Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2434/18.5TVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: ERROS OU OMISSÕES DA SECRETARIA
ERROS DOS CTT
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 157.º, N.º 6, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL.
Sumário: O artigo 157.º, n.º 6, do Código do Processo Civil sobre erros e omissões da secretaria não é de aplicar por analogia ao erro em que incorreram os C.T.T. ao registarem a data da entrega da carta de citação no serviço online de acompanhamento dos envios.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos de acção declarativa com processo comum em que são autores A… e B… , os réus,  C… e  D… foram citados por cartas registadas com aviso de recepção.

O aviso de recepção expedido com a carta dirigida ao réu  C… mostra-se assinado por este em 23 de Maio de 2018.

O aviso de recepção expedido com a carta endereçada ao réu  D.. mostra-se assinado por este em 24 de Maio de 2018.

A contestação dos réus deu entrada em juízo no dia 4 de Julho de 2018.

No despacho saneador, a Meritíssima juíza do tribunal a quo, apreciando a questão da tempestividade da contestação, concluiu que a contestação havia sido apresentada dentro do prazo legal.

Os autores não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e se substituísse o despacho recorrido por decisão que julgasse intempestiva a contestação apresentada pelos réus, com as legais consequências.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Conforme constava do AR junto aos autos, o réu  D… procedeu pessoalmente ao levantamento da carta /citação na estação dos CTT no dia 24/05/2018, constando da plataforma Citius que o AR foi apresentado aos autos no dia 25/05/2018;
2. O réu  D… sabia e tinha obrigação de saber a data concreta em que recebeu a citação, aliás o dia em que se deslocou à estação dos CTT para levantar a carta com a citação;
3. A data efectiva do recebimento da carta da citação é o único facto que assume relevo para aferir da (in)tempestividade da contestação;
4. Tendo-se o réu  D… esquecido da data da citação ou não tendo transmitido correctamente essa data ao seu Ilustre mandatário, as consequências dessa falta são sibi imputet;
5. A informação constante no sistema informático dos CTT relativamente à data da alegada entrega da carta da citação tem uma credibilidade relativa e é completamente irrelevante para apurar da tempestividade ou não da contestação;
6. Não se poderá ter como aceitável que os réus não soubessem a data em que receberam as citações;
7. E muito mesmo se poderá ter como aceitável que, atendendo à data constante do sistema informático dos CTT (04-06-2018) como sendo a da citação do réu D… , tão díspar em relação à data da citação do réu C… , citado em 23-05-2018, não se levantassem dúvidas quanto à data efectiva da citação daquele, tanto mais que ambos os réus são representados pelo mesmo mandatário;
8. Tendo na sua posse as citações de ambos os réus, estava o Ilustre Mandatário dos réus em posição de facilmente perceber que as mesmas haviam sido remetidas no mesmo dia e que por isso teriam sido recebidas no dia ou dias imediatos;
9. Havendo dúvidas, e salvo sempre o devido respeito (que é aliás muito), impunha-se ao Exmo. Mandatário dos réus uma diligência maior direccionada ao tribunal, nomeadamente por consulta dos autos ou contacto directo com a secção de processos, o que não terá ocorrido;
10. Havendo dúvidas, a consulta e pesquisa quanto à data efectiva do recebimento da carta para citação, não podia ser efectuada apenas de forma superficial e relativa junto do serviço informático dos CTT, que nem sequer faz parte do sistema ou organização judiciários;
11. Mas também podia, e aliás devia ter sido efectuada, na secretaria do tribunal, onde facilmente, e sem margem para dúvidas, se apuraria a data efectiva da citação do réu D… , através da consulta do respectivo AR;
12. Pois que é por demais sabido por todos os operadores e intervenientes judiciários que a verdadeira confirmação da recepção de uma carta se obtém através da consulta do respectivo aviso de recepção, que para o efeito contém sempre ou há-de sempre conter (como é o caso dos presentes autos), a assinatura do receptor e a data da recepção;
13. Atendendo ao evidente desfasamento entre data da citação de um réu e a alegada data de citação do outro réu, impunha-se ao Ilustre Mandatário diligência maior, com consulta dos autos ou contacto directo com a secretaria do tribunal;
14. O lapso dos CTT quanto à informação disponível no seu sistema informático, em nada se assemelha aos erros ou omissões praticados pela secretaria do tribunal;
15. Os CTT são uma entidade que não faz parte, que não se insere no sistema da justiça, não podendo um lapso no sistema informático dos CTT quanto à data de alegada entrega de uma carta para citação, ser comparável com um erro ou omissão da secretaria judicial;
16. Um eventual erro no sistema informático dos CTT quanto à data de alegada entrega de uma carta para citação, não poderá, por falta de fundamento legal, ser resolvido por aplicação do n.º 6 do artigo 157.º do CPC;
17. O Réu  D… sabia, e não podia desconhecer, a data em que recebeu a citação, tanto mais que se deslocou a estação dos CTT para a receber;
18. Não sendo credível, dentro de um padrão de homem médio, que o réu não se lembre do dia, da semana ou do mês em que recebeu uma carta;
19. Para além de que tinha o seu Ilustre mandatário a possibilidade, e neste caso mesmo o dever de, junto da secretaria do tribunal, averiguar a efectiva data da citação, dever esse tanto mais acentuado quando representava ambos os réus e as alegadas datas de citação destes se mostravam tão díspares;
20. Sendo certo que também sabia e sabe que a única forma segura, certa, absolutamente credível e diligente de confirmar a data de recepção de uma carta é pela consulta do respectivo AR;
21. O início do prazo para a apresentação da Contestação só poderá ser o dia em que o réu  D… recebeu a citação, ou seja, o dia 24-05-2018, prazo que terminou no dia 23-06-2018;
22. Pelo que, tendo a contestação sido apresentada no dia 04-07-2018, é a mesma intempestiva, com as legais consequências, devendo, pois, ser revogado o despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo.

