segunda perícia requerida reporta-se, como visto, à análise da escrita/contabilidade da sociedade A., no intuito de apurar quanto ao decréscimo da sua faturação, em períodos temporais determinados, para prova quanto aos factos alegados sob os art.ºs 179.º a 184.º da Contestação, pelo que é quanto a estes que cabe ponderar.

Tratar-se-ia, então, de saber, no plano fáctico, se ocorreu, e em que medida, um tal «decréscimo de faturação», sendo certo que cabia à parte requerente (as RR.), logo ao requerer a perícia, indicar concretamente, «sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência» (cfr. art.º 475.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Porém, naqueles art.ºs 179.º e segs. da contestação não se alude a qualquer caraterizado «decréscimo de faturação», mas apenas a «motivos que movem a A.», a “utilização intensa da viatura”, à “grave crise económica, fruto da pandemia” e «consequente quebra de rendimentos» (da A.), pelo que «a actividade da A., deixou de ser tão lucrativa como o era até Março de 2020».

Perante isto, cabe perguntar: onde estão os concretos factos alegados e carecidos de prova técnica (em sede de articulado de contestação) e as questões de facto que se pretende ver esclarecidas através da perícia contabilística (em sede de requerimento de prova)?

Ora, como mencionado, falta a descrição desses concretos factos nos invocados artigos da contestação, tal como falta, do mesmo modo, no requerimento probatório, a clarificação das questões de facto a esclarecer pelos peritos ([9]).

Donde que sempre houvesse esta pretensão de aquisição probatória de naufragar, sem prejuízo da diagnosticada “desnecessidade” à luz de tão genérica definição quanto à materialidade fáctica probanda e inerentes questões de facto.

Por fim, cabe dizer que, como salientado pela contraparte (na resposta ao recurso), as RR. vieram depois formular aditamento ao seu requerimento probatório, onde esclareceram o seguinte:

«1º As RR. mantêm integralmente, o teor do seu requerimento probatório junto à Contestação, que dão como reproduzido.

2º Sem prejuízo de ser interposto recurso do douto despacho que indeferiu a realização das provas periciais, desde já, por mera cautela, nos termos do art. 598.º nº 1 e 593º nº 3 ambos do Cód. Proc. Civil, requer-se a produção da seguinte prova documental, para prova do alegado nos arts. 179º a 184º da Contestação:

a) A notificação da A. a fim de juntar aos autos os seguintes documentos:

i. As facturas que emitiu desde Março de 2020 até à presente data;

ii. As facturas que emitiu de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de 2020.

iii. Os Balancetes analíticos (em que conste as contas 21 e 22 detalhadas), dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.

iv. Os IES dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.

v. As Declarações de IVA dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.».

Ora, se deste aditamento ao requerimento probatório, em adequada leitura, não pode retirar-se, por infundada e desproporcional, uma “tácita conformação das RR. com a decisão de indeferimento das diligências probatórias”, em termos de perda do direito ao recurso, à luz do normativo convocado pela A./Recorrida (art.º 632.º, n.º 2 e 3, do NCPCiv., por via de invocada aceitação da decisão depois de proferida), já que, como referido pelo Tribunal a quo (no despacho de admissão do recurso), «o requerimento de prova entretanto apresentado (cfr. referência n.º ...) não consubstancia qualquer aceitação da decisão proferida quanto ao indeferimento das perícias requeridas», posto as Apelantes terem deixado bem expresso que mantinham integralmente o teor do seu requerimento probatório junto à Contestação, dando-o como reproduzido, e que agiam sem prejuízo da interposição de recurso do despacho de indeferimento da realização das provas periciais, já pode concluir-se, por outro lado, que a aquisição de tal diversificada prova documental permitirá, no plano contabilístico (apenas de faturação), satisfazer a pretensão probatória em questão, de molde a reforçar a desnecessidade da requerida perícia contabilística, podendo o Julgador, por si mesmo, analisar/apreciar essa prova documental ([10]), para o que, sem necessidade de entrar na apreciação de questões técnicas só ao alcance dos peritos em contabilidade, dispõe de um nível de conhecimento bastante, sem prejuízo, se necessário (à luz do escopo da descoberta da verdade e boa decisão da causa ou, por outras palavras, da “justa composição do litígio”, fim último do processo, de harmonia com o disposto no art.º 411.º do NCPCiv.), de poder vir a socorrer-se, em audiência final, de ajuda técnica (no quadro do art.º 601.º do mesmo Cód.).

Em suma, o admitido recurso deve improceder, com manutenção da decisão recorrida (de rejeição de requerimentos de prova pericial).

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Interposta apelação quanto a diversos segmentos decisórios (despacho saneador e, por outro lado, decisão de rejeição de meios probatórios), em caso de não admissão do recurso quanto a um desses segmentos e admissão quanto ao mais, deve o recorrente, se discordar da não admissão recursiva, reclamar tempestivamente para o tribunal competente, nos termos do art.º 643.º do NCPCiv., sob pena de consolidação daquela não admissão, obstando ao conhecimento dessa parte da apelação.

2. - Embora a instrução tenha por objeto os temas da prova, necessitados de prova são os factos controvertidos, pelo que é sobre estes que os elementos de prova têm que incidir, com vista ao apuramento da verdade, o que afasta a realização de prova quanto a conteúdos meramente vagos ou a juízos conclusivos ou valorativos.

3. - Por exigência legal imperativa, a prova pericial deve ter objeto determinado, indicado pela parte requerente, com enunciação das questões de facto a serem esclarecidas pelos peritos, sob pena de rejeição, tendo em conta a finalidade de perceção ou apreciação de factos que exijam conhecimentos especiais que o julgador não possui.

4. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo tribunal, não pode olvidar-se que se trata de prova qualificada, de cariz técnico, científico ou artístico, devendo o tribunal, em caso de divergência relativamente ao relatório pericial, fundamentar a sua posição, enunciando as razões da sua divergência, assim satisfazendo exigências de transparência, para boa compreensão da decisão pelas partes e adequado controlo em caso de recurso.

5. - O juiz deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso de impertinência – se a perícia não é reportada aos factos da causa – ou caráter dilatório – se, embora com reporte a tais factos, o respetivo apuramento não demanda os especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos subjacentes àquela prova específica, tornando-a desnecessária.

6. - Fora desse horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da CRPort..

7. - A necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte, deve ser evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post facto, no recurso da decisão desfavorável, por ser perante os dados apresentados naquela instância que tem de decidir-se da admissibilidade dos meios de prova.

8. - Pretendendo a parte o apuramento da quilometragem atual de um veículo automóvel, a qual é, comummente, evidenciada pelo conta-quilómetros da viatura, bastando a mera observação do mesmo, deve concluir-se que não se mostra necessária a realização de uma perícia para o efeito, por a averiguação respetiva não demandar especiais conhecimentos técnicos, mormente se não havia de averiguar-se quanto a viciação/falsificação do conta-quilómetros, por não invocada no momento próprio, sendo tardia a invocação apenas no recurso.

9. - Sendo requerida perícia contabilística, no intuito de apurar quanto a decréscimo de faturação de uma sociedade, sem alegação (no articulado correspondente) dos concretos factos a submeter à prova técnica e sem enunciação (no requerimento de prova) das questões de facto a esclarecer através das respostas dos peritos, tem essa pretensão probatória de improceder, por indefinição do objeto da perícia.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, julgando improcedente, no âmbito admitido, a apelação, em confirmar a decisão recorrida de rejeição de prova pericial.

Custas da apelação pelas RR./Apelantes.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Coimbra, 11/05/2021

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([2]) E mesmo que assim não fosse entendido, nem por isso o recurso poderia ser admitido. É que não se trata, nesta parte, de decisão a que aludem os n.ºs 1 e 2 do art.º 644.º do NCPCiv.. Efetivamente, para além de não ter sido posto termo à causa [al.ª a) do n.º 1], a situação não se enquadra na al.ª b) do n.º 1, pois nem há decisão quanto ao mérito da causa – as questões de mérito foram deixadas para final, apenas se decidindo não haver outras nulidades, exceções ou questões prévias de que cumprisse desde logo conhecer e que obstassem à apreciação do mérito da causa –, nem absolvição alguma (da instância ou de pedido, e se a houvesse, seria, obviamente, favorável às RR./Recorrentes, pelo que dessa matéria não recorreriam). E também não se enquadra, manifestamente, em qualquer das al.ªs do n.º 2 do mesmo art.º 644.º. Por isso, não seria admissível como apelação autónoma. Logo, não se tratando de apelação autónoma, o recurso só poderia subir ulteriormente, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do mesmo art.º do NCPCiv., com a consequência da sua extemporaneidade manifesta nesta altura/fase do processo, desencadeando o efeito preventivo sediado nas normas dos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos daquele Cód..
([3]) Considerando-se expressamente “não se mostrarem necessárias para a demonstração dos factos indicados pelas Rés”.
([4]) Cfr., inter alia, o Ac. STJ de 25/11/2004, Proc. 04B3648 (Cons. Ferreira de Almeida), em www.dgsi.pt..
([5]) É que, como dito no Ac. TRC de 24/04/2012, Proc. 4857/07.6TBVIS.C1 (Rel. Henrique Antunes), também em www.dgsi.pt.: «A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil)».
([6]) Assim, por todos, o Ac. TRL de 24/09/2019, Proc. 2009/17.6T8OER-C.L1-7 (Rel. José Capacete), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se ainda:
«3.- A prova pericial pode destinar-se:
- à perceção indiciária de factos por inspeção de pessoas (ex.: exame médico-legal) ou de coisas, móveis ou imóveis, (ex.: exame de uma máquina ou vistoria de um prédio);
- à avaliação de coisas ou direitos (determinação do valor de um prédio ou de um quadro, duma quota social);
- à verificação da origem dum documento (assinatura, letra, data, genuinidade, alteração), à revelação do seu conteúdo (máxime os livros e documentos de escrita comercial e os documentos eletrónicos);
- à a apreciação, de acordo com regras de especialidade, dos indícios a extrair de fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo de causalidade).
4.- A necessidade de prova pericial afere-se, naturalmente, em função dos factos articulados pelas partes em cada concreto processo, sempre que à percepção ou apreciação desses factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isto é, conhecimentos para além da ciência jurídica, sendo, por isso, necessária a cultura especial e a experiência qualificada do perito na matéria em causa.».
([7]) Através de quaisquer meios de prova admissíveis em direito.
([8]) Dispõe, no aqui relevante, este normativo constitucional:
«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
(…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.».
([9]) Não basta, se bem se vê, para que se considerem enunciadas questões de facto (que têm de ser precisas/concretas), a esclarecer pelos peritos, a genérica alusão a «apurar o decréscimo da sua facturação desde Março de 2020 até à presente data, em relação aos períodos de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de 2020».
([10]) Como claramente assumido por aquele Tribunal – que não deixará de assim proceder, não obstaculizando ao direito à prova das partes –, o invocado “decréscimo de facturação” pode ser imediatamente detectado através do simples confronto entre os elementos contabilísticos da sociedade Autora referentes aos períodos indicados pelas Rés.