Os réus não responderam ao recurso.


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Questão suscitada pelo recurso:

Apesar de os recorrentes imputarem à decisão recorrida a violação dos artigos 567.º e 569.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, em rigor a questão suscitada pelo recurso não é a de saber se a decisão recorrida, ao julgar que a contestação dos réus foi apresentada dentro do prazo legal, violou os mencionados preceitos. Com efeito, resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só é pertinente imputar à decisão recorrida a violação das normas jurídicas que tenham constituído fundamento jurídico da decisão e é seguro afirmar-se, a partir do texto da decisão recorrida, que nem o artigo 567.º nem os números 1 e 2 do artigo 569.º do CPC constituíram fundamento jurídico do que foi decidido. Na verdade, para concluir que a contestação foi apresentada dentro do prazo legal, o despacho recorrido não se amparou nem no artigo 567.º nem no artigo 569.º, n.ºs 1 e 2.

O preceito que foi decisivo para julgar tempestiva a contestação foi o n.º 6 do artigo 157.º do CPC. Por outras palavras, o despacho recorrido considerou que o prazo de 30 dias para contestar a acção começou a correr no dia 4 de Junho de 2018, o dia que os CTT assinalaram, no seu serviço online de acompanhamento dos objectos postais enviados sob registo, como sendo o dia em que a carta registada fora entregue ao réu D… . Daí que, em rigor, a questão suscitada pelo recurso é a de saber se a decisão sobre recurso errou quando entendeu que o prazo de 30 dias para contestar a acção começou a correr no dia 4 de Junho de 2018.


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Os factos relevantes para a decisão são os seguintes:
1. Os réus foram citados por cartas registadas com aviso de recepção. 
2. O aviso de recepção expedido com a carta dirigida ao réu  C… mostra-se assinado por este em 23 de Maio de 2018.
3. O aviso de recepção expedido com a carta endereçada ao réu  D… mostra-se assinado por este em 24 de Maio de 2018.
4. A citação foi feita com a seguintes indicações: “Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es). Com a contestação, deverá o citando, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, de acordo com o artº 572º do Código de Processo Civil. No caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.ºs 228.º e 245.º do CPC). A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR. O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial. Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos”.
5. A contestação dos réus deu entrada em juízo no dia 4 de Julho de 2018.
6. A carta para citação do réu  D… foi efectivamente entregue ao seu destinatário em 24 de Maio de 2018.
7. A carta para citação do réu  C… foi efectivamente entregue ao seu destinatário em 23 de Maio de 2018.
8. Os CTT registaram por lapso, no seu serviço online de acompanhamento das entregas, que a carta registada dirigida ao réu D…  foi entregue no dia 4 de Junho de 2018.

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Descritos os factos, passemos à resolução da questão acima enunciada: saber se a decisão sobre recurso errou quando entendeu que o prazo de 30 dias para contestar a acção começou a correr no dia 4 de Junho de 2018.

Previamente importa expor em síntese as razões que levaram a decisão a julgar que a contestação dos réus foi apresentada dentro do prazo legal.

Os réus foram citados por carta regista com aviso de recepção. O aviso de recepção junto à carta registada endereçada ao réu C… foi assinado por este em 23-05-2018; o aviso de recepção junto à carta registada dirigida ao réu  D… foi assinado por este em 24-05-2018.

Apesar de o n.º 1 do artigo 569.º do CPC dispor que o prazo da contestação começa a contar da citação e de o n.º 1 do artigo 230.º do CPC afirmar que a citação de pessoa singular por via postal considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, a Meritíssima juíza do tribunal a quo entendeu que o prazo da contestação começava a contar não a partir do dia em que se mostravam assinados os avisos de recepção, mas a partir de 4 de Junho de 2018. Esta data foi a que os CTT registaram, por lapso, no serviço online de acompanhamento de objectos enviados, como sendo a da entrega da carta registada ao réu D… .

O despacho recorrido deu relevância a esta última data (4 de Junho de 2018), apesar de ser incontroversa a seguinte realidade:
1. Que o aviso de recepção foi assinado no dia 24 de Maio de 2018;
2. Que a carta foi entregue efectivamente nessa data;
3. Que o registo, no serviço online, da entrega da carta em 4 de Junho de 2018, ficou a dever-se a erro dos CTT.

Os argumentos da decisão recorrida a favor da relevância da data de 4 de Junho de 2018 foram, em síntese, os seguintes:
1. O erro dos CTT quando à data da entrega não podia prejudicar os réus;
2. Os réus organizaram os tempos da sua defesa com base na data que os CTT disponibilizaram no sobredito documento;
3. Este comportamento não pode ser censurado aos réus, sendo aliás prática comum e habitual na prática forense;
4. Era perfeitamente aceitável que os réus não tenham facultado os avisos de recepção ao seu mandatário, o que se mostrava desnecessário, face à circunstância de este poder aceder ao seu conteúdo na sequência da pesquisa a efectuar junto do serviço informático dos CTT, na modalidade de acompanhamento de entrega, o que dispensaria a sua análise e leitura;
5. Era aplicar por analogia, ao erro dos CTT, o n.º 6 do artigo 157.º do CPC, segundo o qual os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria não poderão, em qualquer caso, prejudicar as partes; 

Os recorrentes contestam, em síntese, esta fundamentação com a seguinte alegação:
1. Que a data efectiva do recebimento da carta de citação é o único facto que assume relevo para aferir da tempestividade da contestação;
2. Que a informação constante no sistema informático dos CTT relativamente à data da alegada entrega da carta de citação tem uma credibilidade relativa e é completamente irrelevante para apurar da tempestividade ou não da contestação;
3. Que o lapso dos CTT quanto à informação disponível no seu sistema informático em nada se assemelha a erros ou omissões praticados pela secretaria do tribunal;
4. Que os réus sabiam em que data receberam a carta com a citação;
5. Que o mandatário dos réus tinha a possibilidade e mesmo o dever de averiguar junto da secretaria do tribunal a data efectiva da citação, sendo certo que sabia que a única forma segura, certa e credível e diligente de confirmar a data da recepção de uma carta e através da consulta do aviso de recepção;
6. Que o início do prazo da contestação deu-se em 24 de Maio de 2018 e o termo de tal prazo em 23-06-2018, pelo que, tendo a contestação sido apresentada em 4 de Julho de 2018, a mesma é intempestiva.

Apreciação do tribunal:

Em primeiro lugar, assiste razão aos recorrentes quando alegam que a data que tem relevo para a determinação do termo inicial do prazo da contestação é a da assinatura do aviso de recepção que acompanhou o correio registado.  

Com efeito, quando o réu for citado por via postal, como sucedeu no caso, a resposta à questão do termo inicial do prazo da contestação é dada pelo n.º 1 do artigo 230.º do CPC combinado com n.º 1 do artigo 569.º do mesmo diploma.

O n.º 1 do artigo 230.º do CPC diz que a citação de pessoa singular por via postal considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

O n.º 1 do artigo 569.º do CPC diz que o réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação.

Da combinação destes dois preceitos resulta que o termo inicial do prazo para o réu contestar corresponde à data em que se mostrar assinado o aviso de recepção.

A solução é compreensível. Sabendo-se que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (n.º 1 do artigo 219.º do CPC), deve considerar-se como data deste conhecimento aquela em que ele é informado de que está a ser citado e em que recebe todos os documentos necessários para se defender da acção. Nos casos em que este conhecimento é levado através de correio registado é legítimo presumir que o réu teve conhecimento de tal correio quando ele lhe foi entregue. E o aviso de recepção, que constitui um serviço adicional ao correio registado, uma vez assinado, constitui um meio idóneo e apropriado para demonstrar que o correio foi entregue na morada do destino e na data em que foi assinado.

Em segundo lugar, também assiste razão aos recorrentes quando alegam que a informação sobre a data de entrega da carta registada, lançada pelos CTT, no serviço online de acompanhamento das entregas, não tem relevo para efeitos da determinação do termo inicial do prazo da contestação. Com efeito, as disposições do CPC sobre citações e sobre o prazo da contestação não lhe atribuem qualquer relevância.

Em terceiro lugar, também assiste razão aos recorrentes quando alegam que o n.º 6 do artigo 157.º do CPC sobre erros e omissões da secretaria não é aplicar por analogia ao erro em que incorreram os CTT, ao registarem a data da entrega da carta de citação endereçada ao réu D… , no serviço online de acompanhamento dos envios.

Resulta dos números 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil que a submissão de um caso não previsto na lei a uma norma do sistema pressupõe que, no caso omisso procedam, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

Segue-se daqui que o regime sobre erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial previsto no n.º 6 do artigo 157.º do CPC seria de aplicar ao erro em que incorreram os CTT se as razões justificativas de tal regime também valessem em relação ao erro dos CTT. Mais concretamente: o regime seria de aplicar por analogia se as razões que levaram o legislador a afirmar que os erros e as omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podiam prejudicar as partes também se aplicassem ao erro em que incorreu os CTT.

É seguro afirmar-se que tal não acontece. Com efeito, a lei afirma que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem prejudicar as partes porque, atendendo à função e aos deveres das secretarias judiciais, justifica-se que as partes, num processo, confiem nos actos praticados pela secretaria. Este regime é uma concretização do princípio da confiança jurídica. Socorrendo-nos das palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, página 193] “… devendo as secretarias judiciais atuar nos termos da lei e segundo as orientações do juiz de que dependem, as partes hão-de poder confiar naquilo que os funcionários lhe transmitem ou levam a cabo”.

Os CTT, mais especificamente o serviço online de acompanhamento dos envios onde foi registada com erro a data em que foi entregue a carta registada dirigida ao réu D… , não se equiparam às secretarias judiciais nem do ponto de vista da sua função nem do ponto de vista dos seus deveres.

A função do serviço é permitir aos clientes dos CTT acompanhar a entrega de objectos postais. Ele não tem por função certificar, perante o tribunal ou o destinatário da carta, a data da entrega dela.

Daí que não haja fundamento para submeter o erro em que incorreu os CTT ao regime do n.º 6 do artigo 157.º do CPC.

Observe-se que, mesmo em matéria de erros e omissões das secretarias, nem todos estão cobertos pela salvaguarda do n.º 6 do artigo 157.º do CPC. Fora desta protecção estão os actos da secretaria que não tenham relevância para o desenvolvimento normal do processo. Cita-se em abono desta interpretação o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2019, de 26 de Setembro de 2019, publicado em https://www.tribunalconstitucional.pt que julgou não inconstitucional o n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de abranger apenas os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria no próprio processo, que detenham relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais, com exclusão dos atos exteriores a esse processamento”.

Recorde-se que na origem desta decisão esteve o recurso interposto contra um acórdão do STJ que havia interpretado o n.º 6 do artigo 157.º do CPC no sentido de que “… os atos a que refere o dispositivo são ações praticadas no próprio processo com relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais e não, como no caso, numa ação exterior a esse processamento. Se por exemplo numa certidão, por evidente erro, se menciona o trânsito em julgado da sentença com um ano de diferença, não pode a parte com base nessa incorreção considerar (e defender) que o trânsito do aresto se verificou um ano depois, como erroneamente afirma a certidão”.

Ora se um erro ou omissão da secretaria do tribunal que não tenha relevância para o desenvolvimento do processo não beneficia do regime do n.º 6 do artigo 157.º do CPC por maioria de razão não beneficiará deste regime um erro de uma entidade alheia ao desenvolvimento do processo.

Em quarto lugar, assiste razão aos recorrentes quando alegam que o réu  D… sabia em que data recebeu a carta com a citação. Com efeito, o réu assinou o aviso de recepção que acompanhava a carta registada e esta assinatura, com a aposição da data em que teve lugar, constitui prova de que o correio registado foi entregue na data indicada. Mais: os réus sabiam ou não podiam ignorar que o prazo de 30 dias para contestar a acção começava a contar desde a citação porque tal indicação seguia com a carta registada.

Em quinto lugar também assiste razão aos recorrentes quando alegam que o mandatário dos réus tinha a possibilidade e mesmo o dever de averiguar junto da secretaria do tribunal a data efectiva da citação, sendo certo que sabia que a única forma segura, certa e credível e diligente de confirmar a data da recepção de uma carta é através da consulta do aviso de recepção.

Na verdade, socorrendo-nos as palavras do acórdão do Tribunal Constitucional acima mencionado “… as partes devem agir com diligência e de boa fé, não lhes sendo lícito retirar vantagem processual de erros administrativos que foram detetados ou que deviam ter sido detetados”.

Assim, se por hipótese, algum dos réus tivesse dúvidas sobre a data em que assinou o aviso de recepção e recebeu a carta registada, o que o dever de diligência lhes impunha era a consulta do aviso de recepção na secretaria do tribunal judicial.

Não colhe, assim, salvo o devido respeito, o entendimento da decisão recorrida de que não era censurável a organização do tempo da defesa com base na data indicada pelos CTT no serviço de acompanhamento online dos objectos postais, sendo prática comum e habitual na praxis forense.

Sobre esta prática, este tribunal ignora se ela é comum e habitual. Porém, se o for, ela não tem cobertura legal e é feita necessariamente por conta e risco de quem a ela recorre, pois a lei é clara quanto à data da citação e ao início do prazo da contestação.

Diga-se, ainda, contra a tese da decisão recorrida que, caso ela fosse acolhida, estar-se-ia a permitir que os réus retirassem vantagens de um erro que era conhecido do réu  D… ou que ele não devia ignorar. Com efeito, o réu  D… sabia ou não podia ignorar que a data da entrega da carta que figurava no serviço dos CTT estava errada.

Por todo o exposto é de concluir que o termo inicial do prazo para o réu « D…  contestar a acção correspondia ao dia 24 de Maio de 2018 e que o prazo para contestar terminava no dia 25 de Maio desse ano ou no dia 28 do mesmo mês ano, caso usasse da faculdade que lhe era concedida pelo n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

E de igual prazo dispunha o réu  C… apesar de ter sido citado no dia 23 de Maio de 2018, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 569.º do CPC.

Considerando que os réus apresentaram a contestação em 4 de Julho de 2018, conclui-se que o fizeram num momento em que já não tinham o direito de contestar. Com efeito, o prazo para contestar é um prazo peremptório e segundo o n.º 3 do artigo 139.º o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.

Em consequência, é de concluir que a contestação dos réus foi apresentada fora do prazo legal. Procede, em consequência, o recurso.


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Decisão:

Julga-se procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se o despacho recorrido e substituiu-se o mesmo por decisão a julgar que a contestação foi apresentada fora de prazo;
2. Ordena-se o desentranhamento da contestação.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o facto de os recorridos terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas.

Coimbra, 15-06-2021